Entrevista Rev. Medicina Desportiva informa, 2013, 4 (5), p. 2 Prof. Doutor Manuel Sérgio Filósofo – Faculdade de Motricidade humana – Lisboa Qual a sua definição de Motricidade Humana? Para mim a Motricidade Humana é o movimento intencional da transcendência. Nela cabem o desporto, a dança, a ergonomia, a reabilitação, a motricidade infantil. Representa um corte epistemológico em relação à Educação Física. Esta área, a Motricidade Humana, não se circunscreve ao físico ou ao fisiológico, porque abrange a pessoa humana em toda a sua complexidade. Como filósofo que é, diga-nos qual o papel de um filósofo no âmbito do desporto? A filosofia não é ciência, mas uma reflexão crítica sobre os procedimentos e conceitos científicos. O filósofo, no desporto, deverá ser uma consciência vigilante, em defesa de um desporto que tenha uma verdadeira fundamentação científica e em defesa ainda dos valores que humanizam a prática desportiva. Um ponto a realçar: o filósofo do desporto deve ser, ou ter sido, um agente do desporto, para não descambar em puro platonismo. No meu caso pessoal, fui durante 28 anos dirigente do C.F. ”Os Belenenses” e sou há 45 anos professor de cursos universitários de desporto, em Portugal, em Espanha, no Brasil e no Chile. 2 · Setembro 2013 www.revdesportiva.pt O José Mourinho já afirmou várias vezes que as bases filosóficas do treino aprendeu-as com o Prof. Manuel Sérgio. O que pretende ele dizer com esta afirmação? Nunca ensinei futebol a ninguém. Pelo contrário: muito aprendi de futebol com José Maria Pedroto, com Fernando Vaz, com Mário Wilson, com Telé Santana, com Toni, com Artur Jorge, com Rui Vitória, com Jorge Jesus, com José Mourinho, entre outros. No que ao José Mourinho diz respeito, o Prof. Luís “Uma lágrima humana vale mais que todos os campeonatos e taças do mundo” Lourenço, na sua tese de mestrado, sobre o atual treinador do Chelsea, apresenta os temas que o Mourinho diz ter aprendido comigo: a unidade prática-teoria; a complexidade presente, em todos os momentos da prática desportiva; o desporto como movimento em busca permanente da superação e como subsistema de uma ciência humana; a denúncia de uma preparação física, desinserida da globalidade do treino; o diálogo aprofundado e constante entre o desporto e as outras ciências humanas; a expressão hegeliana “a verdade é o todo”; a necessidade de uma revolução científica nos cursos de treinadores e das licenciaturas em desporto; o respeito pela pluralidade dos modos de conhecimento. Tudo isto lhe ensinei em 1982, era ele meu aluno no ISEF de Lisboa. Mais do que isto, não tenho consciência de lhe ter ensinado nada. E a Medicina Desportiva precisa também de Filosofia? Foram filósofos alguns dos grandes nomes da História da Medicina. Como análise, como reflexão e como crítica, a Filosofia é necessária à Medicina, como a Medicina é indispensável à Filosofia. É que só com saúde se pode pensar e praticar desporto. Para mim, a Medicina é a primeira das ciências. A Filosofia vem depois... Gostava de ter sido médico de Medicina Desportiva Seria para mim uma honra o exercício da Medicina. Mas não me sinto mal como filósofo. Diga-nos um conselho que daria a um médico especialista em medicina desportiva... As palavras de Karl Marx: “O Homem é para o Homem o ser supremo”. Ou seja, uma lágrima humana vale mais que todos os campeonatos e taças do mundo. O Prof. Doutor Manuel Sérgio, licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa e doutor e professor agregado em Motricidade Humana pela Universidade Técnica de Lisboa, forma com Sílvio Lima o par de filósofos que, na história da nossa cultura, se ocuparam do fenómeno desportivo. No caso de Manuel Sérgio ainda deverá acrescentar-se que criou o paradigma científico da Faculdade de Motricidade Humana. Ver Opinião: “O Desporto (e o Futebol) em que eu acredito…” (pág. 30)