1 DESAFIOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO NOVO SÉCULO: ENTRE A PEDAGOGIA DO ENSINO E A PEDAGOGIA DA APRENDIZAGEM Isabel Mesquita Faculdade de Desporto, Universidade do Porto 1. Introdução A democratização do desporto está indubitavelmente associada ao conceito de desporto plural, afirmando-se, na actualidade, pelo seu valor pedagógico e social o qual se expressa na qualidade de vida da generalidade das pessoas, independentemente das idades, das condições, das possibilidades ou aptidões. Como referem Mesquita & Graça (2009) o desporto adquire importância redobrada por alcançar diferentes facetas de realização e transcendência humana, as quais se revêem em três eixos: (1) satisfação e prazer que proporciona; (2) benefícios que induz ao nível da saúde, da condição física, da aptidão motora, da integração social, da realização pessoal e vocacional; (3) capacitação para compreender e participar na cultura de uma dada comunidade de prática desportiva com potencial para ser extensível aos outros domínios da vida humana. Os programas de ensino do desporto implementados nas escolas, nos clubes desportivos e recreativos, nas academias e demais instituições encontram a sua legitimidade, a sua função social específica e a sua identidade própria no modo como acolhem e proporcionam aqueles benefícios aos segmentos da sociedade por si visados. Deste modo, a qualidade dos programas assenta na relevância do seu conteúdo formativo, na robustez e actualidade da sua base conceptual e na coerência e adaptabilidade da sua estrutura aos objectivos do programa e aos sujeitos que os frequentam. Rink (2001) destaca que não há nenhum programa de ensino que seja adequado a todos os envolvimentos de aprendizagem. Nomeadamente, perante alunos de baixo nível de desempenho, a ausência de indicações objectivas e referenciadas a critérios de realização das tarefas pode comprometer a aprendizagem (Rink et al., 1992). Estas constatações reforçam o entendimento de que antes do delineamento do processo de instrução, o professor deve considerar o aluno enquanto sujeito individual, com experiências singulares, com motivações específicas e, mesmo, com dificuldades particulares. E isto, porque, nem sempre a utilização de tarefas com cenários interpretativos abrangentes são os mais apropriados para ultrapassar os problemas do processo de aprendizagem. Rink (2001, pp. 115) coloca duas questões cruciais que o professor deve questionar, no sentido de tomar consciência da pertinência e da adequação das tarefas de aprendizagem às reais necessidades dos alunos e que se passamos a citar: “Os alunos que estão envolvidos em determinado processo de ensinoaprendizagem aprendem o que é fundamental para eles? Quando os professores ensinam e optam por determinada abordagem ou metodologia conseguem que os alunos estejam empenhados de forma congruente e em sintonia com os propósitos das metodologias empregues?”. Em suma, compromisso entre extensão do conteúdo alvo, experiências do aluno, motivação e auto-percepção da competência constituem questões que o professor deve colocar antes de realizar o delineamento do processo de instrução, sendo elas que conferem validade ecológica aos modelos de abordagem seleccionados para o ensino de determinado conteúdo. 2. O protagonismo do aluno no processo de ensino-aprendizagem Durante largos anos o recurso a modelos de ensino explícitos, prescritivos e formais foi prevalecente no ensino da Educação Física e do Desporto, assente na convicção de que para se aprender era fundamental a explicitação dos procedimentos a serem calcorreados na aprendizagem. Neste âmbito, competia ao professor a responsabilidade de identificar os problemas da prática e formular as respectivas soluções, podendo daí resultar alunos com pobre capacidade decisional, dependentes do professor nas soluções adoptadas. Estes desígnios tomaram corpo e substância no designado Modelo de Instrução Directa, o qual teve três denominações – instrução explícita, ensino activo e instrução dirigida pelo professor, até Rosenshine (1979) lhe ter conferido a corrente designação, e que se tornou desde então a mais comum (Baumann, 1988). O Modelo de Instrução Directa caracteriza-se por centrar no professor a tomada de praticamente todas as decisões acerca do processo de ensino-aprendizagem, nomeadamente a prescrição do padrão de envolvimento dos alunos nas tarefas de aprendizagem. Neste domínio, o professor realiza o controlo administrativo, 2 determinando explicitamente as regras e as rotinas de gestão e acção dos alunos, de forma a obter a máxima eficácia nas actividades desenvolvidas por eles. Para o efeito, as actividades são organizadas em segmentos temporais, porquanto é crucial utilizar o tempo de aula de forma eficaz, expressa num tempo de prática motora elevado. É determinante que os alunos obtenham um elevado sentido de responsabilidade e compromisso com as tarefas de aprendizagem contribuindo, para tal, a indicação de critérios de êxito na consecução das mesmas. Pela influência das ideias cognitivistas e construtivistas da aprendizagem, a reforma educativa dos anos noventa advogou um novo paradigma de ensino, o qual faz deslocar o protagonismo do processo de ensinoaprendizagem do professor colocando-o do lado do aluno. Desde então as abordagens instrucionais emergentes fazem colocar o aluno no centro do processo de ensino-aprendizagem, sendo a ênfase colocada na necessidade de conceder espaço de problematização e de favorecer a autonomia decisional. Reconhece-se a importância da adopção de estilos de ensino que se pautam pela descoberta guiada, em que o aluno é exposto a uma situação problema e é incitado a procurar soluções, verbalizá-las, discuti-las, explicá-las, ajudado pelas questões estratégicas do professor. O papel deste consubstancia-se nas funções de estabelecer as situações de aprendizagem, de observar a exercitação, de investigar com os alunos os problemas emergentes e de potenciar soluções, intervindo para melhorar o desempenho dos alunos. Nesta conformidade as estratégias implícitas e menos formais são valorizadas no processo de ensino-aprendizagem, embora se reconheça da importância do recursos a estratégias mais explícitas, as quais podem ser mais adequadas na resolução de problemas de aprendizagem específicos. Este novo paradigma ao colocar o professor na posição de facilitador do processo de aprendizagem, encoraja o aluno a explorar diferentes soluções para os problemas correntes da prática, pelo recurso a estratégias de ensino mais informais e implícitas de onde se destaca o questionamento, o qual possibilita, em concomitância, o desenvolvimento de um relacionamento afectivo positivo do aluno com os outros intervenientes e com a actividade (Chambers & Vickers, 2006). De facto, o questionamento ao promover a liberdade processual na interpretação das situações de aprendizagem e na compreensão do erro, fomenta a emergência do comportamento proactivo em detrimento do reactivo, ou seja, orienta a percepção dos alunos para a auto-organização, promovendo a autonomia decisional. Deste modo, mais importante que prescrever é fundamental questionar, na medida em que incrementado o empenhamento cognitivo os alunos são libertos, em certa medida, do feedback fornecido pelo professor, tornando-os construtores da sua aprendizagem e auto-reguladores da mesma. Nesta conformidade, o recurso a estratégias que apelam à descoberta confrontam os alunos com as suas tomadas de decisão e incentivam a busca de novas soluções. Então, ser estratega é mais importante do que se ter uma ou mais estratégias, até porque ter uma estratégia não significa que se saiba aplicá-la adequada e oportunamente, em virtude desta existir independentemente da configuração ecológica do envolvimento situacional; pelo contrário, ser estratega significa que, antes de decidir, o aluno realiza uma análise cuidada das situações-problema, equaciona as alternativas de solução e adopta a solução ajustada às particularidades contextuais (Mesquita, 2004). Isto é, possui autonomia pessoal e funcional para ler, perceber e agir. Todavia, conceder aos alunos espaço de autonomia requer uma elevada responsabilização dos mesmos, sob pena, das tarefas de prática resvalarem para algo desprovido de significado, ausente dos propósitos que as sustentam (Pereira, Mesquita & Graça, 2009). O mesmo será afirmar que tornar o jogador autónomo implica dar-lhe as ferramentas para ele saber ler e interpretar as situações-problema, o que pressupõe o asseverar de condições de prática auto-monitorizáveis. Os sistemas de accountability (termo sem correspondência na língua portuguesa, que remete para as ideias de responsabilização e prestar contas) ao explicitarem pormenorizadamente os propósitos das tarefas, os procedimentos e funções dos alunos/professor na sua organização e desenvolvimento, induzem à autoresponsabilização e, concomitantemente, à intensificação do comprometimento pessoal e da autonomia decisional. Para almejar tais intentos devem ser precisos e exigentes, em relação aos propósitos e conteúdos de aprendizagem, e flexíveis, no sentido de orientarem os alunos mais por princípios do que por procedimentos, mais pela criatividade do que pela replicação. Esta parece não ser, contudo, prática corrente no processo de treino dos mais jovens, mormente em Voleibol. Um estudo recente de Pereira et al. (2009), realizado em Portugal no âmbito do treino de jovens em Voleibol, revelou que os treinadores adoptam, regra geral, 3 sistemas de accountability ambíguos e pouco exigentes, sendo esta constatação extensível a outras modalidades como é o caso da Ginástica (Rosado, Mesquita, Ezequiel & Januário, 2008). Na apresentação das tarefas os treinadores referem sobretudo o objectivo geral e a situação de realização das mesmas e durante a prática não adoptam, recorrentemente, estratégias de monitorização e regulação da actividade dos alunos. Concomitantemente, o espaço de autonomia concedido aos alunos é reduzido, sob pena, das actividades se desviarem para a prática de tarefas desprovidas de acepção e intencionalidade. De facto, a operacionalização de estratégias de ensino mais implícitas exige a aplicação simultânea de sistemas de accountability precisos e robustos, sustentáculo da aprendizagem autónoma e substantiva. Para o efeito, deve ser projectada: a explicitação das componentes críticas de aprendizagem na apresentação das tarefas de aprendizagem; a indicação do agente de controlo e da regulação da tarefa (treinador ou alunos); a determinação de indicadores de regulação da tarefa; a estabilização de marcadores de aprendizagem durante a prática; a indicação do tipo de exigência na tarefa e a (re)focalização da atenção do aluno na tarefa. Estes pressagiados didácticos mostraram a sua eficácia num estudo empírico aplicado no contexto escolar, em Educação Física, pela aplicação de um modelo de ensino do Voleibol designado de Modelo de Abordagem Progressiva ao Jogo (Mesquita, Graça, Gomes & Cruz, 2005). Os resultados do estudo demonstraram que a intensificação do compromisso e da responsabilização dos alunos nas tarefas de aprendizagem, permitiu a sua maior autonomia na procura de soluções e na adopção de comportamentos substantivos, o que se reflectiu em ganhos positivos na aprendizagem, principalmente, para os alunos de nível de desempenho inferior e para as raparigas. Conceder autonomia e implicar activamente o aluno no processo de aprendizagem implica dotá-lo de liberdade processual para ler e interpretar os erros que comete na aprendizagem. Todavia, concepções diferenciadas acerca do valor do Desporto, dos objectivos projectados e do modo de os alcançar, colocam o erro numa posição diferenciada, porquanto tanto pode ser conotado como fracasso ou como oportunidade importante para rever a aprendizagem. Em boa verdade, a forma como o erro é encarado pelo professor e pelos alunos é crucial no efeito que o mesmo tem sobre a aprendizagem. Quando é entendido como algo natural, decorrente da própria prática, é conferida liberdade ao aluno para aceder e compreender as informações disponíveis; contrariamente, a sua punição canaliza a atenção mais para o seu efeito do que para a sua interpretação (Rosado & Mesquita, 2009). Para que seja conferido ao erro um sentido construtivo, é fundamental que o aluno perceba que não foi ele que errou mas a acção que realizou, sendo capaz de rever a aprendizagem e procurar as razões que o explicam (ibidem). Neste sentido, o erro constitui matéria de aprendizagem. Nesta conformidade, a acentuação da atenção dos jovens para o questionamento e compreensão do erro, possibilita-lhes o acesso à construção de respostas, suportadas numa interpretação situada das acções, onde são as experiências de aprendizagem que são interpretadas e compreendidas e não o resultado obtido. Tal exige, por parte do professor, o entendimento de que mais do que existirem erros, existem experiências de aprendizagem que necessitam de ser interpretadas pelos alunos, no sentido destes compreenderem o que, de facto, necessita de ser melhorado. Deste modo, as fragilidades são encaradas como algo natural e que decorrem da própria prática, sendo criadas condições para o desenvolvimento das competências desejadas. Quando se sabe que existem estados psicológicos que promovem a maior capacitação para a tarefa (Csikszentmihalyi, 1992) e que, pelo contrário, os alunos, perante situações em que não são capazes de responder eficazmente, entram em overtry (estado exteriorizado pela adopção de movimentos robotizados sem fluidez e crispados, Cross, 2000), maior pertinência assume a forma como o erro é encarado no processo de ensino-aprendizagem. Mais importa considerar o efeito dos comportamentos elogiosos adoptados pelo professor, na medida em que a sua eficácia está dependente das particularidades dos contextos de prática, inerentes ao processo de ensino-aprendizagem. De facto, o encorajamento e a pressão para a actividade, garantindo níveis elevados de empenhamento pessoal pode ser decisivo, pelo que a tonalidade afectiva das intervenções deve ser particularmente cuidada. Neste alcance, o desprezo pelo erro deve ser enjeitado, sendo, antes, abraçado como uma ferramenta pedagógica de valor inestimável. A sua valência formativa é acautelada, porquanto não é utilizado como sinónimo de fracasso, numa perspectiva normativa, mas antes numa perspectiva criterial, centrada no processo, na motivação intrínseca. Tal significa que o erro é trazido para o processo de ensino-aprendizagem, como condição necessária para se aprender, descentrado da pessoa e centrado na acção, o que evita a percepção de ameaça e, consequentemente, a conquista da liberdade mental para ser revisto, para se 4 compreender o que se falhou e como pode ser melhorado (Mesquita, 2005). Este olhar sobre o erro alude, em definitivo, para a implicação cognitiva e afectiva na aprendizagem, propulsora da auto-monitorização, da interpretação dos resultados, da definição de objectivos e planos de acção, colocando os alunos como os principais agentes estabilizadores das aprendizagens. 3. A filiação do Modelo de Educação Desportiva à Pedagogia da Aprendizagem Entre os modelos de ensino que conferem elevado protagonismo ao aluno no processo de ensinoaprendizagem, num esforço concomitante de conferir à aprendizagem situada grande valor, destaca-se inquestionavelmente o Modelo de Educação Desportiva (MED). Siedentop (2002) reporta a génese do modelo de educação desportiva à sua tese de doutoramento que advogava a colocação da educação lúdica (play education) num lugar destacado nas orientações curriculares da educação física. O seu manual Physical Education: Introductory Analisys, publicado pele primeira vez em 1972, difundiu esta sua visão da educação física, que Jewett e Bain (1985) recensearam como modelo curricular autónomo. Foi em 1982 que Siedentop, numa conferência proferida no âmbito do Commonwealth Games, em Brisbane, propôs, pela primeira vez, a criação do Sport Education, na procura da contextualização da sua concepção de play education, através da implementação de ambientes de prática propiciadores de experiências desportivas autênticas; deste modo, pretendia de uma assentada resolver equívocos e mal entendidos na relação da escola com o desporto. A elevada adesão dos professores à sua inclusão nos programas curriculares de Educação Física foi reforçada pelo apelo a duas linhas de força apontadas para a reforma educativa nos anos 90, a da educação orientada para resultados autênticos e a da avaliação autêntica (Siedentop, 1996). Os resultados autênticos evidenciam-se numa demonstração culminante de aprendizagem, reveladora da capacidade de executar uma tarefa até ao fim, com significado contextual, onde estão incluídos os conteúdos, os processos e os meios aplicados. Por sua vez, a avaliação autêntica reporta-se a desempenhos contextualizados, procurando-se um alinhamento da instrução com a avaliação. Deste modo, as práticas de avaliação não suspendem o processo de aprendizagem, sendo oportunidades para os alunos aprenderem e exercitarem os resultados desejados e receberem feedback sobre o desenvolvimento da sua aprendizagem. O conceito de instrução alinhada ao preconizar o alinhamento entre os objectivos enunciados, a instrução e a avaliação confere às tarefas de aprendizagem um significado contextualizado (Siedentop, 1994). Tal significa que se o aluno desenvolve tarefas durante o processo de instrução nas quais sobressai o uso estratégico das habilidades em situações de jogo adaptadas, não faz sentido na avaliação serem utilizados testes analíticos, nem tão pouco o jogo formal. O parentesco e filiação do MED às ideias construtivistas revêem-se em quatro características basilares: 1) No facto de realizar uma redefinição importante dos papéis do professor e dos alunos; estes são chamados a desempenhar um conjunto de papéis (jogadores, árbitros, jornalistas, dirigentes, etc.) no contexto da prática, a qual assume o figurino de épocas desportivas em substituição das frequentes unidades didácticas (Hastie & Siedentop, 1999; Hastie, 1998; Siedentop, 1994). 2) Na assunção de que o desempenho competente se relaciona mais com os conteúdos tácticos, os jogos modificados e as progressões de jogos do que com o desenvolvimento das habilidades isoladas (Siedentop, 1994); 3) Na inclusão de três eixos fundamentais que se revêem nos objectivos da reforma educativa da educação física actual: tornar o aluno desportivamente competente, desportivamente culto e desportivamente entusiasta (Siedentop, 1994); 4) Na sua preocupação particular em diminuir os factores de exclusão (Hastie, 1998), de forma a encontrar a harmonia e o equilíbrio necessário entre a inclusão e a competição; lutando pela participação equitativa, de forma a evitar que a participação se reduza ao desempenho de papéis menores por parte dos alunos mais fracos. 5 4. O papel da competição no Modelo de Educação Desportiva A competição por ser a primeira razão porque se pratica desporto, e por constituir uma componente de formação desportiva insubstituível, leva a que, comummente, se afirme que descurá-la é o mesmo que passar uma certidão de óbito ao desporto. Sheryle (1988) refere que sem competição o desporto não poderia ser aquilo que é enquanto que Marques e Oliveira (2002) referem que sem competição não há desporto. Como postula Bento (1999) a competição assume-se, antes de mais, como uma ferramenta social e cultural, o que pressupõe que é no uso que se faz dela que é determinada, em grande parte, a qualidade do processo de educação e formação dos jovens desportistas. Do exposto ressalta que, estabelecer um compromisso fecundo entre o processo de ensino-aprendizagem e a competição, é condição prioritária para qualificar a prática desportiva no quadro da educação e formação desportiva de crianças e jovens, mormente no âmbito da Educação Física Escolar. Daí ser mais correcto, no âmbito do Desporto de crianças e jovens designar competições e não competição, na medida em que esta deve assumir diferentes figurinos, de acordo com a idade, motivações, necessidades e experiências das crianças. A consumação da competição, mormente nos Jogos Desportivos, sob a forma de jogos modificados, que passam pela adaptação do equipamento, das áreas de jogo e da modelação regulamentar, permite, não só, a adequação das situações de aprendizagem ao nível de desempenho individual como também criam condições para os mais dotados progredirem, sem condicionarem a evolução dos menos dotados (Mesquita et al., 2005). A ideia de que a competição é um meio privilegiado de aplicação e de avaliação das aprendizagens é abraçada pelo MED de forma concludente. Este modelo desenvolve-se, precisamente, na procura da contextualização desportiva, sendo a competição o contexto, por excelência, para o desenvolvimento das aprendizagens e para a aquisição dos valores do “saber ser” e do “saber estar”. O valor pedagógico plasmado pela competição propicia condições de prática prenunciadoras da inclusão, em detrimento da exclusão, onde a cooperação e a entreajuda se sobrepõem ao sucesso individual e ao vedetismo. Harmonizar competição e participação, propiciar oportunidades de sucesso e evitar que os alunos menos dotados fiquem circunscritos ao desempenho de papéis menores são prerrogativas essenciais deste modelo. Para o efeito, a solução de compromisso entre competição e inclusão é alcançada através do recurso a determinadas estratégias pedagógicas. A organização de torneios, com formação de equipas e de toda a actividade que gira em torno da competição, é fundamental para conferir funcionalidade ao modelo. As equipas têm nomes, símbolos, cores, uma área própria para treinar, num esforço de socialização desportiva pleno e autêntico. A diversidade e a heterogeneidade, no seio de cada equipa, são asseguradas de antemão na sua formação, com o propósito de ser garantido o equilíbrio na competição. A variedade de papéis assumida pelos alunos na constituição das equipas (jogadores, árbitros, treinadores, capitão de equipa, etc.) evidencia uma redefinição de papéis, alforriando a afiliação do MED às ideias construtivistas. A distribuição de tarefas e papéis próprios do sistema de competição é efectivada, sendo implementado o sistema de rotatividade para que todos os alunos vivenciam as singularidades das diferentes experiências, para além de se amparar a manutenção em competição de todos os alunos, independentemente dos resultados. A competição é planeada adequadamente, com preparação de documentos para registo de resultados, a qual culmina num evento de entrega de prémios. De realçar, ainda, o facto do fair-play ser considerado para a atribuição de pontuação o que, mais uma vez, alude a valência pedagógica do modelo, mormente no âmbito da formação pessoal e social dos alunos. Importa sobretudo, que os alunos sejam capazes de conhecer e valorizar as tradições e os rituais associados ao Desporto, de distinguir a boa da má prática desportiva. Uma impreparação na aplicação do MED poderá transformar a aula num espaço de recreio, pelo facto deste modelo assentar num sistema de organização descentralizado, o que gera maiores dificuldades na gestão dos espaços, dos grupos, das competições, dos resultados e dos papéis. Neste sentido, é crucial que a investigação se centre na análise das tarefas desenvolvidas pelos alunos, nomeadamente na função de árbitros e treinadores, de forma a ser realizado um exame minucioso do conteúdo a ser ensinado e aprendido. Tal possibilitará a indicação de caminhos no desenvolvimento de competências face à panóplia de tarefas atribuídas aos alunos, que vão desde as de gestão às de aprendizagem, sem comprometer a responsabilização e autonomia na tomada de decisões e no desenvolvimento das actividades, elementos estruturantes na funcionalidade do modelo. 6 5. Provindos da investigação empírica do Modelo de Educação Desportiva A investigação empírica centrada no MED é de facto notável, assistindo-se nos últimos vinte anos à publicação de mais de sessenta artigos em revistas com revisão de pares (Wallhead & O´Sullivan, 2005). O impacto do MED nas aprendizagens dos alunos, quer ao nível do conhecimento e desempenho táctico e no domínio das habilidades técnicas como no que se referencia às competências pessoais, afectivas e sociais, tem sido nota dominante. Particularmente a eficácia da aplicação dos programas de educação desportiva tem mostrado resultados consistentes na participação entusiástica dos alunos (Carlson & Hastie, 1997; Hastie, 1998). Diferentes estudos pela aplicação do Modelo de Educação Desportiva comprovam (Grant, 1992; Hastie, 1998) que a responsabilidade conferida aos alunos, na tomada de decisões e na implementação das actividades, é o factor que mais contribui para o incremento do entusiasmo durante a prática e para o desenvolvimento do sentimento de pertença ao grupo. De facto, a filiação tem mostrado ser um dos aspectos mais atractivos do modelo para os alunos (Bennet & Hastie, 1997). Nomeadamente os alunos menos dotados e as raparigas, habitualmente marginalizados nos programas tradicionais de ensino do jogo, sentem que com os programas de educação desportiva trabalham mais e dão um contributo importante para a equipa; acreditam que aprendem mais e referem que se divertem mais (Carlson, 1995, Carlson & Hastie, 1997; Hastie, 1998). Todavia, a investigação evidencia um claro desencontro entre as percepções dos professores e alunos acerca da eficácia do modelo de educação desportiva e o seu real impacte sobre as aprendizagens. Hastie (2000) identificou o sistema instrucional do MED, em que um dos alunos desempenha a função de treinador e outros a de jogadores, como um potencial problema no controlo do conhecimento do conteúdo de ensino. De facto, o desempenho da função de treinador por parte dos alunos exige algum domínio do conteúdo de ensino, porquanto na sua ausência a prática pode resvalar para experiências ausentes de significado e descaracterizadas em relação aos seus propósitos. Siedentop, já em 1988, na génese da criação do modelo, e ciente desta dificuldade, alertava para a necessidade de serem utilizadas diferentes estratégias de ensino, incluindo o modelo de instrução directa, a aprendizagem cooperativa, o ensino de pares e a adopção de mecanismos de resolução de conflitos, no sentido dos alunos serem preparados para desempenhar funções que dada a sua diversidade e peculiaridade exigem uma preparação prévia. Os resultados oriundas da investigação pela aplicação deste modelo tem vindo a gerar um interesse crescente, não apenas no plano da investigação empírica ou no âmbito da reflexão pedagógica e da formulação didáctica como também nos diversos campos de prática, nomeadamente na formação de professores e treinadores, nas escolas e nos clubes e demais instituições onde se pratica Desporto. 6. Considerações finais O Modelo de Educação Desportiva, ao valorizar a dimensão humana e cultural do desporto, funda-se na importância de democratizar o desporto e de vitalizar a competição, estabelecendo um compromisso pedagógico entre inclusão, competição e aprendizagem. Parte da premissa de que um desporto mais inclusivo será necessariamente um desporto mais plural e mais diferenciado, onde cada um, segundo as suas possibilidades e os seus interesses, poderá encontrar parceiros compatíveis na viabilização da prática que lhe é mais conveniente. Comporta a inclusão de 3 eixos fundamentais de formação desportiva: o da competência desportiva, o da literacia desportiva e o do entusiasmo pelo Desporto, sendo o seu propósito formar a pessoa desportivamente competente, desportivamente culta e desportivamente entusiasta. Pese embora a relevância didáctica do Modelo de Educação Desportiva, a complexidade do processo de ensino-aprendizagem não se compadece de soluções únicas e universais, transversais a todos os contextos e níveis de prática. Daí, que não faz mais sentido comparar modelos que à partida se distinguem pelo tipo de resultados de aprendizagem que perseguem, de processos que promovem e de domínios que enfatizam. Ao invés de se comparar a superioridade de uns modelos sobre os outros, importa apreciar com maior detalhe o funcionamento dos modelos, examinar os efeitos por eles induzidos, bem como desenvolver os modelos e estudar soluções para ultrapassar os possíveis obstáculos que se levantam à aprendizagem. Conferir à aprendizagem uma valência ecológica onde são os constrangimentos situacionais que ditam a 7 pertinência e ajustabilidade dos modelos de ensino a aplicar, é uma prerrogativa pedagógica não mais adiável. Sendo que não há nenhum modelo que seja adequado a todos os envolvimentos de aprendizagem, a eficácia de ensino deve ser interpretada no recurso a modelos de instrução que forneçam uma estrutura global e coerente para o ensino e treino do desporto. Entre modelos de instrução mais centrados na direcção do agente de ensino e modelos que concedem mais espaço à descoberta e à iniciativa dos alunos há que encontrar o justo equilíbrio entre as necessidades de direcção e apoio e as necessidades de exercitar a autonomia, de modo a criar as condições favoráveis para uma vinculação duradoura à prática desportiva. Através de uma prática desportiva, na qual é conferida ao aluno iniciativa e valorização do seu desempenho, independentemente do seu nível de habilidade, são criados os pressupostos para que o aluno se sinta confiante o que, consequentemente, se reflecte no gosto pela prática. Em concomitância, compete ao professor conceber, aplicar e modelar estratégias de intervenção susceptíveis de criar ambientes de aprendizagem que optimizem o desempenho dos alunos e propicionem experiências desportivas substantivas e gratificantes alicerces da filiação ao desporto para a vida. 7. Referências Bibliográficas 1. Baumann, J. F. (1988). Direct instruction reconsidered. Journal of Reading Behavior. 31, 714. 2. Bennett, G., & Hastie, P. (1997). A sport education curriculum model for a collegiate physical activity course. JOPERD, 68(1), 39-44. 3. Bento, J. (1999). Contextos e perspectivas. In Contextos da Pedagogia do Desporto, pp.19-112. Lisboa: Livros Horizonte. 4. Carlson, T. (1995). 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