FACULDADES CEARENSES CURSO DE PEDAGOGIA PROF. RÉMI LAVERGNE EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UM DESAFIO A SER CONQUISTADO Amanda Fontenele dos Santos Soares FORTALEZA 2010 FACULDADES CEARENSES CURSO DE PEDAGOGIA PROF. RÉMI LAVERGNE EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UM DESAFIO A SER CONQUISTADO Amanda Fontenele dos Santos Soares Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Pedagogia do Centro de Ensino Superior do Ceará – Faculdades Cearenses como requisito essencial para obtenção do Grau de Licenciado em Pedagogiafia FORTALEZA 2010 2 EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UM DESAFIO A SER CONQUISTADO Amanda Fontenele dos Santos Soares _________________________________________________ Profº Drº Rémi Fernand Lavergne Profº Orientador: Banca Examinadora: _________________________________________________ Profª Maria Rejane Araruna _______________________________________ Profª Tereza Liduina Grigório Fernandes _________________________________________________ Profª Luiza Lulia Feitosa Simões Coordenadora do Curso FORTALEZA 2010 3 SUMÁRIO Introdução .................................................................................................. 5 Capitulo 1 - Histórico da Educação Especial no Brasil .............................. 8 1.1 Iniciativas Particulares...................................................................... 8 1.1.1 Referências aos Deficientes Visuais................................................ 10 1.1.2 Referências aos Deficientes Auditivos............................................. 10 1.1.3 Referências aos Deficientes Físicos................................................ 11 1.1.4 Referências aos Deficientes Mentais............................................... 12 1.2 Iniciativas no Âmbito Nacional..........................................................13 Capitulo 2 - O nascimento da Educação Inclusiva..................................... 16 2.1 Declaração de Jomtien – 1990......................................................... 16 2.2 Declaração de Salamanca – 1994................................................... 18 2.3 Declaração da Guatemala – 1999.................................................... 20 Capitulo 3 - Confrontando a teoria com a realidade................................... 22 Capitulo 4 - A mudança de paradigma........................................................28 4.1 Educação tradicional uma relação com educação especial............. 30 4.2 Do processo de integração.............................................................. 31 4.3 ...À educação inclusiva..................................................................... 32 Conclusão................................................................................................... 36 Referências Bibliográfica............................................................................ 39 4 INTRODUÇÃO Cada vez mais a educação no Brasil tem sido alvo de reflexões, por parte de pesquisadores da área, com o intuito não só de explicar a função social da escola, mas pra que possamos entender como o acesso democrático a educação ainda constitui um problema maior em nosso país. Precisamos compreender que a educação no Brasil necessita de algumas mudanças profundas afim de que os alunos possam tornar-se pessoas autônomas e capazes de agir com mais criatividade e senso crítico diante das demandas que a sociedade exige. Para isso precisamos reafirmar que a escola realiza diversas funções sociais que nos permitem traçar nossas metas e construir nossos objetivos. Portanto, dentre essas funções salientamos que a escola: Deve proporcionar aos educandos uma aprendizagem significativa; Deve preparar o indivíduo para o uso responsável de suas ações; Pode levá-lo à descoberta de suas competências pessoais e profissionais, promovendo assim, o desenvolvimento da sua capacidade de reflexão e, com isso, prepará-lo para enfrentar as mudanças na sociedade. Um dos problemas enfrentados pela educação escolar é o desinteresse e a taxa de evasão dos alunos. Isso mostra o quanto à aprendizagem não é satisfatória para parte dos alunos e não lhe proporciona o prazer das descobertas que uma educação de qualidade deveria oferecer. Além disso, parece não atender o mínimo que se pode esperar se nós referirmos as funções acima evocadas. No decorrer das duas últimas décadas aconteceu um importante movimento internacional de reflexão sobre a função da escola e, notadamente, a cerca das condições que ela deveria proporcionar para que todos os alunos possam realizar uma integração sócio-profissional mais igualitária. Com essa reflexão emergiu um novo paradigma educacional, da inclusão, e com ele mudou o sentido da Educação Especial. Além disso, o entendimento às diferenças individuais, com o respeito às diversidades dos alunos, criando oportunidades igualitárias a todos que estão inseridos no contexto escolar é uma das importantes funções sociais da escola. Com isso compreendemos que a educação faz parte de todos ao âmbitos da 5 sociedade, portanto, é direito de todos os cidadãos terem uma educação de qualidade. É por meio dessa idéia igualitária que a Educação Especial propõe a inclusão de portadores de necessidades especiais em salas de ensino regular. Uma proposta que não visa apenas à integração desses alunos, mas sim a oportunidade de se inserirem na sociedade como um todo, esquecendo a lógica de segregação. Conseqüência disso, o ambiente educacional hoje nos traz uma idéia de alteridade, em que todos nós somos seres únicos e, como tal, temos direitos que nossas diferenças, sejam elas físicas, mentais ou sociais, sejam aceitas e respeitadas. Toda criança possui características, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas. Se a Educação Inclusiva o fato de que ela provocou também muitas tensões principalmente por parte dos professores que não se sentem preparados para receber bem uma criança com necessidades educacionais especiais. Uma das motivações que o tema inclusão nos trouxe foi de que essa é uma abordagem democrática que leva em consideração o sujeito com suas peculiaridades, e se preocupa por sua inserção social. Mas, por sincera que pareça a vontade de impor uma educação escolar mais inclusiva, isso acontece em uma sociedade regida por exigências sócioeconômicos que provocam muitas contradições. Durante os estágios em escolas públicas que obtivemos no período da graduação, percebemos o quanto a escola pública também apresenta contradições. Dentre estas, o fato de que as escolas públicas ainda estão defasadas, apesar de orientações políticas e educacionais que impõem a mudança de paradigma. Percebemos que a escola de hoje ainda vem construindo situações de inclusão, através da lógica da homogeneidade em que há uma separação dos alunos menos dotados que não se enquadram dentro daquilo que serve como referência. Vivenciamos durante dois estágios que fizemos na Scola pública Luiz Gonzaga dos Santos. Foi essa experiência que nos motivou para desenvolver este trabalho de conclusão de curso, com os objetivos seguintes. 6 Objetivo Geral: Descrever e tentar compreender a difícil passagem, na escola pública, do paradigma tradicional para o paradigma da inclusão, salientando o novo papel da Educação Especial. Objetivos Específicos: Apresentar uma rápida história de educação especial no Brasil; Apresentar as principais etapas do nascimento da Educação Inclusiva; Mostrar a defasagem entre teoria e realidade na escola pública. Compreender como a escola deve abordar a questão da educação inclusiva em sua proposta pedagógica; Do ponto de vista metodológico, este estudo de fim de curso adota mais uma perspectiva teórica, pois ressalta as condições de transformação de Educação Especial com a emergência da educação inclusiva. Porém, inclui uma parte descritiva referida a uma experiência de dois anos que fizemos em uma escola pública numa cidade metropolitana de Fortaleza. Trata-se de uma rápida etnografia das condições de trabalho nessa escola cujas contradições com as novas orientações educacionais servem para destacar a dificuldade de mudar de modelo pedagógico. O referencial teórico sobre o qual nos apoiamos refere ao de certos pensadores da educação inclusiva. Dentre eles, podemos citar Mantoan, Rodrigues, Ferreira, etc. Utilizaremos também, as reflexões e justificativas teóricas das principais Declarações internacionais e das orientações educacionais brasileiras. 7 1. A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL A partir do século XIX e baseado nas práticas européia e americana, brasileiros começam a se preocupar com o atendimento dos portadores de deficiência visual, auditiva, mental e física. Durante algum tempo essa iniciativa foi refletida apenas por alguns educadores interessados pelo atendimento educacional dos portadores de deficiência. Foi apenas no início do século XX, que a inclusão da educação dos portadores de alguma deficiência vem se apresentar na política educacional brasileira. Segundo Mazzotta (2001) houve dois períodos importantes que se destacaram para a evolução da educação especial no Brasil: iniciativas particulares e iniciativas no âmbito nacional. 1.1 Iniciativas Particulares O primeiro ocorreu entre 1854 a 1956 denominado como o período de iniciativas particulares, dando início ao atendimento escolar especial no Brasil datado no dia 12 de setembro de 1854 concretizado por D.Pedro II, fundando o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, baseado no Decreto Imperial n* 1.428. A fundação Imperial Instituto teve apoio de José Álvares de Azevedo, um cego brasileiro, que teve a experiência de estudar no Instituto de Jovens Cegos de Paris. Por ter obtido sucesso, José Álvares de Azevedo despertou o interesse de Couto Ferraz que na época era o atual Ministro do Império que com sua influência convenceu o D. Pedro II a criar o Instituto, que teve sua inauguração cinco dias após sua criação dia 17 de setembro. Já no governo republicano foi criado o Decreto n* 408, assinado por Marechal Deodoro da Fonseca e Benjamim Constant Botelho de Magalhães representantes importantes do governo na época, mudando o nome do Instituto para Instituto Nacional dos Cegos aprovando, portanto seu regulamento no dia 17 de maio de 1890. Tempos depois, em homenagem ao Benjamim Constant Botelho de Magalhães, ex-professor de matemática e ex-diretor, no dia 24 de janeiro de 1891, pelo Decreto n* 1.320, a escola passou a ser chamada de Instituto Benjamim Constant – IBJ. 8 Após três anos seguintes, através da Lei n* 839 de 26 de setembro de 1857, D. Pedro II cria o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos localizado no Rio de Janeiro. Sua criação teve o apoio do francês Ernesto Huet e seu irmão que através do Marquês de Abrantes, conheceram D. Pedro II, esse por sua vez apoiou a idéia do francês e lhe deu “carta branca” para fazê-lo. Portanto, Huet iniciou seu trabalho com apenas duas crianças no Colégio Vassimon, e em 1856, o Huet dar origem ao Imperial Instituto dos Surdos-Mudos. Essa instituição esteve voltada a educação literária e ao ensino profissionalizante de crianças com deficiência auditiva com faixa etária entre 7 a 14 anos. Em 1957, o Instituto passa a denominar-se Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, pela Lei n*3.198. Em ambos os Institutos, algum tempo depois da inauguração, foram instaladas oficinas para aprendizagem de ofícios. Oficinas de tipografia e encadernação para os meninos cegos e de tricô para as meninas; oficinas de sapataria, encadernação, pautação e douração para os meninos surdos. (MAZZOTTA, 2001, p.29) Após a criação do IBC e INES e pela necessidade da população de 15.848 cegos e 11.595 surdos segundo Mazzotta (2001), em 1872 surge à possibilidade de se pensar em educação para os portadores de deficiência, no 1* Congresso de Instrução Pública, em 1883, sendo nesse sugerido a formação de professores para cegos e surdos e a formulação de um currículo pedagógico. Contudo, pela ótima atuação dos dois Institutos, através do governo central foram destinados recursos financeiros voltadas para o atendimento pedagógico ou médico-pedagógico aos deficientes. Em 1854 o Hospital Estadual de Salvador, na Bahia, hoje denominado Hospital Juliano Moreira, iniciou a assistência prestada, há, no entanto, informações insuficientes para sua caracterização como educacional. Poderia tratar-se de assistência médica a crianças deficientes mentais e não propriamente atendimento educacional; ou, ainda, atendimento médicopedagógico. (MAZZOTTA, 2001, p.30) De acordo com Mazzotta (2001) até 1950, já havia quarenta estabelecimentos de ensino regular mantidos pelo poder público, que prestavam algum tipo de atendimento escolar especial a deficientes mentais e ainda havia mais quatorze estabelecimentos de ensino regular que atendiam outros tipos de deficiência. Nos anos seguintes foram fundadas inúmeras instituições voltadas ao atendimento pedagógico dando referências aos deficientes visuais, auditivos, físicos e mentais em diversos Estados do País, 9 apresentaremos exemplos dessas instituições referentes a cada tipo deficiência em sua especificidade. 1.1.1 Referências aos Deficientes Visuais Foram criados para o atendimento a deficientes visuais o Instituto de Cegos Padre Chico fundado em 27 de maio de 1928 e Fundação para o Livro dos Cegos no Brasil instalada em São Paulo no dia 11 de março de 1946. Ambas forneceram subsídios importantes para o atendimento de deficientes visuais. O Instituto de Cegos Padre Chico, ministrava cursos de Artes Industriais, Datilografia, Música, Educação para o Lar, Orientação e Mobilidade. Mantida como Escola de 1* grau oferecia serviços de assistência médica. A Fundação para o Livro dos Cegos no Brasil – FLCB com o apoio da professora dos deficientes visuais e portadora da deficiência Dorina de Gouvea Nowill, Adelaide Reis de Magalhães e autoridades do Estado de São Paulo, a Fundação inicia seus trabalhos produzindo e distribuindo livros impressos em braile e anos após estendem-se no âmbito educacional dos portadores de deficiências visual, além de realizar atividades de reabilitação e bem-estar dessas pessoas. Em 1942, o Instituto Benjamim Constant - IBC faz a primeira edição em braile da Revista Brasileira para Cegos, em 1943, é instalada para os alunos do IBC uma impressa braile e em 1949, pela Portaria Ministerial n* 504 são distribuídos livros pra cegos gratuitamente para aqueles que necessitassem. Após sucessivos progressos o IBC com o apoio da Fundação Getúlio Vargas, realiza o primeiro Curso de Especialização de Professores na Didática de Cegos em 1947. 1.1.2 Referências aos Deficientes Auditivos O atendimento a deficientes auditivos teve uma importante colaboração com a fundação do Instituto Santa Terezinha em 15 de abril de 1929, sua criação deu início graças às freiras Suzana Maria e Madalena da Cruz que fora se especializar no ensino de crianças surdas no Instituto de Bourg-la-Reine, na França. Após sua formação e já de volta ao Brasil as irmãs tiveram o apoio de duas freiras francesas, Saint Jean e Luiza dos Anjos. 10 O Instituto durante um período funcionou em regime de internato depois passou para regime de externato, após esse período deu início a integração de alunos deficientes auditivos no ensino regular, oferecendo aos alunos além do ensino, atendimento médico, fonoaudiológico, psicológico e social. Em 1951, foi criada pelo Prefeito Dr. Armando de Arruda a Escola Municipal de Educação Infantil e 1* grau para Deficientes Auditivos Helen Keller, em seguida denominada por vários outros nomes até chegar por fim ao seu nome de origem que através de seu sucesso ocasionou, a fundação de mais quatro escolas municipais de educação infantil. O Instituto Educacional São Paulo – IESP, fundado e 18 de outubro de 1954, recebeu da Secretaria de Educação o Registro n*2.010/58, como escola especializada no ensino de surdos-mudos em 1958. Seus professores não tinham formação pedagógica e eram pais de alunos, sendo esses apenas cinco com idades entre 5 e 7 anos. Em 1962 o Instituto mudou-se do bairro Higienópolis para o bairro Indianópolis em São Paulo por conta do prédio doado pelo Prefeito Dr. Fábio da Silva Prado. Em 12 de junho de 1967 o Instituto foi doado à Fundação São Paulo, entidade mantenedora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP. A partir daí, além de atender crianças com deficiência auditiva em regime escolar, passou a atender, em regime de clínica, crianças e adultos com distúrbios de comunicação. Nesta nova situação administrativa, o Instituto Educacional São Paulo ficou subordinado ao Centro de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação – CERDIC, hoje denominado DERDIC – Divisão de Educação e Reabilitação da Comunicação. (MAZZOTTA, 2001, p.37 e 38) 1.1.3 Referências aos Deficientes Físicos Para o atendimento aos deficientes físicos tivemos a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo obtendo seus primeiros vestígios de movimento escolar no período segundo Mazzotta (2001) em 01/08/1931 a 10/12/1932. Já em 1932, foi criada outra classe especial chamada Escola Mista do Pavilhão Fernandinho. Mais tarde em 1948 a terceira classe foi instalada, essa oficialmente publicada no Diário Oficial. Entre 1950 e 1969, surgem duas classes hospitalares, onde professores atendiam os pacientes do hospital, baseados em planejamentos feitos para cada aluno individualmente. Por fim e pela jurisdição da 13° Delegacia de Ensino da Capital, funcionou como Escolas 11 Isoladas dez salas especiais no Hospital Central da Santa Casa de Misericórdia. Em junho de 1943 é fundada uma importante instituição especializada na reabilitação de deficientes físicos, o Lar-Escola São Francisco, fundado por Maria Hecilda Campos Salgado. O Lar-Escola mantinha convênio com a Secretaria de Educação do Estado e com a Escola Paulista de Medicina tornando-se o Instituto de Reabilitação dessa universidade. Um dos mais importantes Centros de Reabilitação do Brasil era mantido pela Associação de Assistência à Criança Defeituosa – AACD fundada em 1950. Esse atendia portadores de paralisia cerebral, deficientes físicos não sensoriais ou pacientes que apresentavam algum problema ortopédico. A AACD ao longo dos anos obteve convênios com várias outras instituições importantes e até internacionais que contribui para seu avanço e conseqüente para a qualidade do atendimento daqueles que participavam do programa de ensino da instituição. 1.1.4 Referências aos Deficientes Mentais Para o atendimento de Deficientes Mentais, foi criado em 1926 o Instituto Pestalozzi de Canoas, onde esse introduziu no país a concepção da “ortopedagogia” e inspirado na concepção da Pedagogia Social do educador Henrique Pestalozzi. Em 1935, foi criado em Belo Horizonte – MG outro Instituto Pestalozzi, que em anos mais tarde o instituto cria uma Granja-Escola com o intuito de oferecer atividades rurais, artesanato, cursos profissionalizantes. Em 1948, no Rio de Janeiro, é fundada a Sociedade Pestalozzi do Brasil, utilizava-se da mesma filosofia das outras organizando serviços para os deficientes mentais. Nela foram instaladas as primeiras Oficias Pedagógicas por conta de suas orientações educacionais para os jovens com deficiência mental e com o apoio do governo federal. A SPERJ foi a principal articuladora da fundação da Federação das Sociedades Pestalozzi – FENASP – ocorrida em 27 de agosto de 1980. (MAZZOTTA, 2001, p.44) Em São Paulo, a Sociedade Pestalozzi foi instalada em 1952, por iniciativa do Dr. José Maria de Freitas juntamente com seu grupo de médicos, assistentes sociais, psicólogos e educadores. Por falta de profissionais 12 especializados no ensino de deficientes mentais, a Sociedade Pestalozzi de São Paulo cria o primeiro Curso Intensivo de Especialização de Professores. Em 1954, foi fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE no Rio de Janeiro que obteve o apoio do governo federal. A criação da APAE-RIO foi seguida da fundação de várias APAEs: Volta Redonda (1956), São Lourenço, Goiânia, Niterói, Jundiaí, João Pessoa e Caxias do Sul (1957), Natal (1959), Muriaé (1960), São Paulo (1961), contando hoje com uma importante Federação Nacional das APAEs, com mais de mil entidades associadas.(MAZZOTTA, 2001, p.47) A APAE de São Paulo foi criada no dia 4 de abril de 1961, sendo feita nela a instalação da primeira unidade assistencial o Centro Ocupacional Helena Antipoff, com o objetivo de proporcionar aos deficientes mentais uma habilitação profissional. É fundada a Clínica de Diagnóstico e Terapêutica dos Distúrbios do Desenvolvimento Mental em 1967. Em 1972 são implantados os Núcleos de Aprendizagem e Atividades Profissionais – NAAPs. Em 1981 com a autorização da Secretaria de Educação inicia-se a Escola de Educação Especial da APAE de São Paulo. Para suprir suas necessidades de manutenção e ampliação a APAE de São Paulo firma convênio com órgãos federais, estaduais e municipais. 1.2 Iniciativas no âmbito nacional O segundo período das iniciativas no âmbito nacional ocorreu entre os anos de 1857 a 1993 em que o atendimento dos excepcionais deram início a partir de movimentos chamados Campanhas onde a primeira foi instituída pelo Decreto Federal n* 42.728 do dia 3 de dezembro de 1957- Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro – C.E.S.B., instalada no INES, com o intuito de promover educação e assistência, abrangendo todo o território nacional e que infelizmente anos depois a Campanha foi desativada. Em 1958, pelo Decreto n*44.236, foi criada a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes da Visão ligada a Instituição Benjamim Constant que pouco tempo depois pelo Decreto n* 48.252 passa a chamar-se Campanha Nacional de Educação dos Cegos – CNEC. 13 Em 1960 com o apoio da Sociedade Pestalozzi e a APAE do Rio de Janeiro foi criado a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais – CADEME, pelo Decreto n* 48.961, de 22 de setembro de 1960. Com a instituição da CADEME, foi criado um Fundo Especial, de natureza bancária, em conta no Banco do Brasil S.A. sob responsabilidades do diretor executivo. Tal Fundo Especial deveria ser constituído por dotações e contribuições previstas nos orçamentos da União, Estados, Municípios e de entidades paraestatais de economia mista; donativos, contribuições de entidades públicas e privadas, nacionais e estrangeiras; venda eventual de patrimônio da Campanha, além de dotações orçamentárias referentes a serviços educativos, culturais e de reabilitação. (MAZZOTTA, 2001, p.53) Com a Lei n* 5.692/71, em seu 9* artigo que se referia ao “tratamento especial aos excepcionais”, houve diversas ações a serem praticadas a partir das novas diretrizes no campo de 1* e 2* grau. A partir desse momento a Educação Especial passa ter destaque no MEC e no Conselho Federal de Educação com o intuito de apoiar e garantir que as ações no âmbito do ensino especial sejam bem sucedidas. O Conselho Federal de Educação cria um grupo de trabalho chamado Grupo-Tarefa de Educação Especial, onde o mesmo elabora o Projeto Prioritário n* 35, incluído no Plano Setorial de Educação e Cultura 1972/74. No dia 3 de julho de 1973 foi criado o Centro Nacional de Educação Especial – CENESP pelo Decreto n* 72.425, com a contribuição do especialista em educação especial o norte-americano James Gallagher, que através da apresentação de um relatório contendo propostas interessantes para a estruturação do ensino especial integrando-se aos estudos do Grupo-Tarefa, criando assim o CENESP. Com a criação do CENESP, a Campanha Nacional de Educação de Cegos e a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais foram fechadas e seus respectivos financiamentos foram transferidos ao novo órgão, o Centro Nacional de Educação Especial. A organização administrativa do CENESP era, conforme o Regimento Interno, constituída por seis unidades: Conselho Consultivo, Gabinete, Assessoria Técnica, Coordenações (em número de sete, correspondendo cada uma delas a uma 14 determinada área de excepcionalidade), Divisão de Atividades Auxiliares, Divisão de Pessoal e Órgãos Subordinados (Instituto Benjamim Constant e Instituto Nacional de Educação de Surdos). (MAZZOTTA, 2001, p.56) No período entre 1983 a 1986, com sua terceira diretora o CENESP é transformado na Secretaria de Educação Especial – SESPE, mantendo a maioria de sua estrutura e organização, excluindo apenas o Conselho Consultivo. Com a sua criação a Educação Especial a nível nacional foi transferida do Rio de Janeiro para Brasília, com essa transferência as pessoas que tinha o poder político sobre a educação especial foram mescladas, mas não impediram que os integrantes dos grupos citados anteriormente fossem também transferidos para Brasília. A SESPE deixou de existir em 15 de março de 1990, dando espaço a Secretaria Nacional de Educação Básica – SENEB, onde nela era atribuída toda e qualquer problema relacionado à educação especial. O Departamento de Educação Supletiva e Especial – DESE, é incluído como um órgão da SENEB, fundamentado pelo Decreto n* 99.678, de 8 de novembro de 1990. Com o fim da presidência de Fernando Collor de Melo, em 1992, reaparece a Secretaria de Educação Especial – SEESP, agora com uma nova estrutura e sendo órgão específico do Ministério da Educação e do Desporto. Historicamente, os pais têm sido uma importante força para as mudanças no atendimento aos portadores de deficiência. Os grupos de pressão por eles organizados têm seu poder político concretizado na obtenção de serviços e recursos especiais para grupos de deficientes, particularmente para deficientes mentais e deficientes auditivos. (MAZZOTTA, 2001, p.64) Para terminar, as ùltimas orientações políticas educacionais (sobretudo a partir da Convenção da Guatemala) sinalizam que a educação especial é uma modalidade que perpassa todas as etapas, as demais modalidades e os níveis de ensino, sem substituí-los, ofertando serviços, recursos e estratégias de acessibilidade ao ambiente e ao conhecimento escolar, por meio do Atendimento Educacional Especializado. 15 2. O NASCIMENTO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA A partir do fim dos anos de 1980, início dos anos 90, a questão da inclusão vai surgindo tanto no plano nacional quanto no plano internacional. Com o fim da ditadura no Brasil e redemocratização da sociedade, surge às reivindicações para levar em conta as diferenças de diversos segmentos da população sendo ela indígena, negra, afro-descendentes, homossexuais, idosas e inclusive as pessoas portadores de deficiência. Paralelamente, no mundo inteiro houve movimentos importantes visando educação para todos fazendo referência às exigências do mercado, combate contra a miséria, limitações dos problemas de saúde dentre outros. A inclusão social se apresenta como um processo de atitudes afirmativas, no sentido de inserir, todos aqueles grupos ou populações até então segregados. Na década de 1990, a chamada “Década da Educação”, surge uma série de Convenções Internacionais embaladas pelos fortes movimentos sociais, principalmente por parte dos portadores de deficiência em busca do reconhecimento dos seus direitos. Dentre elas, irei abordar os três eventos internacionais mais importantes na medida em que servem muitas vezes como referências no quadro de leis brasileiras e na introdução da educação inclusiva no Brasil e no mundo. 2.1 Declaração de Jomtien - 1990 Documento elaborado na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada na cidade de Jomtien, na Tailândia, em 1990. A Declaração fornece definições e novas abordagens sobre as necessidades básicas de aprendizagem, tendo em vista o estabelecimento de compromissos mundiais para garantir a todas as pessoas os conhecimentos básicos necessários a uma vida digna, visando uma sociedade mais humana e mais justa. De acordo com a Declaração de Jomtien (1990), seu objetivo é “satisfazer as necessidades básicas da aprendizagem de todas as crianças, jovens e adultos... e o esforço de longo prazo para a consecução deste objetivo pode ser sustentado de forma mais eficaz, uma vez estabelecido os objetivos intermediários e medido os progressos realizados.” 16 A Conferência, contou com a presença de representantes de 155 governos de diferentes países, teve como patrocinadores e financiadores quatro organismos internacionais: a Organização das Ações Unidas para a Educação (UNESCO); o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF); o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; e o Banco Mundial. O ideal de “escola para todos”, acordado pelos Estados do mundo inteiro na Conferência de Jomtien (Tailândia, 1990), não pode ser entendido como redutor de “todos na escola”. Se esse importante documento programático pretendia, em primeiro lugar, alertar as autoridades mundiais para a necessidade de acabar com o analfabetismo e com as gritantes discriminações em taxas de escolarização entre grupos de uma mesma sociedade e entre países desenvolvidos e países em vias de desenvolvimento, deveria igualmente ser objeto de outra leitura, de vertente pedagógica e organizativa, no sentido de que cada aluno encontre na escola os recursos necessários e adequados à satisfação das suas necessidades educativas, isto é, que a escola seja de fato para todos. (RODRIGUES, 2003, p.15) Com base na Declaração de Jomtien, a leitura da mesma é feita a partir dos fundamentos da realidade educacional daquele contexto que apontava o seguinte quadro: Mais de 100 milhões de crianças, das quais pelo menos 60 milhões são meninas, não têm acesso ao ensino primário; Mais de 960 milhões de adultos - dois terços dos quais mulheres são analfabetos, e o analfabetismo funcional é um problema significativo em todos os países industrializados ou em desenvolvimento; Mais de um terço dos adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento impresso, às novas habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a qualidade de vida e ajudá-los a perceber e a adaptar-se às mudanças sociais e culturais; e Mais de 100 milhões de crianças e incontáveis adultos não conseguem concluir o ciclo básico, e outros milhões, apesar de concluí-lo, não conseguem adquirir conhecimentos e habilidades essenciais. Reconhecendo que uma educação básica adequada é fundamental para fortalecer os níveis superiores de educação e de ensino, a formação científica e tecnológica e, por conseguinte, para alcançar um desenvolvimento autônomo, uma visão abrangente de educação básica e um renovado compromisso a favor dela, para enfrentar a amplitude e a complexidade do desafio, a Declaração Mundial sobre Educação para todos promulga os seguintes artigos: 17 Artigo 1: Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem – necessidades mínimas de aprendizagem; Artigo 2: Expandir o enfoque – educação para meninos e meninas (os mais pobres); Artigo 3: Universalizar o acesso à educação e promover a equidade – universalizar o acesso à educação primária; Artigo 4: Concentrar a atenção na aprendizagem – melhorar e avaliar o rendimento escolar; Artigo 5: Ampliar os meios e o raio de ação da educação básica – ampliar o tempo da escolaridade obrigatória; Artigo 6: Propiciar um ambiente adequado de aprendizagem assistência básica em todos os níveis; Artigo 7: Fortalecer as alianças – os países em desenvolvimento; Artigo 8: Desenvolver uma política contextualizada de apoio – política de apoio nos setores sociais, políticos e econômicos; Artigo 9: Mobilizar os recursos – melhorar as condições internas da instituição escolar; Artigo 10: Fortalecer solidariedade internacional – responsabilidade dos países. Portanto, a Declaração de Jomtien, com sua lógica de Educação para Todos, traz a obrigatoriedade das escolas em receber todo e qualquer tipo de aluno, estimulando o princípio de igualdade e fundamentando a educação inclusiva. No Brasil, muitos textos relacionados à educação para todos se referem à Declaração de Jomtien, principalmente influenciou na redação do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 onde se insiste sobre o caráter essencial do direito educacional. 2.2 Declaração de Salamanca – 1994 Em 10 de junho de 1994, representantes de 92 países e 25 organizações educacionais realizaram a Conferência Mundial de Educação, mais conhecido como Declaração de Salamanca, tendo como patrocinadores os mesmos da Declaração de Jomtien além de ter sido recebido pelo governo espanhol. Esse encontro ocorreu devido ao forte movimento de exclusão do 18 portador de deficiência causado no mundo inteiro, e também para reafirmar o direito de educação para todos, sobretudo para confirmar e reforçar as metas promulgada pela Declaração de Jomtien (1990). A Declaração de Salamanca, na Espanha, reafirmou o direito de todas as pessoas à educação, conforme a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948. Essa declaração é conseqüência de todo o processo anteriormente descrito, mas a autêntica base do que foi discutido na Espanha estava grifada nas diversas declarações das Nações Unidas que culminou justamente no documento Normas Uniformes sobre a Igualdade de Oportunidades para as Pessoas com Deficiência, assinado em 1993 e publicado em 1994. De acordo com essas normas, os estados são obrigados a garantir que a educação de pessoas com deficiência seja parte integrante do sistema educativo. Uma das características mais destacadas durante as discussões era a maneira de como o sistema educacional vem praticando a exclusão na grande maioria dos alunos. Os especialistas revelaram que a inclusão dos grupos minoritários não é uma decorrência natural do sistema de ensino, mas exatamente o oposto. O sistema tende a excluir os alunos diferentes, privilegiando os alunos considerados normais. (ORGs. DIETER, MOSQUERA, 2003, p.21) Segundo Mosquera (2003), o documento das Nações Unidas, denominado “Regras Padrões sobre Equalização de Oportunidades para as Pessoas com Deficiência”, se tornou importante devido à participação da Declaração de Salamanca e a Política em Educação Especial, no qual assegura que o atendimento dos portadores de necessidades educativas especiais seja parte integrante do sistema regular de ensino firmando o compromisso com a Educação para Todos. A Declaração de Salamanca de 1994 se dirige a todos os governos, incitando-os a: Dar a mais alta prioridade política e orçamentária à melhoria de seus sistemas educativos, para que possam abranger todas as crianças, independentemente de suas diferenças ou dificuldades individuais; Adotar, com força de lei ou como política, o princípio da educação integrada, que permita a matrícula de todas as crianças em escolas comuns, a 19 menos que haja razões convincentes para o contrário; Criar mecanismos descentralizados e participativos, de planejamento, supervisão e avaliação do ensino de crianças e adultos com necessidades educacionais especiais; Promover e facilitar a participação de pais, comunidades e organizações de pessoas com deficiência, no planejamento e no processo de tomada de decisões, para atender a alunos e alunas com necessidades educacionais especiais; Assegurar que, num contexto de mudança sistemática, os programas de formação do professorado, tanto inicial como contínua, estejam voltados para atender às necessidades educacionais especiais, nas escolas integradoras. Também na Declaração de Salamanca fica ressaltado que os alunos com NEE devem receber apoio suplementar de que precisam para assegurar uma Educação eficaz, apostando que a Educação Inclusiva é a melhor forma de promover a solidariedade entre os alunos especiais e aqueles considerados normais. (ORGs. DIETER, MOSQUERA, 2003, p.21) Ao assinar esta Declaração, o Brasil comprometeu-se com o alcance dos objetivos propostos, que visam à transformação dos sistemas de educação em sistemas educacionais inclusivos. Vale à pena assinalar que a Declaração de Salamanca aborda pela primeira vez, duas noções importantes que são a Educação Inclusiva e NEE que define de maneira seguinte, portadores de Necessidades Educativas Especiais. A Declaração de Salamanca muitas vezes serviu de referencias em certas leis e decretos e influenciou na redação da LDB/96. 2.3 Declaração da Guatemala -1999 Também conhecida com Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, aprovada pelo Conselho Permanente na sessão realizada em 26 de maio de 1999. Os Estados Partes nesta Convenção reafirmavam que as pessoas portadores de deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e dentre esses, o direito de não ser discriminados com base à sua deficiência originando a dignidade e igualdade que são inerentes a todo ser humano. Há, também, a preocupação 20 com a discriminação de que são alvos as pessoas em razão de suas deficiências. São comprometidos, com extinção da discriminação, em todas suas formas e manifestações, contra as pessoas portadoras de deficiência, levando em conta que a deficiência pode dar origem a situações de discriminação, pelo o qual é necessário propiciar o desenvolvimento de ações e medidas que permita melhorar substancialmente a situação das pessoas portadoras deficiência. Em seu Artigo 1 desta Convenção, temos que o termo “Deficiência“ significa “uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social”. Baseado no mesmo artigo dessa Convenção em que “toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadores de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais” é o significado da Discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência. Em seu Artigo II, afirma que a Convenção tem por objetivo prevenir e eliminar todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e propiciar a sua plena integração à sociedade. Enquanto os Artigos III e IV enumeram as ações que os Estados Partes se comprometem a tomar para alcançar o objetivo acordado. O conjunto de Artigos desta convenção apresenta medidas práticas, baseadas no princípio de eliminar toda e qualquer forma de discriminação baseada em deficiência. O Congresso Nacional brasileiro aprovou o texto da Convenção Interamericana por meio do Decreto legislativo nº 198, de 13 de junho de 2001. A Convenção entrou em vigor, para o Brasil, em 14 de setembro de 2001, nos termos do parágrafo 3, de seu artigo VIII. A partir de então, a Educação Especial no Brasil passa a ser um serviço complementar que perpassa todos os níveis do ensino. Se outras declarações invocam inclusão de todos, a partir da Declaração da Guatemala que a Educação Inclusiva se impõe verdadeiramente como o modelo, que não é fácil nem de assumir nem de realizar como próximo capítulo vai demonstrar. 21 3. CONFRONTANDO A TEORIA COM A REALIDADE Apesar dessa pesquisa não apresentar especificamente um estudo de caso, compreendemos que minhas experiências profissionais podem colaborar com os questionamentos que esse estudo pode proporcionar, principalmente pelo fato dessa vivência ter ocorrido numa escola pública. No início de minha jornada na faculdade, tive a oportunidade de praticar momentos de vivência dentro de sala de aula. Assumi uma turma na escola pública Luiz Gonzaga dos Santos, localizada numa cidade metropolitana de Fortaleza, e permaneci lá durante dois e longos anos de minha vida. Eu cursava o segundo semestre da faculdade e não me sentia preparada, estava insegura, coberta de medos e anseios que se dissiparam aos poucos com a minha prática. No primeiro ano (período 01/2006 a 12/2006), lecionei uma turma do ensino fundamental e no segundo ano (período 01/2007 a 12/2007) uma turma de educação infantil. Os meus questionamentos no que se refere a função social da escola, e dos vários aspectos que envolvem o sistema escolar em sua totalidade, se deu a partir dessa prática, principalmente na área do ensino fundamental. Além de despertar o sentimento de inclusão ao me deparar com a diversidade dos alunos. Por falta de experiência minha e de todos aqueles estudantes que iniciaram os seus trabalhos assim como eu, tínhamos como função auxiliar os professores na organização das atividades, observar suas ações e na exploração dos conteúdos e até mesmo acompanhar o processo de planejamentos e avaliações seguidas de relatórios que sintetizavam a aprendizagem dos alunos. Mas isso não aconteceu, pois o município estava com carência de professores na rede e, por conseqüência disto, eu e muitos outros estudantes de pedagogia assumiram salas de aula em diversas escolas do município. A Secretaria de Educação criou as chamadas “turmas de aceleração”, constituída por alunos fora da faixa etária escolar, e como o nome já diz, tínhamos que acelerar esses alunos para que eles pudessem alcançar a série de acordo com a sua idade, hoje essas turmas já foram extintas. No caso da minha turma, composta por crianças com idades entre oito a dez anos, formada 22 por um grupo de vinte e cinco alunos, a grande maioria deles não sabia o alfabeto, nem mesmo escrever seu próprio nome. Muito trabalho tinha que ser feito. Mas a verdade é que, as dificuldades encontradas para tornar esse trabalho possível foram: a resistência dos alunos com a aprendizagem, ambiente escolar inadequado, pois não estava proporcional a quantidade de alunos, falta de recursos materiais (papel, xerox, lápis, pincel, giz e etc.), de gestão equilibrada e professores compromissados e mais experientes (estagiários). O perfil dos alunos que freqüentavam essa escola era de crianças carentes; viviam numa favela e tinham uma vida muito precária. Seus pais eram na maioria desempregados, e alguns moravam com avós e tios. A comunidade ao redor vivia a mercê da violência de marginas e traficantes da área que fazia até parte da família. Todos esses aspectos contribuíram para resistência dos alunos à aprendizagem causando o fracasso escolar. O prédio onde se localizava a escola eram o que eles chamavam de anexo. Esses anexos eram muito comuns no município causadas pela super lotação e da necessidade que as escolas tinham de acolher todas as crianças, a Secretaria de Educação com o apoio da Prefeitura criaram os anexos. Contudo, apesar da boa vontade, os anexos dependiam dos recursos vindos das suas respectivas escolas. Estas, muitas vezes, não conseguiam suprir as suas próprias necessidades como foi o caso do Anexo 1 – Luiz Gonzaga onde eu lecionava. Além da falta de recursos em matéria de recursos didáticos e produtos essenciais para a escola, o anexo tinha em suas instalações um déficit de espaço. Na verdade, os anexos eram casas comuns dos conjuntos que foram adaptados pelos seus donos e alugadas para a Prefeitura. Portanto, as condições de ensino eram mínimas, pois havia falta de material, resistência dos alunos e falta de infra-estrutura, onde cerca de vinte a vinte e cinco alunos dividiam o pequeno quarto adaptado em sala de aula. O quadro de professores era precário, pois tinham aqueles que estavam ha muitos anos, trabalhando pelo município mesmo sem concurso. Estes só esperavam aposentadoria. Os poucos concursados que havia, em sua grande maioria não tinha o compromisso com a escola, muito menos com os alunos. Estavam confiando na garantia do emprego proporcionado pelo o concurso. 23 Mas, também existiam aqueles que abraçavam a causa e fazia de tudo para garantir a aprendizagem de seus alunos. Além desses, os estagiários faziam parte daquele grupo que se comprometia com a educação e com aqueles envolvidos no sistema escolar em geral, mesmo com toda dificuldade apresentada. A Gestão Escolar era composta pela direção e seu vice cuja sua função era coordenar, organizar e gerenciar todas as atividades da escola, atendendo às leis, regulamentos e determinações dos órgãos superiores do sistema de ensino. O setor técnico-administrativo (secretária, zelador, vigilante, merendeira) responde pela parte burocrática da escola, manutenção, guarda as dependências da escola, responsável pelo preparo da merenda escolar. O setor pedagógico (supervisora e coordenadora) se atribuía aos serviços de supervisão, acompanhamento, assessoria, apóia e avalia as atividades pedagógico-curriculares. Essa estrutura refletia nas ações pedagógicas e administrativas do anexo, através da tomada de decisões de uma coordenadora responsável por ele. A explanação geral da estrutura organizacional, do quadro de professores, da gestão e da comunidade que freqüenta a escola, tem como objetivo entender o porquê do fracasso escolar nas escolas públicas e que apesar dessa escola ser apenas um exemplo, ela de certa forma reproduz o retrato de uma boa parte do ensino público do país. A experiência nessa escola, me fez compreender mais a “lógica de alteridade“ que consiste em perceber o outro como um ser único e diferente, com suas próprias competências e habilidades e que segue seu próprio ritmo independentemente de qualquer dificuldade que ela possa ter. Essa compreensão surgiu a partir de uma situação que houve na escola. No início não percebi a sua gravidade por falta de experiência. A supervisora decidiu fazer um teste com as duas turmas de aceleração do anexo, com o intuito era de dividir em salas distintas os mais aptos dos menos aptos de acordo com seu nível cognitivo. Assim o professor (estagiários) utilizaria atividades padronizadas como se estivesse trabalhando com uma turma homogênea. Mas, na realidade os alunos tinham dificuldades de aprendizagem diferentes que deveriam ser encarados com responsabilidade, adotando métodos diferenciados. 24 Portanto, o que se percebe é uma atitude de segregação seguida de normas impostas pela gestão “influenciando” o processo de exclusão. Ao longo do tempo e pelo favorecimento dos estudos por mim adquiridos, iniciei um trabalho com o grupo que de acordo com o teste realizado, eram os menos aptos. Foi nesse momento que o sentimento de inclusão social chamou minha atenção, possibilitando a realização desse trabalho. A Escola Luiz Gonzaga dos Santos não tinha nenhuma criança deficiente, mas se houvesse a possibilidade da escola matricular algum portador de deficiência, o receberia porque pela lei todas as escolas devem acolher as crianças, mesmo aquelas com necessidades educativas especiais. O problema é que durante esses dois anos de estágio participei de reuniões, palestras e planejamentos, e em nenhum momento discutimos a cerca do tema inclusão desses alunos e nem na suposta presença deles na escola. Observando a falta de comprometimento dos professores, de infra-estrutura da escola e as atitudes segregadora e exclusiva da gestão, dificilmente se supunha que a escola iria integrar esse aluno numa sala de ensino regular, adequando-o ao sistema da escola. O processo de inclusão não se refere apenas aos portadores de alguma deficiência aparentemente visível, mas também àqueles com dificuldades de aprendizagem que ao primeiro olhar é imperceptível e que, através do cotidiano é percebida pelo professor dentro de sala de aula. Ou seja, a educação inclusiva não abrange somente aqueles portadores de deficiência, mas também aqueles cujas suas necessidades especiais sendo ela cognitivas, culturais e outras, são vistas como barreiras para o acesso a educação. Contudo, o importante não é apenas perceber e, sim, fazer algo para mudar essa realidade que por vários motivos, seja ele social, cultural ou político acaba colaborando para a permanência do problema do fracasso escolar. Através dessa compreensão, pude trabalhar as habilidades de cada aluno, respeitando seus limites e sem impor atividades padronizadas. Dessa forma conquistei a confiança dos alunos, tornando-os sujeitos ativos do processo de aprendizagem. Através de estímulos, pude contar com a participação da turma com as atividades e isso colaborou para o sucessivo progresso dos alunos. Ora, crianças com idades de oito a dez anos que não sabiam distinguir as letras do alfabeto, concluíram o ano letivo conseguindo ler 25 palavras. Mas, infelizmente todo esse avanço não foi suficiente para a homogeneização do sistema, que segundo a supervisora no relatório final dos alunos me questionou: “Eles produzem um texto? Sabem ler fluentemente? Suas caligrafias são legíveis?”. Se isso pra mim foi frustrante imaginem o que foi para meus alunos. Em uma dessas contradições vimos que durante os estágios em escolas públicas que obtivemos no período da graduação, percebemos a grande dificuldade que é o universo escolar. Observamos que muitos dos gestores não entendem a lógica de *alteridade e com isso acabam expondo os alunos às situações desastrosas de ensino. Deparamo-nos também com professores desqualificados e sem capacitação especial que muitas vezes se vivencia na rede pública. Mas existem aqueles que apesar das dificuldades se esforçam em conseguir algum resultado, que na maioria das vezes se torna um trabalho frustrante e sem continuidade, pois quando há um avanço no relacionamento interpessoal, acaba-se o ano letivo e todo aquele trabalho é perdido, por causa da falta de organização e de seguimento do trabalho como foi o meu caso. Por todos os acontecimentos negativos ocorridos no ensino fundamental durante meu primeiro ano de magistério, pude optar pela educação infantil no meu segundo ano na escola. Baseado no respeito das diferenças, eu pude trabalhar com as crianças pequenas no início de sua escolarização de acordo com uma iniciativa mais inclusiva. Confesso que foi muito gratificante saber que eu fiz um bom trabalho com essas crianças, respeitando suas diferenças e fazendo delas meu o foco privilegiado de trabalho. Uma das motivações que o tema inclusão nos trouxe, foi a de que essa é uma abordagem democrática que respeita o sujeito e suas peculiaridades, privilegiando a inserção social, através da reestruturação da cultura e das práticas sociais. Essa temática da inclusão sócio-escolar nos faz compreender que, independente de qualquer condição, as pessoas têm o direito de relacionar-se ou interagir com qualquer grupo social. Mas, ao mesmo tempo, se debruçar sobre esse tema permite observar que a cultura estabelecida na sociedade é uma cultura contraditória, que produz desigualdades sociais e de diversos problemas longe de serem resolvidos. Portanto essa cultura que nos 26 rege influência na vida, no trabalho e nas ações cotidianas de todos aqueles que fazem parte dessa sociedade. Para diminuir esses problemas seriam necessários questionamentos a cerca dos paradigmas que regem as formas de ensinar e aprender. O que justifica que alunos com dificuldades ainda estão vítimas de certas formas de segregação? Sabe-se que cada pessoa tem uma forma particular de aprender e que requer aceitação. Isto implica que é fundamental a mudança efetiva de paradigma, a explicação das políticas educacionais que foram enunciados no decorrer das duas últimas décadas e que promovem valorização do indivíduo em sua diversidade e dificuldade. No capítulo seguinte, justamente, vamos abordar as características do novo paradigma da inclusão que, se estivesse melhor conhecidos e assumidos em certas escolas públicas, permitiriam certamente a redução do fracasso escolar do qual são vítimas numerosas crianças com dificuldades de aprendizagem ou com necessidades educativas especiais. 27 4. A MUDANÇA DE PARADIGMA A partir das experiências vividas durante dois anos que passei numa escola pública, pude compreender e vivenciar as dificuldades enfrentadas no âmbito escolar. Através dessa compreensão, percebemos os diversos caminhos que a escola deve percorrer para que ela se torne verdadeiramente inclusiva. Essa abordagem nos mostra a necessidade das mudanças que deverão ser pensadas para tornar possível o processo de inclusão em seus vários aspectos sendo eles, físico, cognitivo, étnicas, de gênero, cultural, político, econômico ou social, ou seja, faz-se necessário uma mudança de paradigma. Atualmente a Educação Inclusiva vem sido alvo de discussões no que se refere principalmente as dificuldades que as pessoas têm de incluir aquilo que é “anormal” dentro do “normal”. A verdade é que hoje não existe o “normal” e o “anormal” em seu significado mais óbvio, e sim surge uma nova linha de pensamento baseados no que podemos chamar de diferente. Uma escola atenta às diferenças caracteriza-se como um espaço democrático e de cidadania que tem o compromisso de efetivar o direito à educação para todos os alunos. A educação escolar deve ser contextualizada, integrada à vida dos alunos e aberta para troca de experiências e conhecimentos. A educação possibilita as pessoas a atuarem na transformação da sua realidade através da aprendizagem significativa. Com isso o professor assume um papel importante nesse cenário, sendo ele o mediador e não o detentor do saber. É através da relação professor/aluno que o processo de ensino e de aprendizagem acontece, podendo ele ser eficaz ou não. Para que isso ocorra, é necessário que o professor tenha consciência de suas ações dentro da sala de aula e de que seus alunos não são apenas depósitos de informações e sim, parte atuante do processo de ensino e de aprendizagem. Mediante esses problemas enfrentados pela educação brasileira e que ao longo dos anos vem contribuindo para o fracasso escolar, pela indisposição dos alunos com as escolas, por professores frustrados com as mínimas condições de trabalho seja ele referente ao espaço escolar precário ou pela 28 insatisfação salarial, etc., surge à possibilidade de mudar esse quadro e de construir um novo paradigma. As escolas se defrontam ao desafio de desenvolver uma educação capaz de educar proporcionando bons resultados a todas as pessoas, independentemente de suas condições físicas, cognitivas, culturais, étnicas ou sociais. Mas em que consiste a inclusão na maioria das escolas públicas? Consiste em uma mudança de paradigma, de propostas e políticas educacionais mais eficazes e voltado às necessidades dos alunos que tenham algum tipo de deficiência. Sendo de maneira rápida, um paradigma pode ser definido literalmente como modelo. É a representação de um padrão a ser seguido. Segundo Thomas Kuhn (2003), é um pressuposto filosófico, uma matriz de pensamento, ou seja, uma teoria, um conhecimento que origina o estudo de um campo científico (no caso, a educação na perspectiva inclusiva); uma realização científica com métodos e valores que são concebidos como modelo num contexto sóciopolítico dado. Assim, a formulação de novas práticas educacionais que envolvam o currículo, a avaliação, os planejamentos e a gestão escolar em sua totalidade, se inscrevem nessa perspectiva paradigmática de educação inclusiva. Assim como, também, a utilização de recursos didáticos (Braille, libras, atividades de locomoção, etc.) e conteúdos que complementem o processo de aprendizagem desses alunos. Hoje, as escolas públicas enfrentam diversas dificuldades que não envolvem a nossa temática, mas que colaboram para sua fragilidade no campo do ensino regular. A escola tem resistindo a mudanças que envolvem o “estar com o outro”, que é o princípio da inclusão. Porque as situações, que promovem esse grande desafio educacional e que podem mobilizar os professores a mudar suas práticas e a entender o seu sentido, são sempre neutralizadas por políticas educacionais, diretrizes, currículos, programas compensatórios (reforço, aceleração entre outros), que fazem escapar pela tangente o que seria necessário enfrentar para que a escola se sentisse impelida a rever tudo o que a faz excludente e ultrapassada.(MANTOAN, 2004; p.100) Na realidade, não existe um método que ensine a construir a inclusão, mas, sim, uma coleta de experiências com pessoas de todas as classes sociais, educadores e todos que se propõem fazer inclusão. Nesse capítulo, iremos traçar os processos ocorridos ao longo dos tempos no que se refere às influências do ensino tradicional para o surgimento 29 da educação especial. Salientaremos como as transformações advindas das necessidades dos portadores de deficiência contribuíram para uma nova linha de pensamento. No que diz respeito à integração desses portadores em salas de ensino regular, sendo posteriormente aperfeiçoado e acolhido por leis mais específicas fundamentando o nascimento do processo de inclusão. 4.1 Educação Tradicional uma relação com Educação Especial Percebemos que a escola de hoje vem construindo situações de exclusão, através da lógica da homogeneidade em que há uma separação dos alunos menos dotados que não se enquadram dentro daquilo que serve como referência. A escola preocupa-se mais com os índices institucionais do que com a individualidade de seus alunos, pois se essa fosse percebida e encarada como algo natural, os índices seriam ainda melhores e mais significativos no sentido de que os alunos teriam verdadeiramente passado pelo processo de aprendizagem. A escola tradicional constitui-se para homogeneizar o universo cultural de todos os alunos, porém, não era previsto que os alunos com qualquer necessidade especial de educação originada por uma deficiência fossem integrados nela, dado que a escola procurava a homogeneidade nos conteúdos, mas também nos alunos. É nesse contexto que surgem as escolas especiais, organizadas por tipos de deficiência, com a certeza de que o agrupamento dos alunos com as mesmas características poderia desenvolver um ensino homogêneo, segundo o modelo da escola tradicional. Na maneira tradicional de ensinar, a competição entre os alunos e homogeneização das respostas e de comportamento esperados, a transmissão do conhecimento e o pavor de errar impedem alunos e professores de contemplar as diferenças e de reconhecer a riqueza que elas aportam ao desenvolvimento dos processos educativos, dentro e fora das escolas. (MANTOAN, 2003; p.31). Durante muito tempo a Educação Especial funcionou como um sistema paralelo e não como parte integrante do sistema geral de educação. Ela mesma foi criando o mito de que é muito difícil trabalhar com o educando de necessidades educacionais especiais. No entanto, a Educação Especial foi a única alternativa para os portadores de deficiência terem acesso à educação. E 30 mesmo com a inclusão desses alunos em sala de ensino regular, não impede dos mesmos obterem em algum momento à necessidade de cuidados especais, ou seja, a educação especial e a educação inclusiva andam lado a lado. A Educação Especial caracteriza-se pela segregação de um grupo específico, onde esta se ocupa no atendimento e da educação de pessoas com deficiência em instituições especializadas, ou seja, a educação especial realiza-se fora do sistema regular de ensino. A escola tradicional foi criada para dar educação básica para todos, mas desenvolveu práticas e valores que contribuíram para acentuar as diferenças entre os alunos e colocá-los precocemente fora da corrida da aquisição de competência da população escolar. Assim os vários problemas enfrentados pela escola e já citados anteriormente e segundo Rodrigues (2003), fizeram com que a escola que deveria integrar e acolher todos, fosse ela própria, um instrumento de seleção que, em muitos casos, acentuava as diferenças culturais e características e capacidades pessoais de que os alunos eram norteadores. As conseqüências desse processo devem ser encaradas pelo poder público, pois é responsável pelo surgimento do sentimento de exclusão e que através de ações preventivas e reguladoras contribui com a ampliação dos mecanismos de inclusão. Nesse sentido, surge uma nova linha de pensamento que busca acabar ou pelo menos diminuir a exclusão estimulada na educação especial, com o intuito de fortalecer a inserção social através da integração. 4.2 Do Processo de Integração... A lógica de integração vem sendo discutida no final dos anos de 1960, dando início as mudanças necessárias para a extinção da exclusão social, buscando inserir pessoas com deficiência não somente na escola, mas de uma forma geral em qualquer âmbito social. Essa prática de integração tem como objetivo educar a pessoa com deficiência, tornando-a capaz de estar dentro dos padrões da sociedade. No contexto educacional a integração possibilitava o indivíduo a freqüentar a 31 escola, tendo ele o dever de acompanhar o currículo e uma metodologia que era utilizada para todos do grupo escolar. Através dessa leitura podemos entender as situações ocorridas na escola pública Luiz Gonzaga dos Santos, onde essa ainda tinha uma concepção segregativa da educação herdados por um modelo extremamente tradicional, com o intuito de separar os melhores daqueles que tinham mais dificuldades. A gestão nesse caso inspirou-se em modelos tradicionais para avaliar o desempenho daqueles alunos que estavam com muitas dificuldades de aprendizagem, incentivando-os a seguirem esse modelo por ela inspirada, sem valorizar o outro e as suas especificidades. O ensino integrado tem como principais características a inserção parcial, transformações superficiais, adaptação das pessoas com deficiência aos modelos de educação já existentes. As necessidades educativas especiais incorporam os princípios já provados de uma pedagogia equilibrada que beneficia todas as crianças. Parte do princípio de que todas as diferenças humanas são normais e de que a aprendizagem deve, portanto, ajustar-se às necessidades de cada criança, em vez de cada criança se adaptar as supostos princípios quanto ao ritmo e à natureza do processo educativo. (RIBEIRO, 2003; p.47 apud DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994). A integração é uma transferência dos alunos de ensino especial para as salas de ensino regular, sem que a escola faça qualquer tipo de mudança no que diz respeito ao currículo, a estrutura física, a capacitação de professores ou até mesmo a proposta pedagógica da escola. Em uma palavra, a escola não muda como um todo, mas os alunos têm de mudar para se adaptar às suas exigências. (Mantoan, 2006) Pensando nisso, surgem várias reflexões em relação ao ensino integrado, questionando não só a adaptação do aluno portador de deficiência, mas sugerindo que a escola também se adapte a ele, fazendo transformações necessárias para que esse aluno tenha o pleno desenvolvimento cognitivo, compreendendo que esse é um dos objetivos da educação inclusiva. 4.3 ... À Educação Inclusiva O entendimento às diferenças individuais, com respeito às diversidades dos alunos, criando oportunidades igualitárias a todos que estão inseridos no contexto escolar é uma das importantes funções sociais da escola. Com isso 32 compreendemos que a educação faz parte de todos os âmbitos da sociedade, portanto, é direito de todos os cidadãos terem uma educação de qualidade. É por meio dessa idéia igualitária que a Educação Especial propõe a inclusão de portadores de necessidades especiais em salas de ensino regular. Uma proposta que não visa apenas à integração desses alunos, mas sim a oportunidade de se inserirem na sociedade como um todo, esquecendo a lógica de segregação. O ambiente educacional hoje nos traz uma idéia de alteridade, em que todos nós somos seres únicos, e como tal temos nossas diferenças, que independentemente da condição física, mental ou social, tem um potencial que difere para cada indivíduo, ou seja, toda criança possui características, habilidades e necessidades de aprendizagens que são únicas. No caso da escola pública Luiz Gonzaga dos Santos essas características não foram levadas em conta, que diante da sua própria dificuldade para abordar o modelo inclusivo, a escola se deparou com obstáculos que em muitos dos casos ocorrem na maioria das escolas públicas do país. Isso porque esse modelo é baseado nas diferenças e através delas busca novos meios que possibilitem a aprendizagem dos alunos, acompanhando seus ritmos e dissipando suas dificuldades. Podemos citar como obstáculos a falta de liderança e de competência dos gestores, falta de recursos, falta de formação e envolvimento dos professores, falta de mudanças pedagógicas baseadas no ensino inclusivo. A Educação Inclusiva tem sido alvo de grandes discussões, principalmente por parte dos professores que não se sentem preparados para receber uma criança com necessidades educacionais especiais. A falta de formação tem sido uma das principais características que dificultam o trabalho do professor, que por sua vez, não distingue a Educação Especial da Educação Inclusiva - essa busca o desenvolvimento e a aprendizagem do aluno -, proporcionando a este um ensino integrado, que diz respeito a uma colocação seletiva do indivíduo portador de necessidade especial em classe comum. Fazer inclusão não é apenas inserir o portador de necessidades especiais dentro de uma sala regular, mas é garantir que esse aluno tenha o pleno desenvolvimento cognitivo proporcionando à aprendizagem significativa. 33 Tal complexidade refere-se não apenas à reforma do pensamento e da escola, mas a formação dos professores, de modo que possam ser abertos e capazes de conceber e de ministrar uma educação plural democrática e transgressora. (MANTOAN, 2004; p.98 e 99). Portanto, é importante percebermos que a inclusão social não é feita somente através de treinamentos ou cursos específicos, mas é principalmente uma questão de cidadania, de cultura e de consciência plena os direitos e deveres da população. A inclusão tem como principal objetivo o desenvolvimento e a aprendizagem do aluno portador de necessidades educativas especiais, sendo necessária uma mudança radical nas propostas de ensino, no currículo, na avaliação, nas atividades e na estrutura física da escola. A inclusão impulsiona o desejo a uma educação de qualidade, no respeito às diferenças, em perceber o outro como sujeito de suas particularidades, e assim proporcionar ao indivíduo métodos de ensino mais eficazes à sua necessidade, visando especificamente suas dificuldades, e não apenas seguindo normas padronizadas de ensino. Contudo, a Educação no geral tem sofrido diversas mudanças no que diz respeito às diferenças individuais dos alunos em busca da aprendizagem, onde a abordagem tradicional já está sendo ultrapassada em sua forma de lidar com a igualdade no sentido de uniformização. Mas, atualmente se discute uma abordagem de educação com respeito à diversidade e a heterogeneidade das crianças e jovens do país. Se antes, tínhamos a idéia de normalização, hoje temos a lógica da alteridade. Em educação, não se trata de melhor caracterizar o que é a diversidade e quem a compõe, mas de melhor compreender como as diferenças nos constituem como humanos, como somos feitos de diferenças. E não para acabar com elas, não para domesticálas, senão para mantê-las em seu mais inquietante e perturbador mistério. (D.RODRIGUES, 2006, p.31). No entanto, atender as diferentes necessidades educativas dos alunos, sejam elas decorrentes de limitações físicas ou intelectuais, é uma tarefa árdua que os professores das classes de ensino regular irão enfrentar. Mas, para isso, precisamos compreender que apenas inserir os alunos com necessidades especiais em salas regulares, sem fazer nenhuma adequação, mantendo tudo 34 da mesma forma, não é suficiente para se fazer inclusão, ao contrário disto, apenas estará fazendo a integração desses jovens. A abordagem da Educação Inclusiva defende que não basta acolher esses alunos, é preciso garantir a sua aprendizagem. A situação atual do atendimento às necessidades escolares é cunhada pelo paradigma vigente de atendimento especializado e segregativo, extremamente forte e enraizado no ideário das instituições e na prática dos profissionais que atuam no Ensino Especial. A indiferenciação entre os significados específicos dos processos de integração e de inclusão escolar reforça ainda mais a vigência do paradigma tradicional de serviços, mantido por muitos que, paradoxalmente, defendem integração. (FERREIRA, 2003, p.124). Segundo Rodrigues (2003), “a escola não dará uma resposta adequada a essa diversidade de necessidades se não forem equacionadas os seguintes aspectos:” (p.16) 1) Necessidade de um currículo global e reflexivo; 2) Utilização de recursos contínuos; 3) Diagnóstico sistemático e adequado das características e necessidades dos alunos; 4) Criação de equipes multidisciplinares de apoio ao professor. Com base no fazer pedagógico temos que: Essa nova perspectiva sobre a escola acabará forçosamente por provocar significativas transformações em várias dimensões do sistema educativo. Mas tem de ser o professor do ensino regular a assumir a responsabilidade maior e o papel mais ativo em todo o processo, sobretudo no que respeita as práticas em sala de aula. (RODRIGUES, 2003, p.16). Então o que podemos perceber é que para se fazer inclusão, é preciso mudanças nas práticas educacionais bem como as sociais, nos currículos educacionais, nas propostas pedagógicas e didáticas, além da tomada de consciência dos professores e gestores das escolas que buscam um ensino de qualidade para todos os seus alunos. 35 CONCLUSÃO Durante muito tempo a sociedade privilegiou o paradigma educacional tradicional que, infelizmente, colaborou com alguns fracassos escolares que a escola de hoje tenta transformar. Por conseqüência desse paradigma, surge a dificuldade de se trabalhar com a diversidade, com a complexidade e flexibilidade. Já que o modelo tradicional busca uma idéia homogênea e segregativa. Contudo, ao longo dos tempos podemos perceber mudanças voltadas para a melhoria dos processos educacionais, visando todos os aspectos do ser humano. Dessa forma, a escola passa a ter um importante papel social que contribui para um posicionamento mais democrático. Em meio a essas questões, surge uma idéia que observa o outro como um ser único e com características próprias. Podemos denominá-la de lógica de alteridade. Essa lógica emergiu para caracterizar uma educação voltada para o diferente, no qual pessoas com deficiência ou com dificuldades de aprendizagens fossem inseridos em escolas de ensino regular, acentuando assim o processo de inclusão. A Educação Inclusiva defende o direito de todas as pessoas independentemente de suas condições, de terem acesso a escola. Essa também valoriza a individualidade, não disfarça as limitações e oferece inserção total e incondicional. E para isso, a inclusão contou com a ajuda de diversos movimentos sociais e eventos políticos para concretizar a Educação Inclusiva no país. Dentre elas podemos citar a Declaração de Jomtien (1990), Declaração de Salamanca (1994), Declaração da Guatemala (1999) abordado no capítulo 2 dessa pesquisa. Mas apesar do acompanhamento importante feito pelos órgãos oficiais fundamentado pelo quadro legislativo, o ideário e as práticas da inclusão, ainda não se tornaram integrados numa boa parte das escolas públicas. A escola Luiz Gonzaga dos Santos foi um exemplo disso, pois se baseava nas concepções tradicionais de ensino. Portanto, se houvesse a necessidade de inserir um aluno deficiente em suas salas de ensino regular, 36 essa iria trabalhar através da lógica de integração. Isso acontece por que nos deparamos com as seguintes dificuldades: Formação de professores e gestores – falta de qualificação profissional e falta de liderança e compromisso; Projeto Político Pedagógico – falta de projetos pedagógicos mais voltados ao respeito às diferenças; Currículo – estrutura curricular sem flexibilidade; Planejamento e avaliação – ausência de atividades mais diversificadas e avaliação flexível; Alteridade – falta de entendimento em respeitar o outro como um ser único; Cultura Inclusiva – envolve a mudança de paradigma. Portanto, nos deparamos com escolas que ainda não se engajaram nesses processos de transição. A inclusão não adota a utilização de métodos e técnicas de ensino específicas, mas as transformações ocorridas na estrutura educacional da escola contribuem para o avanço desse processo. Então, temos que para fazer inclusão, precisamos recriar algumas ações educacionais voltadas às necessidades específicas dos alunos. Precisa-se reorganizar a escola envolvendo tanto os aspectos pedagógicos, quanto aspectos administrativos. A escola precisa evitar as atitudes exclusivas e excludentes com o objetivo de ensinar a turma em sua complexidade. E, principalmente porque ele exerce um papel importante o professor deve se preparar para atuar no processo inclusivo. Para isso ele precisa do apoio de uma gestão escolar envolvida, equilibrada e aberta para as novidades e as diferenças que se encontrem entre os muros da escola. Concluímos que a inclusão chega para causar um impacto ao paradigma tradicional de ensino, quebrando as normas homogeneizantes e trazendo o princípio de pluralidade, observando o outro como um ser singular. Ela constitui uma oportunidade privilegiada de proporcionar um ensino diferenciado para cada tipo de necessidade. Dessa forma, a inclusão busca proporcionar uma aprendizagem verdadeiramente significativa baseada no respeito da diferença dos ritmos e estilos de aprendizagem e na inserção social. 37 Mas, assim como quis ilustrá-lo através de minha descrição do funcionamento da escola Luiz Gonzaga dos Santos, passar de um paradigma tradicional para um paradigma de ensino inclusivo não é coisa que se improvisa. Uma mudança de tal amplitude precisa de diversos modos de acompanhamento pessoal, profissional, em termos de formação e de transformação das mentalidades. Por outro lado, a segunda experiência que fizemos na mesma escola (no ensino infantil) demonstra que, uma vez integrados os princípios de inclusão, podemos transformar substancialmente a qualidade do ensino, tornando-o prazeroso e proveitoso, tanto para o aluno quanto para o professor. Amanda Fontenele 38 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA RODRIGUES, A.J. 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