Trauma ao Nascimento

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Texto de apoio ao curso de Especialização
Atividade física adaptada e saúde
Prof. Dr. Luzimar Teixeira
Trauma ao Nascimento
Manual Merck
A incidência de lesão neonatal devido ao parto difícil ou traumático está diminuindo.
O melhor diagnóstico pré-natal e a monitoração no decorrer do trabalho de parto têm
ajudado a evitar lesões neurológicas. Ademais, a cesárea, que apresenta atualmente
menores riscos à mãe do que no passado, substitui freqüentemente as tentativas de
partos com versões difíceis, extrações a vácuo ou fórceps médio ou alto.
Espera-se um parto traumático quando a mãe apresenta medidas pélvicas
pequenas, quando o recém-nascido parece grande para a idade gestacional
(freqüentemente no caso de mães diabéticas) ou quando há apresentação de nádegas
ou outras apresentações anormais, especialmente em primíparas. Em tais situações,
deve-se monitorar tanto o trabalho de parto como a condição fetal. Caso se detectar
angústia fetal, a mãe deve ser posicionada de lado e administrar-se O2 . Se a angústia
fetal persistir, deve-ser realizar uma cesárea imediatamente.
Lesões do Sistema Nervoso Central e Periférico
A mecânica do trabalho de parto e o próprio parto são tais que pode facilmente
ocorrer lesão física ao lactente. O poder destas forças é aparente através da moldagem
da cabeça que ocorre em partos de vértice, porém até mesmo a moldagem intensa
geralmente não causa problemas ou requer tratamento.
O trauma de cabeça varia em grau – Bossa serosa, edema no local de
apresentação do couro cabeludo, resulta de trauma leve quando esta área é forçada
contra a cérvix uterina. A hemorragia subgaleal resulta de trauma maior e é
caracterizada por uma grande quantidade de sangue sobre todo o couro cabeludo,
inclusive regiões temporais. Cefalematoma, ou hemorragia sob o periósteo, pode ser
diferenciado do sangramento mais superficial pois é nitidamente limitado à área de um
único osso, o periósteo sendo aderente às suturas. Os cefalematomas são comumente
unilaterais e de localização parietal. Uma pequena porcentagem tem fratura linear
associada no osso que as sustenta. Os cefalematomas não requerem tratamento, mas
raramente pode resultar anemia ou hiperbilirrubinemia do volume de sangramento
subperiosteal.
Fraturas com afundamento do crânio são incomuns. A maioria resulta da pressão
do fórceps; raramente são causadas pelo repouso da cabeça sobre uma proeminência
óssea in utero. Elas podem ser vistas e sentidas como afundamento e devem ser
diferenciadas dos afundamentos secundários a uma borda perióstea elevada vista com
cefalematomas. As radiografias confirmam o diagnóstico. Fraturas com afundamento
podem requerer descompressão neurocirúrgica. Fraturas com afundamento craniano ou
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outros traumas da cabeça podem estar associadas a sangramento subdural, hemorragia
subaracnóide ou até mesmo contusão ou laceração do próprio cérebro.
O trauma dos nervos cranianos envolve primariamente o nervo facial. O
envolvimento de outros nervos cranianos é raro e, em geral, não é conseqüência de
lesões do nascimento. A maioria destas lesões ocorre provavelmente pela pressão do
nervo in utero, embora atribuídas freqüentemente à pressão do fórceps. A pressão contra
o nervo pode ser devido ao posicionamento fetal (p. ex., a cabeça deitada sobre o
ombro) ou pela pressão exercida contra o nervo pelo promontório sacral ou um fibróide
uterino.
A lesão do nervo facial geralmente é periférica e a face parece assimétrica. Nas
lesões completas do 7º nervo periférico, o movimento dos músculos faciais de todo o
lado envolvido está ausente. A lesão também pode ocorrer em alguns ramos individuais
do 7º nervo, mais freqüentemente o mandibular. A pressão intra-uterina sobre a
mandíbula também pode levar à assimetria facial, porém a inervação muscular está
intacta. Esta pode ser diferenciada da verdadeira lesão do 7º nervo comparando-se as
superfícies de oclusão maxilar e mandibular, as quais devem ser paralelas. Não é
necessário qualquer teste ou tratamento para as lesões de nervo facial, pois geralmente
resolvem-se aos 2 ou 3 meses de idade.
Podem resultar lesões de raízes nervosas e nervos periféricos de partos difíceis,
geralmente vistas na extremidades superiores. As lesões do plexo braquial resultam de
estiramento causado por distocia de ombros, extração de nádegas ou hiperabdução do
pescoço em apresentações cefálicas. A lesão pode ser devido ao estiramento simples,
hemorragia dentro de um nervo, laceração do nervo ou raiz ou avulsão das raízes
associadas à lesão do cordão cervical. Podem ocorrer lesões traumáticas associadas
(fraturas de clavícula ou do úmero ou subluxação do ombro ou da medula cervical). O
local e o tipo da lesão da raiz nervosa determinam o prognóstico. As lesões do plexo
braquial superior (C5,6) afetam a musculatura dos ombros e cotovelos, enquanto as
lesões do plexo inferior (C7, 8; e T1) afetam primariamente músculos do antebraço e
mão. A paralisia de Erb é uma lesão do plexo braquial superior que causa adução e
rotação interna do ombro, com pronação do antebraço; é comum a paralisia ipsilateral do
diafragma. O tratamento inclui a proteção do braço por meio da imobilização através da
parte superior do abdome e a prevenção das contraturas pelos exercícios de
movimentação passiva e diária das articulações envolvidas, com início em torno de uma
semana de vida.
A paralisia de Klumpke é uma lesão do plexo inferior resultando na paralisia de
mão e punho, freqüentemente associada à síndrome ipsilateral de Horner (miose, ptose,
anidrose). O único tratamento indicado é a movimentação passiva das articulações.
Geralmente, nenhuma destas lesões do plexo braquial está associada a perda sensorial
demonstrável. Geralmente a melhora é rápida em ambas. Se um déficit significativo
persistir > 3 meses, pode-se então considerar a exploração e reparação cirúrgica.
Quando todo o plexo braquial está lesado, não há movimento da extremidade
superior envolvida e freqüentemente há perda sensorial. Deve-se observar se há sinais
piramidais ipsilaterais, uma vez que sua presença indica associação a trauma da medula
espinhal. Utiliza-se a movimentação passiva das articulações para prevenir contraturas e
deve-se considerar a exploração cirúrgica. O prognóstico de recuperação é precário. O
crescimento subseqüente da extremidade envolvida pode ser prejudicado.
As lesões de outros nervos periféricos (p. ex., radial, ciático e obturador) são
raras em recém-nascidos e não estão relacionadas ordinariamente ao processo de
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nascimento. Geralmente são secundárias a um evento traumático local (p. ex., uma
injeção dentro ou próxima ao nervo ciático ou necrose gordurosa sobre o nervo radial).
Os músculos antagonistas a aqueles paralisados devem ser colocados em repouso até
que ocorra a recuperação. Na maioria das lesões de nervos periféricos a recuperação é
completa. Raramente indica-se exploração neurocirúrgica do nervo.
O trauma da medula espinhal é raro. Geralmente é observado em partos de
nádegas e após tração longitudinal excessiva de medula espinhal. Ouve-se, às vezes,
um "click" ou estalido no parto. Isto também pode resultar de hiperextensão do pescoço
fetal in utero (o "feto flutuante"). O trauma geralmente ocorre na região cervical inferior
(C5, 6, 7), uma vez que as lesões superiores são fatais. A lesão pode consistir em
hemorragia dentro da medula espinhal ou graus variados de rotura medular. Inicialmente
há choque espinhal, com flacidez total abaixo do nível da lesão. Geralmente desenvolvese espasticidade em dias ou semanas. A respiração é diafragmática, uma vez que o
nervo frênico nasce superior (C3, 4, 5). Há paralisia dos músculos intercostais e
abdominais e não há desenvolvimento do controle voluntário dos esfíncteres retal e
vesical. Perde-se a sensibilidade e a sudorese abaixo do nível envolvido o que pode
resultar em flutuação da temperatura corpórea frente às alterações ambientais. O LCR
geralmente é sanguinolento. Radiografias do pescoço são normais. A IRM, TC ou a
mielografia da medula cervical podem demonstrar a lesão e irão excluir as lesões
passíveis de tratamento cirúrgico. A perda progressiva da função renal e a pneumonia
recorrente (tornam essencial a avaliação do trato urinário) são causas usuais de morte.
Alguns lactentes sobrevivem por muitos anos. O tratamento da lesão da medula espinhal
consiste em enfermagem cuidadosa para evitar ulcerações de pele, pronto tratamento de
infecções urinárias e respiratórias e avaliações regulares para identificar a uropatia
obstrutiva precocemente.
Hemorragia Intracraniana
A hemorragia dentro ou ao redor do cérebro é o problema principal nos recémnascidos, especialmente quando prematuros. As 3 principais razões são hipoxia,
pressões exercidas sobre a cabeça do lactente durante o trabalho de parto e a presença
de matriz germinativa em prematuros. Freqüentemente, encontra-se na necropsia
pequenas hemorragias no espaço subaracnóide, foice e tentório. As hemorragias
maiores são menos comuns, porém mais graves. Cerca de 40% dos lactentes
prematuros < 1.500g têm hemorragia intracraniana. Estudos de ultra-som craniano (US)
e TC podem detectar sangue e geralmente são úteis no diagnóstico. A hemorragia pode
ocorrer em vários espaços relacionados ao SNC. O sangramento dentro do espaço
subaracnóide provalvelmente é o mais comum nos lactentes a termo e podem ser
responsáveis pelas hemácias vistas tão freqüentemente no LCR dos recém-nascidos. O
diagnóstico, feito pelo exame do LCR e realização de uma TC, deve ser suspeito em
qualquer lactente com apnéia, convulsões, letargia ou exame neurológico anormal. A
inflamação das meninges associadas pode levar a uma hidrocefalia comunicante com o
crescimento do bebê. O sangramento dentro do espaço subdural, que ocorre menos
freqüentemente com o aprimoramento das técnicas obstétricas, resulta de lacerações na
foice, tentório ou veias comunicantes. Estas lacerações são mais comuns em bebês de
primíparas, em lactentes grandes ou após partos difíceis. Todas estas condições podem
produzir pressões incomuns sobre o crânio.
Convulsões, crescimento rápido da cabeça ou exame neurológico anormal com
hipotonia, reflexo de Moro reduzido, hemorragias de retina ou transiluminação positiva do
crânio podem ser os achados iniciais. As hemorragias dentro dos ventrículos ou do
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parênquima representam os tipos mais graves de hemorragia intracraniana. Ocorrem em
cerca de 40% dos lactentes prematuros, geralmente durante os 3 primeiros dias de vida.
Alguns são assintomáticos, mas pode haver apnéia, cianose ou até mesmo um colapso
súbito. A hemorragia nos lactentes prematuros freqüentemente é bilateral e geralmente
se origina na matriz germinativa (uma massa de células embrionárias que fica sobre o
núcleo caudado e presente somente no feto) sobre a parede lateral dos ventrículos
laterais. A maioria dos episódios de sangramento é subependimal ou tem uma pequena
quantidade de sangue nos ventrículos. Nos graves, pode haver cilindros do sistema
ventricular e grandes quantidades de sangue na cisterna magna e cisternas basais.
Hipoxia, particularmente em lactentes prematuros, freqüentemente precede sangramento
intraventricular e subaracnóide. A hipoxia lesa o endotélio capilar, prejudica a autoregulação vascular craniana e aumenta o fluxo sangüíneo cerebral e pressão venosa,
tudo isto aumentando a possibilidade de ocorrer hemorragia.
A suspeita de hemorragia intracraniana requer avaliação cuidadosa de petéquias
cutâneas ou hemorragia em outros locais, sinais que sugerem uma doença hematológica
sistêmica ou vascular; (p. ex., deficiência de vitamina K, hemofilia ou coagulação
intravascular disseminada).
A avaliação laboratorial de um lactente com suspeita de hemorragia intracraniana
deve começar com uma punção lombar. O LCR deve ser examinado para verificar
presença de hemácias e geralmente contém sangue denso. Deve-ser fazer um
hemograma (especialmente contagem de Hct e plaquetas) e estudos metabólicos para
identificar outras causas de disfunção neurológica (hipocalcemia, hipoglicemia,
desequilíbrio eletrolítico). Também deve-se realizar estudos de coagulação. A US
craniana ou TC podem identificar prontamente sangue dentro dos ventrículos ou
substâncias cerebrais, porém pode-se não observar camadas finas de sangue
subaracnóide ou subdural sobre os hemisférios. Um EEG pode ser útil para estabelecer
o prognóstico, se o lactente sobreviver a um episódio agudo de hemorragia.
O tratamento da maioria das hemorragias intracranianas é de suporte, exceto
quando uma anormalidade hematológica contribui para o sangramento. O lactente deve
receber vitamina K se ela não foi administrada previamente. Deve-se administrar
plaquetas somente se houver deficiência. O tratamento dos hematomas subdurais
consiste em punções subdurais bilaterais diárias se o recém-nascido for sintomático ou a
cabeça estiver crescendo rapidamente. De início deve-se remover somente 10 a 15mL
de fluido subdural de cada lado, pois a remoção de grandes quantidades pode precipitar
o choque. Deve-se considerar o processo de "shunt" subdural caso os sintomas
persistam após 2 semanas de drenagem diária.
O prognóstico para lactentes com hemorragia intraventricular grande é precário,
especialmente se houver extensão para dentro do parênquima. A maioria dos lactentes
com hemorragias pequenas sobrevive ao episódio de sangramento agudo e passa bem.
Uns poucos podem ficar com graus variados de déficit neurológico. O prognóstico será
muito melhor se a hemorragia for subaracnóide. A perspectiva para lactentes com
hematomas subdurais é reservada, mas alguns resolvem bem.
Fraturas
A fratura clavicular média, a fratura mais comum durante o nascimento, ocorre
geralmente com distocia de ombro ou quando o obstetra precisa fraturar a clavícula para
facilitar um parto de nádegas difícil. Primeiramente, observa-se o lactente irritado, que
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não move o braço do lado envolvido ou espontaneamente, ou quando se tenta o reflexo
de Moro. A maioria das fraturas claviculares é como galho verde e cicatriza-se
rapidamente e sem problemas. Forma-se um grande calo no local da fratura dentro de
uma semana e a remodelagem é completa dentro de um mês. O principal significado das
fraturas claviculares é sua associação à lesão do plexo braquial e ao pneumotórax por
perfuração da pleura apical.
O úmero e o fêmur podem ser fraturados em partos difíceis. A maioria é do tipo
galho verde, fraturas medianas, geralmente, com remodelagem excelente do osso
mesmo se houver inicialmente um grau moderado de angulação. Pode-se fraturar um
osso longo através de suas epífises, mas mesmo assim o prognóstico para recémnascidos é excelente.
Lesões de Tecidos Moles
Todos os tecidos moles são suscetíveis à lesão com edema subseqüente e
hemorragia, se forem a parte da apresentação ou o apoio para as forças da contração
uterina. Comumente ocorre edema e equimose dos tecidos periorbital e facial em
apresentações de face, enquanto o escroto e os lábios maiores e menores são
traumatizados durante parto de nádegas. Resultam decomposição do sangue nos
tecidos e conversão do heme a bilirrubina quando se desenvolve um hematoma em
qualquer lesão. Esta carga de bilirrubina adicionada nos casos já limítrofes de
hiperbilirrubinemia pode produzir icterícia neonatal suficiente para requerer uma
exsangüineotransfusão. Não é necessário nenhum outro tratamento.
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