Razões para a crise

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Razões para a crise económica - financeira
Pedro Cosme da Costa Viera
Faculdade de Economia do Porto
Questões da jornalista Ana Clara do jornal “O Diabo”
11 de Março de 2009
1 Segundo o FMI o crescimento mundial pode ser negativo em 2009 pela primeira vez
em décadas, sendo que os efeitos da crise será particularmente severos em África. Que
efeitos ter esta situação nas economias mundiais? Haverá possibilidade de inverter esta
tendência mundial?
Nas últimas décadas, o motor do crescimento económico tem sido o comércio
internacional, i.e., a globalização, que torna possível que os países se especializem na
produção dos bens e serviços em que têm vantagens comparativas. Por exemplo, é mais
eficiente produzir bananas nos países tropicais do que nos países de clima temperado.
Em termos quantitativos, nos últimos 40 anos, em termos reais (i.e., descontado o efeito
da inflação) o comércio internacional aumentou 10 vezes e, em média anual, por cada
1% de aumento do comércio mundial, a economia aumentou 0,5%.
O problema é que o aumento do comercio internacional foi desequilibrado: os países
mais pobres (de que a maioria dos países Africanos fazem parte) e os países mais ricos
(de que Portugal faz parte) endividaram-se fortemente porque importaram mais do que
exportaram à custa dos países de rendimento médios (de que a China faz parte) que
exportaram a crédito.
A “crise financeira” aconteceu quando os países credores (que exportaram a crédito ao
longo das décadas) tomaram consciência que os países devedores estavam falidos.
Exportar é fácil mas se for a crédito (recordar como as empresas portuguesas pedem
crédito ao Estado para exportar) e isso, actualmente, não interessa pois é para calote.
Então, os países credores preferem fechar as empresas e não produzir a continuar a
exportar a crédito pois há um risco muito elevado de não o virem a receber. Por isso é
que na China as empresas estão a fechar.
A situação de falência dos países afecta os bancos porque foram intermediários entre os
países devedores e os credores.
Todos os países serão penalizados pela crise mas os países devedores (que são os pobres
e os ricos) serão mais penalizados que os credores (que são os de rendimento
intermédio) porque, por um lado, viviam acima das suas possibilidades e, por outro
lado, vão ter que amortizar as dívidas.
Apenas haverá possibilidade de inverter a situação depois de os países mais endividados
equilibrarem as importações com as exportações.
2 As causas são a degradação do ambiente financeiro mundial, associada ao
agravamento da confiança das famílias e dos empresários, que mina a procura interna
em todo o mundo. Portugal ir sofrer com este efeito?
A crise não resulta de uma questão de falta confiança dos portugueses no futuro mas a
constatação de que a situação vivida em Portugal nos últimos 30 anos é insustentável.
Portugal está muito endividado (o Estado, as famílias e as empresas) e, a continuar a
tendência actual, o país vai falir a curto prazo pelo que deixou de haver países
disponíveis para exportar para Portugal a crédito (conceder crédito). Quando falo de
países, refiro-me não só aos governos como também aos bancos desses países.
No futuro, é insustentável manter as importações mais elevadas que as exportações pelo
que, obrigatoriamente, Portugal terá que importar menos e exportar mais. Infelizmente,
esta dupla necessidade não acontece por um passo de mágica antes obriga à diminuição
do salário médio dos trabalhadores (para as empresas poderem exportar mais), do
consumo das famílias (para amortizar a dívida privada) e do déficit orçamental público
(para amortizar a divida pública). Tal como na Islândia, o nível de vida em Portugal vai
diminuir significativamente.
3 É de esperar que a nossa produtividade e crescimento económico já débeis e estagne?
Como, em média, as importações não substituem o que se produz no país e acrescentase-lhes algum valor (e.g., a margem de comercialização), nos anos em que um país se
endivida, o cálculo da produtividade vem insuflado. Assim, o parar do endividamento e
a amortização da divida terão um duplo efeito negativo na produtividade. O crescimento
da dívida, ao beneficiar a produtividade durante 30 anos, vai prejudicá-la nos próximos
30 anos.
Acrescenta ainda que o endividamento não foi investido no sector produtivo mas
perdeu-se em casas, carros, estádios e estradas, tudo decidido sem razão económica e
sem desenvolver o tecido produtivo.
Infelizmente, acontecerá como no Japão onde, depois de décadas de crescimento, a
economia parou e já não cresce há dez anos.
4 Por fim, este ser o ano do auge da crise? Que cenário ficar depois de passar a
tempestade?
Na crise actual temos duas questões distintas, uma no tempo do ciclo económico, o
curto-prazo, e outra no tempo da estrutura produtiva, o médio/longo-prazo. No tempo
do ciclo económico, as crises são tradicionalmente curtas durando alguns meses pelo
que ainda em 2009 vão aparecer sinais de recuperação. Mais grave é o médio/longoprazo porque a falência de alguns países da OCDE introduziu risco na concessão de
crédito a Portugal mesmo que avalizada pelo Estado (recordo a descida do Rating da
dívida portuguesa). Assim, para poder haver crescimento sustentável enquanto não
forem corrigidos os défices existente na economia portuguesa: o governo terá que
acabar com o déficit público e amortizar a dívida pública e os privados terão que reduzir
o consumo e amortizar a dívida privada.
O endividamento deu a sensação de que Portugal era um país muito rico quando de
facto não o é.
Dizer que, para debelar a crise, as famílias e o Estado precisam de aumentar o consumo
(com o consequente aumento do endividamento externo) é como aconselhar alguém,
que acabou de perder o emprego, a fazer muitos cozinhados (a crédito), sujar muita
louça e espalhar lixo pelo chão da sua casa porque assim a esposa terá muito mais
trabalho e pode ser que arranje emprego a aspirar a própria casa.
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