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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO – UPF
FACULDADE DE DIREITO
EVERTON MORAIS
DOLO EVENTUAL (IM) POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA
MODALIDADE EM DELITOS TENTADOS.
LAGOA VERMELHA
2014
EVERTON MORAIS
DOLO EVENTUAL (IM) POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA
MODALIDADE EM DELITOS TENTADOS.
Monografia apresentada ao Curso de Ciências
Jurídicas e Sociais, da Faculdade de Direito, da
Universidade de Passo Fundo, Campus de
Lagoa Vermelha, como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em Ciências
Jurídicas e Sociais, sob a orientação do
Professor Mestre Daniel Menegaz.
LAGOA VERMELHA
2014
EVERTON MORAIS
DOLO EVENTUAL (IM) POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA
MODALIDADE EM DELITOS TENTADOS.
Monografia apresentada ao Curso de Ciências
Jurídicas e Sociais, da Faculdade de Direito, da
Universidade de Passo Fundo, Campus de
Lagoa Vermelha, como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em Ciências
Jurídicas e Sociais, sob a orientação do
Professor Mestre Daniel Menegaz.
Aprovado em ______ de ___________________________ de __________.
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________________
Prof. Me. Daniel Menegaz
_______________________________________________________
Prof.
_______________________________________________________
Prof.
Dedico este trabalho à minha companheira Claudia, pois
caminhamos juntos, dando-nos apoio mutuo, desde o início
de meu Curso Superior.
De igual forma, dedico o presente estudo à minha mãe,
Ivanete e ao meu filho, Victor, por serem duas, das três
pessoas mais importantes de minha vida.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus por me dar a oportunidade e a força necessária para me
tornar um ser humano melhor por meio do conhecimento.
Em segundo lugar, agradeço à minha família pelo apoio prestado ao longo do curso de
graduação.
Por fim, agradeço a todos os mestres que me instigaram a partir em busca do
conhecimento, em especial, aos Professores Henrique Rech Neto, Renato Fioreze, Josiane Petry
Faria, Luiz Fernando Kramer Pereira Neto e ao meu orientador, Daniel Menegaz.
“Só a arte das interpretações odiosas, que é ordinariamente
a ciência dos escravos, pode confundir coisas que a verdade
eterna separou por limites imutáveis”.
(Cesare Beccaria)
RESUMO
O presente trabalho é referente ao estudo da compatibilidade ou incompatibilidade de aplicação
do dolo eventual em crimes tentados. Para chegarmos ao nosso objetivo buscamos
conhecimento em uma gama de renomados doutrinadores. No primeiro capítulo iniciamos os
estudos com o conceito de bem jurídico penalmente tutelado e trouxemos uma abordagem
acerca de política criminal, com enfoque na teoria minimalista. Analisamos o princípio
constitucional da legalidade, com ênfase na sua função de meio limitador da ingerência estatal
na criação e aplicação da lei penal. No segundo título buscamos analisar as principais teorias
da ação, dando atenção especial à teoria finalista da conduta e à teoria social, estas adotadas
pelo Código Penal Brasileiro. Em um segundo momento, trabalhamos as fases do caminho do
crime, também conhecido como iter criminis. Por fim, estudamos o elemento subjetivo, por
excelência, dos tipos penais, ou seja, o dolo. Já no terceiro capítulo, abordamos a conduta
segundo a teoria finalista, bem como analisamos o instituto do dolo eventual. Na sequência,
fizemos uma análise geral acerca da tentativa, para aí sim, trazermos os posicionamentos
doutrinários e jurisprudenciais a respeito do tema proposto. Por fim, mas não menos importante,
concluímos nosso estudo nos posicionando acerca da impossibilidade de aplicação do dolo
eventual em crimes tentados.
Palavras-chave: Compatibilidade. Dolo. Dolo eventual. Incompatibilidade. Tentativa.
ABSTRACT
The present work it refers to the compatibility study or incompatibility of application of the
eventual guile on tempted crimes. To we reach our objective we seek knowledge in a range of
renowned indoctrinators. In the first chapter began the studies with the concept of legal and
held criminally ward, brought about a practical approach to criminal policy, focusing on the
minimalist theory. We analyzed the the constitutional principle of legality, with emphasis on
its function of means of limiting state interference in the creation and enforcement of criminal
laws. In the second chapter we aimed at analyzing the main theories of action, giving special
attention to the finalist theory of conduct and social theory, these adopted by the Brazilian Penal
Code. In a second moment, we work phases of the path of crime, also known as criminis iter.
Lastly, we studied the subjective element, par excellence, of penal types namely, guile, all in a
practical and easily understood. Early as the third title, we address the conduct second finalist
theory as well as we analyze The Institute of eventual guile. Following succinctly, but blunt,
we made a general analysis about the attempt for there yes, bring doctrinaire and jurisprudential
placements about the proposed topic. Last but not least, we conclude our study positioning
ourselves about the impossibility of application of eventual guile in attempted crimes.
Key-words: Attempt. Compatibility. Eventual intention. Guile.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 9
1. TEORIA DO CRIME E POLÍTICA CRIMINAL MINIMALISTA ............................ 11
1.1. A Função do Bem Jurídico‐Penal ........................................................................................................... 11 1.2. Conceito Analítico de Crime e o Princípio da Legalidade ...................................................................... 14 1.3. Noções de Política Criminal sob o Enfoque Minimalista ....................................................................... 19 2. ASPECTO SUBJETIVO DO TIPO PENAL E AS FASES DO CRIME DOLOSO ... 22
2.1. Teorias da Ação ..................................................................................................................................... 22 2.2. As Fases do Iter Criminis ....................................................................................................................... 26 2.3. Considerações sobre o Elemento Subjetivo do Tipo Penal ................................................................... 31 3. O DOLO EVENTUAL E A TENTATIVA FRENTE SUA APLICAÇÃO
INTEGRADA ................................................................................................................ 35
3.1. A Conduta na Teoria Finalista e o Dolo Eventual .................................................................................. 35 3.2. Aspectos Dogmáticos da Tentativa ....................................................................................................... 37 3.3. A (Im)Possibilidade da aplicação do Dolo Eventual aos Crimes Tentados à Luz da Doutrina e da Jurisprudência ............................................................................................................................................. 40 4. CONCLUSÃO .................................................................................................................... 47
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 50
9
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objeto de estudo a analise da compatibilidade ou
incompatibilidade de aplicação do dolo eventual em crimes tentados, pois, há um longo tempo,
tal tema vem sendo debatido pelos doutrinadores e julgadores brasileiros, sem que se tenha
chegado a um posicionamento pacífico até o presente momento.
A escolha do assunto se justifica pelo fato de que, o direito penal deve ser aplicado de
forma isonômica, sendo que o Estado tem o dever de fazer cumprir as normas penais de forma
justa e coerente em todos os casos análogos, preservando desta feita, a segurança jurídica.
Assim sendo, ao constatarmos que por questões de política criminal, nos últimos anos,
buscando repreender mais rigorosamente os delitos de trânsito provocados pelo excesso de
velocidade, combinado com a utilização de bebidas alcoólicas, o instituto do dolo eventual
passou a ser debatido com maior frequência pelos Magistrados de primeiro e segundo grau de
jurisdição, voltando à tona também o debate acerca possibilidade de aplicação do dolo eventual
nos crimes não consumados, uma vez que tais institutos não são exclusivamente utilizados em
situações envolvendo crimes de trânsito.
Para atingirmos nosso objetivo, desenvolvemos o trabalho em três capítulos, no
primeiro, conceituamos bem jurídico-penal, bem como nos aprofundamos de maneira objetiva
em sua função. Posteriormente, analisamos o conceito analítico de crime, estudando no mesmo
tópico sobre a função limitadora do princípio da legalidade. Encerrando o título inicial,
trouxemos uma visão geral sobre política criminal sob o enfoque minimalista.
No segundo capítulo, iniciamos trazendo as principais teorias da ação, dando maior
atenção à teoria finalista da conduta e para a teoria social da ação. Logo em seguida trabalhamos
as fases do caminho do crime, iniciando pela cogitação até chegarmos à consumação
propriamente dita. No terceiro subtítulo tratamos, em linhas gerais, acerca do elemento
subjetivo do tipo penal, qual seja, o dolo.
Concluindo o desenvolvimento do estudo, abordamos no terceiro capítulo a conduta
humana sob o viés da teoria finalista da ação, sendo que no mesmo tópico versamos sobre o
instituto do dolo eventual. No segundo subtítulo trabalhamos o conceito e analisamos, de forma
geral, a tentativa. Por fim, no último tópico, buscamos na doutrina os posicionamentos
existentes acerca do objeto proposto, encerrando com a análise de dois julgados, o primeiro
10
contrário à compatibilidade do dolo eventual em crimes tentados, e o segundo, defendendo a
compatibilidade de aplicação concomitante de ambos os institutos.
Por fim, como conclusão, fizemos algumas considerações a respeito dos
posicionamentos trazidos no decorrer do trabalho e, ousadamente, trouxemos um novo ponto
de vista, formulando um exemplo hipotético com o qual sugerimos a possibilidade de criação
de uma solução inovadora para o impasse.
11
1 TEORIA DO CRIME E POLÍTICA CRIMINAL MINIMALISTA
No presente capítulo tratar-se-á acerca do conceito de bem jurídico penalmente tutelado,
realizar-se-á breves considerações sobre política criminal, bem como analisar-se-á o princípio
da legalidade como meio limitador do ente estatal, isto, no que diz respeito à lei penal e a sua
aplicação.
A Função do Bem Jurídico-Penal
Bianchini et al. (2009, p. 24), lecionam que o Direito Penal tem a função de instrumento
de controle social, sendo que o Estado, por meio de normas penais, pune os desvios de conduta
mais nocivos para a convivência social, tendo como objetivo manter a disciplina social,
possibilitando uma convivência social harmônica.
Dissertando sobre Direito Penal, Capez (2008, p. 1), ensina que tal ramo do Direito tem
como função proteger os valores fundamentais para a subsistência da sociedade, sendo que tais
valores denominam-se bens jurídicos.
Segundo Roxin (2009, p. 16) o Direito Penal tem como função garantir à sociedade uma
existência segura, pacífica e livre, isto, quando o referido objetivo não puder ser alcançado de
outra maneira menos agressiva. Prado (2011, p. 70), menciona que para atingir o objetivo citado
por Roxin, o Estado, por meio do Direito Penal, protege com sua tutela os chamados bens
jurídico-penais.
Assim sendo, denota-se que o Direito penal serve como forma de controle social,
possibilitando a convivência harmônica em sociedade, sendo que para tanto, o Estado,
legislando e aplicando a matéria penal, protege os bens jurídicos considerados mais
importantes, tornando-os penalmente tutelados.
Pois bem, conforme lecionam Zaffaroni e Pierangeli (2009. p. 399), bem jurídico
penalmente tutelado é a faculdade que um sujeito tem de dispor dos direitos que lhe são
inerentes, estes, protegidos pelo Estado, o qual, mediante a tipificação penal de condutas que o
afetam, demonstra o seu interesse.
12
O estudioso Fragoso afirma que bem jurídico é:
[...] o bem humano ou da vida social que se procura preservar, cuja natureza e
qualidade depende, sem dúvida, do sentido que a norma tem ou que a ela é atribuído,
constituindo, em qualquer caso, uma realidade contemplada pelo direito. Bem jurídico
é um bem protegido pelo direito: é, portanto, um valor da vida humana que o direito
reconhece, e a cuja preservação é disposta a norma jurídica [...]. (FRAGOSO, 2003,
p. 330)
Na visão de Prado (2011, p. 70) os bens jurídico-penais são necessários para a
sobrevivência e o desenvolvimento do ser humano na sociedade, sendo que, o legislador, elege
dentre todos os bens essenciais e considerados relevantes àqueles que são merecedores da tutela
penal Estatal.
Da leitura de Muñoz Conde (2004, p. 59), observa-se que bens jurídicos são aqueles
pressupostos que os seres humanos necessitam para sua realização pessoal e para o
desenvolvimento de sua personalidade na vida social, porém, o autor em epígrafe, com o escopo
de melhor tratar sobre a matéria, diferencia os bens jurídicos em individuais e coletivos, sendo
que para ele, os bens jurídicos individuais são aqueles que afetam diretamente o individuo, tais
como a vida, a honra, a liberdade e o patrimônio, ao passo que os bens jurídicos coletivos, são
aqueles que agridem a sociedade, ou seja, a saúde pública, o meio ambiente, a seguridade social,
organização política, o sistema financeiro, a seguridade social entre outros.
Atentando-se à função do Direito Penal Prado (2011, p. 315) refere que o bem jurídicopenal pode ser conceituado como sendo “o ente (dado ou valor social) material ou imaterial
haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual reputado como
essencial para a coexistência e desenvolvimento do homem e, por isso, jurídico-penalmente
protegido”.
Lecionando sobre o tema, Prado (2011, p. 171), aduz que somente existe a proteção
penal de certos bens jurídicos, dependendo para tanto, das formas de agressão dos mesmos,
pois, a finalidade do Direito Penal não é a proteção absoluta dos bens jurídicos, mas sim,
somente a necessária. Em outras palavras, a proteção penal é subsidiária, conforme o princípio
da intervenção mínima, do qual se extrai que o Direito Penal deve ser a última ratio na proteção
de bens jurídicos, punindo somente as agressões mais graves aos mesmos e, somente quando
outros ramos do ordenamento jurídico forem insuficientes.
Destarte, conforme os ensinamentos acima trazidos, podemos observar que a função do
Direito Penal é garantir uma sociedade pacífica, segura e livre, na qual, os legisladores buscam,
por meio de leis penais, proteger os bens jurídicos considerados mais importantes, sejam eles
13
bens jurídicos individuais ou coletivos, contudo, esta proteção se dá de maneira racional,
preservando a intervenção mínima Estatal em matéria penal, princípio este integrante da política
14
criminal, matéria sobre a qual trataremos após analisarmos o conceito analítico de delito e o
princípio da legalidade como meio limitador.
Conceito Analítico de Crime e o Princípio da Legalidade
Conforme ensina Bitencourt (2012, p. 269), em que pese já existirem antecedentes do
conceito analítico de crime em Deciano no ano de 1551 e em Bohemero em 1732, a elaboração
deste conceito é atribuída à Carmignani em 1833, para o qual, a ação delituosa era composta de
uma força física e uma moral, sendo que nesta situar-se-ia a culpabilidade e o dano moral da
infração penal, ao passo que naquela, estaria à ação executora do dano material do crime. Tal
construção levou ao sistema bipartido do conceito clássico de crime, dividindo em aspectos
objetivo e subjetivo.
Seguindo sua explanação sobre a origem do conceito analítico de crime Bitencourt
(2012, p. 270) diz que a elaboração do dito conceito atribuído à Carmignani somente veio a
completar-se em 1906, ano em que Beling introduziu o elemento tipicidade. Assim, o conceito
analítico de crime passou de forma predominante a definir a infração penal como sendo uma
ação típica, antijurídica e culpável.
De acordo com Prado (2005, p. 254), o modelo analítico opõe-se ao sintético, sendo que
este estuda a ocorrência de um delito por meio da tese, antítese e síntese, ao passo que o método
analítico, utiliza-se da decomposição sucessiva de um todo em suas partes, seja materialmente,
seja idealmente, visando agrupa-las em uma ordem simultânea.
Porém, Zaffaroni e Pierangeli (2005, p. 336) esclarecem que o delito em si jamais é
estratificado, uma vez que somente seu conceito como infração penal que é dividido em
estratos, níveis ou planos, tudo visando sua análise.
Observando as lições acima colacionadas podemos dizer que para chegarmos ao
conceito analítico de crime, ocorre uma estratificação, a qual tem o objetivo de analisar todos
os elementos componentes da ação humana, porém, devemos compreender que tal ideia não
tem o escopo de levar-nos ao entendimento que o crime é fracionado, uma vez que o delito
permanece sendo um conjunto unitário, ou seja, a estratificação é apenas uma condição para
melhor análise da conduta.
15
Outro fator importante a ser mencionado, é o de que a doutrina atual adota mais de uma
teoria de estratificação do conceito de delito, dentre elas, as mais utilizadas são a bipartida e a
tripartida.
Pela leitura de Bitencourt (2012, p. 271) constatamos que o referido estudioso adota a
teoria tripartida, ou seja, para ele, o delito compreende um fato típico, antijurídico e culpável,
porém, o mesmo, afirma em sua obra que, no Brasil, o entendimento dominante foi o da teoria
bipartida, para a qual, crime é a ação típica e antijurídica, admitindo a culpabilidade tão somente
para a aplicação da pena.
Gomes (2007, p. 207) afirma que o sistema tripartido clássico é o sistema majoritário
adotado pela doutrina penalista da atualidade, para o qual o delito é dividido em tipicidade,
antijuridicidade e culpabilidade, vetores que são analisados de forma autônoma.
No que diz respeito à tripartição do conceito de delito Bitencourt revela que:
A divisão do delito em três aspectos, para fins de avaliação e valoração facilita e
racionaliza a aplicação do direito, garantindo a segurança contra as arbitrariedades e
as contradições que frequentemente poderiam ocorrer. Essa divisão tripartida da
valoração permite a busca de um resultado final mais adequado e justo.
(BITENCOURT, 2009, p. 312)
Na visão de Capez (2008, p. 113), simpatizante da teoria bipartida, crime, sob o aspecto
analítico, é todo fato típico e antijurídico, sendo que, primeiramente, deve-se analisar a
tipicidade da conduta, para posteriormente, sendo positiva tal afirmativa, passar à análise se a
conduta é licita ou não. Ou seja, sendo a ação típica e ilícita, surge a infração penal. A partir
daí, passa-se à análise se o autor deve ou não sofrer um juízo de reprovação pela conduta que
cometeu, ficando assim a culpabilidade fora do conceito de crime.
Quanto à tipicidade Zaffaroni e Pierangeli (2011 p. 388) revelam que o referido
elemento é a adequação de uma conduta humana a um tipo penal, sendo que tipo é a forma
descrita pelo legislador nas normas penais, ou seja, uma conduta típica é uma ação praticada de
forma contrária a lei.
Para Capez (2008 p. 115), típico é o fato material que se amolda perfeitamente aos
elementos constantes do modelo penal. Tais modelos são: a conduta dolosa ou culposa, o nexo
causal, o resultado e a tipicidade.
Quanto à tipicidade, Capez disserta que a mesma é:
A subsunção, justaposição, enquadramento, amoldamento ou integral
correspondência de uma conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo
constante da lei (tipo legal). Para que a conduta humana seja considerada crime, é
necessário que se juste a um tipo legal. Temos, pois, de um lado, uma conduta da vida
16
real e, de outro o tipo legal de crime constante da lei penal. A tipicidade consiste na
correspondência entre ambos. (CAPEZ, 2008, p. 188)
Jescheck (apud Bitencourt, 2011, p. 382) afirma que “antijuridicidade é a contradição
da ação com uma norma jurídica”. No mesmo sentido, Bitencourt (2011, p. 382), ensina que a
antijuridicidade é a contradição em que se encontra uma ação com ordenamento jurídico.
Dissertando sobre a antijuridicidade Jesus esclarece que:
Há um critério negativo de conceituação da antijuridicidade: o fato típico é também
antijurídico, salvo se concorre qualquer causa de exclusão da ilicitude (estado de
necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular
de direito). Diante de um fato penal, a morte de um homem realizada por outro, p. ex.,
diz-se que há um fato típico. Surge a antijuridicidade se não agiu acobertado por uma
excludente da ilicitude. Assim, antijurídico é todo fato descrito em lei penal
incriminadora e não protegido por causa de justificação. O sistema negativo conceitua
a antijuridicidade como ausência de causas de ilicitude, o que vale dizer que não diz
o que é antijurídico, mas sim o que é jurídico, o que constitui paradoxo. (JESUS, 1991,
p. 352)
A culpabilidade, em linhas gerais, na visão de Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 521), “é
a reprovabilidade do injusto ao autor”. Já segundo Capez (2008, p. 299), a culpabilidade é a
possibilidade de se considerar uma pessoa culpada pela pratica de um delito, ou seja, é o juízo
de censurabilidade e reprovação exercido sobre um indivíduo que praticou um fato típico e
ilícito. Por fim, nas palavras de Prado (2006, p. 421), culpabilidade “é a plena capacidade
(estado ou condição) de culpabilidade, entendida como capacidade de entender e de querer, e,
por conseguinte, de responsabilidade criminal (o imputável responde pelos seus atos)”.
Conforme acima demonstrado, o conceito analítico de crime possui divergências
doutrinárias, sendo que, incontroversamente, os doutrinadores reconhecem como sendo a
tipicidade e a antijuridicidade elementos necessários para a caracterização das infrações penais,
porém, a doutrina majoritária em nosso país adota a teoria tripartida, para a qual, os delitos
analiticamente somente se configuram com a presença da culpabilidade.
Por fim, faz-se necessário frisar que os simpatizantes da teoria bipartida têm a
culpabilidade como vetor necessário apenas para a aplicação da pena, não sendo a mesma
integrante da ocorrência dos delitos.
Superado o conceito analítico de crime, passamos à análise do Princípio da Legalidade,
eis que este é o mais importante dos princípios norteadores do ramo do Direito Penal nacional,
pois, de acordo com a primeira parte do artigo primeiro do Código Penal Brasileiro de 1940,
“não há crime sem lei anterior que o defina”, ou seja, não existe a possibilidade de uma ação
17
humana ser considerada como infração penal sem que haja lei anterior que defina tal conduta
como delito.
De acordo com Marques (2002, p. 153), o Princípio da Legalidade tem duplo
significado, um político e outro jurídico, naquele caso, sua função é assegurar ao cidadão a
garantia constitucional dos direitos do homem, ao passo que, neste, é de fixar o conteúdo das
leis penais, não permitindo desta forma que o ilícito penal seja estabelecido de forma genérica,
ou seja, a conduta punível deve possuir definição prévia e determinação da pena aplicável.
Complementando a citação da proteção constitucional feita por Marques, é de bom
alvitre esclarecer que o Princípio da Legalidade está consagrado como uma garantia
fundamental insculpida no inciso XXXIX do artigo quinto da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988.
Dissertando sobre o princípio em tela Queiroz afirma que:
O principio da Legalidade atende, pois, a uma necessidade de segurança jurídica e de
controle do exercício do jus puniendi, de modo a coibir possíveis abusos à liberdade
individual por parte do titular desse poder (o Estado). Constitui, portanto,
constitucionalmente, uma poderosa garantia política para o cidadão, expressiva do
imperium da lei, da supremacia do Poder Legislativo – e da soberania popular -, sobre
os outros poderes do Estado, de legalidade da atuação administrativa e da escrupulosa
salvaguarda dos direitos e liberdades individuais. (QUEIROZ, 2008, p. 22)
Do princípio constitucional da legalidade extraímos também que existe a presença da
garantia formal, a qual, nada mais é do que a exigência de que o tipo incriminador esteja antes
da ocorrência da ação humana previsto na legislação penal, para que então, e só assim, seja
passível da punição do estado.
Confirmando o posicionamento acima exposto, Prado afirma que:
Não há crime nem pena sem lei em sentido estrito, elaborada na forma
constitucionalmente prevista. O caráter absoluto de reserva legal impede a delegação
por parte do poder legiferante de matéria de sua exclusiva competência. Assim, só ele
pode legislar sobre determinado assunto, tal com definir a infração penal e cominarlhe a respectiva conseqüência jurídica. O fundamento de garantia da reserva de lei,
como princípio de legitimação democrática, deve informar e presidir a atividade de
produção normativa penal, por força da particular relevância dos bens em jogo. Tem
ela por assim dizer, um papel negativo no sentido de que o objeto imediato e essencial
do princípio é o de impedir o acesso do Poder Executivo à normação penal. [...] O
motivo que justifica a escolha do Legislativo como o único detentor do poder
normativo em sede penal reside em sua legitimação democrática (representatividade
popular – art. 1º, parágrafo único, CF), fazendo com que seu exercício não seja
arbitrário. (PRADO, 2006, p. 131)
Diante dos ensinamentos acima trazidos, temos que, o Princípio da Legalidade tem
como finalidade primordial, a manutenção dos direitos e garantias individuais dos seres
humanos, isto, partindo do pressuposto que somente a norma penal tem o condão de criar um
18
fato típico e a ele cominar uma pena, em suma, o Princípio da Legalidade, este, previsto tanto
constitucionalmente como na legislação infraconstitucional, traz a previsão de que nenhum ato
19
pode ser considerado crime e nenhuma pena pode ser aplicada sem que estejam anteriormente
e expressamente previstos em lei.
Outra particularidade que o princípio da legalidade traz ao ordenamento jurídico
brasileiro, isto em matéria penal, é a de que a legislação penal tem como característica
necessária a taxatividade, vedando desta forma a utilização da analogia para criar norma penal
incriminadora, sendo que, Cernicchiaro explanando sobre o tema esclarece que:
O princípio da legalidade veda por completo o emprego da analogia em matéria de
norma penal incriminadora, encontrando-se esta delimitada pelo tipo legal a que
corresponde. Em consequência, até por imperativo lógico, do princípio da reserva
legal, resulta a proibição da analogia. Evidentemente, a analogia in malam partem,
que, por semelhança, amplia o rol das infrações penais e das penas. Não alcança, por
isso, a analogia in bonam partem. Ao contrário da anterior, favorece o direito a
liberdade, seja com a exclusão da criminalidade, seja pelo tratamento mais favorável
ao réu. (CERNICCHIARO, 1991, p. 136)
Da lição de Cernicchiaro, absorvemos o ensinamento de que somente a analogia
benéfica ao agente poderá ser aplicada no Direito Penal, ao passo que, a analogia que prejudica
o acusado não poderá ser utilizada, isto, sob pena de ferir o Princípio da Legalidade, fazendo
assim com que tal princípio funcione como meio limitador.
Noções de Política Criminal sob o Enfoque Minimalista
Pierangeli e Zaffaroni (2006, p. 117) lecionam que “[...] a política criminal é a ciência
ou a arte de selecionar os bens (ou direitos), que devem ser tutelados jurídica e penalmente, e
escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que iniludivelmente implica a crítica dos valores
já eleitos”.
Na visão de Diniz (1998, p. 628) a política criminal tem como escopo traçar normas
relativas ao combate do crime, impondo ações ao legislador, ao órgão jurisdicional e aos
estabelecimentos carcerários, estipulando penas e medidas, com o fim de combater as causas
da criminalidade, promovendo condições ou meios ambientais desfavoráveis à perpetração das
condutas delituosas, diminuindo a delinquência e estudando cientificamente o crime como fato
social, sob todos os aspectos.
Conforme ensina Bianchini (2008, p. 01) os três principais movimentos de política
criminal são: o punitivista, o abolicionista e o minimalista, contudo, diante do objeto do
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presente estudo, em que pese à existência de correntes diversas, a política criminal será
abordada apenas sob o enfoque deste último movimento, ou seja, do minimalista.
Quanto à intervenção do Direito penal Mirabete (1994, p. 114) leciona que a mesma se
justifica quando houver a ocorrência de uma infração que mereça sanção penal, em outros
termos, quando for necessário um aumento de proteção à sociedade. Em suas próprias palavras,
o autor quer dizer que “não se devem incriminar os fatos em que a conduta não implique risco
concreto ou lesão a nenhum dos bens jurídicos reconhecidos pela ordem normativa
constitucional”.
No que se refere ao tema, Prado ensina que:
[...] o princípio da intervenção mínima (ultima ratio) estabelece que o Direito Penal
só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos
homens, e que não podem ser eficazmente protegidas de outra forma. Aparece ele
como uma orientação de Política Criminal restritiva do jus puniendi e deriva da
própria natureza do Direito Penal e da concepção material de Estado de Direito. [...].
(PRADO, 1997, p. 56, 57)
Ainda no que diz respeito ao princípio da intervenção mínima do Direito Penal,
Bianchini (2002, p. 29) refere que o mesmo quer dizer que o Direito Penal se abstém em intervir
em determinadas situações, seja em função do bem jurídico atingido, seja pela maneira com
que o mesmo veio a ser atacado, dando assim a ele a característica fragmentária, ou seja, de
utilização apenas como último argumento.
Pagliuca (2009, p. 42) revela que segundo o princípio da intervenção mínima, é
conveniente ao Direito Penal influir no meio social somente em última instância, ou seja, ser
empregado apenas depois de esgotadas as demais esferas da ordem jurídica capazes. Por tal
motivo o Direito Penal assume a característica de ser subsidiário.
O princípio da intervenção mínima, denominado também como ultima ratio, na lição de
Bitencourt (2008, p. 52), impõe limites ao poder incriminador estatal, pois a criminalização de
uma conduta somente deve ser realizada se for meio necessário para controlar ataques contra
bens jurídicos importantes, uma vez que, se outros ramos do direito forem suficientes para
restabelecimento da ordem jurídica violada, o direito penal não deverá ser utilizado. Em outras
palavras, o Doutrinador assevera que “[...] antes, portanto, de se recorrer ao Direito Penal devese esgotar todos os meios extrapenais de controle social [...]”.
No mesmo sentido de Bitencourt, Capez leciona que:
[...] Da intervenção mínima decorre, como corolário indestacável, a característica de
subsidiariedade. Com efeito, o ramo penal só deve atuar quando os demais campos do
21
Direito, os controles formais e sociais tenham perdido a eficácia e não sejam capazes
de exercer essa tutela. Sua intervenção só deve operar quando fracassam as demais
barreiras protetoras do bem jurídico predispostas por outros ramos do Direito [...].
(CAPEZ, 2008, p. 19)
Prosseguindo seus ensinamentos, Bitencourt (2009, p. 17), menciona que o princípio da
intervenção mínima norteia e limita o poder incriminador do Estado, pois, existindo formas
jurídicas alternativas de controle social e sendo elas suficientes para garantir a proteção dos
bens jurídicos, a criminalização das condutas é inadequada e não recomendável, ou seja, em
suas palavras: “se forem suficientes às medidas civis ou administrativas para restabelecer a
ordem jurídica, aplicar-se-á estas e não as penais”, porém, quando os demais ramos do direito
mostrarem-se incapazes de tutelar os bens sociais relevantes, deverá ser aplicado o Direito
Penal.
Por fim, cabe consignarmos que o princípio da intervenção mínima estatal, na visão de
Capez (2008, p. 17), assenta-se na Declaração Universal do Homem e do Cidadão de 1789, a
qual traz em seu artigo oitavo a lição de que a lei somente deve prever as penas estritamente
necessárias.
Diante de todo o exposto, notamos que o Direito Penal funciona como meio de controle
social, garantindo a segurança e a paz da sociedade. Para tanto, o Estado, por meio do Poder
Legislativo, introduz no ordenamento jurídico normas penais que visam tutelar, ou seja,
proteger os bens jurídicos considerados mais importantes, contudo, atualmente, preservando o
princípio da intervenção mínima em matéria penal.
Assim sendo, feitas as considerações julgadas necessárias acerca dos temas propostos
para o presente capítulo, passaremos ao estudo do segundo título, no qual, abordaremos as
principais teorias da ação humana, analisaremos o caminho do crime, este, também conhecido
como iter criminis, e, por fim, trataremos sobre os elementos subjetivos do tipo penal.
22
2 ASPECTO SUBJETIVO DO TIPO PENAL E AS FASES DO CRIME DOLOSO
No capítulo em epígrafe abordar-se-á acerca das principais teorias da conduta, dando
enfoque à teoria finalista da ação. Logo após, far-se-á uma breve análise a respeito dos
elementos subjetivos do tipo penal, atentando-nos ao dolo. Por fim, tratar-se-á de forma sucinta
sobre o iter criminis e suas principais fases.
2.1 Teorias da Ação
Dentre as teorias da ação, temos a causal, sobre a qual, Bitencourt (2012, pp. 278-280)
afirma que seu conceito foi criado por Von Liszt no final do século XIX, e fundamentado mais
profundamente por Radbruch. Prosseguindo sua explanação, o autor revela que, de acordo com
seu criador, a ação consiste em uma alteração causal do mundo exterior, perceptível pelos
sentidos, e produzida por uma manifestação de vontade, ou seja, por uma ação ou omissão
voluntária.
Para essa teoria, a manifestação de vontade, o resultado e a relação de causalidade são
os três elementos do conceito de ação. Abstrai-se, no entanto, desse conceito o conteúdo da
vontade, que é deslocado para a culpabilidade (dolo ou culpa).
Queiros explica que para a teoria causal:
[...] A vontade humana compreendia duas partes distintas: uma parte externa
(objetiva), que corresponde ao processo causal (movimento corporal, natural
mecânico) da ação, e outra interna (subjetiva), que corresponde ao conteúdo final da
ação. A ação (parte externa) é, portanto, segundo esta teoria, o resultado de um
processo puramente causal. [...] Consequentemente, tipicidade e antijuridicidade
expressariam juízos de valor puramente objetivos (causais), ao passo que a
culpabilidade, ao contrário, um juízo subjetivo, quando então se examinaria o
conteúdo final da ação. Também, por isso, dolo e culpa – elementos subjetivos –
integrariam a culpabilidade, que corresponde, assim, à relação psicológica (subjetiva)
entre o autor e seu fato (concepção psicológica de culpabilidade). (QUEIROZ, 2001,
p.89)
Na lição de Capez (2008, pp. 117-121), para a teoria causal da ação basta que se tenha
a certeza de que o agente atuou voluntariamente, sendo irrelevante o que queria, para se afirmar
23
que praticou a ação típica, ou seja, a caracterização do fato típico só dependia da causação
objetiva de um evento definido em lei como crime. O dolo e a culpa eram irrelevantes para o
enquadramento típico da conduta, só importando para o exame da culpabilidade.
No mesmo sentido de Capez, Brandão revela que:
Para a teoria causalista, o conteúdo da volição não deve ser analisado na ação, mas na
culpabilidade. Destarte, não se deve investigar no âmbito da multirreferida ação se a
modificação no mundo exterior foi produto da finalidade do agente (dolo) ou se a
finalidade foi dirigida para um fato lícito, sendo censurados os meios que o agente
utilizou (culpa). (BRANDÃO, 2002, p.23)
Assim sendo, podemos aferir que para a teoria causalista, desenvolvida especialmente
por Von Liszt, o sujeito cometeria um delito apenas praticando uma conduta que tivesse o
condão de provocar alteração no mundo exterior e que fosse penalmente tipificada, portanto, o
crime seria composto de três elementos, fato típico, ilicitude e culpabilidade, estando o dolo e
a culpa situados no âmbito desta última.
Outra teoria da ação desenvolvida foi a Neokantista, a respeito da qual, Prado (2010, p.
98) refere que sua influência fora de suma importância no campo jurídico-penal e jusfilosófico,
na medida em que a mesma se opunha aos causalistas puros, pois, para os Neokantistas, o direito
não deve se ater ao prisma da causalidade, da relação causa e efeito, uma vez que o Direito não
integra o mundo natural e ideal em que é o passado que determina o futuro, o direito penal tem
que ser tratado como ciência finalista, composta de métodos próprios e isolados.
Na mesma linha de raciocínio de Prado, Guaragni (2009, p. 96) explica que na fase
neokantista o estudo da conduta humana se desliga do naturalismo, o qual marca a teoria
causalista. Seguindo seu raciocínio, o doutrinador refere que a partir da teoria neokantista
ocorre uma mudança de paradigma filosófico, pois, afasta-se de um naturalismo mecanicista
aproximando-se de outro, de estrutura axiológica.
Segundo a teoria neokantista, a conduta humana há de ser compreendida e valorada, ou
seja, deve estar voltada para a finalidade a que se destina, isto é o que se compreende da leitura
de Guaragni:
[...], a conduta humana, assim como os demais estratos da tipicidade, ilicitude e
culpabilidade, com os quais aperfeiçoa-se a existência do crime, não precisam ter
qualquer vínculo com a realidade. Sequer haveria necessidade de iniciar a análise do
crime com um transporte daquilo que a conduta humana é, diante dos sentidos, para o
universo dos valores, no qual ser-lhe-iam então atribuídos valores negativos
(desvalores). A conduta humana deveria ser compreendida e valorada; não mais
observada e descrita a partir de uma realidade parcial. A análise da conduta humana
– compreender e valorar - deveria estar voltada para a finalidade a que se destinava.
(GUARAGNI, 2009, p. 105)
24
Como podemos perceber, segundo os neokantistas, para a caracterização de um crime,
não basta que a conduta humana provoque alteração no mundo exterior e seja legalmente
tipificada, pois a ação humana dever ser valorada e voltada para a finalidade do ilícito penal.
A terceira teoria da ação, a social, trabalha a ideia de que o comportamento do agente
deve ser socialmente relevante, ou seja, a valoração da conduta praticada deve ser realizada em
âmbito de sociedade, isto significa dizer que, a fonte desse pensamento doutrinário está
justamente em definir a conduta como acontecimento social. Nesse sentido narra Bitencourt:
Segundo EB. Schmidt, para quem ao Direito Penal interessa somente o sentido da
social da ação, o conceito final de ação determina o sentido de ação de forma
extremamente unilateral em função da vontade individual, quando deveria fazê-lo de
uma forma objetiva do ponto de vista social. (BITENCOURT, 2010, p. 262)
Rocha (1999, p. 66), refere que a teoria social da ação tem como escopo, fazer com que
a ação humana seja entendida como uma conduta socialmente relevante, controlada ou
controlável pela vontade humana. Para o autor, segundo essa teoria, a relevância social da ação
é verificada à medida que a conduta produza efeitos danosos na relação do agente com o seu
meio social.
Lecionando sobre a teoria social da conduta Brandão (2001, p. 94) afirma que a mesma
busca um conceito valorativo da ação humana, valorando sua importância social, uma vez que
o conceito de ação é utilizado como elo entre os elementos do crime, possibilitando sua
sistematização. Por tal motivo o autor refere que o conceito de ação deve ser neutro, eis que os
juízos de valor serão feitos por meio da tipicidade e da antijuridicidade.
Concluindo sobre a teoria social da ação, Brandão (2001, p. 94) explica que se o conceito
de ação utilizado não fosse neutro, poderíamos até mesmo pré-julgar a tipicidade e a
antijuridicidade, o que não corresponderia às exigências de um direito penal liberal. Por isso, a
teoria social também não é hábil para revelar a substância da ação humana.
Como quarta teoria, temos a finalista da conduta, sobre a qual, Brandão (2010, p. 138),
ensina que a mesma foi criada por Hans Welzel, na primeira metade do século XX, e
aperfeiçoada após a queda do império Nazista alemão, visando romper com o direito aplicado
na época.
Complementando o surgimento da teoria finalista da ação, Bianchini (2009, p. 178)
refere que os primeiros trabalhos de Welzel foram escritos antes da Segunda Guerra Mundial,
25
contudo, tal teoria ganhou força após o referido evento histórico, tendo seu apogeu na Europa
entre 1945 e 1960.
Welzel (apud Brandão, 2010, p. 139) leciona que para a teoria finalista, a ação humana
é o exercício de uma atividade voltada para um resultado final, e não, de uma simples atividade
causal. Portanto, a finalidade é presente em toda a conduta humana.
No que se refere à ação para a teoria finalista, Bianchini (2009, p. 179) explica que ela
deixa de ser analisada como um simples processo causal, sendo observada como exercício de
uma ação finalista, ou seja, em suas próprias palavras, “o homem, quando sabe o que faz, pode
prever as consequências da conduta, dirigindo-a conforme um plano à consecução de alguns
fins”.
Explicando a teoria finalista da ação Welzel propõe o seguinte exemplo:
Se um raio eletrocuta um homem que trabalha no campo, esse fato se baseia na lei da
causalidade, visto que entre o homem e a nuvem se deu a máxima tensão necessária
para a descarga elétrica. Essa tensão também poderia ter sido originada por qualquer
outro objeto que tivesse a certa altura da nuvem. A situação, nas ações humanas, é
totalmente diversa; quem deseja matar outrem elege, conscientemente para atingir este
fim, os fatores causais necessários, como a compra da arma, averiguação da
oportunidade, disparar ao objeto. (WELZEL apud BRANDÃO, 2010, p. 139-140)
Elucidando o pensamento de Welzel, Brandão (2010, p. 140) explica que a teoria
finalista da ação leva em conta a possibilidade de prever, observados determinados limites, as
consequências da ação humana no curso causal e dirigi-lo ao fim desejado.
Por fim, Gallo (apud Brandão 2010, p. 141), afirma que: “a ação humana é, saliente-se,
por sua essência, finalística, escolhem-se os meios necessários para o alcance do fim e se
aplicam segundo um plano pré-estabelecido”.
Encerrando as principais teorias da ação, abordaremos a teoria funcionalista do delito,
sobre a qual, Gomes e Molina (2007, p. 183) referem que suas principais correntes são o
funcionalismo orientado para finalidade da política criminal, este defendido por Roxin, o
funcionalismo sistêmico de Jakobs, o funcionalismo do controle social defendido por Hassemer
e o funcionalismo reducionista ou contencionista de Zaffaroni.
Estefam (2011, p. 288) leciona que no funcionalismo o interprete do direito deve
construir um conceito de infração penal que atenda à função do Direito Penal, uma vez que este
não é um fim em si mesmo. Porém, para que tal construção conceitual seja possível, o autor
afirma que: “faz-se necessário romper com um paradigma adotado desde o sistema clássico até
26
o finalista: o de que ao jurista incumbe exclusivamente cuidar da dogmática, e, ao legislador,
compete à tarefa de definir a política criminal”.
Para se romper o aludido paradigma Roxin (apud Estefam, 2011, p. 289) entende que
seria preciso estabelecer uma unidade sistemática “entre a política criminal e dogmática penal”
reestruturando a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade, elementos estes que deveriam
sistematizar-se, desde o princípio sob o enfoque de sua função político-criminal.
Em linhas gerais Gomes e Molina ensinam que:
O que importa para as correntes funcionalistas é a função do Direito penal. Para Roxin
sua função consiste na proteção de bens jurídicos, de modo fragmentário e subsidiário
(contam com grande relevância no Direito penal os princípios de Politica-criminal).
De acordo com Jakobs a função do Direito penal consistiria na proteção da norma
penal. Hassmer defende a função garantista do Direito penal. Zaffaroni, por fim,
defende seu papel de contenção (função redutora) do Estado de polícia. (GOMES e
MOLINA, 2007 p. 183)
Conforme vimos no presente subtítulo, diversas são as teorias criadas para explicar a
ação humana. Contudo, faz-se necessário entendermos que, hodiernamente as teorias da ação
adotadas pelo Código Penal Brasileiro são: a teoria finalista da ação e a teoria social da conduta,
esta última, aceita somente na fase da dosimetria da pena.
2.2 As Fases do Iter Criminis
O denominado iter criminis, segundo Estefam (2012, p. 290) inicia na mente do sujeito
ativo, estendendo-se até a consumação do evento delituoso, fase em que a infração penal se
concretiza inteiramente. Nas palavras do autor, “passa-se por todo um caminho, por um
itinerário, composto de várias etapas ou fases – o chamado iter criminis (ou ‘caminho’ do
crime)”.
Na visão de Becker (2004, p. 51), o caminho do crime, também denominado como iter
criminis, “representa um processo que tem origem no foro íntimo da pessoa, através do
surgimento da ideia delitiva na mente do agente” e finaliza com a realização da prática
criminosa.
Segundo Mirabete e Fabbrini (2013, p. 143), para a realização de um delito existe um
caminho, ou seja, um itinerário a ser percorrido pelo agente ativo, isto, entre o momento da
27
ideia de realizar um ato criminoso, até que ocorra a consumação da infração penal pretendida,
e, ao caminho percorrido pelo agente dá-se o nome de iter criminis.
Assim sendo, temos que, na realização do crime, o agente tem um caminho a percorrer,
isto, desde a ideia de sua realização até sua consumação, e como vimos acima, tal caminho é
também denominado iter criminis.
Mantovani (apud Brandão, 2010, p. 289) leciona que o delito, assim como todo o fato
humano, de um ponto de vista dinâmico, nasce, vive e morre, ou seja, em síntese ele percorre
diversas fases, as quais, tratando-se de Direito Penal, constituem o denominado iter criminis e
este, constitui-se em cogitatio, que nada mais é do que a cogitação, conatus remotus, que são
os atos preparatórios, conatus proximus, ou atos de execução, e, em consumatio, que é a
consumação.
O iter criminis, de acordo com Jesus (2005, pp. 331-332), possui quatro fases, sendo
que a primeira destas fases é a denominada cogitação, na qual, o autor do ato delitivo idealiza
a sua realização. De acordo com o autor, em tal fase não existe punição. A segunda é
denominada preparação, fase na qual o agente ainda não iniciou a agressão ao bem jurídico
penalmente tutelado. Na terceira fase, a execução, o agente ativo inicia o verbo nuclear do tipo
penal, tornando punível sua conduta. A última fase, a intitulada consumação, é quando o autor
da conduta realizou todos os elementos descritos no tipo penal, consumando desta feita o crime.
Zaffaroni (apud Gomes e Molina 2007, p. 472) afirma que o iter criminis é “o conjunto
de fases que se sucedem cronologicamente no desenvolvimento do delito doloso”. Gomes e
Molina (2007, p. 472) prosseguem a partir do pensamento de Zaffaroni e lecionam que o
caminho do crime depende do plano do autor, sendo que tal itinerário somente é possível em
crimes dolosos. Os autores ainda revelam que o iter criminis é o que permite a configuração da
tentativa.
O iter criminis, segundo leciona Bitencourt (2008, p.398), é composto por duas fases,
uma interna, que corresponde à cogitação e uma externa que diz respeito aos atos preparatórios,
executórios e a consumação do delito. Gomes e Molina (2007, p. 472) dizem que a cogitação é
a fase interna do iter criminis. Porém, os citados autores afirmam que, como o Direito Penal
não chega a ingressar no pensamento do agente, a cogitação não se torna punível, isto, por força
do princípio da materialização do fato, ou seja, este somente se torna censurável punitivamente,
quando se manifesta no mundo exterior.
No que se refere à cogitação, Bitencourt ensina que:
28
É na mente do ser humano que se inicia o movimento criminoso. É a elaboração
mental da resolução criminosa que começa a ganhar forma, debatendo-se entre os
motivos favoráveis e desfavoráveis, e desenvolve-se até a deliberação e o propósito
final, isto é, até que se firma a vontade cuja concretização constituirá o crime. São os
atos internos que percorrem o labirinto da mente humana, vencendo obstáculos e
ultrapassando barreiras que porventura existam no espírito do agente.
(BITTENCOURT, 2008, p.398)
Ainda quanto à cogitação, Brandão (2010, p. 289) afirma que a mesma é a primeira fase
do iter criminis, sendo que ela nada mais é do que a elaboração intelectual do crime. Seguindo
seu raciocínio, o autor revela que a cogitação, como se trata do simples querer cometer o crime,
não é punível no Direito Penal atual.
A segunda fase do caminho do crime, denominada também como preparação, segundo
Estefam (2012, p. 290) é verificada quando a ideia sai da esfera mental do agente ativo, ou seja,
da cogitação, e se materializa por meio de ações voluntárias direcionadas ao cometimento de
uma infração penal.
No entendimento de Gomes e Molina (2007, p. 473), os atos preparatórios integram a
fase externa do caminho do crime, porém, via de regra, os mesmos são impuníveis. Tais atos,
na visão dos aludidos doutrinadores, são aqueles que antecedem imediatamente aos atos
denominados executórios, ou seja, a fase de execução do iter criminis. Por fim, diante da
dificuldade de configuração do momento exato da realização dos atos preparatórios e dos
executórios, os autores entendem que a teoria denominada objetiva-individual é a que melhor
possibilita tal distinção, contudo, tendo em vista o objeto do presente estudo, não nos ateremos
em estudar as teorias existentes.
Brandão (2010, p. 290) revela que a segunda fase do iter criminis são os atos
preparatórios, ao passo que os atos executórios são considerados a terceira fase do caminho do
crime. O estudioso em tela afirma a existência de dificuldades na separação da segunda para a
terceira fase do iter crimines, porém, afirma que nos dias atuais o ato de execução é aquele que
realiza o verbo nuclear do tipo penal e por consequência o ato preparatório trata-se daquele que
não chega a realizar o verbo descrito na norma penal.
Tratando sobre a fase da execução Estefam leciona que:
Uma das questões mais árduas em Direito Penal reside em estabelecer a exata fronteira
entre os atos preparatórios e os executórios. Trata-se de problema de suma
importância, pois, enquanto os atos preparatórios são, como regra, penalmente
irrelevantes, os atos executórios são penalmente típicos (CP, art.14, II).
É certo que só será possível falar em execução se estivermos diante de um ato idôneo
e inequívoco tendente à consumação do crime. A dificuldade esta em estabelecer
precisamente qual é esse ato. A doutrina apresenta alguns critérios:
a) critério material: a execução se inicia quando a conduta do sujeito passa a colocar
em risco o bem jurídico tutelado pelo delito;
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b) critério formal – objetivo: só há inicio de execução se o agente praticou alguma
conduta que se amolda ao verbo núcleo do tipo.
Nem um dos critérios se mostra totalmente satisfatório. O primeiro, por ser
demasiadamente amplo, e o segundo, excessivamente restrito. Damásio de Jesus, em
função disso, sustenta deva ser adotada a teoria individual-objetiva (de Hans Welzel),
pela qual o inicio da execução abarca todos os atos que, de acordo com a intenção do
sujeito, sejam imediatamente anteriores ao inicio da execução de conduta típica.
Mirabete, de sua parte, argumenta que, segundo nossa legislação, deve-se adotar o
critério formal-objetivo, porem estendido, de modo a abranger os atos imediatamente
anteriores à realização do verbo do tipo (condutas anteriores que tenham vinculação
necessária com a ação típica). (ESTEFAM, 2012, p.290)
De acordo com Nucci (2007, p. 313) a execução é realização do verbo nuclear da figura
típica, ou seja, tal fase é constituída pela prática de atos que são voltados ao resultado do tipo
penal. Os atos executórios, de acordo com Gomes e Molina (2007, p. 473), adeptos da teoria
objetiva-individual, envolvem o começo da execução do verbo nuclear do tipo penal, assim
como os atos imediatamente anteriores dirigidos ao verbo núcleo da conduta penal normatizada.
Normativamente no Brasil, um crime considera-se consumado quando foram realizados
todos os elementos constantes em sua definição legal, tal interpretação é extraída do artigo 14,
inciso I do Código penal Brasileiro, o qual traz em sua redação que, diz-se o crime: “consumado,
quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal”.
Estefam (2012, pp. 290-291), revela que conforme o inciso I, artigo 14 do Código Penal
Brasileiro, existe consumação quando se encontram presentes todos os elementos da definição
legal do tipo penal. Em suas palavras configura-se consumação com a “total subsunção da
conduta do sujeito com o modelo legal abstrato”.
A consumação, para Gomes e Molina (2007, p. 474), tradicionalmente era tratada
somente sobre o enfoque formal ou naturalístico. Porém, o que define em plenitude o delito não
é o resultado naturalístico, mas sim o jurídico, o que significa lesão ou perigo concreto de lesão
ao bem jurídico penalmente tutelado. Assim sendo, na visão moderna há consumação material
quando se dá a lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico protegido, a primeira nos
delitos de lesão e a segunda nos crimes de perigo ou nos resultados de perigo.
Mirabete e Fabbrini (2013, p. 142) dissertam que o crime consuma-se “quando o tipo
está inteiramente realizado, ou seja, quando o fato concreto se subsume no tipo abstrato descrito
na lei penal. Preenchidos todos os elementos do tipo objetivo pelo fato natural, ocorreu a
consumação.”
Ao tratar sobre a consumação Greco enfatiza que:
[...] nem todos os delitos possuem o mesmo instante consumativo. A consumação,
portanto, varia de acordo com a infração penal selecionada pelo agente. [...] ocorre a
consumação nos crimes materiais e culposos quando se verifica a produção do
resultado naturalístico, ou seja, quando há a modificação no mundo exterior. Já nos
crimes omissivos próprios, com a abstenção do comportamento imposto ao agente.
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Por sua vez, para os crimes de mera conduta, ocorre com o simples comportamento
previsto no tipo, não se exigindo qualquer resultado naturalístico. Os crimes formais
se consumam com a prática da conduta descrita no núcleo do tipo, independentemente
da obtenção do resultado esperado pelo agente, que, caso aconteça, será considerado
como mero exaurimento do crime. Para os crimes qualificados pelo resultado ocorre
a consumação com a ocorrência do resultado agravador. Os crimes permanentes se
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consumam enquanto durar a permanência, uma vez que o crime permanente é aquele
cuja consumação se prolonga, perpetua-se no tempo. (GRECO, 2011, p. 246-247)
2.3 Considerações sobre o Elemento Subjetivo do Tipo Penal
De acordo com Gomes e Molina (2007, p. 375), existem cinco formas básicas de delito,
a saber, o comissivo doloso, o omissivo doloso, o culposo, o omissivo culposo e o preterdoloso,
sendo que, nos crimes dolosos, além da afetação do bem jurídico exige-se uma especial relação
do agente com o fato praticado, isto é o que se chama de dimensão subjetiva do fato típico, a
qual envolve o dolo do agente e outros eventuais requisitos subjetivos especiais, estes últimos
quando exigido pelo tipo penal.
Ainda dissertando sobre o tema supramencionado, Gomes e Molina (2007, p. 376)
revelam que por força do principio da responsabilidade subjetiva nem uma pessoa pode ser
penalmente punida sem que para o delito tenha concorrido com dolo ou culpa, pois a punição
do agente sem a presença de um destes elementos caracterizaria a responsabilidade objetiva,
modalidade inaplicável no direito penal pátrio.
Segundo leciona Bitencourt (2011, p. 313), “O tipo subjetivo abrange todos os aspectos
subjetivos do tipo de conduta proibida que, concretamente, produzem o tipo objetivo”. O
aludido autor segue seu raciocínio afirmando que o tipo subjetivo é constituído pelo dolo, sendo
que este é o elemento geral do ilícito, e pode ser acompanhado de elementos especiais, que são
as intenções e tendências, estes, elementos acidentais, conhecidos também como elementos
subjetivos especiais do injusto ou do tipo penal.
Para Zaffaroni e Pierangeli (2007, p. 415) o dolo é o elemento nuclear e primordial do
tipo objetivo e, frequentemente, o único componente do tipo subjetivo. Os autores afirmam que
o dolo, enquanto elemento subjetivo do tipo penal consiste no conhecimento dos elementos
objetivos do tipo de injusto e na ação volitiva de praticá-los. Ainda sobre o tema, dissertam os
doutrinadores que, os chamados elementos especiais subjetivos distintos do dolo nem sempre
são exigidos nos tipos penais.
Sobre os elementos subjetivos do tipo, Brandão ensina que:
Todo tipo possui tanto elementos objetivos quanto elementos subjetivos. Os
elementos objetivos são facilmente visualizáveis, porque o tipo é um modelo de
conduta; logo, o núcleo do tipo penal é um verbo, que é conceitualmente identificado
com a ação. Além da ação, tudo o que se concretizar no mundo exterior é elemento
objetivo.
32
Os elementos subjetivos, por sua vez, também estão presentes em todos os tipos, eles
se referem à consciência e à vontade. Foi mérito da teoria finalista da ação deslocar o
dolo e a culpa da culpabilidade para a ação; por conseguinte, como o tipo penal é a
descrição da ação, pode-se afirmar que o dolo e a culpa estão presentes no tipo.
Pode-se dizer que o dolo ou a culpa são os elementos subjetivos do tipo por
excelência.” (BRANDÃO, 2010, p. 169)
Em síntese, conforme os ensinamentos até aqui trazidos acerca dos elementos subjetivos
do delito, temos que, em que pese existirem elementos distintos ou especiais, o dolo é, por
essência, o principal elemento subjetivo do crime. Assim sendo, tendo em vista o objeto do
presente estudo, passaremos a tratar apenas do elemento subjetivo dolo.
Nas palavras de Santos (2002, p. 46), “o dolo representa a energia psíquica dirigida à
produção da ação incriminada e, portanto o tipo subjetivo precede funcional e logicamente o
tipo objetivo”. Por sua vez, Fragoso (2006, p. 209) define o dolo como sendo “a consciência e
a vontade na realização da conduta típica. Compreende um elemento cognitivo (conhecimento
do fato que constitui a ação típica) e um volitivo (vontade de realiza-la)”.
Normativamente falando, faz-se necessário entendermos que, segundo o artigo 18,
inciso I do Código Penal Brasileiro diz-se que: “o crime é doloso, quando o agente quis o
resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Dissertando sobre tal previsão legal, Brandão
(2010, p. 175) afirma que o inciso I do artigo 18 do Código Penal Brasileiro nos revela as duas
formas de dolo utilizadas no ordenamento jurídico-penal pátrio, sendo que a primeira parte do
aludido inciso trata do dolo direto, o qual pode ser classificado em dolo de primeiro grau ou
dolo de segundo grau, ao passo que a segunda parte prevê a modalidade denominada dolo
eventual.
No mesmo sentido, Gomes (2007, p. 377) afirma que existem três modalidades básicas
de dolo, o direto de primeiro grau, o direto de segundo grau e o dolo eventual. No que se refere
ao direto de primeiro grau o autor revela que o mesmo ocorre em relação ao objetivo principal
desejado pelo agente, em suma, expressa a finalidade ou o proposito direto do agente. Seguindo
sua explanação Gomes (2007, p. 378) leciona que no dolo direto de segundo grau o autor da
ação tem consciência e vontade de concretizar os requisitos objetivos do tipo penal que geram
um efeito colateral típico decorrente do meio escolhido. Por fim, quanto ao dolo eventual o
autor ensina que o mesmo ocorre quando o agente visualiza o resultado típico como possível,
assumindo o risco de produzir tal resultado, ou seja, mesmo sendo previsível o agente prossegue
na ação com indiferença frente ao bem jurídico.
Quanto às teorias que tentam explicar com melhor exatidão o conceito de dolo, temos a
teoria da vontade, a teoria da representação e a teoria do assentimento ou consentimento. No
33
que se refere à teoria da vontade, Carrara (apud Jesus, 2005, p. 288) explica que dolo é a
intenção mais ou menos perfeita de se praticar um fato que se sabe ser contrario as normas
penais. Nas palavras do próprio Jesus (2005, p. 288) para aqueles que defendem a aplicação
desta teoria faz-se necessária à presença de dois requisitos para que haja a caracterização do
dolo, a saber: “quem realiza o ato deve conhecer os atos e sua significação” e “o autor deve
estar disposto a produzir o resultado”, em síntese a ação necessariamente deve conter
representação e vontade.
Brandão refere que a teoria da vontade é:
[...] a doutrina clássica do dolo; segundo ela a essência do dolo esta na vontade de
realizar o ato. Essa vontade se projeta até além do mero movimento corpóreo, porque
a vontade de realizar o ato inclui a própria realização do resultado. Por exemplo: no
crime do homicídio, o dolo é o fato de realizar a conduta: ‘matar alguém’; essa vontade
abrange, no caso, a ação de desferir o tiro e também o resultado morte de um ser
humano. (BRANDÃO, 2010, p. 174)
A teoria da representação, de acordo com Tavares (2003, p. 335) trabalha com a tese de
que se o agente ao praticar uma determinada conduta lesiva tiver conscientemente admitido à
possibilidade da ocorrência do resultado final, haverá dolo eventual, porém, se o autor do ato
desconhecer os elementos do tipo objetivo somente haverá a culpa. No entanto, o próprio
Tavares afirma que a teoria da representação não deve ser aplicada, pois, ela trabalha com a
ficção de que a confiança da inocorrência do resultado lesivo leva à eliminação da possibilidade
de seu conhecimento.
Dissertando sobre a teoria do consentimento ou da assunção, Tavares (2003, pp. 340341) revela que a mesma é a teoria dominante e tem como ponto central o vínculo emocional
do agente com o resultado. Nela não se requer tão somente que o agente ativo tenha
conhecimento ou preveja que a conduta possa levar a ocorrência do resultado típico, mas
também se exige que o autor concorde com tal ocorrência, ou seja, o agente da conduta deve
assumir o risco de produzir o resultado lesivo. A teoria do consentimento ou da assunção
aproxima-se do texto do Código Penal Brasileiro, o qual exige que o autor do fato tenha
assumido o risco de produção do resultado lesivo.
Conforme os estudos realizados no presente capítulo, vimos no primeiro tema tratado
que dentre as teorias da ação trazidas pela doutrina, o Brasil adota a finalista da conduta como
sua principal teoria, aceitando a teoria social apenas na fase de dosimetria da pena. No segundo
tópico tivemos a oportunidade de estudar o iter criminis, abordando suas fases internas e
externas, chegando ao conceito geral de crime consumado, não adentrando nas teorias de
34
consumação de cada espécie de infração penal, isto, pelos mesmos motivos que não tratamos
com maior profundidade sobre os elementos subjetivos especiais do delito. Por fim, do último
item abordado neste capítulo podemos extrair que o dolo é, por excelência, o elemento subjetivo
do tipo penal, contudo, aferimos que de acordo com o delito amoldado ao caso concreto, outros
elementos subjetivos especiais podem surgir, no entanto, nos ativemos mais especificamente
ao dolo, tendo em vista o objeto em estudo. Assim, deixamos para o terceiro capítulo o
aprofundamento sobre a tentativa, local onde abordaremos tal fenômeno com maior
propriedade.
35
3 O DOLO EVENTUAL E A TENTATIVA FRENTE SUA APLICAÇÃO INTEGRADA
Neste título abordar-se-á a conduta humana segundo a teoria finalista da ação e analisarse-á o dolo eventual. Em seguida tratar-se-á sobre a tentativa na prática delitiva. Ao final, farse-á a análise do posicionamento doutrinário acerca da aplicação integrada do dolo eventual em
crimes tentados, encerrando o tema com a análise de dois julgamentos realizados por Tribunais
Superiores.
3.1 A Conduta na Teoria Finalista e o Dolo Eventual
Conforme tratado anteriormente, a conduta é o primeiro elemento integrante do fato
típico, ou seja, conduta diz respeito à ação ou comportamento humano. Welzel (aput Greco
2014, p. 157) revela que a ação humana, com a teoria finalista da conduta, passou a ser analisada
como o exercício de uma atividade voltada a um fim. Seguindo o raciocínio de Welzel, Greco
(2014, p. 157) afirma que a ação é uma conduta humana voluntária dirigida a um fim qualquer,
tal finalidade é ilícita quando o sujeito pratica dolosamente um ato proibido pela lei penal.
A ação humana segundo a teoria finalista da conduta, conforme ensina Bitencourt (2008,
p. 220), tem como norte a ideia de que o ser humano, devido ao seu saber causal, tem condições
de prever, dentro de determinados limites, as consequências possíveis da conduta por ele
praticada. Assim, em razão de seu conhecimento prévio, pode conduzir os atos praticados que
levem à alteração do meio exterior para um fim específico. Seguindo sua linha de pensamento
Bitencourt (2008, p. 220) afirma que, segundo Welzel, o ato volitivo é o ponto chave da ação
final, uma vez que sem a presença da vontade, a qual leva ao resultado causal externo, a ação
ficaria destruída em sua estrutura.
Ainda, quanto à conduta segundo a teoria finalista, Bitencourt explica que:
Segundo a concepção finalista, somente são produzidas finalisticamente aquelas
consequências a cuja realização se estende a direção final. Em outros termos, a
finalidade – vontade de realização – compreende, segundo Welzel o fim, as
consequências que o autor considera necessariamente unidas à obtenção do fim, e
aquelas previstas por ele como possíveis e com cuja produção contava.
(BITENCOURT, 2008, p. 220)
36
Brandão (2010, p.140) ensina que a ação humana, segundo a teoria finalista da conduta,
tem na sua estrutura a vontade dirigida para uma finalidade, ou seja, que na verdade o dolo
encontra-se na ação humana. Complementando, Gallo (apud Brandão 2010, p. 141) expõe que
por sua essência a ação do ser humano é voltada para uma finalidade, pois, para se chegar a um
fim determinado escolhem-se os meios julgados necessários para tanto, os quais são aplicados
de acordo com um plano estabelecido previamente, ou seja, em suas próprias palavras “o
momento da finalidade, se se tratar de uma ação penalmente relevante: o dolo; pertence, pois,
a ação e não pode ser dela legitimamente separado”.
Por fim, Bitencourt (2008, p. 267) refere que o elemento primordial do injusto pessoal
da ação humana, o qual é representado pela vontade consciente de uma conduta direcionada
contra o mandamento normativo penal é o dolo natural. O autor ainda revela que de acordo com
o artigo 18, inciso I do Código Penal Brasileiro o crime será doloso “quando o agente quis o
resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”, sendo que diante de tal previsão legal o direito
penal brasileiro equiparou o dolo direto e o dolo eventual.
No que diz respeito à configuração do dolo eventual, Bitencourt (1997, p. 237) afirma
que de modo geral, “haverá dolo eventual quando o agente não quiser diretamente a realização
do tipo, mas a aceitar como possível ou até provável, assumindo o risco da produção do
resultado.” Seguindo seu posicionamento o autor distingue o dolo direto do dolo eventual
afirmando que o “primeiro é a vontade por causa do resultado; o segundo é a vontade apesar do
resultado.“
Noronha (1997, p. 146) leciona que o elemento que caracteriza o dolo eventual é o
conhecimento, no entanto, esse conhecimento precisa da complementação da vontade para
configurar-se em dolo. Em suas próprias palavras, para a configuração do dolo eventual “o
sujeito ativo prevê o resultado e, embora não seja este a razão de sua conduta, aceita-o.”
Dissertando sobre a ocorrência de um delito com dolo eventual, Greco (2014, p. 198)
revela que o mesmo se dá quando o agente ativo, embora não desejando diretamente a
ocorrência da infração penal, não deixa de praticar a conduta e, assim, assume o risco de
produzir um resultado final lesivo às normas penais, o qual já era por ele previsto e aceito.
Conforme Jescheck (apud Greco 2014, p. 198) “dolo eventual significa que o autor
considera seriamente como possível a realização do tipo legal e se conforma com ela”.
Complementando, Muñoz Conde expõe que:
No dolo eventual, o sujeito representa o resultado como de produção provável e,
embora não queira produzi-lo, continua agindo e admitindo a sua eventual produção.
O sujeito não quer o resultado, mas conta com ele, admite sua produção, assume o
risco etc. (MUÑOZ CONDE, apud GRECO 2014, p. 198)
37
Revelando seu posicionamento quanto ao dolo eventual, Greco (2014, p. 198) afirma
que embora aparentemente não haja problemas na conceituação de tal modalidade de dolo, na
prática existe uma gama enorme de dificuldades para sua aplicação, uma vez que, ao contrário
do dolo direto, não se pode identificar no dolo eventual a vontade do agente ativo como um dos
elementos integrantes, pois, o que se identifica mediante a ação realizada é somente a
consciência.
Zaffaroni (2011, p. 434) ensina que ao contrário do dolo direto, no qual o agente quer
diretamente o resultado final, no dolo eventual o autor da conduta aceita como possibilidade de
sua ação, um resultado lesivo concomitante. Segundo o autor, tal previsão legal encontra-se na
segunda parte do inciso I do artigo 18 do Código Penal Brasileiro.
Exemplificando a ocorrência de um delito praticado com dolo eventual, Zaffaroni cita
uma situação hipotética clássica da doutrina:
Certos mendigos russos amputavam os braços ou pernas de crianças para depois usálas como chamarizes da compaixão dos transeuntes. Por certo que de vez em quando
alguma criança morria em consequência das amputações, e os mendigos sabiam de tal
possibilidade e a aceitavam, o que significa que incorporavam ao seu querer a criança
amputada, a probabilidade da criança morta, ainda que não desejassem e nem tivessem
aceito o resultado como fim ou consequência necessária, porque a criança morta não
servia a seus propósitos (LÖFFLER). (ZAFFARONI, 2011, p. 434)
Conforme vimos no presente título, a conduta humana segundo a teoria finalista da ação
será penalmente relevante quando praticada mediante vontade e consciência para a obtenção de
um resultado delituoso. Já no que se refere ao dolo eventual, o qual é previsto e aceito pelo
nosso ordenamento jurídico-penal, sua configuração ocorre quando o agente ativo, mesmo não
querendo o resultado criminoso, pratica a conduta aceitando a possibilidade de sua ocorrência.
3.2 Aspectos Dogmáticos da Tentativa
No capítulo anterior, vimos que a consumação de um delito está prevista no artigo 14,
inciso I, do Código Penal Brasileiro, o qual traz em seu bojo que: “Diz-se o crime: I consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal”.
Da mesma maneira que o Código Penal Brasileiro descreve a configuração legal de um
delito consumado, a tentativa é normativamente trazida no inciso II, do artigo 14, do referido
Diploma Legal. Vejamos: “Art. 14 - Diz-se o crime: II - tentado, quando, iniciada a execução,
não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”.
38
Assim sendo, Prado (2005, p. 427) interpretando a previsão do inciso II do artigo 14 do
Código Penal Brasileiro afirma que no referido texto legal, o crime tentado é considerado o tipo
penal incompletamente realizado, isto, em virtude de circunstâncias alheias à vontade do agente
ativo. Fragoso (1995, p. 239) se posiciona da mesma forma que Prado, ao lecionar que a
“tentativa é realização incompleta da conduta típica, que não se integra, em seu aspecto
objetivo, por circunstâncias alheias à vontade do agente”.
No que se refere às teorias sobre a punibilidade dos crimes tentados, Greco (214, p. 266)
refere que basicamente surgiram duas teorias, a subjetiva e a objetiva. O autor afirma que o
Código Penal Brasileiro adota a teoria objetiva temperada, moderada ou matizada, pois, a regra
é que a pena correspondente ao delito tentado sofra uma redução em face da punição para o
crime consumado.
Dissertando sobre a teoria subjetiva, Greco ensina que:
Segundo a teoria subjetiva, o agente que deu início aos atos de execução de
determinada infração penal, embora, por circunstâncias alheias à sua vontade, não
tenha alcançado o resultado inicialmente pretendido, responde como se tivesse a
consumado. Basta, como se vê, que a sua vontade seja dirigida à produção de um
resultado criminoso qualquer, não importando se efetivamente ele venha ou não a
ocorrer. Aqui se aplica ao agente a pena cominada ao crime consumado, não
incidindo, outrossim, redução alguma pelo fato de ter permanecido a infração penal
na fase do conatus. (GRECO, 2014, p. 266)
Zaffaroni (2011, p. 602) afirma que para os adeptos a teoria subjetiva, a tentativa é
punida porque revela uma vontade contraria ao direito penal. Assim sendo, como a vontade é
contraposta ao direito, segundo a teoria subjetiva, a tentativa deve ser equiparada ao delito
consumado, não havendo distinção entre a pena de um e de outro. Porém, o doutrinador assevera
que, tal critério é inaplicável, tendo em vista a previsão legal do parágrafo único do artigo 14
do Código Penal Brasileiro. Complementando, Jesus (2005, p. 336) ensina que diante da
aceitação de ser imprescindível o início da execução do tipo penal para que a tentativa possa
ser caracterizada rejeitou-se a teoria subjetiva ou voluntarista.
No que se refere à teoria objetiva, Greco (2014, p. 266) adverte que de acordo com a
mesma, deve existir uma redução da pena quando o agente não consiga consumar a conduta
delituosa por circunstâncias alheias à sua vontade. E nesse viés, Bitencourt (2008, p. 404) ensina
que a tentativa deve possuir três elementos. O primeiro é o início da execução do tipo penal,
uma vez que o Código Penal Brasileiro adotou a teoria objetiva, ou seja, se exige que a conduta
praticada penetre na fase executória do delito. O segundo elemento é a não consumação do tipo
penal praticado, isto, por circunstância alheias à vontade do agente ativo. Por fim, o doutrinador
em tela diz que deve existir o terceiro elemento, qual seja o dolo em relação ao que Bitencourt
39
chama de “crime total”, pois o autor deve querer a concretização do crime. Em suas palavras:
“É necessário que o agente tenha a intenção de produzir um resultado mais grave do que aquele
a que vem efetivamente conseguir”.
Greco (214, p. 259) filia-se ao posicionamento de Bitencourt ao afirmar que para a
caracterização do crime tentado é necessário que a conduta praticada pelo agente ativo seja
dolosa. Em outras palavras, o estudioso quer dizer que deve haver a vontade livre e consciente
de querer praticar um determinado delito. Outro ponto da caracterização trazido por Greco é o
de que o autor da conduta deve ingressar nos atos denominados executórios. Por fim, como
terceiro elemento, o autor afirma que o agente ativo não deve chegar à consumação do crime,
isto, por circunstâncias alheias à sua vontade.
De acordo com Zaffaroni (2011, p. 603) o dolo da infração penal tentada é o mesmo do
crime consumado. Tal posicionamento também é adotado por Greco (2014, p. 259), ao afirmar
que: “Não há dolo próprio para o crime tentado. O dolo do agente é dirigido a realizar a conduta
descrita no tipo penal. Quando o agente exterioriza sua ação, o faz com a vontade de consumar
a infração penal”. No mesmo sentido de Zaffaroni e de Greco, Bitencourt (2008, p. 4050) revela
que “Não existe dolo especial de tentativa, diferentemente do elemento subjetivo informador
do crime consumado. O dolo da tentativa é o mesmo do crime consumado”.
Somente a título de conhecimento, Bitencourt (2006, p. 496) alerta que alguns
doutrinadores trabalham a tese de que a tentativa tem natureza de crime autônomo, contudo, o
próprio estudioso afirma que não subsistem motivos para tal classificação. Aliás, tal
posicionamento também é o adotado por Zaffaroni e Pierangeli (2002, p. 699) os quais lecionam
que a doutrina se subdivide em duas posições distintas quanto à classificação da tentativa, sendo
que uma vertente tem a mesma como um delito incompleto, ao passo que outra parte dos
estudiosos tem a tentativa como tipo independente ou crime autônomo. Porém, os doutos
juristas esclarecem que defendem a posição de que a tentativa é um delito incompleto.
Conforme trabalhado no presente subitem, temos que o Direito Penal Brasileiro adotou
a teoria objetiva para justificar a punibilidade dos crimes tentados. No mais, em que pese haver
corrente distinta, a maioria dos doutrinadores defende a tese de que a tentativa tem natureza
jurídica de um delito incompleto. Por fim, tivemos a oportunidade de aferir que o dolo da
tentativa não é distinto do dolo necessário para a configuração do crime consumado e que, o
inicio da execução do verbo nuclear do tipo penal agredido, a não consumação do crime, por
circunstâncias alheias à vontade do agente e a existência do dolo são elementos necessários para
a caracterização de um crime tentado.
40
3.3 A (Im) Possibilidade da aplicação do Dolo Eventual aos Crimes Tentados à Luz da
Doutrina e da Jurisprudência
O cerne de nosso estudo, ou seja, a possibilidade ou impossibilidade de configuração da
tentativa nos casos em que se constata o dolo eventual, notoriamente é amplamente debatida na
doutrina e nos tribunais. Conforme veremos, existem estudiosos e julgadores que defendem a
tese de que o dolo eventual é compatível com os crimes tentados, ao passo que outra corrente
afirma haver incompatibilidade na aplicação integrada de ambos os institutos.
Explanando sobre o tema Mirabete refere que:
Sustenta-se na doutrina que há possibilidade de se falar em tentativa com dolo
eventual, já que a lei o equiparou ao dolo direto. Há hipóteses evidentes de
impossibilidade da tentativa com dolo eventual nos crimes de homicídio e de lesões
corporais, pois quem põe em perigo a integridade corporal de alguém
voluntariamente, sem desejar causar a lesão, pratica fato típico especial (art. 132);
quem põe em risco a vida de alguém causando-lhe lesão e não querendo sua morte,
pratica o crime de lesão corporal de natureza grave (art. 129, §1º, II). (…) É possível,
porém, a tentativa com dolo eventual nas hipóteses em que este deriva da dúvida a
respeito de um elemento do tipo. (MIRABETE, 2004, 159)
Dentre aqueles que defendem a tese de compatibilidade entre os institutos do dolo
eventual e da tentativa temos Eugênio Raúl Zaffaroni, Flávio Augusto Monteiro de Barros,
Cézar Roberto Bitencourt, Francisco Muñoz Conde e José Cerezo Mir.
Zaffaroni (2011, p. 603) afirma que o instituto da tentativa requer sempre o dolo, o qual
pode tanto ser o direto, que nada mais é do que quando o agente ativo pratica uma conduta com
o objetivo de atingir diretamente o resultado, como pode ser o dolo eventual, caracterizado pela
prática de uma conduta realizada com o risco de produzir o resultado final. O autor revela que
assume tal posicionamento porque o nosso ordenamento jurídico equiparou o dolo direto ao
dolo eventual, não fazendo qualquer distinção em face de sua aplicação.
Elucidando seu posicionamento, Zaffaroni propõe o seguinte exemplo:
[...] há tentativa de homicídio quando se joga uma granada de mão sobre alguém e não
se consegue mata-lo, mas também, quando se lança uma granada de mão contra um
prédio, sem preocupação com a possível morte do morador, que dorme próximo à
janela. (ZAFFARONI, 2011, p. 603)
Na visão de Barros (2009, p. 205) a tentativa constituída de dolo eventual também é
admitida em nosso ordenamento jurídico, uma vez que o Código Penal Brasileiro equiparou o
dolo direto e o dolo eventual, assim sendo, quando o agente ativo realiza a conduta delituosa
41
assumindo o risco da consumação do crime, que não ocorre por circunstâncias alheias à sua
vontade, pratica o delito tentado com dolo eventual.
Para justificarem seu posicionamento, Muñoz Conde e Bittencourt (2000, p. 157), fazem
referência à teoria do assentimento:
Para esta teoria, também é dolo a vontade que, embora não dirigida diretamente ao
resultado previsto como provável ou possível, consente na sua ocorrência ou, o que
dá no mesmo, assume o risco de produzi-lo. A representação é necessária, mas não
suficiente à existência do dolo, e consentir na ocorrência do resultado é forma de
querê-lo. (MUÑOZ CONDE; BITTENCOURT; 2000, p.. 157)
Sem adentrar em profundidade no tema em questão, Cerezo Mir (apud Greco 2014, p.
268), assevera que “a tentativa é compatível, segundo a opinião dominante, com o dolo
eventual”.
Conforme pudemos notar até o presente momento, aqueles que defendem a teoria de
que os delitos praticados com dolo eventual são compatíveis com a tentativa assentam-se na
previsão legal de equiparação do dolo eventual com o dolo direto, esta, insculpida no inciso I
do artigo 18 do Código Penal Brasileiro, o qual, adotou a teoria da vontade e a teoria do
assentimento como teorias da ação.
Com entendimento diverso do acima exposto, ou seja, os que entendem ser incompatível
a aplicação da tentativa em crimes praticados com dolo eventual, temos os doutrinadores
Rogério Greco, Bustos Ramirez e Hormazábal Malarée.
Greco diz que o dolo eventual é totalmente incompatível com a tentativa, pois:
[...] Quando o Código Penal, em seu art. 14, II, diz ser o crime tentado quando, iniciada
a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente, nos está
a induzir, mediante a palavra vontade, que a tentativa somente será admissível quando
a conduta do agente for finalística e diretamente dirigida à produção de um resultado,
e não nas hipóteses em que somente assuma o risco de produzi-lo, nos termos
propostos pela teoria do assentimento. (GRECO, 2014, 269)
Complementando seu raciocínio, Greco (2014, p. 269) sugere que o Código Penal
Brasileiro tenha adotado em seu artigo 14, II, tão somente a teoria da vontade para
reconhecimento do dolo.
Ramirez e Malarée (apud Greco, 2014, p. 269) também não admitem a hipótese de
compatibilidade do dolo eventual com a tentativa. Para defenderem tal afirmação, os estudiosos
explicam que “o dolo eventual tem a estrutura de uma imprudência a que, por razões políticocriminais, se aplica a pena de delito doloso”.
42
Elucidando seu pensamento, Greco faz os seguintes questionamentos em um caso
hipotético:
Para aqueles que admitem, até mesmo, a possibilidade de ocorrência de dolo eventual
nas infrações de trânsito, como seria a solução do problema em que o agente, por
exemplo, dirigindo embriagado e em velocidade excessiva, viesse, com seu
automóvel, causar a morte de duas pessoas, ferindo outras três. Teria, para aqueles
que admitem essa possibilidade, de ser denunciado por dois homicídios consumados
e três tentados? [...]
[...] admitindo-se a tentativa no dolo eventual, nos casos de delito de trânsito, embora
o agente tenha atingido cinco pessoas, matando duas e ferindo outras três, temos de
apontar o início da execução dos crimes. Quando seria tal início de execução?
Poderíamos dizer que, segundo a fórmula já mencionada – embriaguez + velocidade
excessiva = dolo eventual -, quando o agente, embriagado, estivesse imprimindo
velocidade excessiva em seu veículo, já estaria praticando ato de execução?
Entendendo-se dessa forma, imagine-se que o agente, naquelas condições apontadas,
partisse do ponto A com seu automóvel, a fim de chegar ao ponto B, destino por ele
pretendido. Entre o ponto A e o ponto B houve o atropelamento, no local que
chamamos de ponto X. Entre o ponto A e o ponto X o agente passou por
aproximadamente 100 pessoas, até que o acidente ocorresse. Teríamos aqui, também,
de computar 100 tentativas de homicídio, já que, admitindo-se a tentativa no dolo
eventual, não poderíamos deixar de lado aquela considerada tentativa branca?
(GRECO, 2014, pp. 269-270)
Destarte, podemos observar dos ensinamentos acima trazidos que, Greco entende que o
artigo 14, II do Código Penal Brasileiro não consagrou o dolo eventual em sua estrutura. Já
Ramirez e Malarée afirmam que o dolo eventual equiparasse à imprudência, tendo pena de
crime doloso apenas por mera política criminal.
No que se refere ao entendimento dos Tribunais Superiores, ao realizarmos o estudo,
notamos a existências de divergência de posicionamento acerca da compatibilidade do dolo
eventual com a tentativa. E neste norte, como estudo de casos concretos, trazemos
primeiramente a decisão proferida pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul, nos autos do Recurso em Sentido Estrito número 70061436473,
da lavra do eminente Desembargador Sylvio Baptista Neto, o qual se mostra filiado à corrente
que defende a incompatibilidade dos institutos.
Vejamos inicialmente o que diz a ementa do venerando acordão:
JÚRI. HOMICÍDIO TENTADO. DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO.
O dolo eventual mostra-se incompatível com o crime tentado, porquanto a tentativa –
determinada pela vontade – somente pode ser considerada quando a conduta for
finalística e dirigida à produção de um resultado, o que, à evidência, não ocorre
quando o agente apenas assume o risco de produzi-lo.
A possibilidade jurídica do homicídio tentado pressupõe conduta diretamente dolosa,
exigindo a configuração de tal infração que o agente, efetivamente, queira o resultado
morte (não se afigurando suficiente para tanto que a ele tenha assentido), mas que ele
não sobrevenha por circunstâncias alheias à sua vontade.
Caso em que nem mesmo a conduta eventualmente dolosa mostra-se caracterizada.
43
RECURSO DESPROVIDO. (RECURSO EM SENTIDO ESTRITO nª 70061436473)
Para fundamentar sua decisão, o Desembargador Sylvio Baptista Neto inicialmente
relatou que o Ministério Público do Estado do Rio Grande do sul pretendia a pronúncia do
agente ativo, argumentando que o mesmo conduzindo seu veículo automotor em local de
intensa movimentação de pedestres, em velocidade superior à permitida e sob influência de
álcool, ou seja, agindo com dolo eventual na conduta, veio a atropelar uma vítima, que não
morreu por circunstâncias alheias a vontade do agente, o qual, de acordo com o Parquet, aceitou
o risco de produzir a morte da vítima, uma vez que isto lhe era previsível.
Afastando a compatibilidade de aplicação do dolo eventual com tentativa, o julgador
explica que apesar do dolo direto e o eventual serem equiparados quando aos efeitos, sob o
prisma da conduta observada pelo agente, mostram-se substancialmente diversos. Isto porque,
apesar de que o conceito de dolo seja intimamente ligado ao resultado final – ou à previsão
desse –, o que leva à equiparação referida, afigura-se evidente que a busca do resultado e a
aceitação do risco de produzi-lo constituem condutas - em sua essência - diversas.
Prosseguindo sua explanação o Desembargador afirma que:
Na realidade o dolo eventual situa-se mais próximo da culpa consciente do que do
chamado dolo direto, estabelecendo-se a distinção entre aqueles, a partir da previsão
do resultado (comum às condutas dolosa e culposa), na forma como o agente,
subjetivamente, maneja tal previsão, acreditando que a conduta observada não
determinará o resultado (culpa) ou se desimportando com esse (dolo eventual).
(RECURSO EM SENTIDO ESTRITO nª 70061436473)
Adiante o Magistrado afirma categoricamente que o dolo eventual mostra-se
incompatível com o crime tentado, sendo que, para que se chegue a tal é necessário entender
que a interpretação do conceito de crime tentado, contido no artigo 14, inciso II, do Código
Penal Brasileiro, revela que a tentativa – determinada pela vontade – somente pode ser
considerada quando a conduta for finalística e dirigida à produção de um resultado, o que,
evidentemente, não ocorre quando o agente apenas assume o risco de produzi-lo.
Em suas próprias palavras, o Desembargador explica que a incompatibilidade dos
institutos em questão, advém da interpretação do dispositivo legal, uma vez que “a possibilidade
jurídica do homicídio tentado pressupõe conduta diretamente dolosa, exigindo a configuração
de tal infração que o agente, efetivamente, queira o resultado morte (não se afigurando
suficiente para tanto que a ele tenha assentido)”.
Conforme visto na análise do presente julgado, o Magistrado não coaduna com a
corrente que aceita a aplicação da tentativa em crimes com dolo eventual, uma vez que entende
44
que o instituto do dolo direto e do eventual tem essência diversa. Além disto, o Desembargador
se posiciona no sentido de que o artigo 14, inciso II do Código Penal Brasileiro contempla
45
apenas o instituto do dolo direto. Aliás, esta última fundamentação, conforme vimos
anteriormente, também é a adotada por Greco (2014, p. 269).
Demonstrando entendimento diverso da decisão proferida pela Primeira Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos autos do Recurso em
Sentido Estrito número 70061436473, da lavra do eminente Desembargador Sylvio Baptista
Neto, o Ministro Jorge Mussi do Superior Tribunal de Justiça, manifestou-se como sendo
compatível o dolo eventual e a tentativa, isto, ao relatar o Habeas Corpus nº 147.729 – SP, cujo
trecho pertinente da ementa segue abaixo transcrito:
[...]
AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DA CIRCUNSTÂNCIA ALHEIA À DOLO
EVENTUAL. TENTATIVA. EQUIPARAÇÃO AO DOLO DIRETO.
COMPATIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.
1. Embora a questão não encontre solução pacífica na doutrina, adotando-se como
premissa a equiparação do dolo direito com o dolo eventual realizada pelo legislador
ordinário, afigura-se compatível o delito tentado praticado com dolo eventual.
Precedente.
2. Ordem denegada. (HABEAS CORPUS nº 147.729 – SP)
Ao relatar o feito sub judice o Ministro referiu que o paciente informou que foi
pronunciado pela suposta prática dos delitos insculpidos no art. 121, § 2º, inciso IV, e no art.
121, § 2º, inciso IV, c/c art. 14, inciso II, do Código Penal, sendo que, como uma de suas teses
visando à concessão do Habeas Corpus foi a inépcia parcial da denúncia, isto, tendo em vista
a incompatibilidade do dolo eventual com o crime na forma tentada.
Proferindo seu voto, o julgador filou-se aos que entende ser compatível o dolo eventual
com o delito na forma tentada, para tanto, invocou o inciso I do artigo 18 do Código Penal
Brasileiro e fundamentou sua decisão afirmando que “o legislador ordinário, um dos poucos a
conceituar o dolo na prática da conduta delituosa, equiparou o agente que atua com a intenção
de produzir determinado resultado àquele que, embora não o deseje, assume o risco de produzilo”.
Prosseguindo em seu voto, o Ministro Jorge Mussi buscou amparo legal dizendo que:
[...] a norma de extensão contida no artigo 14, inciso II, do Código Penal permite a
decomposição do iter criminis para que, desincumbindo-se o executor de todos os
meios eleitos para a prática delituosa, caso o resultado pretendido ou assumido não se
verifique por causas alheias à sua vontade, seja responsabilizado pelo perigo que
acarretou, com a sua conduta, ao bem jurídico tutelado pela norma. (HABEAS
CORPUS nº 147.729 – SP)
Por fim, o Magistrado asseverou que, tendo em vista a diversidade de fundamentos pela
admissão ou não do crime tentado praticado com dolo eventual, a questão já aportou
46
anteriormente ao Superior Tribunal de Justiça, sendo que, na oportunidade se adotou a corrente
que considera possível a incidência da referida norma de extensão quando o agente, com a sua
conduta, assume o risco de produzir o resultado lesivo, isto, pelo fato de que o próprio legislador
ordinário o equiparou ao dolo direto.
Destarte, como se infere da decisão acima trabalhada, o Superior Tribunal de Justiça
adotou e seus Ministros vêm seguindo o posicionamento da compatibilidade do dolo eventual
em crimes tentados, justificando sua tese na teoria de que o legislador equiparou o dolo direto
ao eventual.
47
4 CONCLUSÃO
A pesquisa demonstrou que há uma grande divergência sobre a compatibilidade do dolo
eventual com os crimes tentados, isto, tanto nos tribunais quanto na doutrina. A partir da análise
empreendida foi possível observar os principais argumentos utilizados para sustentar as
decisões sobre a aplicação ou não do dolo eventual em crimes não consumados.
Conforme trazido no presente trabalho, em que pese reconhecer haver posições em
sentido contrário, o Desembargador Sylvio Baptista Neto da 1ª Câmara Criminal do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul afirmou que o dolo eventual é incompatível com os crimes
tentados, pois, para ele, o dolo direto e o dolo eventual possuem essência diversa. Ainda, o
referido julgador também justificou seu entendimento asseverando que o inciso II do artigo 14
do Código Penal Brasileiro contemplou apenas o instituto do dolo direto.
De outro norte, temos o Ministro Jorge Mussi do Superior Tribunal de Justiça, o qual
entendeu ser juridicamente viável a aplicação do dolo eventual em crimes tentados. Para tanto,
o aludido Magistrado referiu que apesar da existência de divergência entre a doutrina e os
tribunais, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou a questão em ocasiões anteriores, firmando
seu posicionamento pela compatibilidade dos institutos, isto, com esteio no artigo 18, inciso I
do Código Penal Brasileiro, no qual, o legislador optou por equipar o dolo eventual ao dolo
direto.
Doutrinariamente, Eugênio Raúl Zaffaroni, Flávio Augusto Monteiro de Barros, Cézar
Roberto Bitencourt, Francisco Muñoz Conde e José Cerezo Mir, estudiosos brasileiros e
estrangeiros, reconhecem a possibilidade de aplicação do dolo eventual em crimes não
consumados.
Barros e Zaffaroni justificaram seu posicionamento ao citar que o nosso ordenamento
jurídico equiparou o dolo direto ao dolo eventual, não fazendo qualquer distinção em face de
sua aplicação. Muñoz Conde e Bittencourt dizem que existe tal possibilidade devido à teoria do
assentimento.
De outra banda, Rogério Greco, Bustos Ramirez e Hormazábal Malarée, afirmaram que
é inconcebível a aplicação do dolo eventual em crimes tentados. Ramirez e Malarée não
admitiram a possibilidade de aplicação do dolo eventual com a tentativa, pois, para eles, o dolo
eventual tem estrutura de uma imprudência, sendo que, por motivos político-criminais, se aplica
48
ao mesmo a pena de delito doloso. Por sua vez, Greco firmou sua tese no sentido de que o
Código Penal Brasileiro adotou em seu artigo 14, inciso II, somente a teoria da vontade para
reconhecimento do dolo. Ou seja, segundo o estudioso, o aludido dispositivo legal não
contemplou a teoria do assentimento.
Nosso posicionamento é contrário aos que dizem ser compatível a aplicação simultânea
de ambos os institutos, uma vez que suas justificativas não são satisfatórias, isto, por falta de
argumentação convincente.
Destarte filiamo-nos aos que repelem a compatibilidade do dolo eventual em crimes
tentados, porém, como futuros aplicadores do direito, entendemos por bem discorrer
brevemente sobre nosso posicionamento, manifestando-nos com uma solução jurídica viável.
Em primeiro lugar, pensamos que o dolo direto, seja ele de primeiro ou de segundo grau,
conforme a teoria finalista da conduta, esta, adotada pelo Código Penal Brasileiro, pressupõe,
que o agente pratique a ação voltada a um fim determinado, isto, voluntária e conscientemente.
Logo, para a configuração do delito doloso, o agente deve manifestar sua vontade dirigida ao
fim criminoso e, ao mesmo tempo, ter consciência da prática da conduta proibida. Já o dolo
eventual, originado pela teoria do assentimento ou consentimento, esta, também aceita pelo
Código Penal Brasileiro, o agente pratica uma conduta, assumindo o risco de produzir um
resultado lesivo, contudo, sua vontade não é dirigida à ofensa de um bem jurídico penalmente
tutelado. O que ocorre, é que, conscientemente, ele prevê que um dano possa ser originado de
sua conduta e mesmo assim prossegue. Assim sendo, devemos distinguir a vontade componente
do dolo direto, da consciência existente no dolo eventual, pois, dizer que as mesmas podem ser
equiparadas é um equivoco.
Em segundo lugar, temos que as espécies de dolo até aqui criadas pela doutrina, não são
satisfatórias, pois o dolo direto abarca as ações em que o agente ativo da conduta agiu com
vontade e consciência para ferir um bem jurídico penalmente tutelado (ex. homicídio). Já no
dolo alternativo, o autor da ação, com vontade e consciência pratica uma conduta com o fim de
cometer um ou outro ilícito (ex. lesão corporal ou homicídio). No dolo eventual, o agente, com
consciência da possibilidade de ocorrência de um evento danoso, pratica um ato assumindo o
risco de um resultado final, porém, para que ele assuma tal risco, o bem jurídico deve ser
determinado.
A de terceiro, cremos que, apesar do Código Penal Brasileiro ter equiparado o dolo
eventual ao dolo direto, o artigo 14, inciso II do referido Diploma Legal não contemplou a teoria
do assentimento, fato que se fosse tido como contrário, levaria o aplicador do direito a realizar
uma interpretação da norma de forma prejudicial ao agente, ou seja, ao integrar as previsões
49
legais do artigo 18, inciso I, com os ditames do artigo 14, inciso II, do Código Penal Brasileiro,
o julgador estaria ferindo o Princípio da Legalidade devido à utilização da analogia in malam
partem.
Assim sendo, a solução estaria na junção do dolo eventual com o dolo alternativo,
formando uma quarta espécie de dolo, ao qual atribuímos à denominação “dolo eventual
alternativo”. Para melhor explicarmos, utilizaremos como base um exemplo similar ao trazido
pela doutrina:
Um agente, dirigindo embriagado e em velocidade excessiva, veio, com seu automóvel,
causar a morte de duas pessoas, ferindo outras três. Tal agente é um ser humano de intelecto
mediano, e ao dirigir seu veículo em alta velocidade e embriagado pode prever conscientemente
que existia a possibilidade de provocar um acidente de trânsito, do qual, poderiam resultar
mortes, lesões corporais ou ambas, ou seja, mesmo sem querer o resultado final ele assumiu o
risco de ferir um ou mais bens jurídicos penalmente-tutelados.
Assim, ao colidir seu veículo, o agente ativo ingressa na execução do ou dos crimes,
pois inicia o ato de matar, lesionar ou ambos, porém, sua conduta somente será tipificada pelo
resultado final (morte e/ou lesão). Resumidamente, ao praticar a conduta, o autor,
conscientemente previu mais de um possível resultado ilícito, assumindo o risco de ferir um ou
mais bens jurídicos penalmente-tutelados, portanto, agiu com dolo eventual (assumiu o risco)
alternativo (caracterizado pela previsão anterior e pelo resultado final).
50
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