Funções. Livro de Gonçalves, páginas 3-7. Sejam X e Y dois conjuntos. Uma “função” entre X e Y é uma lei que associa a todo elemento x ∈ X um único elemento f (x) ∈ Y - escrevamos x 7→ f (x). O elemento f (x) é chamado de “imagem” do elemento x. O conjunto X é chamado de “domı́nio” da função f e o conjunto Y é chamado de “contradomı́nio” (ou “codomı́nio”) da função f . A “imagem” de f é o conjunto Im(f ) = f (X) = {f (x) : x ∈ X}. Por exemplo f : {1, 2} → {a, b}, f (1) = a e f (2) = b define uma função. A imagem de f é {a, b}, é igual ao contradomı́nio. As outras funções possı́veis entre {1, 2} e {a, b} são dadas pelas regras • 1 7→ b, 2 7→ a: a imagem é {a, b}; • 1 7→ a, 2 7→ a: a imagem é {a}; • 1 7→ b, 2 7→ b: a imagem é {b}. Observe que nos últimos dois casos os elementos 1 e 2 têm a mesma imagem (a no primeiro caso, b no segundo). Em particular existem exatamente quatro funções possı́veis {1, 2} → {a, b}. Observe que nas últimas duas a imagem da função é diferente do contradomı́nio. Se f : X → Y é uma função e A ⊆ X, B ⊆ Y , definamos (1) a imagem direta (imagem) de A é f (A) = {f (a) : a ∈ A}; (2) a imagem inversa (preimagem) de B é f −1 (B) = {a ∈ A : f (a) ∈ B}. Observe que a imagem direta de um conjunto não vazio é um conjunto não vazio (pois se a ∈ A então com certeza f (a) ∈ f (A)) mas a imagem inversa de um conjunto não vazio pode ser vazia (por exemplo f : R → R definida por f (x) = x2 satisfaz f −1 ({−1}) = ∅). Por outro lado f (∅) = ∅ e f −1 (∅) = ∅ para toda função f . Digamos que a função f : X → Y é (1) injetiva se f (a) = f (b) implica que a = b, para todo a, b ∈ X. Em outras palavras elementos distintos têm imagens distintas: se a, b ∈ X são tais que a 6= b então f (a) 6= f (b). (2) sobrejetiva se para todo y ∈ Y existe x ∈ X tal que f (x) = y. Em outras palavras as imagens inversas dos elementos são não vazias. Em outras palavras a imagem de f é igual ao seu contradomı́nio. (3) bijetiva se é injetiva e sobrejetiva. Observe que se X e Y são conjuntos finitos e f : X → Y é uma função bijetiva então X e Y têm o mesmo número de elementos (a mesma “cardinalidade”). 1 2 Exemplos. (1) Seja f : R → R definida por f (x) = x2 . Se trata de uma função não injetiva (pois f (−1) = 1 = f (1)) e não sobrejetiva (pois não existe x ∈ R tal que f (x) = −1), e Im(f ) = f (R) = [0, +∞) = {y ∈ R : y ≥ 0}. Indicamos com [a, b] o intervalo fechado {x ∈ R : a ≤ x ≤ b}. Temos f ([0, 1]) = [0, 1], f ([−1, 1]) = [0, 1], f ([−1, 0]) = [0, 1], f ([1, 2]) = [1, 4], f −1 ([0, 1]) = [−1, 1], f −1 ([1, 4]) = [−2, −1] ∪ [1, 2], f −1 ({1}) = {−1, 1}, f −1 ([−2, −1]) = ∅. (2) f : R → [0, +∞) definida por f (x) = x2 é sobrejetiva. De fato se √ √ y ∈ [0, +∞) então y ∈ R e f ( y) = y. (3) f : [0, +∞) → [0, +∞) definida por f (x) = x2 é bijetiva. É injetiva pois se a2 = b2 com a, b ≥ 0 então a = b. É sobrejetiva pois se √ √ y ∈ [0, +∞) então y ∈ [0, +∞) e f ( y) = y. (4) Seja f : R → R definida por f (x) = 3 para todo x ∈ R. Se trata de uma função não injetiva (pois f (0) = 3 = f (1)), não sobrejetiva (pois por exemplo 0 ∈ R pertence ao contradomı́nio mas não existe x ∈ R tal que f (x) = 0), a imagem de f é Im(f ) = f (R) = {3} e se A é um qualquer subconjunto não vazio de R então f (A) = {3}. (5) Lembre-se que Z = {. . . , −2, −1, 0, 1, 2, . . .}. Seja f : Z → Z definida por f (x) = x + 1. Se trata de uma função bijetiva: é injetiva pois se f (a) = f (b) então a + 1 = b + 1 logo a = b; é sobrejetiva pois se y ∈ Z então y − 1 ∈ Z (!) e f (y − 1) = (y − 1) + 1 = y. (6) Lembre-se que N = {0, 1, 2, 3, . . .}. Seja f : N → N definida por f (n) = n + 1. Se trata de uma função injetiva (pois se f (a) = f (b) então a + 1 = b + 1 logo a = b) e não sobrejetiva (pois não existe n ∈ N tal que f (n) = 0, um tal n seria −1 mas −1 6∈ N). (7) Seja f : R → R definida por f (x) = 2x. Se trata de uma função bijetiva: é injetiva pois se f (a) = f (b) então 2a = 2b e dividindo por 2 obtemos a = b, e é sobrejetiva pois se y ∈ R então y/2 ∈ R (!) e f (y/2) = 2(y/2) = y. (8) Seja f : Z → Z definida por f (x) = 2x. Se trata de uma função injetiva pois se f (a) = f (b) então 2a = 2b e dividindo por 2 obtemos a = b, e não sobrejetiva pois não existe x ∈ Z tal que f (x) = 1: um tal x teria que ser igual a 1/2 mas 1/2 6∈ Z. (9) Não existe nenhuma função bijetiva {1, 2} → {1, 2, 3}. De fato dada uma qualquer função injetiva {1, 2} → {1, 2, 3} as imagens de 1 e 2 serão exatamente dois elementos de {1, 2, 3} logo pelo menos um elemento do contradomı́nio fica sem preimagem. Na verdade, como já comentado, para que exista uma função bijetiva X → Y os dois conjuntos X e Y devem ter o mesmo número de elementos (a mesma “cardinalidade”). 3 Proposição. Seja f : X → Y uma função. Então f é injetiva se e somente se para todo subconjunto A, B de X temos f (A∩B) = f (A)∩f (B). Demonstração. Suponha f injetiva. Sejam A, B ⊆ X. Queremos mostrar que f (A∩B) = f (A)∩f (B). A inclusão ⊆ é obvia, pois se x ∈ A∩B então x ∈ A e x ∈ B logo f (x) ∈ f (A) e f (x) ∈ f (B) assim f (x) ∈ f (A) ∩ f (B). Mostraremos agora ⊇. Seja y ∈ f (A) ∩ f (B), assim existem a ∈ A e b ∈ B tais que f (a) = y e f (b) = y, logo f (a) = y = f (b) implica f (a) = f (b) e como f é injetiva (por hipótese) deduzimos a = b. Logo, a ∈ B assim a ∈ A ∩ B e y = f (a) implica y ∈ f (A ∩ B). Suponha que f (A∩B) = f (A)∩f (B) para todo A, B ⊆ X. Mostraremos agora que f é injetiva. Sejam a, b ∈ X com a 6= b: mostraremos que f (a) 6= f (b). De fato sejam A = {a}, B = {b}. Temos A ∩ B = ∅. Por hipótese f (A ∩ B) = f (A) ∩ f (B) (de fato por hipótese isso vale para todo A, B, em particular vale para A = {a} e B = {b}), por outro lado f (A ∩ B) = f (∅) = ∅ logo f (A) ∩ f (B) = ∅, o que implica que f (a) 6= f (b) (se fosse f (a) = f (b) então seria f (A) = f (B) logo f (A)∩f (B) = f (A) 6= ∅). Uma outra maneira de mostrar a segunda implicação era a seguinte: mostraremos que se f (a) = f (b) então a = b. Por contradição, suponha a 6= b. Definindo A = {a} e B = {b} temos f (A) = {f (a)} = {f (b)} = f (B) logo f (A) ∩ f (B) = f (A) 6= ∅, por outro lado f (A ∩ B) = f (∅) = ∅ contradiz o fato que f (A ∩ B) = f (A) ∩ f (B) (verdadeiro por hipótese). Exercı́cios. (1) Conte as funções {1, 2} → {1, 2, 3}. (2) Conte as funções injetivas, sobrejetivas e bijetivas de domı́nio {1, 2, 3} e contradomı́nio {1, 2, 3, 4}. (3) Suponha que X tenha exatamente n elementos e Y tenha exatamente m elementos. Conte as funções X → Y , mostre que existe uma função injetiva X → Y se e somente se n ≤ m, e que existe uma função sobrejetiva X → Y se e somente se n ≥ m. (4) Mostre que se f : X → Y é uma função e A, B ⊆ Y então f −1 (A ∩ B) = f −1 (A) ∩ f −1 (B), (5) (6) (7) (8) f −1 (A ∪ B) = f −1 (A) ∪ f −1 (B). Faça um exemplo de função f : X → Y tal que existem A, B ⊆ X tais que f (A − B) 6= f (A) − f (B). Mostre que f : X → Y é injetiva se e somente se para todo A, B ⊆ X temos f (A − B) = f (A) − f (B). Mostre que se f : X → Y é bijetiva então existe uma função g : Y → X com a propriedade que g(f (x)) = x para todo x ∈ X e f (g(y)) = y para todo y ∈ Y (a mesma função g satisfaz as duas propriedades). Veja o livro de Gonçalves, páginas 6 e 7.