Lídia Brochier Economia brasileira 1ª Prova 1. Descreva as

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Lídia Brochier
Economia brasileira
1ª Prova
1. Descreva as principais fases da industrialização brasileira no período 1930-1980. Como se pode
caracterizar o período pós 1980? Qual o papel da distribuição de renda na definição do dinamismo
e perfil do crescimento?
A década de 1930 é considerada por muitos autores com um marco na economia brasileira. Isso
porque até os anos 1930, havia uma lógica predominante que era a lógica do modelo
agroexportador. Após esse período ocorre uma mudança para o modelo de substituição de
importações, aí é que se inicia a industrialização de fato no país. Obviamente isso não significa que
não houvesse indústria no Brasil anteriormente.
A economia brasileira era até esse momento uma economia export-led em que a variável dinâmica
(e autônoma) era a poupança externa, ou seja, as exportações é que realizavam o papel do
investimento de dar dinamismo à economia. Os investimentos eram induzidos pela renda dos
exportadores.
De 1930 até o Plano de Metas, tem-se um período que ficou conhecido na literatura como
industrialização restringida, em que a variável dinâmica passa a ser o investimento autônomo, mas
a economia ainda não se tornou totalmente domestic-led. A demanda interna puxa a economia, mas
ela opera sob as restrições do balanço de pagamentos. As forças produtivas endógenas são
insuficientes para dar dinamismo à economia. Há crescimento dos bens de capital, porém são
incapazes de atender a demanda corrente. Nessa fase predomina a industrialização e a
‘internalização’ da indústria dos bens de consumo.
João Manuel Cardoso de Mello caracteriza a fase de industrialização restringida – compreendida
entre 1933 e 1955 – como uma fase na qual se pode dizer que há industrialização porque a dinâmica
de acumulação passa a se assentar na expansão industrial (porque existe um movimento endógeno
de acumulação). Reproduz-se internamente a força de trabalho e boa parte do capital constante das
indústrias. Porém a industrialização estava restringida porque as bases técnicas e financeiras de
acumulação eram insuficientes para se implantar de uma só vez o núcleo fundamental da indústria
de bens de produção, que permitiria o crescimento da capacidade produtiva à frente da demanda.
Nessa fase, o setor industrial se liberta da dependência do setor cafeeiro, porém a capacidade de
importar continua impondo um limite à taxa de acumulação industrial. A industrialização se
manteve restringida, ou seja, não se avançou na industrialização pesada devido às dificuldades
impostas ao nascimento desse tipo de indústria num capitalismo (a nível mundial) que já estava na
fase oligopolista.
Além disso, o capital industrial podia investir de forma lucrativa com baixos riscos expandindo
apenas a indústria existente e promovendo a diferenciação limitada do setor de bens de produção e
do setor de bens de consumo.
A industrialização restringida configurava um padrão horizontal de acumulação, porque nem a
capacidade produtiva cresceu adiante da demanda, nem houve grandes descontinuidades
tecnológicas.
É no período Juscelino Kubitschek que o investimento ganha caráter autônomo, com a implantação
de um grande conjunto de investimentos. A implantação de um bloco de investimentos
complementares entre 1956 e 1961 correspondeu a uma onda de inovações schumpeterianas: de um
lado, a estrutura do sistema produtivo se alterou radicalmente, verificando-se um profundo salto
tecnológico; de outro, a capacidade produtiva se ampliou muito à frente da demanda preexistente.
Há um novo padrão de acumulação que caracteriza uma nova fase da industrialização brasileira, um
processo de industrialização pesada, porque este tipo de desenvolvimento implicou um crescimento
acelerado da capacidade produtiva do setor dos bens de produção e do setor de bens duráveis de
consumo antes de qualquer expansão previsível de seus mercados.
A partir desse momento, a determinação dos ciclos na economia passa a ser endógena, passam a
existir os três setores kaleckianos, D1, D2 e D3.
De acordo com Belluzzo e Tavares, o caráter cíclico do crescimento da economia brasileira após
1950 é inerente ao processo de industrialização e crescimento industrial.
A industrialização pesada, em países subdesenvolvidos, levaria à instabilidade do crescimento
porque os bens de capital e de consumo duráveis têm peso limitado na composição dos gastos e da
produção. Apesar dos efeitos dinâmicos que exerce sobre a economia, a industrialização pesada é
incapaz de se sustentar por longos períodos, visto que tem efeito reduzido sobre a demanda
industrial dos setores preexistentes.
Cardoso de Mello também endossa essa visão ao comentar que a industrialização pesada configura
um ciclo de acumulação e, portanto, compreende tanto os momentos de expansão – entre 1956 e
1961 – quanto os de depressão como entre 1962 e 1967. A depressão manifesta-se antes por uma
queda das taxas de crescimento que por uma deflação generalizada de preços e salários, tanto
devido ao caráter oligopolizado dos mercados industriais quanto por causa do alto peso do
investimento público, que asseguram um patamar mínimo de inversões.
De 1930 a 1980, forma-se um setor de bens de consumo dos trabalhadores que tem papel
fundamental no processo de industrialização da economia brasileira. Esse setor dependeria da massa
salarial e da distribuição funcional da renda. Já o setor de bens de consumo dos capitalistas seria
relativamente autônomo, pois dependeria do endividamento para a compra. Ou seja, o setor de bens
duráveis é movido pela dívida, pelo crédito.
Os setores de bens de consumo não duráveis, apesar de ser o principal componente da demanda
corrente da indústria –, representavam nas décadas de 60 e 70 mais de 40% da produção industrial –
não contribuem para uma industrialização de maior dinamismo, não são os setores líderes, não têm
grande potencial de encadeamento.
É importante notar que não há, como se costuma pensar, uma oposição entre D2 e D3, já que os
determinantes dos gastos do consumo dos capitalistas e dos trabalhadores são distintos. A má
distribuição da renda não foi o que tirou dinamismo da economia. Isso porque durante a
industrialização brasileira a distribuição funcional da renda não piorou. Houve apenas uma piora na
distribuição pessoal da renda. Além disso, a concentração da renda permitiu uma expansão do
consumo autônomo via mecanismo de crédito.
Acontece que no Brasil o desenvolvimento de forças produtivas não se deu por meio de uma
revolução burguesa, não exigiu uma reforma agrária – o que teria sido necessário para aumentar o
mercado e criar um piso para os salários. Isso mostra que o desenvolvimento capitalista não implica
em melhoria social, em melhor distribuição da renda. Caso típico disso foi o ‘milagre brasileiro’,
período em que houve forte desenvolvimento capitalista sem melhoria social.
De 1930 a 1980 o processo de substituição de importações é o que guia o crescimento da economia.
Independentemente das diferentes vertentes políticas dos governos que se seguiram, o projeto
nacional parecia se resumir à industrialização brasileira – talvez baseado na idéia central cepalina de
que o desenvolvimento acompanharia esse processo de industrialização.
Vale ressaltar que tanto na fase de industrialização restringida quanto na de industrialização pesada
foi necessária uma participação estatal ativa, seja como agente de coordenação seja cumprindo o
papel de empresário.
A partir dos anos 1980, não há um modelo definido de crescimento da economia brasileira, tem-se
apenas o desmonte contínuo do processo predominante até então. É um período caracterizado pela
abertura comercial e liberalização financeira em que os IDE atraídos pelo Brasil não configuram
uma fonte de crescimento estável. Nota-se uma grande instabilidade macroeconômica, volatilidade
do câmbio e dos juros, cenário esse que não favorece o investimento produtivo privado. Além disso,
há uma retirada progressiva do Estado como agente investidor, que se inicia com as estratégias de
ajuste ortodoxo dos anos 1980.
4. Quais as conseqüências do processo de transferência de recursos reais ao exterior sobre as
finanças públicas, durante os anos 1980? E sobre o processo inflacionário? É possível afirmar que
houve hiperinflação no Brasil durante a segunda metade dos anos 1980?
O processo de transferência de recursos reais ao exterior deteriorou as finanças públicas na década
de 1980. Dado o contexto de restrição ao endividamento externo, o que ocorreu durante esse
período foi uma transferência maciça das dívidas do setor privado para o setor público, além de um
endividamento crescente do Estado para fazer frente aos compromissos externos.
As causas da crise fiscal e do endividamento externo não podem ser restritas apenas àquelas
imediatas, como a brusca interrupção da oferta voluntária de recursos externos – determinada pela
moratória do México em 1982 – mas também devem ser buscadas nas políticas de ajustamento
adotadas para sanar o desequilíbrio do balanço de pagamentos, mediante a geração de enormes
saldos comerciais.
Em poucas palavras, a política econômica de boa parte da ‘década perdida’ foi uma política de
ajuste externo que acarretou em uma restrição da demanda agregada.
Houve restrição das
importações como tentativa de se gerar o saldo comercial necessário para arcar com o
endividamento externo.
As desvalorizações cambiais, particularmente a de 1983, provocaram uma valorização do estoque
da dívida externa abrigada no setor público e reduziram relativamente a capacidade de servi-la,
dada a impossibilidade econômica e política de reajustar as tarifas públicas e as receitas tributárias
na magnitude e na velocidade exigidas pelo ajuste. A ampliação do superávit comercial, juntamente
com a cessação dos refinanciamentos dos juros da dívida externa, foi um fator importante no
crescimento da dívida pública interna, na medida em que o governo tinha que se financiar em
cruzados junto ao setor privado – detentor de saldos positivos em moeda estrangeira – para liquidar
os compromissos da sua dívida externa no Banco Central.
O que se deu nesse período foi que o governo realizou o ajuste para viabilizar internamente a
aquisição de divisas pelo setor privado. O governo procurou contratar novos empréstimos por meio
das estatais para gerar divisas para resolver problemas dos desequilíbrios do Balanço de
Pagamentos.
O governo pretendia contar com a participação dos capitais privados. Porém as medidas de
estímulo ao aprofundamento do endividamento privado – circular 230 e resolução 432 – não foram
suficientes para evitar o comportamento cauteloso das empresas privadas, pois reagiam ao cenário
internacional e à desaceleração das inversões.
Outra questão relevante, que contribuiu e bastante para a deterioração financeira do Estado,
foi a política de preços e tarifas das estatais utilizada como mecanismo de combate à inflação. Isso
se traduzia numa forma de concessão de subsídios ao setor privado.
É importante ressaltar que esses ‘subsídios invisíveis’ foram essenciais para o ajustamento
do setor privado à crise e para a geração dos mega-superávits comerciais. Dessa opção resultou o
acúmulo de um elevado passivo denominado em moeda estrangeira pelas estatais.
Já a partir da primeira maxidesvalorização de 30%, em 1979, até meados da década de 1980, as
estatais, acompanhadas pelos órgãos de administração direta, ampliaram ainda mais seu peso na
contratação de novos empréstimos.
A redução do endividamento privado e a sua atitude voltada para gerar posições líquidas no
mercado financeiro e junto ao setor público foi uma reação natural ao ajustamento, porém agravou a
crise e a desorganização financeira do setor público. O setor público torna-se o devedor líquido da
economia, reunindo as duas faces do endividamento: o endividamento interno – as estatais se
endividam internamente junto aos bancos, além da crescente emissão de títulos da dívida pública –
e o endividamento externo.
A questão é que o Estado assume a maior parcela do endividamento externo,
porém é o setor privado que precisa gerar, diretamente, mega-superávits para que o Estado faça
frente ao compromisso assumido. Disso decorre que o Estado paga duas vezes pelo ajuste interno
feito para o pagamento da dívida, pois concede subsídios, deteriorando a carga tributária, ao mesmo
tempo em que precisa pagar pelos superávits para obter divisas.
O grande endividamento do setor público logo se transforma em absorção de recursos do Estado.
Isso foi a conseqüência das altas taxas de juros internacionais sobre a dívida externa estatizada, da
política cambial e do aumento das taxas de juros internas que a política de ajustamento provocava.
É importante ressaltar que a geração dos superávits comerciais, como se dá pela redução da
absorção interna, é feita à custa do consumo e do investimento. Ou seja, não há exportação da
poupança interna, pois não há poupança externa. Houve a criação de uma poupança interna
‘forçada’ a partir da redução salarial e da contenção dos gastos do governo.
O ajuste fiscal é feito de tal forma, entre 1981 e 1984, que não se consegue evitar a queda da
carga tributária bruta. Além disso, o corte de gastos feito nas despesas do setor público se dá à custa
do investimento, que diminui em 50% no período. O ajuste se tornava insustentável porque a
inflação e o aumento da carga de juros continuavam reduzindo a carga tributária bruta e líquida,
exigindo uma redução de gastos altíssima, sacrificando demasiadamente os investimentos e
incompatibilizando essa política com a necessidade mínima de crescimento econômico.
De forma resumida, o processo de transferência de recursos reais ao exterior, por um lado, ao exigir
uma desvalorização cambial, aumentou significativamente o custo em moeda local dos passivos
denominados em moeda estrangeira. Já que o setor público respondia pela maior parte da dívida
externa, os encargos financeiros externos aumentaram proporcionalmente.
Por outro lado, a política monetária contracionista, ao elevar brutalmente os juros, combinada com
uma correção monetária que refletia inteiramente a aceleração inflacionária, elevou violentamente a
taxa de financiamento da dívida mobiliária interna federal, de tal forma que essa passou a
representar parcela crescente do PIB.
Ou seja, o setor público foi obrigado a promover uma expansão adicional do seu endividamento
interno, gerando maiores pressões sobre a taxa de juros doméstica e sobre o déficit público.
Assim, a política implementada para permitir que o país transferisse recursos reais ao exterior
implicou encargos adicionais ao setor público, que só puderam ser financiados com déficits
crescentes, uma vez que a taxa de juros que incidia tanto sobre a dívida externa quanto sobre a
dívida interna era maior do que a taxa factível de crescimento das receitas públicas.
Notam-se no período dois padrões de ajustamento inconsistentes. Na primeira metade da
década, a obtenção de um superávit primário insustentável, acompanhado da perda de receita e
fundado no corte dos investimentos e, na segunda, a recuperação dos gastos correntes,
excessivamente liberais, não contribuíram para amenizar as dificuldades de financiamento do setor
público.
A segunda metade da década acaba sendo pior para economia brasileira do que a primeira,
justamente porque de 1985 a 1989 não há financiamento novo na economia, do ponto de vista do
setor público. Até 1984, o setor público financia as dívidas externas assumidas do setor privado. De
1985 a 1989, financia as dívidas com emissão de dívida interna.
De 1980 a 1984, a dívida dobra, vai para 50% do PIB. De 1985 a 1989, a dívida se mantém em 50%
do PIB, porque foi desvalorizada pelos mecanismos de indexação. A indexação sempre é defasada
em relação ao aumento dos preços.
Quanto à discussão se houve ou não hiperinflação na segunda metade da década, pode-se dizer que
houve hiperinflação num sentido porque a moeda foi substituída pela moeda indexada, a moeda
perde parte das suas funções. Porém não há um processo aberto de hiperinflação no Brasil, os ativos
em moeda local não são completamente destruídos, não há uma dolarização completa e direta da
economia.
Ocorre que a rigidez de câmbio e dos juros limita a autonomia da política monetária. A
instabilidade do câmbio e dos juros mostra seus efeitos nas ações dos formadores de preços. Estes
ampliam seus mark-up antecipadamente, pois há barreiras à entrada dadas pela restrição externa, o
que acelera ainda mais a inflação.
O mecanismo da LBC é o que explica porque não ocorreu uma dolarização completa da economia
brasileira, pois havia um ativo capaz de ancorar a moeda. Nesse período, sobrevém a
financeirização dos preços, já que estes são formados com base nos juros do overnight e não nos
custos.
Logo, pode-se afirmar que de certa forma houve hiperinflação, porém com as especificidades da
economia brasileira. Não se pode caracterizar a hiperinflação brasileira como um processo formal e
convencional de hiperinflação.
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