PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA SOBRE ENSINO /APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA Sônia Bessa1- UEG Elnaque Costa Leite 2 - UNASP Grupo de Trabalho - Educação Matemática Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Ao pensar no ensino da Matemática surgem algumas indagações: como o professor compreende o processo de ensino aprendizagem de seu aluno? Quais saberes acerca do conteúdo são necessários? O que o professor sabe sobre a forma como seu aluno aprende matemática? O presente estudo tem como objetivo analisar as percepções e significado que professores das séries iniciais da Educação Básica atribuem à disciplina de matemática e como essas interferem nos processos de ensino aprendizagem e na prática pedagógica dessa disciplina. Essa pesquisa insere-se no campo das representações do mundo social. Os dados foram obtidos a partir de um questionário com 10 questões relacionadas com o conhecimento sobre o conteúdo, o significado da matemática e a prática pedagógica. Na perspectiva metodológica, assinala-se a natureza qualitativa do estudo e o emprego da análise de conteúdo. Participaram 43 professores da Educação Infantil e das séries iniciais. A análise permitiu verificar que os professores têm dificuldade de compreender a abrangência da disciplina. A prática pedagógica frequentemente está baseada no senso comum e não são objetos de reflexão. O conhecimento é uma acumulação de aprendizagens, compreendidas como cópias. A estimulação externa e o esforço pessoal são as explicações mais frequentes para justificar uma boa aprendizagem. A Matemática é uma disciplina difícil, que exige empenho intelectual, só pode ser transmitido de uma pessoa a outra mediante muito esforço próprio e fatigante. Os professores reconhecem o valor e a importância da disciplina para a vida, mas não têm uma explicação clara para isso. A prática pedagógica preferida pelos professores é a transmissão do conhecimento, embora admitam a necessidade de um ambiente solicitador e lúdico. Conhecer as percepções dos professores pode ajudar a planejar programas de educação continuada para professores da Educação Básica e fornece indicadores de melhoria na qualidade de ensino. Palavras-chave: Percepções. Matemática. Aprendizagem. 1 Doutora em Educação: Unicamp. Professora efetiva da Universidade Estadual de Goiás. UEG-GO. E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Educação: Unicamp. Professora Titular do Centro Universitário Adventista de São Paulo. UNASPSP. E-mail: [email protected]. ISSN 2176-1396 6740 Introdução O contexto educacional brasileiro passa por um período de evolução com aspectos positivos e negativos, por exemplo, a universalização da educação básica só foi alcançada por volta do ano 2000 com 98% das crianças com idade até 14 anos frequentando a escola. Foram necessários 500 anos para que quase todas as crianças alcançassem o privilégio de frequentar a escola. Há programas muito importantes dentre eles o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC com o desafio da alfabetização em português e matemática na idade certa - Criado em 2012, o PNAIC tem como principal desafio garantir que todas as crianças brasileiras até oito anos sejam alfabetizadas plenamente. Esse programa inclui avaliações anuais, formação continuada de professores e distribuição de materiais didáticos. O Programa Gestão da Aprendizagem Escolar oferece formação continuada em língua portuguesa e matemática aos professores dos anos finais (do sexto ao nono ano) do ensino fundamental em exercício nas escolas públicas. A formação possui carga horária de 300 horas, sendo 120 horas presenciais e 180 horas a distância (estudos individuais) para cada área temática. O programa inclui discussões sobre questões prático-teóricas e busca contribuir para o aperfeiçoamento da autonomia do professor em sala de aula. O Programa Nacional “Escola de Gestores da Educação Básica Pública” tem como objetivos gerais: Formar, em nível de especialização (lato sensu), gestores educacionais efetivos das escolas públicas da educação básica, incluídos aqueles de educação de jovens e adultos, de educação especial e de educação profissional; contribuir com a qualificação do gestor escolar na perspectiva da gestão democrática e da efetivação do direito à educação escolar com qualidade social. Como resultado dessa iniciativa, o MEC espera a melhoria dos índices educacionais das escolas e municípios atendidos. O pacto nacional pelo fortalecimento do ensino médio propõe a valorização docente articulada a um conjunto de políticas desenvolvidas pelo MEC e pelas Secretarias de Educação que explicitam alguns desafios a serem considerados no ensino médio: Universalização do atendimento a todos os jovens dos 15 aos 17 anos – até 2016; Ampliação da jornada para Ensino Médio Integral; Redesenho curricular nacional; com foco na formação humana; Garantia da formação dos professores e demais profissionais da escola; Ampliação e estímulo ao ensino médio diurno; Ampliação e adequação da rede física escolar; universalização do exame nacional do ensino médio – ENEM. 6741 No ensino superior tem-se: PIBID, (Programa de Iniciação a Docência); PRODOCÊNCIA (Programa de Consolidação das Licenciaturas); entre outros. Todos esses programas da Educação Infantil ao Ensino superior trabalham diretamente com a formação continuada dos professores, são milhões e milhões de reais investidos nessa formação, contudo fica aberta ainda a questão: por que os índices alcançados nas avaliações nacionais e internacionais ainda estão aquém do desejado? Mas parece que o sucesso nem sempre está nos materiais, nos recursos, nas metodologias, conteúdos ou nos currículos e planejamentos, mas no modo, na relação nas pessoas e na sua forma de ver a educação, a sua maneira de entender a infância, o aluno, a aprendizagem, o desenvolvimento. Pode-se capacitar milhares de professores e investir milhões em materiais e em novas metodologias, mas o segredo é o olhar de cada um dos educadores sobre os seus alunos, o que eles fazem e o que eles são. O segredo de toda mudança é questionar as concepções de educação. Não é possível ocorrer mudança sem fazer essa análise, esses questionamentos. Desenvolvimento Falar sobre as concepções de educação não é uma tarefa fácil, muitos autores já fizeram estudos complexos sobre essa dimensão da educação. Becker (2012) fez um estudo a fim de descobrir as concepções epistemológicas dos professores de matemática. Anteriormente Becker (2002) já havia feito outro estudo similar com professores de todas as áreas. Segundo esse autor o professor ensina coerente com seu conceito de aprendizagem; mesmo que esse conceito não seja assumido no plano da consciência, ele não pode ensinar diferentemente de seu conceito de aprendizagem; por mais que se esforce. A concepção de aprendizagem funciona para a docência como a hereditariedade para os organismos. Os organismos, sobretudo os humanos, podem transformar-se em muitas coisas durante a vida, mas sempre dentro dos limites do seu genoma. Já Maurice Tardif e Clermont Gauthier falam em saberes docentes. O livro "Saberes Docentes e Formação Profissional" de Maurice Tardif lançado no Brasil no ano de 2002 descreve os saberes docentes em relação à formação profissional e como esses interferem no exercício da docência, com base em pesquisas realizadas com o objetivo de compreender as percepções dos professores sobre os seus saberes. Tardif (2002) faz uma classificação dos saberes docentes e apresenta quatro tipos que atuam direta ou indiretamente na atividade docente: os saberes da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia 6742 pedagógica); os saberes disciplinares; os saberes curriculares e, por fim, os saberes experienciais. O saber docente é um “saber plural, formado de diversos saberes provenientes das instituições de formação, da formação profissional, dos currículos e da prática cotidiana” (TARDIF 2002, p.54). Ferreiro (2011) em suas pesquisas sobre o processo de alfabetização de crianças percebeu a importância de conhecer as representações de ensino aprendizagem dos professores. Ela alega que nenhuma prática pedagógica é neutra. Todas estão apoiadas em certo modo em conceber o processo de aprendizagem e o objeto dessa aprendizagem. São provavelmente essas práticas (mais do que os métodos em si) que têm efeitos mais perduráveis em longo prazo, no domínio da língua escrita como em todos os outros, ou seja, não é possível ensinar nada sem partir de uma ideia de como ocorre a aprendizagem. Por trás de qualquer prática educativa, sempre há uma resposta a por que ensinamos e como se aprende. Luckesi (2011) fala em filosofia subjacente, para ele as relações entre educação e filosofia parecem ser quase “naturais”: Enquanto a educação trabalha com o desenvolvimento dos jovens e das novas gerações de uma sociedade, a filosofia é a reflexão sobre o que e como devem ser ou desenvolver estes jovens e esta sociedade. [...] A filosofia fornece à educação uma reflexão sobre a sociedade na qual está situada, sobre o educando, o educador e para onde esses elementos podem caminhar (LUCKESI, p.31). Assim, não há como se processar uma prática pedagógica, sem uma correspondente reflexão filosófica. “Se a ação pedagógica não se processar a partir de conceitos e valores explícitos e conscientes, ela se processará, queiramos ou não, baseada em conceitos e valores que a sociedade propõe a partir de uma postura cultural” (LUCKESI, 2011. p.32). Em outras palavras o que esse autor enfatiza é que ou as pessoas sabem quem são ou não são quem pensam ser. Nessa perspectiva alguns conhecimentos sobre o desenvolvimento humano são necessários, porém não suficientes. Faz-se necessário conhecer a filosofia, as crenças e saberes do professor, subjacentes à sua prática pedagógica. É repensar a prática, analisar os princípios, motivos e crenças que levam direta ou indiretamente a essa prática. Existe uma relação muito próxima entre as concepções educacionais e a prática pedagógica. Estudar essa relação é uma questão central para a prática pedagógica, sobretudo porque remete às questões relacionadas a o que ensinar (os conteúdos), como ensinar (o modo 6743 de organizar o ensino) e porque ensinar (a finalidade da educação escolar) que são as concepções de educação. Essa investigação tem como objetivos analisar as percepções e significado que professores das séries iniciais da Educação Básica atribuem a disciplina de matemática, analisar como essas interferem nos processos de ensino aprendizagem e na prática pedagógica dessa disciplina. Metodologia Essa é uma pesquisa de natureza descritiva correlacional que pretende analisar as concepções de ensino aprendizagem de professores da Educação Básica. O referencial teórico incorporou estudos da Educação Matemática e da teoria das representações do mundo social. Foram entrevistados 43 professores com idade entre 21 e 52 anos, 38 professoras, 5 professores e 2 coordenadoras pedagógicas. 10 professoras atuam no ensino fundamental I e II. Os demais professores atuam na educação infantil e séries iniciais. Foram apresentados os objetivos da pesquisa e solicitada a participação voluntária dos mesmos. Os que tiveram interesse em participar assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. O questionário aplicado foi respondido de forma individual, contendo 10 questões dissertativas que procuraram averiguar as formas como os professores compreendem as relações de ensino aprendizagem e as formas como concebem as questões de desenvolvimento humano. As respostas permitem ainda verificar qual a concepção de educação subjacente à ação do professor. Resultados e Discussão Para essa investigação foram selecionadas três questões abordando o significado, importância, utilidade e o conceito do ensino de matemática. A primeira questão buscou verificar a compreensão dos professores quanto à importância dessa disciplina. A segunda questão perguntou como os professores percebem a questão da construção do conhecimento e a terceira solicitou uma descrição do trabalho com os alunos. A primeira indagação foi: “O que é matemática para você?”. As respostas verificadas foram organizadas em quatro categorias: Esforço intelectual fatigante e obscuro; conhecimento necessário para viver; signos numéricos e a quarta categoria foi um misto de 6744 respostas que se classificam como respostas vagas e difusas. Essas quatro categorias estão representadas no gráfico 1 em percentuais. Gráfico 1 – Significado da matemática Fonte: Dados elaborados pelas pesquisadoras Os signos numéricos A categoria “signos numéricos” teve o maior número de respostas (40%). Os professores atribuíam relação entre a matemática e o número, mas de forma vaga sem um conceito claro. Não percebiam que os números são representações de relações lógicas. Por exemplo: “é o estudo dos números”, “um acumulado de regras que nos leva a um mesmo resultado” outros professores falaram que se trata de “associar números” ou ainda “estudo de códigos” como se fosse alguma coisa a ser decodificada, um mistério, algo oculto, só para uns poucos que receberam um dom especial. A matemática aparece ainda como um processo mecânico e destituído de significado em respostas como: “Eu acho impossível aprender matemática sem a tabuada”. Na perspectiva desse professor, a matemática não é uma construção de conhecimento, mas um processo externo ao sujeito. A segunda categoria (35%) associa a matemática com as relações cotidianas. É uma espécie de conhecimento necessário ao viver diário. Assim se expressou um professor: "Área do conhecimento indispensável ao ser humano, que faz parte do cotidiano. Necessária para a realização de atividades corriqueiras, como: comprar, vender, orientar-se no tempo, etc. Imprescindível em várias áreas de outras ciências. Ex: Engenharia, Química, Física, etc”. 6745 Outro professor disse que a matemática é “a fundamentação prática da vida, é a vida em números”. Alguns relacionaram com o cotidiano em respostas tais como: “É saber resolver situações do dia a dia”, “É algo que não ficamos sem no dia a dia”, “utilizamos diariamente em nossa vida”. Verifica-se nessa categoria que os professores tentaram estabelecer relações de utilidade da matemática, bem como a importância desta para a vida cotidiana. Outros 15% dos professores deram respostas vagas, difusas e estereotipadas como: “é muito bom”, “tudo de bom”, “é muito importante para a vida”, “uma disciplina fundamental” é “essencial” e “algo que eu gosto”. São respostas que não explicam o real sentido da matemática na história do ser humano. A quarta categoria aqui descrita com um índice de 10% das respostas atribui à matemática um “esforço intelectual fatigante e obscuro” com respostas como “complicada, mas exige estimulo mental”. É um “desafio”. 29% disseram ser pelo esforço próprio e a segunda questão proposta aos professores refere-se ao modo como o conhecimento de matemática é adquirido. Foram encontradas quatro categorias as quais constam no gráfico 2. Com o maior percentual, (40%) dos professores responderam que se aprende matemática em situações do cotidiano. Esse índice se aproximou da categoria "situações do cotidiano" na questão anterior, com uma representatividade de 35%. Esses professores percebem a relação da matemática com o dia a dia dos seres humanos. 18% referiram-se ao processo de transmissão. Creem que só é possível aprender matemática se alguém ensinar para o outro num processo de transmissão do conhecimento. Só se aprende se houver alguém para mostrar ou falar quais os passos a serem seguidos. Num encadeamento do mais simples para o mais complexo. 13% citaram práticas pedagógicas variadas. O gráfico 2 apresenta os percentuais de cada categoria. 6746 Gráfico 2. Como se aprende matemática Fonte: Dados elaborados pelas pesquisadoras Dentre os 40% dos professores que responderam que a matemática se aprende por meio de situações do cotidiano, encontram-se discursos como “aprendemos através da visualização”, “vivenciando de modo concreto” como se entrando em contato com as coisas ou apenas vendo como se resolvem as questões do dia a dia, bastasse para a aquisição do conhecimento. Respostas semelhantes encontram-se nas expressões: “estudando, e com a prática aplicada”, “de diversas maneiras, através do comércio com vendas” e “quando aprende a aplicá-la e fazer uso em seu cotidiano”, separando assim, estudo e prática, ou seja, a ideia de que teoria é uma coisa e prática é outra. Por outro lado, tem-se respostas como “em situações comuns do seu dia a dia, mesmo antes de ter o conhecimento sistematizado” comunicando que as situações do dia a dia favorecem a aprendizagem da matemática, mas ao mesmo tempo separando o conhecimento, do que se aprende na escola e o que se faz fora dela como se fossem duas coisas bem distintas. O segundo maior percentual (29%) se volta para o esforço pessoal, corroborando com o que foi dito na primeira categoria do gráfico um. Ou seja, a matemática é algo que demanda muita energia mental, pois é algo que precisa ser decifrado por se resumir a conceitos e fórmulas. Há falas como: “praticando”, referindo–se ao ato de treinar, repetir várias vezes para conseguir aprender. Entendendo que por ser complexa e o conteúdo cheio de símbolos, termos e fórmulas, faz-se necessária à memorização. A expressão “tendo persistência” vem complementando no sentido de não desanimar; de treinar por mais cansativo ou desagradável que seja, pois o conhecimento “é progressivo 6747 na teoria e principalmente na prática”, dando a conotação de que o mesmo acontece de modo cumulativo e de formas diferentes quando se trata de teoria e prática. Compreendendo a matemática como um componente curricular que traz certo desânimo em virtude de suas dificuldades, 13% dos professores propõem que a mesma seja trabalhada de modo prazeroso, apresentando assim atividades diversas, tais como: "vivência diária, jogos, raciocínio lógico, conteúdo contextualizado de forma transdisciplinar de forma prática, com materiais concretos, na teoria, na prática lendo ou ouvindo, mas principalmente experimentando-a". Há nestas falas o desejo de transformar a realidade da matemática na escola, mas necessitando de uma base sólida que possa dar sustentação às mesmas, no sentido de ter clareza sobre o que se pretende alcançar; por qual caminho percorrer, em que direção seguir. Compondo o grupo de professores investigados, 18% dos mesmos concebem que a aprendizagem da matemática se dá pelo processo de transmissão, como algo que depende de um “mediador”, uma espécie de detentor do conhecimento a ser repassado para o aluno. A matemática recebe o cunho de conhecimento social, ou seja, convenções que devem ser transmitidas para o aluno. Verifica-se assim, depoimentos como: “estudando com um bom professor”, “na escola com a orientação do professor”, “estudando e ter um bom professor”. Sem dúvida, se a matemática é concebida como um conjunto de conceitos e fórmulas a serem memorizadas como já citado por um grupo de professores, aqui as ideias se encontram e se fecham. A única coisa a fazer é receber e treinar para que o conhecimento transmitido possa se fixar na memória com vistas à sua reprodução. Reprodução esta que não poderá ocorrer de modo a generalizá-la em diferentes situações, uma vez que não se pode garantir que houve a compreensão necessária. Concepções e prática pedagógica A terceira questão da investigação tratou da relação entre as concepções dos professores e a prática pedagógica. “Descreva como você trabalha (ria) os conteúdos matemáticos com seus alunos”. Para essa questão foram organizadas 3 categorias, conforme o gráfico 3. 6748 Gráfico 3 – como trabalhar os conteúdos matemáticos Fonte: Dados elaborados pelas pesquisadoras A primeira categoria descreve uma metodologia ativa baseada na ação do aluno, 46% dos professores alegam utilizar jogos, desafios e situações problemas no ensino da matemática. 27% valem-se de situações do cotidiano e dos conhecimentos prévios dos estudantes. Somando-se as duas respostas, verificamos que mais de 70% dos professores utilizam métodos ativos para o ensino da matemática, e somente 27% recorrem a métodos transmissivos. A categoria com o maior percentual de resposta “jogos desafios e situações problemas” enfatiza a utilização dos jogos, brincadeiras e outros materiais concretos como material dourado, ábaco, blocos lógicos etc. Alguns professores mencionam atividades práticas e exercícios, situação em que as atividades práticas são sucedidas por exercícios. Embora exista uma forte tendência à utilização de ambiente lúdico, a percepção do professor ainda está ligada a visão mecanicista da aprendizagem da matemática, como a utilização da tabuada, contudo mais da metade dessa categoria cita a palavra jogo como a representação máxima do ensino da matemática, contudo parece não estar claro para os professores a diferença entre jogo, brincadeira e situação problema. A segunda e terceira categorias mantiveram o mesmo índice de respostas, ensino a partir de situações do cotidiano e ensino transmissivo (27%). Na categoria “situações do cotidiano” apareceram respostas como: “de maneira prática, com jogos, situações do dia a dia, etc”. Essa resposta se assemelha à categoria anterior, contudo enfatiza as situações do cotidiano, pressupõe também um aluno ativo, que age sobre o conhecimento. Outro alegou 6749 que “usando ‘atalhos’ do dia a dia”. “Partindo de situações reais, propondo questionamentos a partir de propostas já existentes que enfoquem o conteúdo”. Respostas com referência aos conhecimentos prévios foram: De acordo com a faixa etária, buscar conhecimento do que eles sabem e a partir daí trabalhar envolvendo o que eles sabem com que eles precisam aprender em sua série. Eu, particularmente, trabalho partindo da realidade do meu aluno, através de jogos e material concreto (PROFESSOR 1). Além de situações do cotidiano, esses dois professores fazem referências aos conhecimentos prévios dos estudantes. Outro acrescentou os livros, recursos didáticos e as atividades da vida cotidiana: De forma clara, objetiva e concreta, de um jeito prazeroso e lúdico, aplicando no seu dia a dia, através de recursos didáticos, atividades do livro, pesquisas, a vida cotidiana dos alunos, com jogos; saberia que eles já sabem para começar o trabalho; trabalharia da sua vida prática e etc (PROFESSOR 2). Embora um bom número de professores reconheça a importância dos jogos, desafios, situações do cotidiano e conhecimentos prévios dos alunos, alguns (27%) ainda têm uma concepção transmissiva do conhecimento. A aula expositiva foi mencionada na maioria das respostas dessa categoria: “mostraria os conteúdos, faria uma progressão pedagógica, usaria exercícios de fixação e aplicaria avaliação para saber se eles dominaram o que foi trabalhado”, é de certa forma um procedimento mecânico com sequência lógica pressupondo pré requisitos, é uma visão tradicional e mecânica do ensino conforme proposto na década de 70 e início de 80. Outro disse: “com muita repetição”. “1º explica, 2º atividades, 3º jogos e dinâmicas para concretizar os dois métodos anteriores”. A ênfase nessas respostas é a repetição e a aula expositiva. Alguns professores mencionaram a importância dos jogos, mas dentro de uma concepção transmissiva do conhecimento: "Através de aulas expositivas, jogos e aplicação, de acordo com a realidade do aluno, dinâmica, jogos, exercícios, aula expositiva, brincadeiras, prática de situações do cotidiano, jogos, exercícios orais e escritos, através de jogos, vários exercícios, etc" (PROFESSOR 3), "Através de jogos e explicando a teoria, usando muito material dourado, dando-os a oportunidade de visualizar o que aquelas contas significam" (PROFESSOR 4). Todas essas respostas propõem um professor detentor do conhecimento e um aluno receptivo, cuja principal função é receber o conhecimento transmitido pelo professor. 6750 Considerações Finais Conhecer a percepção dos professores sobre o ensino e aprendizagem é uma questão de suma importância, pois são representações que vão interferir diretamente na forma como esses professores ministram suas aulas e ensinam os conteúdos das disciplinas. Delval (1997) diz que as representações do mundo social possuem as seguintes características: são implícitas, não estando inteiramente enunciadas em nenhum lugar e nem mesmo o sujeito que as utiliza tem consciência delas. Contudo são atuantes e direcionam a ação do indivíduo, determinando seus atos e seu comportamento perante o mundo e os outros; são incompletas, não abrangem todos os aspectos das situações, apresentam lacunas, fenômenos inexplicados, aspectos que os sujeitos nunca consideram e que não são recobertas pelo modelo; em algumas situações são incoerentes, o sujeito pode adotar um determinado ponto de vista para julgar certas atitudes sociais próprias e outra perspectiva quando se trata de atitudes sociais alheias, contudo, não se percebe essa incoerência; são resistentes às mudanças e à substituição. Mesmo as evidências em contrário não levam o sujeito a modificar suas ideias, mas, sim, adaptá-las. O sujeito é inteiramente impermeável à experiência contrária. Essas representações, em compensação, podem variar com o decorrer do tempo, e muitas delas dependem da posição social do sujeito; geralmente, descrevem aspectos, facilmente, observáveis da realidade, enfocam as aparências e explicam os aspectos mais óbvios dos fenômenos, porém não conseguem atingir a essência dos fenômenos; têm relação com o nível intelectual do sujeito, o que explica por que as representações são semelhantes entre indivíduos da mesma faixa etária, variando, entretanto, entre pessoas de diferentes idades. O mais provável é que o indivíduo tenha de construir suas representações com os instrumentais intelectuais de que dispõe e chegue, então, a resultados semelhantes, mesmo se tratando de sujeitos que vivem em meios sociais e culturais diferentes (p.148). Para Bessa (2011) muitas das teorias implícitas nas representações são persistentes e resistem com força em diversas instâncias formais da vida. Algumas são adquiridas na infância e adolescência e permanecem na idade adulta. Embora a construção do indivíduo se dê num contexto social, é o próprio sujeito que, a partir das informações do meio social, vai dar sentido e organização ao seu próprio modelo de explicação dos fenômenos sociais. Nessa investigação, pode-se perceber que a maioria dos professores que sentem a necessidade de mudança está incomodada com seu status quo, repete o que ouve em capacitações quanto a uma prática que leve em consideração a construção do conhecimento e 6751 um aluno ativo, contudo ainda não conseguem compreender seja na teoria ou na prática como faz essa mudança. É possível que diante da situação de indecisão esses professores permaneçam na situação que lhes parece mais cômoda, ou seja uma postura tradicional e transmissiva do conhecimento, fórmula que tem “dado certo por centenas de anos”. Na percepção dos professores, pouco se pode esperar em termos de transformações profundas no trabalho escolar, especificamente no ensino. Os poucos avanços que se encontram não apresentam sustentação, pois aparecem desconectados entre si, não aparecendo articulados num corpo teórico. Subjacente ao discurso dos professores, aparece a convicção de que o conhecimento não passa de uma acumulação de aprendizagens, compreendidas como cópias transmissivas. São discursos com forte base no senso comum, com pouca reflexão. REFERÊNCIAS BESSA, Sônia. Do consumo ao consumismo: análise dos hábitos e condutas de consumo e endividamento. Editora CRV. Curitiba 2011. BECKER, Fernando. Epistemologia do professor. 10ª edição. Petrópolis: Ed. Vozes, 2002. BECKER, Fernando. Epistemologia do professor de matemática. 1ª edição. Petrópolis: Ed. Vozes. 2012. DELVAL, Juan. Aprender a aprender. Campinas/SP: Ed. Papirus. 1997. FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre alfabetização. 26ª ed. São Paulo: Cortez Editora. 2011. LUCKESI, Cipriano. Filosofia da Educação. 26ª ed. São Paulo: Cortez Editora. 2011. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.