Insper Instituto de Ensino e Pesquisa Programa de Mestrado Profissional em Administração Carolina Velloso Roos Cardoso de Almeida USO DE DERIVATIVOS NA GESTÃO DE RISCOS DE DISTRIBUIDORES DE PRODUTOS IMPORTADOS NO BRASIL São Paulo 2014 Carolina Velloso Roos Cardoso de Almeida Uso de derivativos na gestão de risco de distribuidores de produtos importados no Brasil Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Administração do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Administração de Empresas. Área de concentração: Estratégia Competitiva Orientador: Prof. Dr. Antonio Zoratto Sanvicente – Insper São Paulo 2014 Almeida, Carolina Velloso Roos Cardoso de Uso de derivativos na gestão de risco de distribuidores de produtos importados no Brasil/ Carolina Velloso Roos Cardoso de Almeida; orientador: Antonio Zoratto Sanvicente – São Paulo: Insper, 2014. 41 f. Dissertação (Mestrado – Programa de Mestrado Profissional em Administração. Área de concentração: Estratégia competitiva) – Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. 1. Risco; 2. Eficácia de hedging; 3. Cross hedging. FOLHA DE APROVAÇÃO Carolina Velloso Roos Cardoso de Almeida Uso de derivativos na gestão de risco de distribuidores de produtos importados no Brasil Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Administração do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Administração de Empresas. Área de concentração: Estratégia Competitiva Aprovado em: Banca Examinadora Prof. Dr. Antonio Zoratto Sanvicente Orientador Instituição: Insper Assinatura: _________________________ Prof. Dr. Paulo Beltrão Fraletti Instituição: EAESP-FGV Assinatura: _________________________ Prof. Dr. Hsia Hua Sheng Instituição: EAESP-FGV Assinatura: _________________________ AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Antonio Zoratto Sanvicente as atenciosas revisões, as valiosas sugestões a cada esboço, a paciência, a orientação e o apoio fundamentais para a conclusão deste trabalho. Aos Profs. Drs. Hsia Hua Sheng e Paulo Beltrão Fraletti a honra de aceitarem fazer parte desta banca examinadora e o tempo dispendido analisando este trabalho. À empresa onde trabalho, que possibilitou e incentivou a realização deste trabalho. Por fim, agradeço imensamente à minha família a compreensão e apoio em todos os momentos. RESUMO CARDOSO DE ALMEIDA, Carolina Velloso Roos. Uso de derivativos na gestão de risco de distribuidores de produtos importados no Brasil 2014. 41 f. Dissertação (Mestrado) – Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, 2014. O objetivo deste trabalho é avaliar a eficácia do uso de derivativos na redução do risco de empresas distribuidoras de produtos importados no Brasil. O risco é medido pela variância da margem de contribuição da operação e a eficácia de hedging é medida pelo método tradicional de minimização de variância. Apesar da extensa discussão na literatura sobre gestão de risco e da crescente utilização de derivativos de diversos tipos, ainda não existe um consenso sobre seu impacto no valor da empresa. A grande volatilidade da moeda brasileira influencia parte considerável do custo variável de empresas distribuidoras de produtos importados no Brasil, porém faltam estudos que apoiem a tomada de decisão sobre o assunto. Os resultados indicam que o risco teria sido reduzido caso a empresa optasse por fazer hedging da taxa de câmbio para este produto ao longo deste período. Palavras-chave: Risco; Eficácia de hedging; cross hedging; hedging cambial. ABSTRACT CARDOSO DE ALMEIDA, Carolina Velloso Roos. Use of derivatives in risk management by dealers of imported goods in Brazil 2013. 41 f. Dissertation (Mastership) – Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, 2014. The objective of this paper is to evaluate the effectiveness of the use of derivatives in reducing the risk of distributors of imported products in Brazil. The risk is measured by the variance of the contribution margin of the company in these transactions and hedging effectiveness is measured by the minimum variance. Despite the extensive discussion in the literature on risk management and the considerable increase in the use of derivatives of various types, there is still no consensus on its impact on company valuation. The volatility of the Brazilian currency influences a considerable part of the variable cost of distributors of imported products in Brazil, but there is a gap in the literature to support decision making on this subject. The results indicate that the risk would have been reduced if the company chose to hedge the exchange rate for this product over this period. Keywords: Risk; Hedging effectiveness; cross hedging; currency hedging. LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Estatísticas descritivas de variações trimestrais (em forma de taxas de retorno trimestrais µ): câmbio spot, câmbio futuro, vergalhão de aço FOB Turquia e vergalhão de aço no Brasil.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Tabela 2 – Matriz de variâncias, covariâncias e correlações entre variações trimestrais relativas µ (correlações em negrito): câmbio spot, aço FOB Turquia e aço Brasil (em BRL e USD) e tarugo de aço futuro no LME. . . . . . . . . . . . . . .31 Tabela 3 – Razão ótima de hedging. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .34 Tabela 4 – Impacto na margem de contribuição por tonelada. . . . . . . . . . . . . . 34 Tabela 5 – Impacto no custo por tonelada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...35 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Variações trimestrais no preço do vergalhão de aço no Brasil e na Turquia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31 Figura 2 – Variações trimestrais da taxa de câmbio brasileira . . . . . . . . . . . . .32 Figura 3 Razão de hedging e variância da margem de contribuição e custo do vergalhão de aço no Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .36 SUMÁRIO 1 Introdução. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.1 Objetivo. . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 1.2 Motivação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 2 Revisão da literatura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 2.1 Gestão de risco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . .15 2.2 Eficácia de hedging. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19 2.3. Eficácia de hedging no contexto brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 3 Metodologia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .24 3.1 Modelo .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 3.2 Coleta de dados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 3.3 Estrutura do mercado doméstico do produto e gestão global de risco no caso. . . . . . . 27 3.4 Análise descritiva . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 4 Resultados.. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33 5 Conclusões.. . . . .. . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37 6 Considerações Finais . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .38 5.1 Limitações do estudo .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 5.2 Sugestões para futuras pesquisas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 11 1 INTRODUÇÃO 1.1 Objetivo O objetivo deste trabalho é avaliar a eficácia de hedging de risco de câmbio por empresas distribuidoras de produtos importados no Brasil. O risco é medido pela variância da margem de contribuição da empresa com determinada operação. Derivativos são títulos ou contratos cujos valores dependem de outras variáveis básicas subjacentes (HULL, 2012); hedging é o uso de derivativos para cobertura de risco e a eficácia de hedging é medida pelo método tradicional de minimização de variância. 1.2 Motivação Com a grande abertura comercial brasileira no início dos anos 90, empresas dos mais diversos setores aumentaram substancialmente a sua exposição à variação da taxa de câmbio. De acordo com as estatísticas publicadas no site do MDIC (2013), o volume nominal total de importação medido em dólares norte-americanos (USD) aumentou 753% no período de 1994 a 2012 no Brasil1. De acordo com o IBGE, isso representa um aumento na participação da importação de bens e serviços no PIB brasileiro de 9,2% em 1994 para 14% em 20122. Desde 1999, quando o país adotou um regime de câmbio flutuante, a moeda brasileira (BRL) passou a ter uma volatilidade bastante alta. Imediatamente após a mudança do regime, o Real sofreu uma grande desvalorização (comum neste tipo de situação), e desde então o valor da exposição em dólares norte-americanos (USD) sofreu variações consideráveis em intervalos pequenos de tempo, mesmo para posições inalteradas3. Estas variações podem ter tido grande impacto na lucratividade e, possivelmente, na estratégia das empresas que fazem negócios no país. Hoje é praticamente impossível listar empresas no Brasil que não são afetadas por variações na taxa de câmbio. Este trabalho trata do caso específico de empresas que distribuem somente produtos importados no Brasil, e parte da premissa de que a margem de contribuição destas empresas é composto pela diferença entre sua receita em reais (BRL) e os preços do produto formados no mercado internacional em dólares norte-americanos (USD). Este é um caso extremo em que 1 http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=1161. http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=1&op=1&vcodigo=SCN43&t=participacao-importacaobens-servicosbrno-produto-interno. 3 http://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/ptaxnpesq.asp?id=txcotacao. 2 12 parte considerável dos custos variáveis da empresa está exposta a duas fontes de risco: variação da taxa de câmbio e variação do preço do produto no mercado nacional. Estas empresas devem decidir como gerir estes dois riscos constantemente, já que afetam diretamente sua lucratividade. No clássico paradigma de Modigliani e Miller (1958), sob as hipóteses de mercado perfeito, a gestão de risco é irrelevante para a empresa, já que os acionistas podem diversificar os riscos por si mesmos. O uso de derivativos em operações de cobertura de risco (mais comumente chamadas de hedge ou hedging, termo adotado para este trabalho) é uma opção que não faria sentido nesta situação, que pressupõe a existência de um mercado perfeito, já que seu benefício principal é a redução do risco (HULL, 2012). No entanto, diversas pesquisas mostram que, no mundo real, devido a um conjunto de imperfeições de mercado, a gestão de risco pode criar valor para a empresa (TUFANO e HEADLEY, 2001), como discutido na próxima seção. O mercado de derivativos oferece contratos de hedging com características próprias, atendendo diferentes necessidades. Por definição, esses produtos derivam seu valor de um ativo-objeto negociado, ou seja, são instrumentos financeiros estabelecidos em contrato com preços que variam em função do valor de outro ativo (DAMODARAN, 2007). No entanto, existe uma distância considerável entre as diversas análises acadêmicas sobre as várias maneiras de calcular a eficácia do hedging e a tomada de decisão sobre o assunto na prática. Na prática nota-se que a decisão é extremamente complexa e frequentemente muito mais intuitiva do que estatística. As empresas têm políticas muito distintas sobre gestão de risco de câmbio na importação, que varia entre fazer hedging de todas as operações de importação a não travar nenhuma taxa de câmbio e seguir os valores de mercado, ou fazer hedging de uma parte das operações em proporções aleatórias. Existe também uma tendência de aumento da utilização de hedging em momentos de crise e elevação da incerteza sobre os preços futuros. A decisão depende principalmente da política de gestão de risco da empresa, do posicionamento dos concorrentes e da volatilidade dos ativos em questão (HULL, 2012). Existe também uma diferença grande quanto à maneira como esta decisão é tomada; algumas empresas restringem a decisão à controladoria e outras deixam a definição com o departamento comercial responsável pelo item em questão, já que variações no câmbio dependem dos fatores ligados a variações em seu preço e à margem de contribuição obtida diretamente daquele negócio. 13 Neste estudo, o foco recai nos distribuidores de vergalhão de aço (um tipo de aço longo largamente utilizado na construção civil) importado, ou seja, empresas que importam este produto para estocá-lo e vendê-lo no mercado brasileiro. O interesse em trabalhar com este produto se deve a uma combinação de fatores. Apesar das características de commodity do mercado de vergalhões e da alta produção brasileira de minério de ferro, um dos principais insumos da produção de vergalhão, seu nível de preço no Brasil não acompanha o preço internacional. Os motivos por trás deste descompasso são complexos e controversos. Estão ligados à concentração do setor e aos custos locais. O vergalhão é um produto fabricado no Brasil e também importado; porém, devido a algumas restrições, sobretudo a escala exigida e diversas barreiras técnicas, é importado somente por um número bastante limitado de empresas e o volume de importação é baixo, em comparação com o volume produzido e vendido no Brasil. Outro ponto interessante deste produto é que parte de seu valor futuro pode ser travado com o uso de hedging (os principais mercados para isso são os da London Metal Exchange – LME para tarugo de aço - e Shanghai Futures Exchange – SHFE para vergalhão de aço especificamente), mas não está disponível no mercado futuro brasileiro um derivativo para a compra deste produto a futuro. Ou seja, a empresa não tem também a opção de fazer hedging do preço de venda do vergalhão no mercado brasileiro. Ou seja, a empresa pode ou não optar por se proteger dos riscos com o uso de hedging, que estará restrito aos custos. O motivo de escolher um distribuidor exclusivamente de produtos importados é a relevância de variações da taxa de câmbio para este tipo de empresa, pois as variações afetam diretamente sua lucratividade; praticamente todo o custo variável deste tipo de empresa é afetado pelo preço do produto em moeda estrangeira, pela taxa de câmbio e pela interação entre estes dois riscos. A empresa é tomadora de preços na venda do produto em BRL e esta volatilidade também deve ser levada em conta. O preço de compra é definido no momento inicial da aquisição, portanto, o impacto na lucratividade deve ser avaliado com base na contribuição do uso de hedging de taxa de câmbio à redução na variância do custo, pois o preço de compra em moeda estrangeira é predeterminado. Este estudo pode servir como exemplo para outras categorias de produtos sem um mercado nacional de contratos futuros e que possam tanto ser importados como comprados de indústrias nacionais, e cujos preços no mercado nacional não necessariamente sigam os preços internacionais por serem determinados por uma indústria relativamente fechada. Dada a atual balança comercial brasileira, com exportações principalmente de produtos agropecuários e uma dependência crescente das importações, diversas empresas e setores estão expostos a 14 uma situação similar: não exportam, somente importam e estão sujeitas aos dois riscos já mencionados e da interação dos mesmos. Todas elas precisam definir como lidar com estes riscos com base em informações disponíveis sobre dados históricos. O caso deste estudo é, portanto, um excelente exemplo para este tipo de situação recorrente em diversas empresas. O objetivo é propor uma análise simples, que possa ser utilizada na prática para apoiar a tomada de decisão sobre este problema recorrente no dia a dia deste tipo de empresa, com o objetivo de reduzir a variância da margem de contribuição. O trabalho se inicia com uma breve revisão da literatura sobre gestão de risco e eficácia de hedging. Seguem-se a descrição do modelo, a apresentação dos dados e dos resultados obtidos. 15 2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1 Gestão de risco Damodaran (2007) considera que a gestão de risco envolve, antes de tudo, uma análise profunda dos riscos aos quais a empresa está exposta e, com base nesta análise, a empresa tem três opções principais: não fazer nada e deixar os riscos para os investidores, se proteger dos riscos, e intencionalmente aumentar sua exposição por considerar possíveis ganhos. Há décadas se discutem na literatura as possíveis vantagens da gestão de risco, mas até hoje não existe um consenso sobre o tema. As principais maneiras de mitigar riscos financeiros são: hedging, seguro e diversificação (TUFANO e HEADLEY, 2001). O uso de hedging fixa o preço futuro e reduz a probabilidade de um resultado menos favorável, mas torna também menos provável a possibilidade de ganhos com a variação (HULL, 2012). O seguro oferece proteção contra eventos desfavoráveis, mas mantém o potencial para a empresa se beneficiar de eventos favoráveis, e a diversificação implica na montagem de uma carteira de ativos imperfeitamente correlacionados, em que variações de valor de um ativo compensam variações de outros (TUFANO e HEADLEY, 2001). Damodaran (2007) mostra que a decisão de financiamento é uma alternativa para mitigação de riscos, já que se pode vincular as características da dívida aos ativos financiados. Por exemplo, uma empresa estrangeira que espera ter elevado fluxo de caixa em BRL com certo projeto pode fazer empréstimos em BRL para financiá-lo. Smith e Stulz (1985) afirmam que a empresa pode fazer hedging de duas formas principais: com o uso de sua estratégia operacional e com derivativos. Porém, a grande maioria dos trabalhos científicos usa os derivativos para distinguir empresas que são ou não hedgers, sobretudo devido à dificuldade de avaliar a grande variedade de opções de estratégia operacional que podem ser consideradas como formas de cobertura de risco4. Portanto, neste trabalho, hedging se refere somente ao uso de derivativos para a cobertura de riscos financeiros. Existem dois tipos principais de hedging com o uso de derivativos: long e short. Long hedging é usado para fixar o preço de um item que se precisa comprar no futuro, com a expectativa de se proteger contra aumentos de preço até a compra, e short hedging é a fixação 4 Judge (2003) resume a discussão acadêmica sobre a definição de hedging, incluindo a diferenciação entre hedging com o uso de derivativos e de outras coberturas operacionais e financeiras. 16 do preço de um item que se pretende vender no futuro. Ele protege contra quedas de preço. A vantagem direta de se usar derivativos ao invés de comprar o item hoje para fixar seu preço é evitar custos com juros e armazenagem. Além disso, a maioria das empresas não tem interesse em tentar prever variáveis, como o valor da moeda e o preço da matéria prima (HULL, 2012). No mercado perfeito de capitais de Modigliani e Miller (1958), a gestão de risco é irrelevante, pois não é capaz de aumentar ou diminuir o valor da empresa. Smith e Stulz (1985) mostram que, relaxando algumas das hipóteses de Modigliani e Miller (1958), as empresas usariam hedging por três motivos principais: função tributária convexa, custos de falência e aversão a risco dos gestores. Dificuldades financeiras ou até a ameaça delas podem ser custosas à empresa, e a gestão de riscos pode diminuir a probabilidade da ocorrência destas dificuldades. O uso de hedging pode reduzir o pagamento esperado de impostos, elevando o resultado após a tributação. Tufano e Headley (2001) e Judge (2003) acrescentam três fatores aos já mencionados para resumir as principais justificativas para o hedging: política de investimento, custos de transação e assimetria de informação. Damodaran (2007) acrescenta duas vantagens obtidas com o hedging: maior capacidade de endividamento e demonstrativos financeiros mais informativos. Campello et alii. (2011), usando dados norteamericanos, mostra que o uso de hedging reduz o custo de capital de terceiros e as restrições aos investimentos, agregando valor à empresa. Porém, Coutinho, Sheng e Lora (2012) mostram que, no caso brasileiro, o resultado é inverso até a crise de 2008, quando o custo de capital de empresas que utilizavam derivativos era superior, porém, apontam uma mudança após a crise, quando também encontram relação negativa entre uso de derivativos e custo de capital de empresas não financeiras. Há também uma questão importante de teoria da agência no momento da decisão de hedging. Em muitos casos, o hedging pode levar a uma margem de contribuição menor do que se obteria sem o uso de hedging. Isso leva à relutância de muitos tesoureiros, pois pode ser muito mais difícil justificar um resultado ruim quando o resto do mercado teve um resultado melhor do que o esperado. Este último problema pode ser solucionado com o envolvimento e entendimento dos acionistas e principais executivos da empresa no momento da decisão de se fazer hedging (HULL, 2012). Smith e Stulz (1985) argumentam que, apesar de geralmente avessos a risco, os gestores optarão ou não por fazer hedging dependendo de como for determinada a sua remuneração variável. DeMarzo e Duffie (1995) mostram que esta questão está ligada à carreira do tomador de decisão sobre hedging, pois pode ser mais lucrativo para o acionista que o hedging seja efetuado diretamente pela administração da empresa, do que pelo próprio acionista, dependendo do método contábil. Porém, o mesmo estudo mostra que, 17 com base na teoria da agência, pode se esperar que os gestores priorizem o hedging sempre, já que a minimização do risco corrente favorece a manutenção de seu emprego no futuro. Damodaran (2007) sugere que a real razão do uso de hedging pelas empresas está ligada a interesses gerenciais, apesar de apontar diversas vantagens sobre o uso. Ainda há espaço para mais pesquisas sobre o assunto, já que não existe um consenso sobre o modelo ótimo de tomada de decisão sobre o hedging. Outro ponto importante que deve ser considerado é o posicionamento dos concorrentes, pois se uma única empresa adota uma posição diferente das outras, o uso de hedging pode ter o efeito oposto na gestão de riscos da empresa. Por exemplo, se o nível de preço de venda do produto fabricado pela empresa no mercado em questão flutuar de acordo com flutuações da taxa de câmbio ou dos preços da matéria prima em determinado setor devido à alta competição, uma empresa que não faz hedging pode esperar margens constantes; com isso, a variância da margem será maior para a empresa do setor que usar hedging (HULL, 2012). Judge (2003) consolida uma extensa literatura sobre os motivos que levam as empresas a usar hedging e encontra que os determinantes mais confirmados empiricamente são as economias de escala e a volatilidade do fluxo de caixa em moeda estrangeira. O mesmo trabalho mostra, com base em ampla revisão das pesquisas empíricas sobre hedging, que os resultados encontrados são mistos quanto à utilização de derivativos com base em ganhos ligados à tributação, à aversão de risco dos gestores e aos custos de dificuldades financeiras. Este autor sugere que a falta de consenso, apesar da vasta literatura existente, está ligada à importância de fatores institucionais específicos de diferentes países ou aos vieses presente em diversos trabalhos. Apesar do autor não haver utilizado nenhuma pesquisa com dados do Brasil, sua conclusão reforça a necessidade de pesquisas em contextos diferentes para avaliar os determinantes da utilização do hedging e a lacuna que ainda existe na literatura sobre o assunto. Aumentou muito a literatura sobre hedging desde o fim da década de 90, quando o FASB (Financial Accounting Standards Board) começou a exigir que as empresas divulgassem informações quantitativas e qualitativas sobre o uso de derivativos. Com isso, estudos mais recentes têm testado também a relação entre o uso de derivativos e o valor da empresa. No Brasil, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) aumentou as exigências de divulgação de informações sobre o uso de derivativos após os grandes prejuízos em 2008 com seu uso divulgados por empresas tradicionais como Sadia, Aracruz e Votorantim Celulose e 18 Papel. A deliberação 550 da CVM, emitida em 2008 exige que empresas de capital aberto divulguem trimestralmente sua política de hedging (LOPES, SCHIOZER e SHENG, 2013), Damodaran (2007) lista as principais vantagens e desvantagens da gestão de risco e conclui que faltam evidências empíricas para provar que gestão de risco gera valor para o acionista. Por outro lado, Allayannis e Weston (2001) encontraram uma relação positiva e significativa entre o uso de derivativos de moedas e o valor de mercado medido pelo q de Tobin5 de 720 empresas não financeiras nos Estados Unidos. Nguyen e Faff (2010) encontram o resultado oposto na Austrália, onde o impacto dos diferentes tipos de derivativos foi negativo no valor da empresa. No Brasil, também ainda não existe um consenso sobre a relação entre uso de derivativos e valor da firma. Rossi (2008) encontrou uma relação positiva entre ambos empregando o q de Tobin como proxy para o valor da empresa. Já na pesquisa desenvolvida por Serafini e Sheng (2011), afirma-se que não é possível concluir que o uso de derivativos agregue valor à firma, também usando o q de Tobin como proxy, pois encontram que empresas que deixam de usar derivativos também têm seu valor de mercado incrementado ao realizar testes de causalidade reversa. Na prática, o uso de derivativos por empresas não financeiras para minimizar riscos não para de crescer (CAMPELLO et alii., 2011). No Brasil, segundo dados da BM&FBovespa, entre janeiro e julho de 2013 foram negociados 50.540.282 contratos futuros de USD; no mesmo período de 2001, somente 10.992.860 contratos futuros de USD haviam sido negociados. Esta literatura mais recente também tenta diferenciar o uso de derivativos para especulação da utilização de hedging como proteção ou criador de valor. Coutinho, Sheng e Lora (2012) concluem que houve uma mudança considerável de estratégias no mercado brasileiro após os grandes prejuízos com derivativos de 2008. Também neste sentido, usando uma metodologia diferenciada, Lopes, Schiozer e Sheng (2013) mostram que a crise levou os gestores a especular menos e usar mais os derivativos com a função de cobertura de risco. Estas pesquisas indicam que a criação de valor pode estar relacionada ao uso do hedging como mecanismo de proteção, enquanto que nos casos de especulação o mesmo não criaria valor para a empresa. Visto que, apesar de não haver um consenso na literatura sobre a criação de valor, as empresas continuam utilizando hedging, é perceptível que a discussão sobre a gestão dos 5 O q de Tobin é definido como a razão entre o valor de mercado da empresa e o custo de reposição dos ativos. 19 riscos financeiros enfrentados pelas empresas ainda tem muito espaço para pesquisas, sobretudo em países em desenvolvimento. Com isso, no que diz respeito à eficácia de hedging, discute-se como a empresa que conclui que há mais benefícios do que custos na gestão de riscos deve implantar sua decisão de hedging, por algum dos motivos já mencionados. 2.2 Eficácia de hedging A teoria clássica prevê a possibilidade de hedging perfeito, que elimina totalmente o risco, quando a cobertura tem correlação negativa e perfeita com o valor da posição inicial (HULL, 2012). Ou seja, considerando-se que para variações unitárias nos preços spot (termo utilizado para o preço à vista de determinado ativo) de 1% no ativo, ocorre a mesma variação no mercado futuro, a manutenção de posições opostas iguais nos mercados spot e futuro eliminaria totalmente o risco. No caso analisado neste trabalho, o hedging perfeito seria aquele que fixasse integralmente a margem: tanto os custos com a compra, como o preço de venda no momento futuro da entrega; com isso a empresa conseguiria fixar o ganho com a operação antes do fechamento. Porém, na prática o hedging perfeito é quase impossível e, portanto, grande parte da discussão acadêmica avalia como construir o hedging com desempenho mais próximo possível ao hedging perfeito. Três motivos principais impedem a eliminação total do risco com o uso de derivativos: o ativo com hedging pode não ser exatamente o que se pretende comprar ou vender no futuro; o hedger pode não ter certeza da data exata em que pretende vender ou comprar o ativo e o contrato pode ter que ser encerrado antes do mês de entrega. Além disso, apesar de geralmente o preço das mercadorias se movimentar na mesma direção no mercado spot e no futuro, não necessariamente as variações (absolutas ou relativas) são idênticas na prática (HULL, 2012). Ou seja, é perfeitamente possível haver variações da base, que é a diferença entre preço futuro e spot. Além disso, há um problema adicional em se fazer o hedging perfeito que fixe ou diminua a variância da margem de contribuição como o desejável para casos como o deste trabalho. Visto que existem variações de base tanto do custo como da receita, e ambos tendem a variar na mesma direção (por se tratar da mesma mercadoria), se o hedging é feito somente nos custos ou somente na receita, o mesmo pode acabar por aumentar, ao invés de reduzir a variância do ganho, em contraste à sua utilização em apenas um deles (HULL, 2012). Isso traria o resultado oposto ao esperado. Ou seja, pode se supor que o hedging proposto para o 20 caso em estudo não faça sentido a menos que se encontre uma maneira de fixar o custo e de fixar também a receita, pois fazer o hedging somente do custo, por exemplo, pode levar a um resultado pior do que não fazê-lo. Este é um ponto fundamental que será explorado mais adiante neste trabalho. Visto que não há disponibilidade de mercado futuro organizado de todos os produtos que se pretende comprar ou vender, é muito comum o uso de cross hedging, quando se faz a cobertura de um item relacionado ao que se pretende comprar ou vender. Neste caso, nem sempre a variância é minimizada por um hedging de 100%, mas se determina a proporção ideal de hedging que minimiza o risco da empresa. Hull (2012) demonstra que a razão ótima de hedging neste caso ( ) pode ser calculada pelo produto entre o coeficiente de correlação ( da variação dos preços futuros ( ) com a variação dos preços à vista ( desvio padrão da variação do preço à vista ( no mercado futuro ( , e a razão do para o desvio padrão da variação do preço , como mostrado na equação (1): (1) Os parâmetros e são geralmente obtidos de dados históricos de e e se supõe que de alguma forma o futuro será como o passado. Para essas variações, deve-se escolher um número igual de intervalos da mesma duração do hedging que se pretende efetuar. A razão ótima corresponde à inclinação da reta que melhor se ajusta à regressão de contra e corresponde, intuitivamente, à razão de mudanças em para mudanças em . A decisão de hedging deve ser avaliada da mesma forma que a empresa avalia qualquer outra decisão sobre carteiras de ativos (HULL, 2012). Ou seja, a empresa deve buscar a carteira que maximize seu retorno esperado dado certo nível de risco, ou então que minimize o risco dado o retorno esperado exigido. A eficácia de hedging (e) é definida como a proporção de variância eliminada por hedging e deve ser obtida com a comparação entre a variância do retorno em uma posição com e sem o uso de hedging, ou seja: ( ( ( ( Onde com hedging e é a efetividade do hedging, ( ( ( (2) é a variância na receita de um portfólio é a variância na receita de um portfólio sem hedging. Portanto, a 21 efetividade do hedging varia entre zero e um. Intuitivamente, nota-se que se o portfolio com hedging eliminasse totalmente o risco ( ( , a efetividade seria igual a um. Por outro lado, se a variância dos dois portfolios fosse igual, a efetividade seria zero. Johnson (1960) e Stein (1961) foram os primeiros a considerar que a decisão de hedging deveria ser uma aplicação da teoria de carteiras. Inspirado nas propostas dos dois autores, o modelo de Ederington (1979) é considerado um marco para a estratégia de hedging ótimo, pois ele propõe uma razão ótima de hedging que minimiza o risco da carteira dado certo retorno esperado. Basicamente, é um problema de carteiras, no qual o portfolio é composto por ativos sem hedging e com hedging usando a proporção ótima como beta para a proporção da carteira que deve usar hedging. Desde então, diversas críticas têm sido feitas a este modelo. A maior parte delas questiona a limitação imposta pelo fato do autor usar uma regressão simples com o método de mínimos quadrados ordinários, e que oferece somente a razão entre a covariância incondicional entre os preços futuro e spot e a variância incondicional dos preços futuros (MYERS e THOMPSON, 1989). Surgiram então modelos estatísticos dinâmicos que foram aplicados para analisar a eficácia e a razão ótima de hedging, como GARCH BEKK (usado por YANG e ALLEN (2005)) e WAVELET (usado para este tipo de análise por KIM (2006)). Existe também uma discussão na literatura sobre a diferença do impacto de prazos mais longos na eficácia do hedging. Bennet (1992) conclui que a eficácia do hedging é maior no longo prazo do que no curto prazo. O argumento é o de que no prazo mais longo a chegada de informação resolve incertezas sobre o preço e o risco de base é reduzido. Kim (2006) usa outro modelo estatístico e chega à mesma conclusão, porém aponta que este resultado pode variar de acordo com a aversão a risco dos gestores; para um investidor com baixa aversão a risco, o hedging será mais eficaz no curto prazo. 2.3 Eficácia de hedging no contexto brasileiro No Brasil, testes de eficácia devem ser realizados e um certo nível deve ser atingido para que a empresa possa classificar a finalidade de determinada operação de derivativos como hedge, de acordo com o CPC 38, em processo de alinhamento com exigências contábeis internacionais (Pronunciamento Técnico CPC 386 do Comitê De Pronunciamentos Contábeis, aprovado e tornado obrigatório para empresas abertas pela Deliberação CVM 604 de 6 Disponível em http://www.felaban.com/archivos_siri/ANEXO%2005%20BRASIL%20CPC_38%20%20Instrumentos%20Financeiros.pdf. 22 19/11/20097). Com isso se aplica uma contabilização especial (hedge accounting) para que variações no valor do derivativo e do item objeto do derivativo sejam reconhecidas no exercício ao mesmo tempo. O CPC 38 define eficácia como “o grau segundo o qual as alterações no valor justo ou nos fluxos de caixa da posição coberta que sejam atribuíveis a um risco coberto são compensadas por alterações no valor justo ou nos fluxos de caixa do instrumento de hedge”. O mesmo documento determina que uma operação de hedge só será altamente eficaz se os resultados reais estiverem entre 80 e 125%, porém o pronunciamento não estabelece um método único para a realização deste cálculo. Também há extensa discussão acadêmica específica ao contexto brasileiro, focalizando a eficácia de hedging para produtores e cooperativas de setores exportadores tradicionais na redução da variância da receita com a exportação. Grande parte destes trabalhos foi publicada no Brasil. Alguns exemplos são Martins e Aguiar (2004), que comparam a eficácia do hedging de contratos futuros na CBOT (Chicago Board of Trade) de diferentes praças, e concluem que a efetividade varia muito entre as diferentes praças produtoras; quanto mais próximas aos portos, mais eficiente o hedging; concluem também que no período de entressafra (entre julho e agosto) o hedging é mais eficiente. Guerra et al. (2013) encontram resultado semelhante ao verificar a baixa efetividade no hedging do preço futuro de soja para produtores de soja de Tupanciretã entre 2004 e 2010. Weeks e Bellinghini (2011) encontram que a estratégia de hedging simultâneo de câmbio e preço futuro da soja é mais eficiente na redução da variância das receitas do produtor do que somente uma das opções ou nenhuma delas. Diversos artigos fazem análises parecidas para outros setores tradicionalmente exportadores (como por exemplo, café, boi gordo, milho, entre outros8). Porém, apesar do imenso crescimento das importações, há uma lacuna de pesquisas discutindo a eficácia de hedging para a importação no Brasil. Ou seja, apesar de haver evidências acadêmicas de que no Brasil o uso de derivativos agrega valor à firma (por exemplo, ROSSI (2008)), além de práticas, dado o grande aumento no volume negociado já mencionado, não existem pesquisas que possam ser usadas como referência por empresas que importam, como apoio a uma decisão recorrente que devem tomar a cada nova aquisição de mercadorias. Para muitas empresas importadoras de porte médio, esta é uma decisão diária e geralmente tomada somente com base em informações de mercado e intuição dos tomadores de decisão. 7 Disponível em www.cvm.gov.br/port/snc/deli604.doc Por exemplo, diversos artigos sobre este tema são selecionados anualmente pela BMF&Bovespa para a “CGRCC - Conferência em Gestão de Risco e Comercialização de Commodities” e estão disponíveis no site: http://www.bmfbovespa.com.br/CGRCC/artigos.asp. 8 23 Além disso, para o caso em questão, estamos lidando com uma variedade maior de fatores, pois ao fazer o hedging a empresa está exposta ao preço do aço em mercados diferentes e também à taxa de câmbio brasileira, é fundamental, para a gestão da empresa, avaliar qual a combinação e proporção de hedging que em dado momento deve reduzir ao máximo a variância da margem da empresa. No caso em estudo, trata-se de uma empresa de médio porte cuja atividade se limita a importar e distribuir os produtos importados no Brasil. A empresa não exporta e é tomadora de preços em BRL ao vender os produtos no mercado brasileiro. A empresa não dispõe de uma equipe para gerenciar os riscos de câmbio e por isso a decisão é feita pela equipe comercial no momento da negociação do preço para a compra do produto. Isso ocorre devido ao perfil agressivo da equipe comercial da empresa, que é medida e remunerada diretamente pela margem de contribuição do departamento. E a margem depende fundamentalmente da diferença entre o preço de venda do produto em BRL após a nacionalização e o custo do mesmo em BRL, que por sua vez, depende do custo internacional do produto e da taxa de câmbio usada para fazer este pagamento. Em síntese, o preço de aquisição em moeda estrangeira é predeterminado, mas o valor correspondente em moeda nacional é incerto. De acordo com dados do MDIC, em janeiro de 2014 existiam quase 25 mil empresas importadoras no Brasil e menos de 11 mil exportadoras. O setor de importação é também mais fragmentado, composto por empresas dos mais diversos portes e tipos. Todas elas têm que tomar uma decisão sobre como lidar com a volatilidade da taxa de câmbio a cada novo processo, em processo semelhante ao estudado neste trabalho. A decisão básica é entre fazer ou não as diferentes opções de hedging disponíveis e em qual porcentagem. Considerando que grande parte dos processos efetivos de importação se inicia aproximadamente três meses antes da venda (usaremos a referência de para o momento de colocação do pedido), composto das seguintes etapas: as fábricas levam em torno de 30 dias para produzir após a colocação do pedido; dependendo da origem o tempo de trânsito pode levar até 45 dias e ainda em torno de 15 dias para nacionalizar e armazenar o produto para então começar a fase de vendas, com base no preço de venda deste momento, a referência utilizada adiante neste trabalho será para o momento de venda do produto 90 dias após a compra ou colocação do pedido em . Ou seja, no momento a empresa define o custo de compra da mercadoria em USD e pode optar por fixar ou não a taxa de câmbio para o pagamento após 90 dias. Visto o uso crescente de derivativos por este tipo de empresa, é perceptível que seja identificada alguma vantagem na prática, por isso é importante verificar este ponto, o que nos leva à hipótese deste trabalho: 24 A utilização de hedging de taxa de câmbio, usando contratos futuros com vencimento para três meses após o momento da confirmação da compra reduz a variância da margem de contribuição da empresa distribuidora de produtos importados no Brasil. Ou seja, para o propósito deste trabalho, apesar das divergências sobre o quanto o uso de hedging agrega valor à firma, um motivo estratégico que pode explicar o uso crescente do hedging está ligado à redução na variância da margem de contribuição deste tipo de empresa. Esta é uma decisão para os gestores de uma grande e crescente quantidade de empresas importadoras no Brasil. 3 METODOLOGIA 3.1 Modelo Este trabalho considerou o caso de uma empresa que realiza regularmente importações de vergalhão de aço e usou somente dados abertos do preço de produto para estimar a variação da margem de contribuição da empresa deste tipo e partiu das seguintes premissas para a criação do modelo: - A empresa em questão tem suas receitas em BRL e importa produtos adquiridos no mercado internacional em USD para vendê-los no mercado brasileiro. A empresa os importa e mantêm em estoque e vende os produtos como um distribuidor no mercado brasileiro. A empresa define a compra e é informada do preço FOB9 em USD três meses antes da venda em BRL. Consideramos que a empresa tem três meses para fazer o pagamento deste FOB e pode optar por utilizar ou não hedging de taxa de câmbio (na BMF&Bovespa) no momento da definição da compra. - Trata-se de um produto considerado uma commodity e a empresa em questão é uma tomadora de preços em BRL no mercado brasileiro. Supõe-se que não há diferença na percepção de qualidade do produto importado por se tratar de uma commodity. 9 O termo FOB é uma abreviação para Free on Board, que designa que o preço de certo produto inclui todos os custos até sua colocação no navio definido pelo comprador. O termo faz parte dos incoterms largamente utilizado em comércio exterior listados pela Câmara de Comércio Internacional para estabelecer com precisão os direitos e obrigações de compradores e vendedores incluídos no preço em questão. 25 - Considera-se também que todos os demais fatores permanecem constantes, a fim de avaliar somente o impacto do hedging. Ou seja, ignora-se qualquer variabilidade do número de unidades vendidas. - Não são considerados custos de transação. Ou seja, o modelo considera que a margem de contribuição da operação para esta empresa será incerta por dois motivos: (a) o preço de venda unitário em BRL ( ) é incerto e (b) a taxa de câmbio do momento de pagamento do custo internacional e (BRL/USD) também é incerta. Ou seja, (a) e (b) são voláteis e possivelmente correlacionados. A função objetivo é minimizar a variância da margem de contribuição esperada pela empresa por tonelada em BRL ( , que é definido pela receita deduzida do payoff da operação em mercado futuro: ( ( ( ( ) (5) Onde (para todas as equações desta parte): = preço à vista do vergalhão no Brasil no final do período (em BRL por tonelada), ou seja, no momento da venda ( ) (BRREBAR), conforme indicador mensal fornecido pela Platts McGraw Hill Financial10 referente ao preço médio mensal em BRL do vergalhão (10mm) por tonelada com ICMS e sem frete no Sudeste brasileiro. = proporção da compra por tonelada que utiliza contratos comprados no mercado futuro de câmbio (em %). = taxa de câmbio do contrato futuro de fechamento do último dia do mês no início do período com vencimento 90 dias após a data da compra (em BRL/USD). = taxa de câmbio spot PTAX de fechamento do último dia do mês do final do mesmo período (3 meses após ), fornecida diariamente pelo Banco Central. = Preço FOB Turquia por tonelada no momento inicial, da efetivação da compra. (REBARFOB), preço médio diário em USD fornecido pela Platts McGraw Hill Financial. A variância da margem de contribuição será simulada considerando-se que a empresa em questão realizou operações mensais regulares desde outubro de 2009.11 Serão 10 Esta base está disponível no site: www.sbb.com. Data a partir da qual os dados dos mercados de aço mencionados estão disponíveis pela Platts McGraw Hill Financial. 11 26 comparados os resultados que seriam obtidos, caso a empresa não tivesse feito o hedging, aos que seriam obtidos caso a empresa fizesse o hedging ótimo ou simplesmente o hedging simples de 100% da exposição. As razões ótimas são definidas e constantes para o período como um todo. Com isso, analisamos qual é a opção que oferece a menor variância no período analisado. De acordo com o referencial teórico mencionado, a razão ótima de hedging é obtida usando-se os dados de variação trimestral das taxas de câmbio e calculada da seguinte forma: (6) Onde é o coeficiente de correlação entre as variações trimestrais, que é multiplicado pela razão entre o desvio padrão de encontrarmos o valor correspondente a e o desvio padrão de e , . Após para a hipótese de razão ótima, que supomos ser uma constante em todo o período analisado, o valor deve ser usado para substituir na equação (5) para se estimar a margem a cada trimestre observado. Com isso, pode-se obter a variância da carteira com hedging ótimo de taxa de câmbio e compará-la com as situações sem hedging ( = 0) e com hedging de 100% da carteira ( = 1). A variância da margem obtida será comparada para cada uma das três opções para testar . 3.2 Coleta de dados Para a variável taxa de câmbio spot usam-se os dados fornecidos pelo Banco Central do Brasil. No caso, consideramos o fechamento do último dia do mês da taxa PTAX de venda de outubro de 2009 a janeiro de 2014. Trata-se de uma taxa extremamente relevante para importadores, pois é a taxa de câmbio utilizada na definição dos impostos e serve de base em BRL para todos os demais custos da importação. Para os preços passados de contratos futuros de câmbio, utilizamos as cotações também de fechamento do último dia do mês de contratos futuros da BM&FBovespa, disponíveis no Ipeadata. Para o preço do produto, tanto no mercado brasileiro em BRL, como o preço posto no porto (FOB) em USD na Turquia, mercado em que o produto é adquirido, utilizam-se 27 dados obtidos na base de dados Platts McGraw Hill Financial12. Quando falamos de preço do aço no mercado brasileiro, nos referimos ao preço médio em BRL do vergalhão (10mm) por tonelada com ICMS e sem frete no Sudeste brasileiro, exatamente como é fornecido mensalmente por esta base de dados. Os preços FOB se referem aos preços de fechamento do último dia do mês em USD por tonelada do vergalhão para exportação na Turquia, principal exportador deste produto para o Brasil no período selecionado. Para uma análise comparativa, usamos também dados históricos dos preços dos contratos futuros do LME de tarugo de aço a 3 meses do vencimento, também disponíveis na base de dados Platts McGraw Hill Financial. Para estes dados, consideramos o preço médio por tonelada do último dia de cada mês no período em questão. A variação trimestral ( corresponde à taxa de retorno simples entre o preço futuro a três meses, no início do período (Et), quando o mesmo foi contratado, e o preço spot no momento da liquidação do hedging (et90): (7) As despesas de importação, custos de transação e custos operacionais fixos por tonelada (como impostos, armazenagem, etc) são desconsiderados, visto que são tratados como fixos e independem do uso de hedging. O risco é medido pela variância da margem de contribuição daquela operação, que é medida pela soma das receitas de vendas em BRL deduzida do custo das mercadorias em BRL usando hedging, em comparação com o resultado sem o uso do mesmo, como já mencionado. 3.3 Estrutura do mercado doméstico do produto e gestão global de risco no caso O setor siderúrgico é tradicionalmente fechado no mundo todo, mas no Brasil a questão é ainda mais grave. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) condenou em 2005 as três principais siderúrgicas13 por formação de cartel no mercado de vergalhão de aço no Brasil. Existe ainda uma discussão no mercado sobre a manutenção deste cartel mesmo depois da penalização, já que os dois maiores produtores detêm em torno de 12 13 Esta base está disponível no site: www.sbb.com. Gerdau, Belgo Mineira e Barra Mansa. 28 85% do mercado. Uma pesquisa feita por Carrasco e Mello (2008) aponta que o alto nível de concentração mantém o nível de preços no país constantemente acima da média internacional e desalinhado com outros níveis de preços nacionais (como o INPC, o IPCA, IGPM e o INCC). Já um estudo encomendado à consultoria Booz Allen pelo Instituto Aço Brasil14 indica que essa disparidade entre os preços do vergalhão no Brasil e em outros países está ligada à tributação elevada, à taxa de câmbio valorizada e aos custos de energia no Brasil. É importante destacar que, como já mencionado anteriormente, esta estrutura peculiar foi um dos motivos da escolha do produto para este trabalho. A elevada concentração do setor e a disparidade entre o nível de preços internacional e local do produto dificultam o posicionamento das empresas envolvidas, já que alterações na taxa de câmbio não se refletem diretamente no preço do produto. Isso não aconteceria se fosse um mercado totalmente aberto, onde as empresas teriam mais facilidade em se posicionar e o uso de hedging provavelmente não faria sentido, já que os preços locais tenderiam a se ajustar a variações na taxa de câmbio. É importante ressaltar que a gestão global de risco da empresa em questão envolve diversos outros fatores além daqueles considerados para este trabalho. Como já mencionado, além do câmbio, a empresa estará sujeita a variações no preço do produto nos diferentes mercados em que opera, que podem ser mais relevantes para a lucratividade do que a taxa de câmbio. Além disso, algumas estratégias de hedging operacional poderiam ser usadas para reduzir a exposição da empresa à taxa de câmbio, como por exemplo, desenvolvendo negócios de exportação com o risco inverso ao das importações em questão ou utilizando dívida em moeda estrangeira. A gestão global de risco da empresa também poderia ser realizada através da estratégia de compras e os volumes dependeriam das volatilidades e diferenças de preços e taxas de câmbio, ou seja, a empresa poderia optar por não realizar importações caso a taxa de câmbio aumente, de forma que a margem de contribuição esperada seja reduzida. No caso da empresa ser capaz de definir as vendas do produto antes da compra, toda a discussão de utilização de hedging também não faria sentido, já que a empresa conseguiria fixar a margem de contribuição da operação antes da decisão de compra. No entanto, o modelo utilizado para este trabalho considera que a empresa tem compromisso de vendas regulares e uma grande equipe de venda fragmentada que ocorre somente após a nacionalização do produto e exige volumes constantes de importação. O modelo também considera que, ao competir com produtores nacionais com vendas 14 O estudo está disponível no site do Instituto Aço http://www.acobrasil.org.br/site/portugues/biblioteca/pdf/booz_iabr_externo_31_out_2012.pdf Brasil: 29 imediatamente após a colocação do pedido, a empresa não consegue vender seus produtos antes da colocação do pedido ao fornecedor e não tem nenhuma garantia de que irá vendê-los nem de qual será o preço no momento da compra. Os demais fatores de gestão de risco global são desconsiderados para avaliar somente o impacto do uso de derivativos de taxa de câmbio na variância da margem de contribuição da empresa. 3.4 Análise descritiva O período analisado foi de outubro de 2009 a abril de 2014. Para fazer a estatística descritiva básica usamos as taxas de retorno simples (µ) 15 para facilitar a comparação dadas as diferentes unidades e dimensões das variáveis analisadas. As taxas de retorno são trimestrais, calculados de maneira móvel. Os resultados são apresentados na Tabela 1. A tabela mostra que o preço do aço, sobretudo no mercado internacional (REBARFOB), variou muito mais do que a taxa de câmbio no mesmo período, como indicado pelo elevado desvio padrão, o grande intervalo de variações no período e o coeficiente de variação mais alto do que o da taxa de câmbio. Tabela 1. Estatísticas descritivas de variações trimestrais (em forma de taxas de retorno trimestrais µ): câmbio spot, câmbio futuro, vergalhão de aço FOB Turquia e vergalhão de aço no Brasil. (n16 = 55). 15 Taxas de retorno foram consideradas de acordo com a seguinte equação como exemplo para o câmbio: . 16 n se refere ao número de observações utilizado na confecção da tabela em questão. 30 Estatística descritiva das variações trimestrais da variáveis analisadas Variações trimestrais BRL/USD spot Código usado BRUSBRA Variações Variações trimestrais Variações trimestrais trimestrais do do vergalhão de aço cambio futuro vergalhão de aço FOB na Turquia no Brasil BRUSFUT REBARFOB BRREBAR Mínimo -7,84% -7,87% -26,43% -19,15% Máximo 18,79% 18,78% 45,83% 25,58% Média 1,75% 1,75% 1,65% 0,63% Desvio padrão 6,56% 6,60% 0,107 0,077 3,75 3,78 6,51 12,26 0,18 0,23 5,51 1,59 Coeficiente de variação Curtose Fontes: Banco Central do Brasil, BMF&Bovespa (disponíveis no Ipeadata) e Platts McGraw Hill Financial. A Tabela 1 também indica que, como esperado em caso de ativos que não são idênticos, o preço do aço nos dois mercados em questão (BRREBAR e REBARFOB) não se comporta exatamente da mesma maneira, como se pode observar pelos coeficientes de variação muito diferentes, por exemplo. Já a taxa de câmbio se comporta de maneira muito similar no mercado spot e futuro, o que também era esperado por se tratar de um ativo de investimento, também se nota que a volatilidade (expressa pelo desvio padrão e pelo coeficiente de variação) é um pouco mais elevada no caso do mercado futuro. Para a preparação da Figura 1, foram acrescentadas as variações do tarugo de aço futuro (contratos futuros disponíveis no LME) para ilustrar a diferença de comportamento no caso de ativos de consumo e indica que não há tão forte correlação entre as variações do preço do aço nos três mercados em questão. Um ponto também surpreendente é a correlação 31 negativa encontrada entre as variações trimestrais do aço no Brasil e as variações do preço na Turquia, onde o produto é adquirido, indicada na Tabela 2, tanto quando comparado ao preço ajustado em USD pela taxa spot, e ainda mais forte se comparado ao preço do vergalhão de aço no Brasil em BRL. Outro aspecto especialmente preocupante para o caso em questão é a existência de uma forte correlação negativa entre as variações trimestrais da taxa de câmbio brasileira spot e o preço do vergalhão de aço no mercado brasileiro, ainda mais forte quando os valores são ajustados com a taxa spot para USD. A esta tabela também foram acrescentadas as variações trimestrais do tarugo de aço futuro para comparar o comportamento do preço no mercado do produto ao da taxa de câmbio. Figura 1: Variações trimestrais no preço do vergalhão de aço no Brasil (em BRL e USD),na Turquia e do tarugo de aço no LME. (n=55). Fonte: Platts McGraw Hill Financial Tabela 2. Matriz de variâncias, covariâncias e correlações entre variações trimestrais relativas µ (correlações em negrito): câmbio spot, aço FOB Turquia e aço Brasil (em BRL e USD) e tarugo de aço futuro no LME (n = 55). 32 Variação trimestral do Matriz variância, covariância Variação trimestral Variação trimestral preço do vergalhão no e correlação entre as taxas BRL/USD spot FOB Vergalhão Brasil em BRL de retorno trimestrais (µ) (BRUSBRA) (REBARFOB) (BRREBAR) Variação trimestral Tarugo futuro 3 meses (LFM3MTH) Variação trimestral do preço do vergalhão no Brasil em USD (BRREBAR) Variação trimestral BRL/USD spot (BRUSBRA) 0.0043 (0.0005) (0.0022) (0.0037) (0.0044) Variação trimestral do preço do vergalhão no Brasil em BRL (BRREBAR) (0.3139) 0.0059 (0.0031) (0.0022) 0.0064 Variação trimestral FOB Vergalhão (REBARFOB) (0.1045) (0.3863) 0.0115 0.0094 (0.0011) Variação trimestral Tarugo futuro 3 meses (LFM3MTH) (0.2516) (0.1242) 0.3869 0.0537 0.0015 Variação trimestral do preço do vergalhão no Brasil em USD (BRREBAR) (0.6609) 0.8123 (0.1005) 0.0622 0.0108 Fontes: Elaboração própria com base em dados do Banco Central do Brasil, BM&FBovespa (disponíveis no Ipeadata) e Platts McGraw Hill Financial. Fica bastante evidente a diferença de base entre o mercado do aço e o mercado de câmbio futuro. A variação do tarugo no mercado futuro apresenta uma correlação de apenas 0.3869 com a variação no preço FOB na Turquia e muito baixa com o preço do vergalhão de aço no mercado brasileiro. Na Figura 1 se observa que o mercado futuro é mais volátil do que os dois mercados de vergalhão, assim como no caso do câmbio. A variável câmbio apresenta um comportamento diferente e a taxa futura tem fortíssima correlação com a taxa spot, como mostrado na Figura 2 (muito próxima de 1, como indicado também na Tabela 3). Isso já era esperado, dado o menor risco de base para ativos de investimento do que para ativos de consumo (HULL, 2012) e ao fato de não haver diferença significativa entre o ativo coberto e aquele a ser adquirido, diferentemente do caso do aço. Isto também explica a diferença de comportamento das séries de aço na Figura 1. Figura 2: Variações trimestrais da taxa de câmbio brasileira (n = 55). 33 Fonte: Banco Central do Brasil e BM&FBovespa, disponíveis no Ipeadata. 4 RESULTADOS A hipótese é avaliada com base na comparação de três opções distintas. A opção que oferecer a menor variância da margem de contribuição será considerada a de melhor resultado, como já mencionado anteriormente. A primeira opção é efetuar a compra sem o uso de nenhuma cobertura: somente efetuar a compra do vergalhão na Turquia no preço do momento depois com a taxa de câmbio spot em em USD, pagá-lo 90 dias e vendê-lo pelo preço de mercado . Neste caso, usando as mesmas conotações já utilizadas, a margem em BRL em por tonelada é calculado mensalmente da seguinte forma: ( ( (8) A segunda opção consiste no uso da razão ótima de hedging para contratação do dólar no mercado futuro, aplicando (como definido na equação (6)) como proporção dos contratos de câmbio necessários que será comprada no mercado futuro, expressa em (8):. ( ( ( ) (9) A última opção considerada é o uso de hedging de câmbio em 100% do valor da compra a ser efetuada. Ou seja, calcula-se a margem da estratégia com , ou seja: 34 ( ( ( ) O cálculo da razão ótima de hedging ( (10) feito como mencionado na seção anterior, nos leva à razão ótima apresentada na Tabela 3. Tabela 3 Razão ótima de hedging (n = 55) Razão ótima para hedging da taxa de câmbio Correlação câmbio futuro x câmbio spot 0.9987 Desvio padrão câmbio spot 0.0656 Desvio padrão câmbio futuro 0.0660 c* (Razão ótima calculada conforme equação 7: R2 cambio (Variações câmbio futuro x spot ) 1.0056 0.9973 Fontes: Banco Central do Brasil e BM&FBovespa (ambos disponíveis no Ipeadata). Usamos estes valores para comparar as opções, esperando que a margem das estratégias com cobertura tenha menor variância, visto que este seria o objetivo principal do seu uso, tal como sugerido e explicado na hipótese deste trabalho. Calculando mensalmente a margem de contribuição esperada da empresa, utilizando as diferentes proporções de cobertura já mencionadas, chegamos aos valores apresentados na Tabela 4. Tabela 4 Impacto na margem de contribuição por tonelada (n = 55). 35 Impacto estimado na Desvio padrão do Lucro médio por margem de contribuição lucro por tonelada tonelada em BRL de cada estratégia Opção 1: Estratégia sem hedging Coeficiente de variação Eficácia do hedging R$ 272.89 R$ 1,259.60 21.66% N/A Opção 2: Estratégia usando R$ razão ótima de hedging 243.52 R$ 1,276.26 19.08% 20.37% 243.66 R$ 1,276.39 19.09% 20.27% Opção 3: Estratégia com 100% hedging R$ Fontes: Elaboração própria usando dados do Banco Central do Brasil, BM&FBovespa (ambos disponíveis no Ipeadata) e Platts McGraw Hill Financial. Os resultados apresentados na Tabela 4 indicam que no período, e com os dados usados para esta análise, não podemos rejeitar a hipótese proposta no início deste trabalho, já que a margem das opções com uso de hedging apresentou menor desvio padrão do que sem o uso do mesmo. Este resultado é parcialmente surpreendente após a análise descritiva observada na parte anterior. Visto que o impacto do hedging é somente no custo do produto, poderia se esperar um aumento na variância, já que se travou o custo em reais ao mesmo tempo em que a receita em reais permanece variável. A correlação negativa observada entre o preço do produto e a taxa de câmbio no Brasil pode ter favorecido o impacto positivo do hedging na redução da variância da margem de contribuição. Um ponto interessante a ser observado também na Tabela 4 é que a margem bruta média foi maior nas duas opções que utilizam hedging, o que também favorece sua utilização, pois não só se teria reduzido o risco, como também se teria aumentado a margem média da empresa no período analisado. Para o aprofundamento da compreensão do que levou a estes resultados, é importante avaliar qual foi o impacto no custo, o que é feito na Tabela 5. Tabela 5 Impacto no custo por tonelada (n = 55). 36 Impacto estimado no custo Desvio padrão Custo médio Coeficiente do custo por por tonelada em de variação tonelada BRL Opção 1: Estratégia sem hedging R$ 178.41 R$ 1,149.16 15.53% N/A Opção 2: Estratégia usando razão ótima de hedging R$ 152.85 R$ 1,132.37 13.50% 26.60% Opção 3: Estratégia com 100% hedging R$ 152.90 R$ 1,132.47 13.50% 26.56% Eficácia do hedging Fontes: Banco Central do Brasil e BM&FBovespa (ambos disponíveis no Ipeadata) e Platts McGraw Hill Financial. Mais uma vez, ao analisarmos o impacto somente nos custos notamos que a variância das duas opções com o uso de hedging é inferior à da opção 1, sem o uso do mesmo. E neste caso a proporção de eficácia do hedging é ainda maior do que na análise da margem, podendo confirmar a expectativa de que todo ou grande parte do impacto observado na redução da variância da margem se deu através dos custos, e que as variações na receita pouco ou nada influenciaram este resultado. Este ponto tem um lado positivo, já que, apesar de ser impossível fazer hedging da receita dada a inexistência de um mercado futuro local do produto, a redução da variância do custo não aumentou a variância da margem, como poderia ocorrer. Por outro lado, pode também ser preocupante, pois confirma que a margem não é influenciado pelo hedging e a empresa continuará sujeita a possíveis aumentos em sua variância se houver uma mudança drástica nos preços de venda no mercado nacional. Porém, estas mudanças drásticas poderiam afetar de forma semelhante a opção sem hedging. Um ponto que também deve ser avaliado mais a fundo é que neste caso a razão ótima de hedging encontrada é demasiadamente próxima de 1 (tornando praticamente desnecessária a comparação entre as opções 2 e 3). Além disso, ao fazermos alguns exercícios simples de simulação usando outras proporções de hedging notamos que a que foi utilizada não é a que oferece a menor variância à margem da empresa no caso estudado, como observado na figura 3. Figura 3 Razão de hedging: variância da margem e custo do vergalhão 37 de aço no Brasil. A figura mostra que as razões de hedging que minimizam a variância da margem e do custo da empresa neste caso não são iguais à razão ótima calculada anteriormente. Para o caso e período em questão, a razão de hedging que minimiza a variância da margem seria de 1.80, que levaria a um desvio padrão de apenas 236.02 na margem. Estes resultados foram obtidos com testes usando os dados já mencionados para o período em questão e alterando a proporção de uso de hedging. Isso já era esperado, já que a razão ótima utilizada foi calculada somente levando em conta a relação entre as taxas de câmbio futura e spot e desconsidera a relação entre o preço do aço nos diferentes mercados e suas volatilidades. Também nos leva a questionar se esta seria realmente a melhor forma de avaliar a eficácia de hedging para importadores. Porém, para o propósito deste trabalho, o objetivo de testar se seria eficaz o uso de hedging foi atingido e fica esta lacuna para próximas pesquisas. 5 CONCLUSÕES Este estudo avaliou a eficácia do uso de hedging de câmbio por distribuidores de produtos importados no Brasil. Os resultados confirmam, para o produto e o período em questão, que o seu uso reduziu a em torno de 20% a variância da margem de contribuição 38 destas operações para a empresa e que, portanto, foi vantajoso para empresas na redução do risco, sendo recomendável para aplicação na estratégia das empresas deste tipo. No entanto, o estudo também mostrou que outros fatores de gestão global de risco podem ter maior impacto e o uso de derivativos de câmbio tem consequências limitadas na redução do risco da empresa, com eficácia limitada a pouco mais de 20%, como mostrado acima. Dadas as características do mercado em questão e a volatilidade do preço nos diferentes mercados, o estudo indica que fatores que estariam mais associados a um hedging operacional poderiam ter maior impacto na redução da margem de contribuição do que o uso de derivativos de câmbio. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 6.1 Limitações do estudo Este estudo visa testar a aplicação de um modelo simples para uma situação prática recorrente bastante específica. Os resultados devem ser interpretados como válidos para o período em que foram analisados os dados e para o tipo de operação e produto utilizados como exemplo. Além disso, para facilitar sua extensão e réplica na prática, foi selecionado um modelo estatístico bastante simples e não foi feita uma comparação com resultados de possíveis modelos dinâmicos mais complexos. Porém, com isso não se observam de forma pontual os momentos dentro de todo o período em que o hedging é mais eficaz para apoiar a tomada de decisão diária dentro de uma empresa. Algum modelo mais complexo e que pudesse oferecer esta maior visibilidade poderia ser útil para a empresa, apesar de exigir também uma mudança organizacional e uma equipe mais dedicada esta questão. Por último, vale ressaltar que uma das hipóteses do modelo é a inexistência de custos de transação. Porém, alguns autores (como, por exemplo CAMPBELL, 1997, P. 314) argumentam que os mesmos poderiam influenciar os resultados e, portanto, os resultados devem ser interpretados com cautela também por este motivo. 6.2 Sugestões para futuras pesquisas 39 Seria interessante comparar os resultados aqui encontrados com os de outros produtos e utilizando uma variedade maior de modelos. Apesar da importância atual das empresas importadoras para a economia brasileira, e da elevada volatilidade do BRL, não foram encontrados outros estudos que orientem este tipo de empresa sobre a utilização de derivativos de maneira não especulativa, de forma a reduzir a variância da margem e com base em cálculos simples. Como mencionado, seria interessante também que novos estudos avaliassem de outras formas as razões ótimas para a tomada de decisão sobre o hedging de diferentes produtos. Também seria interessante observar pesquisas similares utilizando o mercado futuro de vergalhão de aço disponível em Shanghai, com a problemática de se acrescentar o risco da moeda chinesa. Existe, portanto, uma lacuna de pesquisa nesta área que pode ser explorada sob diversas outras perspectivas. 40 REFERÊNCIAS ALLAYANNIS, G.; WESTON, J. P. The use of foreign currency derivatives and firm market value. Review of Financial Studies, v. 14, n. 1, p. 243-276, 2001. CAMPBELL, J.Y.; LO, A. 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