o principio da integralidade nas políticas de saúde e

Propaganda
O PRINCIPIO DA INTEGRALIDADE NAS POLÍTICAS NACIONAIS DE SAÚDE E
ASSISTÊNCIA SOCIAL
Helenara Silveira Fagundes1
Vera Maria Ribeiro Nogueira2
Resumo: Este texto discute a integralidade como um dos princípios das Políticas
Nacionais de Assistência Social e de Saúde. Apresenta seus vários sentidos na
operacionalização das políticas exigindo, no plano institucional, não só o
acionamento de dispositivos intersetoriais para sua garantia, mas igualmente
disposição dos profissionais para sua garantia. Argumenta-se que o princípio da
integralidade quando analisado para além dos limites estritos da ótica médica ou
sanitária, possibilita discutir a questão a partir do enfoque da determinação social
do processo saúde-doença. Igualmente viabiliza apontar para o Serviço Social um
diferencial no campo da Assistência Social, para além da benemerência, da
caridade, propiciando a universalização dos direitos sociais.
Palavras chave – Seguridade Social, Política Nacional de Saúde, Política Nacional
de Assistência Social, Integralidade, Intersetorialidade.
Abstract: This paper discusses integrality as one of the principles of Social and
Health Service, which compose Social Security. It presents the several meanings of
the term in the execution of policies and shows that its realization requires the
activation of inter-sectorial mechanisms in the institutional plane. The paper argues
that the principle of integrality, when analyzed beyond the narrow limits of the
medical or sanitary approach, makes it possible to discuss the matter from the
standpoint of the social determination of the health-disease process, underlining
the professional contribution that can be offered in the field. Similarly, integrality
gives the social work profession a distinctiveness. The professional actions guided
by integrality allow for a new social service statute that reaches beyond benefaction
or charity, promoting the universalization of social rights.
Key Words: Social Security, National Health Policy, National Social Service Policy,
Integrality, Intersectoriality.
Assistente Social, doutora em Serviço Social pela PUCRS - Professora do Curso de Serviço
Social e do Programa de Mestrado em Política Social da Universidade Católica de Pelotas.
1
Assistente social, doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina e
pos-doutorado na Universidad Autónoma de Barcelona -Professora do Curso de Serviço
Social/Programa de Mestrado em Política Social da Universidade Católica de Pelotas e do
Mestrado em Politica Social do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de
Santa Catarina - Pesquisadora do CNPq.
2
1
Introdução
Este texto discute a integralidade como um dos princípios de duas políticas
nacionais de Proteção Social, incluindo a Assistência Social e a Saúde, as quais
compõem a Seguridade Social conforme determinação constitucional. Assinala,
ainda, a exigência, entre outras ações no campo institucional, de acionar
dispositivos intersetoriais para sua efetivação e garantia.
A integralidade, conforme concebida na atual Política Nacional de Saúde
viabiliza um estatuto diferenciado para a profissão nesta área. A organização dos
sistemas, das ações e serviços de saúde, quando analisados para além dos limites
estritos da ótica flexneriana, e partindo do enfoque da determinação social do
processo saúde-doença, impõe a ação integral sobre os determinantes básicos de
saúde.
A integralidade, no campo da Assistência Social igualmente vai apontar à
profissão um diferencial qualitativo, quando se institui a Política Nacional de
Assistência Social, com institucionalidade pública e integrando a estrutura política
do Estado. Aprofundar a relação entre ação profissional e integralidade permite um
novo patamar à assistência social para além da benemerência, da caridade, da
filantropia, propiciando a universalização dos direitos sociais,
orientando a
assistência social por concepções teóricas, técnico-operativos e princípios éticopoliticos que fundamentam sua ação nesta linha.
Conquistas inéditas foram alcançadas na garantia dos direitos sociais em
relação às políticas sociais, principalmente no plano legal institucional, financeiro e
político, apesar de todas as investidas em anular esses avanços ocorridos na
década de 1990. A consolidação dessas garantias passou pela luta política de
segmentos organizados da sociedade civil. Deve-se ressaltar que essa luta foi
travada em vários espaços, e um deles, certamente, foi o cotidiano dos assistentes
sociais.
A expressão Seguridade Social começou a ser utilizada, no Brasil, em 1988,
após a aprovação da Constituição Federal. A proteção social enquanto garantia de
direitos, para além dos seguros sociais, permite ao indivíduo a possibilidade de
enfrentar os riscos de uma sociedade organizada em termos mercantis. Ou seja, a
Constituição de 1988 viabilizou a possibilidade de construção de políticas públicas
com o objetivo de reduzir as mazelas sociais decorrentes da forma capitalista de
organização social, visto que a concepção de Estado baseada no ideário liberal é
incapaz de assegurar os direitos sociais de forma equânime para todos.
A Assembléia Nacional Constituinte, ao colocar sob o guarda-chuva da
Seguridade Social a Saúde, a Previdência e a Assistência Social, aponta o núcleo
central da proteção social brasileira indicando mecanismos mais equitativos de
2
financiamento, modelos mais ágeis e flexíveis de gestão democrática e de
participação popular. Explicita em termos constitucionais os novos direitos que
poderiam ampliar a cidadania social brasileira.
Questões vão sendo levantadas atualmente sobre o que realmente se
garantiu, reconhecendo-se que a Seguridade Social brasileira ainda não se efetivou
na prática. O texto constitucional de 1988 sinaliza que a Seguridade Social deve
assegurar os direitos relativos à saúde, previdência e assistência social, não
explicitando, entretanto, como se dará essa operacionalização ou como efetivar a
integração prevista, além de não enunciar uma proposta orçamentária conjunta e
um planejamento e gestão unificada.
A partir de 1990, o cenário da globalização econômica e da implementação
da doutrina neoliberal em um país de economia periférica como o Brasil influenciam
os rumos da Seguridade Social brasileira. O governo brasileiro aprofunda a direção
das políticas de ajuste estruturais, indicadas pelas agências multilaterais de
financiamento. Incluem-se, neste ajuste, medidas severas incidindo em cortes na
área social e na cobrança de redução da presença do Estado em seu papel de
provedor de bens e serviços públicos. Tais medidas, aliadas a outras de cunho
econômico, deterioraram, de forma visível e rápida, o quadro social brasileiro. No
mesmo
movimento
ou
processo
ocorre
a
progressiva
desqualificação
dos
movimentos da sociedade civil, das instâncias sindicais e organizativas das
categorias profissionais e a paulatina transformação do estatuto de cidadão no de
cidadão consumidor.
Quando se observa a gestão e a organização das três políticas que a
compõem,
constata-se
sua
fragmentação,
especificamente
em
relação
ao
financiamento. Cada uma das políticas possui seu orçamento próprio, o que
dificulta a construção de suas agendas na direção dos princípios baseados na
universalização, na integralidade das ações, na participação dos cidadãos, na
descentralização.
Observa-se que boa parte do que está inscrito na Constituição a respeito da
Seguridade Social não foi cumprido, o que torna os ‘ímpetos reformistas’ sobre a
mesma, muitas vezes, apressados e superficiais, sem ir à raiz dos problemas e,
sobretudo, sem
um
processo de debate político suficiente que permitisse
amadurecer sobre suas conseqüências (Soares, 2000, p.9). Portanto, a afirmação
de Soares (2000), já no final de 1990, continua atual. Werneck Vianna compartilha
do mesmo pensamento, discutindo “um processo que ocorreu paralelamente ao
desmonte da seguridade social: o esmorecimento do debate, sobretudo do debate
acadêmico,
em
torno
dos
princípios
implícitos
na
concepção
inscrita
na
Constituição” (2008, p, 122).
3
Assinala a mesma autora:
O sistema de proteção social no Brasil continua universal na
letra da Lei. No entanto ganha cada vez mais foros de
unanimidade a idéia de que política social é, por excelência,
algum tipo de ação voltada para os excluídos (os pobres) e,
por definição, focalizada. Em torno dessa idéia, o debate se
tornou insosso, permanecendo restrito ora à fria refutação de
dados empíricos, ora a uma morna queda de braço entre
opiniões diferentes, prisioneiras, todas, da indefectível
menção às práticas correntes no país.
A luta política para manter os dispositivos protetores da Constituição
brasileira em um quadro que era adverso exigiu um comprometimento efetivo de
sujeitos
políticos
e
profissionais
para
a
garantia
da
universalização.
E,
possivelmente, deve-se a este fato um relativo afastamento dos assistentes sociais
na trajetória de operacionalização dos demais princípios orientadores das políticas
de Seguridade.. Constata-se a preocupação com os princípios no campo político
desde a aprovação da Constituição. É compreensível essa adesão à defesa do
universalismo, subsidiada por uma leitura correta da questão social e seus
desdobramentos, pois, como afirma Werneck Viana (2005, 138), “Direitos e
sistemas universais (básicos) merecem existir porque são formas de inclusão, vale
dizer, porque são formas de lidar “dignamente” com os pobres e não porque a eles
se atribua qualquer papel de integração social”.
A crítica acirrada à fragmentação das políticas sociais no Brasil faz parte dos
diagnósticos e integra as sugestões de reformas há longo tempo. (Fleury , 1994;
Draibe,
1988,
1990,
1992).
Entretanto,
a
luta
em
defesa
dos
princípios
organizadores do sistema, mais premente, ocupou as agendas dos profissionais do
campo social, entre eles os assistentes sociais.
O que se afirma é que a
preocupação com uma dimensão técnico-operativa que desse concretude aos
demais princípios organizativos apareceu posteriormente, tanto no campo da saúde
como no da assistência (Pinheiro, Mattos, 2001; Mattos, 2004; Nogueira, 2003;
Assumpção, 2007). Entre estes princípios, destaca-se o da integralidade das
políticas mencionadas.
Um dos mais conhecidos sentidos atribuídos ao atendimento integral referese ao reconhecimento do todo indivisível que cada pessoa representa, trazendo
como conseqüência a não-fragmentação da atenção, reconhecendo os fatores
socioeconômicos, políticos e culturais como determinantes da saúde e da proteção
social e, principalmente, sugerindo um modelo integral de atenção (Pinheiro, Matos,
2001).
4
A integralidade é apreendida em várias dimensões. Na esfera políticoadministrativa diz respeito tanto à forma de organização dos sistemas e serviços de
saúde na perspectiva do atendimento nos níveis de atenção, como na integração
com os demais setores e serviços disponíveis para a atenção integral à saúde. Na
esfera da atenção à saúde diz respeito tanto à relação entre a realidade social e a
produção de saúde, como a relação equipe-usuários dos serviços e ações de saúde,
considerando a necessária integração de saberes e práticas. Em conseqüência, têm
implícita a interdisciplinaridade e a intersetorialidade. A mesma concepção poder
ser transposta quando se analisa a integralidade na Política Nacional de Assistência
Social.
Entre os autores que discutem integralidade, Cecílio (2004) indica que se
pode traduzir a integralidade em diferentes dimensões.
Uma delas é a integralidade focalizada, que é realizada e
praticada nos diversos serviços de saúde, fruto de esforços
de diferentes equipes multiprofissionais que buscam realizar
ações interdisciplinares. Nesses espaços sócio-institucionais a
integralidade se realiza pelo compromisso ético-político e
competência técnica dos profissionais a partir da relação com
o usuário. Ou seja, ouvir cuidadosamente, apreender,
compreender e analisar para identificar as necessidades de
saúde da população. A outra dimensão é a que o autor
denomina de integralidade ampliada (NOGUEIRA, MIOTO,
2006, p.224).
Para Cecilio (2004), a integralidade ampliada, é o resultado da articulação
de cada serviço com a rede complexa composta por todos os demais serviços e
instituições. Nesta acepção, fica evidente que a integralidade não é atributo
específico de uma determinada profissão e nem de um serviço, mas compreende
distintas práticas profissionais interdisciplinares articulando-se no campo da
promoção da saúde e da assistência social, através de diferentes serviços e
instituições.
Além disso, o princípio da integralidade, garatido constitucionalmente e na
legislação complementar, permite identificar outros componentes relativos a um
novo enfoque para o direito à saúde e assistência social. A integralidade, tendo
como pilares básicos a interdisciplinaridade e a intersetorialidade, possibilita uma
inserção diferenciada do assistente social na área da saúde e da assistência social,
superando o estatuto de profissão paramédica, típico do modelo biomédico, e
possibilitando a superação da assistência social como benemerência.
5
2. Integralidade e intersetorialidade nas Políticas Nacionais de Saúde e
Assistência Social
O padrão ideal constitucional brasileiro da Política Social caracteriza-se pela
universalidade na cobertura; pelo reconhecimento dos direitos sociais; pela
afirmação do dever do Estado; pela subordinação das práticas privadas à regulação
em função da relevância pública das ações e serviços nessas áreas; por uma
perspectiva publicista de co-gestão de governo e sociedade; por um arranjo
organizacional descentralizado e participativo; por uma atenção integral. Embora
esses preceitos estejam previstos na Constituição, vivencia-se, no cotidiano,
programas e ações relacionados às politicas sociais que não garantem os direitos
sociais e não fornecem atenção integral e qualificada aos cidadãos:
Diante deste quadro, pode-se afirmar que somente através
de um projeto que “busque converter as ações estatais em
ações efetivamente públicas e estabelecer, assim, o controle
delas pela sociedade, é que o tratamento da questão poderá
encontrar novas alternativas” (NOGUEIRA, 1998, p. 179).
Destaca-se que muito se tem conquistado nas últimas décadas no campo de
uma nova institucionalidade das políticas sociais, especialmente após a entrada em
vigor dos princípios constitucionais que se referem à descentralização do Estado e à
participação da sociedade civil. Entretanto, mesmo reconhecendo as conquistas
nesta área, é mister avançar para alcançar resultados que superem a fragmentação
das políticas e dos programas na área social. Este é, com efeito, o desafio posto:
reverter a lógica de ações e serviços que respondem de forma fracionada à
proteção social.
A Intersetorialidade3 diz sobre a exigência de articulação de diversas áreas
no âmbito de cada uma das três esferas da Administração Pública. Assim, de
acordo com Sposati (2008), supõe princípios de gestão que precisam ser
combinados e uma estratégia que garanta a democracia e os direitos sociais;
implica uma organização hierarquizada de serviços por níveis de proteção social;
além disso, prevê modalidades diferenciadas de benefícios e a perspectiva de
vincular beneficiários a serviços, permitindo a completude do processo protetivo.
Assim é fundamental construir uma ação de forma intersetorial entre as
políticas sociais, como assistência social, educação e saúde, vinculando acessos aos
beneficiários e usuários das redes de serviços de cada política; ou seja, fazer um
esforço para um contrato intersetorial por meio do qual partilhar as metas de
A intersetorialidade não se confunde com integralidade, sendo, entretanto, considerada
como uma das dimensões da mesma. Justifica-se o trato diferenciado por ser um aspecto
fundamental na operacionalização das políticas de proteção social.
3
6
enfrentamento das desigualdades sociais, econômicas, regionais e, nelas, as de
enfrentamento da pobreza.
Trata-se de se visualizar a articulação de cada serviço com a rede complexa
composta pela totalidade dos outros serviços e instituições. Nesta premissa é
fundamental e necessário que os articuladores das políticas setoriais –
saúde,
educação, assistência social, habitação, cultura, entre outras – tenham diversas
práticas profissionais interdisciplinares e se articulem através de diferentes serviços
e instituições (Mioto e Nogueira 2006, p. 8) Trata-se fundamentalmente de superar
as estruturas verticais e setoriais sobre as quais, historicamente, a administração
pública se apresenta, e os determinantes políticos e institucionais que definem a
alocação de recursos financeiros e humanos, a hierarquia entre os setores e a não
participação efetiva da sociedade na discussão, elaboração e avaliação das políticas.
À medida que a promoção da saúde passa a ser essencial nesse processo,
incluindo no conceito a intersetorialização da saúde com as demais políticas sociais,
além do controle social (Campos, Barros, Castro, 2004), ganham projeção as ações
dos assistentes sociais. Reconhece-se, ainda, que a compreensão da saúde e da
assistência social como um processo prioriza a vida com qualidade e enfatiza o
aspecto político que induziria a relações sociais mais igualitárias.
O princípio da integralidade, pelo qual se percebe a pessoa dentro de um
contexto histórico e complexo, como pertencente a uma sociedade, pressupõe
também a articulação das políticas setoriais, como forma de garantir uma atuação
intersetorial institucionalizada não só no nível discursivo como também no da ação.
Somente assim se poderá promover a equidade e a integralidade do atendimento
ao
cidadão.
Assinala-se
que
unicamente
garantindo
a
integralidade
e
a
intersetorialidade das políticas sociais e reduzindo a fragmentação, existem
possibilidades efetivas de redução de problemas complexos como a pobreza e as
desigualdades sociais.
O desafio é garantir as políticas sociais inscritas no Sistema de Proteção
Social – um conjunto de medidas para produção e reprodução de vida (Boschetti,
2003) – com mediações necessárias para a construção das condições de
protagonismo e de autonomia das classes subalternas. Nessa perspectiva, as
políticas sociais, como um dos legitimos espaços públicos de resistência, podem
adensar relações favoráveis à hegemonia do trabalho e, para além dessa
hegemonia, avançar nas conquistas democráticas pela defesa e universalização dos
direitos sociais.
7
3. A integralidade e a ação profissional do assistente social
3.1. Saúde
A proposta do SUS veio alicerçada na concepção ampliada de saúde, estando
compreendido
no
modelo
de
atenção,
nessa
perspectiva,
o
princípio
da
integralidade, que articularia os determinantes de saúde, incluindo os sociais. Ou
seja, quando se aceita que a doença ou a saúde não são situações estáticas, mas
dinâmicas, impossíveis de serem explicadas unicamente pela interação mecânica de
partes do organismo humano, acontece a revisão do paradigma mecanicista.
Segundo Merhy, Campos e Queiroz (1989), esse paradigma centraliza o
processo de trabalho na medicina à medida que o processo de cura (das doenças) é
a sua finalidade. Portanto, ao se reconhecer a influência da cultura, das relações
sociais e econômicas, das condições de vida e existência nos processos de saúdedoença, altera-se o objeto do conhecimento e a sua forma de abordagem.
Como se vê, a definição de necessidades de saúde ultrapassa o nível de
acesso a serviços e tratamentos médicos, levando em conta as transformações
societárias vividas ao longo do século XX e já no XXI, com a emergência do
consumismo exacerbado, a ampliação da miséria, da degradação social e das
perversas formas de inserção de parcelas da população no mundo do trabalho. Mais
que isso, envolve aspectos éticos relacionados ao direito à vida e à saúde, direitos e
deveres. Nesse sentido é necessário apreender a saúde como produto e parte do
estilo de vida e das condições de existência, sendo a situação saúde/doença uma
representação da inserção humana na sociedade.
Verifica-se que o atendimento das necessidades de saúde remete ao
atendimento das necessidades humanas elementares, dentre as quais se destacam
a alimentação, a habitação, o acesso à água potável e saudável, aos cuidados
primários de saúde e à educação. Atender as necessidades de saúde da população
requer um salto qualitativo nas condições de vida, o que não é automático e nem
garantido ao longo dos anos, mas depende da interlocução de um conjunto de
fatores, dentre os quais, além dos aspectos econômicos, a educação para a saúde,
associada à integralidade, tem merecido destaque.
Ainda persiste a questão originária quanto ao modelo mais adequado de
atenção à saúde para se construir a integralidade. As dúvidas se intercalam entre
incentivar um arranjo em rede hierarquizada, com a atenção básica definida como
porta de entrada a priori, ou um arranjo variável, no qual o acesso se daria por
8
qualquer ponto: uma órbita circular, onde se poderia entrar por qualquer ponto, ser
acolhido e incluído nas ações de acompanhamento, a depender das necessidades
de saúde (Cecilio, 2004). Qual a melhor maneira de assegurar a integralidade: os
mecanismos de referência e contra-referência (eternamente propostos e raramente
concretizados) ou a constituição (mais flexível) de equipes de apoio matricial e de
mecanismos de educação permanente em saúde de acordo com as necessidades
dos trabalhadores da atenção básica? (Feuerwerker, 2005).
O baixo impacto resolutivo do sistema tem sido explicado por diversas
razões, que se sobrepõem e se perpetuam, em círculos. A mais freqüente razão
apresentada é a desarticulação entre a atenção básica e os demais serviços de
saúde, motivada pela lógica de financiamento distinta e devido à inexistência de
protocolos de ações integrais. Enquanto a atenção básica é financiada em parte por
programas e em parte per capita, induzindo a uma alteração no padrão de atenção,
a média e alta complexidade é remunerada por procedimentos, fortalecendo a
atenção
à
doença
e
minimizando
a
prevenção
e
promoção,
incluindo
os
determinantes sociais. Esta segunda forma de financiamento é difícil de ser
avaliada
em
termos
de
eficiência,
especialmente
porque
os
serviços
contratados na rede privada. Outra razão explicativa é o baixo grau
são
de
resolutividade da atenção básica, o que faz inchar a demanda nos demais níveis de
complexidade – os quais, pela sua natureza de alta tecnologia e tipo de
financiamento,
não
absorvem
os
encaminhamentos
realizados,
criando
os
conhecidos gargalos. Têm sido apontadas ainda como causa da baixa resolutividade
da atenção básica
o
perfil
de
formação
profissional,
particularmente
os
médicos, que enfrentam dificuldades para dar conta da
complexidade dos problemas de saúde mais freqüentes
(tanto em seus aspectos estritamente clínicos, como em sua
relação com as questões sociais como as condições de vida e
violência, por exemplo (Feuerwerker, 2005).
Quando
se
volta
para
as
questões
sociais
e
para
a
necessária
intersetorialização das políticas sociais na garantia da saúde é que aparecem as
grandes discrepâncias da política nacional de saúde. As disparidades regionais
foram reduzidas, mas ainda persistem índices preocupantes quanto às diferenças
entre o norte e o sul do país. As iniciativas dos governos federais não têm apontado
para uma política de saúde integrada às demais políticas sociais e econômicas que ao lado de práticas de atenção e compromisso dos gestores, como seria necessário,
9
conforme apontam Campos, Barros e Castro (2004) - garantiriam os pressupostos
da reforma pretendida pelo movimento sanitário.
3.2.Assistência Social
Salienta-se que a discussão da Integralidade em saúde ganhou atenção
especial na última década através de grupos de pesquisa, eventos e publicações.
Essa evidência dada à Integralidade, que, com a Universalidade e a Eqüidade forma
o tripé sustentador do SUS, chamou-nos a atenção e levou-nos a pensar e repensar
princípio da integralidade na política de assistência social, principalmente no que diz
respeito às práticas que deveriam proporcionar o atendimento integral nos seus
diversos âmbitos. Por isso, nos propomos a realiza uma articulação da integralidade
prevista na política de saúde e da política de assistência social, estabelecendo as
conexões e elementos que possam contribuir para o debate.
O desafio posto para a política de assistência social é contribuir para tornar o
Sistema de Proteção Social um conjunto de medidas efetivas que garantam os
direitos sociais; tal ocorrerá através das mediações necessárias para favorecer a
construção das condições do protagonismo e da autonomia das classes subalternas
com um atendimento integral e articulado às demais políticas, não devendo se dar
de forma isolada, fragmentada e focalista.
A partir da deliberação da IV Conferência Nacional de Assistência Social,
realizada em dezembro de 2003, o empenho no campo do seu fortalecimento como
uma política pública voltou-se para a implantação do Sistema Único de Assistência
Social - SUAS. A Conferência estabeleceu as diretrizes para a construção do
sistema e indicou algumas bases matriciais, especialmente a territorialização e a
hierarquização das atenções, de acordo com as situações apresentadas, em níveis
de proteção básica e especial.
O critério de seletividade utilizado pelo programa caracteriza-se pela
focalização geográfica e também pela focalização de indivíduos e famílias
extremamente pobres, de forma vinculada ao valor de renda per capita. A Política
Nacional de Assistência Social (PNAS) propõe a implantação de um novo desenho
de gestão para a Assistência Social no qual, de fato, se articulem os três eixos
balizadores dessa política pública: a gestão, o financiamento e o controle social.
Considerando a diversidade de situações e a complexidade que envolve as
situações de vulnerabilidades e riscos sociais, a Proteção Social vinculada à política
da Assistência Social foi concebida na PNAS/2004 e na Norma Operacional Básica
10
do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS, 2005), e hierarquizada em dois
níveis: Proteção Social Básica e Proteção Social Especial4·. Na proteção Social
Básica encontram-se o Programa Bolsa Família (PBF) e o Centro de Referência da
Assistência Social (CRAS), que devem atuar como espaço de referência e como
“porta de entrada” para o acesso dos usuários à rede socioassistencial.
Dessa maneira, a integralidade da assistência social e sua articulação com
as demais políticas setoriais é alicerçada na sua concepção, quando a Lei Orgânica
da Assistência Social, no artigo primeiro, parágrafo único, determina que “a
assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, visando ao
enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de
condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos
sociais” (Brasil, 1993.p.179).
Portanto, pensar a Integralidade na política de assistência social significa
considerar a pessoa como uma totalidade, como um sujeito histórico, social, político
e cultural, inserido em um contexto de relações complexas e amplas, sejam elas no
âmbito familiar, na articulação com programas de geração de emprego e renda, na
prevenção de riscos sociais.
Para isso, é importante a integração de ações,
incluindo a promoção da saúde e a prevenção de doenças, o que pressupõe
também a articulação com as demais políticas públicas.
O desafio para a assistência social é contribuir para tornar o sistema de
proteção social um conjunto de medidas efetivas garantindo os direitos sociais
previstos no marco legal.
Entretanto, ao invés de a política de assistência social ser efetivamente
responsabilidade do Estado e direito universal do cidadão, conforme assegurado
pela seguridade social, o que vimos é sua colocação sob responsabilidade do setor
público não-estatal, sendo comprimida pelo ajuste fiscal. Atende, assim, à lógica
das
orientações
otimização
da
dos
relação
organismos
internacionais,
custo-benefício,
o
através
estímulo
ao
“da
setor
focalização,
privado
e
a
ao
voluntariado” (Behring. 2008, p.162).
A tendência de redução do Estado limita sua ação à cumprir normas, regras,
estabelecer metas, diretrizes, cria mecanismos de fiscalização, sem uma efetiva
4
Proteção social especial do Sistema Único de Assistência Social é destinada a famílias e
indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de
abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas,
cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil,
entre outras situações de violação dos direitos. Os serviços de proteção social especial de
alta complexidade são aqueles que garantem proteção integral – moradia, alimentação,
higienização e trabalho protegido para famílias e indivíduos que se encontram sem referência
e/ou em situação de ameaça, necessitando ser retirados do convívio familiar e/ou
comunitário. PNAS/2004
11
garantia de proteção social universal, integral, salvo para os mais pobres dentre os
pobres, cria o requisito para a mercantilização, filantropização e proporciona o
trabalho voluntário de serviços sociais, em suma, ocorre uma restrição para a
efetivação de direitos sociais.
Dessa maneira, em que pesem os avanços no sistema de proteção brasileiro
garantidos com a seguridade social calcada no tripé da saúde, previdência social e
assistência social, os projetos e programas propostos nestas áreas refletem as
contradições e as exigências que são postas aos países capitalistas periféricos,
quais sejam, a
redução da
cobertura
da
prestação de
serviços públicos,
incentivando a iniciativa privada para efetivar a proteção social, favorecendo a tese
do Estado mínimo
A superação dessa perspectiva favorece maior centralidade às ações dos
profissionais, ao conferir-lhes
funções determinadas e claramente evidenciadas na
operacionalização da assistência social.
Dessa maneira, viabilizando concretizar os princípios da universalidade de
acesso e equidade em relação aos direitos sociais, a política de assistência social
deveria atentar para a construção da integralidade, promovendo ações de
promoção e prevenção aos riscos sociais.
Trata-se de se visualizar a articulação de cada serviço com a rede complexa
composta pela totalidade dos outros serviços e instituições. Nesta premissa é
fundamental e necessário que os articuladores das políticas setoriais, saúde,
educação, assistência social, habitação, cultura entre outras, tenham diversas
práticas profissionais interdisciplinares e se articulem através de diferentes serviços
e instituições. (Mioto e Nogueira 2006, p. 8) Trata-se fundamentalmente de superar
as estruturas verticais e setoriais que historicamente a administração pública se
apresenta, e os determinantes políticos e institucionais que determinam à alocação
de recursos financeiros e humanos e a hierarquia entre os setores e a não
participação efetiva da sociedade na discussão, elaboração e avaliação das políticas.
Para efetivar a integralidade e construir a intersetorialidade o assistente
social deve superar as rotinas burocráticas de acompanhamentos dos relatórios da
saúde, da educação, da assistência social,ampliando o debate e a interlocução entre
os executores das políticas. Caberia, fundamentalmente, ao Assistente Social a
construção de espaços articulados aos demais atores das políticas viabilizando
definir agendas que discutissem como fazer esta atenção com qualidade.
Para construção de processos integrados de ações também é fundamental a
participação da comunidade demonstrando um aspecto relevante para a construção
da democracia. Possibilita o que Mioto e Nogueira (2006, p. 8) “denominam como
12
sendo um aspecto fundamental para o processo de construção da esfera pública
para o setor, à medida que indica as possibilidades de redução dos mecanismos de
cooptação e clientelismo, tão comuns no contexto da cultura política nacional.”
3. 4. Considerações finais
Verifica-se que a universalização dos direitos sociais como um dos princípios
da assistência social também nos remete ao atendimento das necessidades
humanas elementares para que as pessoas vivam com dignidade. Isso pressupõe
que o usuário dessas políticas tenha acesso às demais políticas públicas. Chegar a
este patamar requer que possamos construir uma postura critica e propositiva da
nossa ação, enquanto profissionais da área da assistência social e da saúde.
Considerando os eixos transversais da universalidade, integralidade e
equidade das políticas sociais em um cenário de descentralização e controle social,
torna-se necessária a implementação de práticas gerenciais democráticas e
participativas.
O desafio para o Serviço social é contribuir para tornar o Sistema de
Proteção Social um conjunto de medidas efetivas que garantam os direitos sociais
previstos. Tal ocorrerá através de mediações que possam favorecer a construção
das condições de protagonismo e de autonomia dos usuários da assistência social e
do sistema de saúde. Obter-se-á assim, a materialização do projeto ético-político
da categoria profissional por intermédio da qualificação da ação dos assistentes
sociais junto ao sistema único de assistência social, e ao sistema único de saúde,
proporcionando a efetivação da integralidade, articulando os determinantes de
saúde e sociais.
Nesses termos, o desafio posto é a implementação da intersetorialidade
como uma estratégia alternativa de gestão social, que necessita de uma integração
entre as políticas públicas, portanto da construção de diálogos institucionais. Isto é,
trata-se de reconhecer a intersetorialidade como fundamental para atuar sobre os
problemas estruturais da sociedade brasileira, tanto na área da saúde quanto na da
assistência social
Também o Serviço Social pode contribuir para realizar o princípio da
integralidade na política de saúde e da assistência social, tendo em vista que, busca
a consolidação efetiva de seu projeto ético-político, e uma vez que possui na teoria
crítica sua fundamentação, seus princípios e parâmetros para exercício profissional,
assim pode dar sua contribuição ao exercício da integralidade, na medida em que
desenvolve sua ação na perspectiva
de garantia do direito à saúde e demais
políticas setoriais.
13
No cenário em que se encontram as Políticas Nacionais de Saúde e de
Assistência Social repõem-se e acentuam-se as exigências para o Serviço Social.
Retoma-se, aqui, a hipótese de que a ação profissional do assistente social se
inscreve no campo da promoção da saúde e da assistência social, notadamente no
eixo da intersetorialidade, e de garantia da integralidade das políticas públicas.
Referências
ASSUMPÇÃO, Patrícia Freitas Assunção. A integralidade em saúde e o debate do
Serviço Social. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina.
BEHRING, Elaine Rossetti. Trabalho e Seguridade Social: o neoconservadorismo nas
políticas sociais. In Trabalho e Seguridade Social – percursos e dilemas.São Paulo.
Cortez Editora; Rio de Janeiro: Fess/UERJ 2008
BOSCHETTI, Ivanete. Implicações da reforma da previdência na
seguridade social brasileira. Psicologia & Sociedade v.15 n.1 Belo
Horizonte. 2003.
BRASIL, Presidência da República. Lei Orgânica da
8.742/1993, Publicada no DOU de 8 de dezembro de 1993.
Assistência
Social
n.
_____ Ministério da Saúde. Portaria 648, de 28 março de 2006. Disponível em
internet em http://www.ministerio.saude.bvs.br/html/pt/colecoes.html. Acesso em
12 de maio 2006. 2006a.
CAMPOS, G.W.; BARROS, R.B.; CASTRO, A. M. Avaliação de política nacional de
promoção da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 9, n. 3, 2004, p. 745-749.
CECILIO, L. C. O. As necessidades de saúde como conceito Estruturante na Luta
pela Integralidade e Eqüidade na Atenção à Saúde. LAPPIS, Laboratório de Pesquisa
sobre Práticas de Integralidade em Saúde. Rio de Janeiro: ENSP. 2004. Disponível
em: www. lappis.org.br. Acesso em: 07/07/2005.
DRAIBE, Sônia M. O Welfare State no Brasil: características e perspectivas. Anais
do XII Encontro Anual da ANPOCS, Águas de São Pedro, 1988.
______ As políticas sociais brasileiras: diagnósticos e perspectivas. In: IPEA. Para a
década de 90: prioridades e perspectivas de políticas públicas. Brasília: IPEA, 1990.
______Brasil: o Sistema de Proteção Social e suas transformações recentes. In:
Seminário Regional para Reformas de Políticas Públicas. Santiago: CEPAL, 1992.
FEUERWERKER, L. C. M. Modelos tecnoassistenciais, gestão e organização do
trabalho em saúde: nada é indiferente no processo de luta para a consolidação do
SUS. Interface. Botucatu, v. 9, n. 18, 2005, p. 489-506.
FLEURY, Sonia. Estado sem cidadãos. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994a.
MATTOS, R. A. Os sentidos da Integralidade. Algumas reflexões acerca de valores
que merecem ser defendidos. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 9, n. 4,
2004. Disponível em: www.scielo.com.br. Acesso em: 07/07/2005.
14
MERHY, E.E.; CAMPOS, G.W; QUEIROZ, M.S. Processo de Trabalho e tecnologia na
rede básica de serviços de saúde: alguns aspectos teóricos e históricos. Cadernos
de Pesquisa n.6. Campinas: NEPP, 1989.
NOGUEIRA Vera Maria Ribeiro e MIOTO Regina. Desafios atuais do Sistema Único
de Saúde – SUS e as exigências para os Assistentes Sociais. [Mimeo]. 2006.
NOGUEIRA, V. M. R. A concepção de direito à saúde na sociedade contemporânea:
articulando o político e o social. Textos e Contextos, 2003.
PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado
de saúde. Rio de Janeiro: IMS-UERJ/ABRASCO, 2001.
SOARES, Sobre a crise da seguridade social no Brasil. Cadernos ADUFRJ, Rio de
Janeiro, n. 4, 2000.
SPOSATI, Aldaíza Modelo Brasileiro de Proteção Social não Contributiva:
concepções fundantes. Curso de Formação de Multiplicadores – ENAP: 2008
WERNECK VIANNA, M. L. A nova política social no Brasil: uma prática acima de
qualquer suspeita teórica? In Praia Vermelha: estudos de política e teoria social
/Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós Graduação em Serviço
Social - Vol. 1, n.18 (2008) - Rio de Janeiro: UFRJ. Escola de Serviço Social.
15
Download