A abordagem paradigmática sociológica e os

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A abordagem paradigmática sociológica e os pressupostos das finanças organizacionais.
Marcos Roberto Alves da Silva
Faculdade de Gestão e Negócios
Universidade Federal de Uberlândia
RESUMO
A “ciência” das organizações é uma área de estudo formalizada há pouco mais de um século,
portanto recente, e buscou integrar-se a outras áreas de conhecimento visando seu alicerce teórico.
A sociologia, a filosofia, a economia, a matemática, o direito dentre outras, são fundamentos
permanentemente utilizados para a edificação da teoria das organizações. Este trabalho pretende
discorrer sobre a abordagem sociológica de Burrell e Morgan (1979) para delinear o arcabouço
conceitual para a ciência social e inserir os pressupostos adotados na evolução das finanças na ótica
paradigmática. As organizações representam entidades complexas, de difícil entendimento e muitos
fatores tornam sua compreensão complicada e ambígua. A área das finanças das organizações,
buscou redefinir sua identidade em meados do século XX, alicerçados no homo economicus, através
da utilização de fundamentos normativos, quantitativos e próxima das ciências naturais, ganhando
sofisticação através de estudos relacionados principalmente com o mercado de capitais.
Recentemente novas abordagens de finanças começam a questionar a realidade de alguns
pressupostos adotados pela moderna teoria financeira e direcionar novos estudos lastreados em
outros fundamentos complementares como o estudo de finanças comportamentais, sendo o ser
humano balizado pelo ambiente social e ambiental, ética, transparência, aspectos políticos dentre
outros.
Palavras-chaves: Finanças, Paradigmas sociológicos, modernas teorias financeiras, finanças
comportamentais.
The paradigmatic sociological approach and assumptions of organizational finances.
ABSTRACT
The "science" of organizations is an area of study formalized a little more than a century, so recent,
and sought to integrate with other areas of knowledge aimed at its theoretical foundation. Sociology,
philosophy the economy, the math, the law among other, are permanently fundamentals used the
building of theory organizations. This paper aims at discussing the sociological approach of Burrell
and Morgan (1979) to outline the conceptual framework for social science and enter the
assumptions adopted in the evolution of finance in optical paradigm. Organizations representing
complex entities, difficult to understand and many factors make your understanding complicated and
ambiguous. The area of finance organizations, sought to redefine its identity in the mid-twentieth
century, grounded in the homo economicus, through the use of normative foundations, quantitative
and close to the natural sciences, gaining sophistication through studies relating mainly to the capital
market. Recently new approaches to finance are beginning to question the reality of assumptions
adopted by modern financial theory and direct new studies backed on other grounds as the
complementary study of behavioral finance, and the human being baptized by the social
environment and environmental ethics, transparency, aspects politicians and others.
Keywords: Finance, sociological paradigms, modern financial theories, behavioral finance.
1. Introdução
As organizações, como área de estudo formalizada possui pouco mais de um século e buscou
alicerçar-se teoricamente em outras áreas de conhecimento. A sociologia, a filosofia, a economia, a
matemática, o direito dentre outras, são fundamentos permanentemente utilizados para a edificação
da teoria das organizações. As empresas ganharam em complexidade e muitos fatores tornam sua
compreensão complicada, ambígua e imprevisível.
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A abordagem utilizada para o estudo das organizações correlaciona-se com o conjunto de
pressupostos adotados. Burrell e Morgan (1979), no estudo das ciências sociais, utilizam-se de
dimensões da filosofia da ciência e conseguem agrupar os diversos pressupostos em quatro grandes
grupos (paradigmas).
Especificamente, o estudo das finanças organizacionais, depende da forma com que os estudiosos
enxergam o mundo, ou seja, a definição de um paradigma. No próximo tópico será apresentada uma
síntese dos pressupostos de cada paradigma.
A segunda metade do século XX representou um marco de novas concepções para o estudo das
finanças organizacionais. Os conceitos básicos de tomada de decisões financeiras foram
completamente redefinidos, abrindo espaço para a moderna teoria financeira. Esse novo enfoque
teve como resultado o desenvolvimento de inúmeras ferramentas usadas nos processos de tomada
de decisões de investimento e financiamento.
Antes das novas abordagens, existiam apenas os pesquisadores e práticos na área de finanças, que se
alicerçavam nas experiências práticas visando descrever o comportamento do investidor e das
empresas e assim sugerir o que poderiam ser as decisões certas a serem utilizadas pelos tomadores
de decisões financeiras nas empresas.
Nessa época os pesquisadores não tratavam seus resultados e sugestões como universalmente
aplicáveis.
A partir de novos estudos os pesquisadores recorrem à teoria econômica neoclássica e à
matematização, estudos que ficaram conhecidos como a moderna teoria financeira. O homo
economicus da teoria neoclássica se tornou o foco de todas as suposições sobre como os seres
humanos tomam decisões. Assim, a moderna teoria financeira busca assemelhar-se às ciências
naturais, tornando-se mais normativa, universal e exata.
Recentemente novas abordagens começam a questionar a realidade de alguns pressupostos
adotados pela moderna teoria financeira e direcionar novos estudos lastreados em outros
fundamentos. O homo economicus passa a dividir espaço com o estudo comportamental do ser
humano, na tomada de decisões financeiras balizado pelo ambiente social e político, agora não
somente como um otimizador egoísta de riqueza.
Os pressupostos utilizados para os diversos estudos nas finanças organizacionais representam as
visões de mundo que são adotadas como verdadeiras, sendo essas percepções utilizadas como
referências para os estudos teóricos, o que, em suma, no conjunto, constituem cada paradigma.
O objetivo do presente trabalho é discorrer sobre a abordagem paradigmática apresentada por
Burrell e Morgan (1979), bem como inserir a evolução dos pressupostos das teorias financeiras nessa
abordagem.
2. A abordagem paradigmática sociológica
Cada paradigma representa uma visão de mundo e consequentemente um conjunto teórico próprio.
Burrell e Morgan (1979), agrupou os diversos pressupostos em quatro grandes grupos (paradigmas):
funcionalismo, interpretativo, humanismo radical e estruturalismo radical.
Para alcançar esse agrupamento Burrell e Morgan (1979) adotam dois extremos: a abordagem
subjetivista e a objetivista lastreados em quatro grandes parâmetros: 1) a ontologia (conjunto de
teorias que explicam a realidade); 2) a epistemologia (interpretação do conhecimento); 3) a natureza
humana (visão do homem enquanto inserido no ambiente); e 4) a metodologia (caminho utilizado
para se chegar ao objetivo).
Quanto à ontologia, do lado subjetivista caracteriza-se pelo nominalismo, com predomínio das
emoções e abstrações, sendo a realidade fruto da imaginação das pessoas. Os eventuais resultados
não podem ser generalizados pois uma percepção é diferente da outra, bem como enxergam os
nomes como criações artificiais para estruturar a realidade através de conceitos, normas e rótulos.
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Do lado objetivista, vislumbra-se o realismo, com uma visão real e concreta do mundo e uma
estrutura imutável e tangível.
Na avaliação epistemológica, constata-se a interpretação subjetiva, anti-positivista, onde a
interpretação do conhecimento não pode ser mensurada, devido sua carga de subjetividade, sendo
que o mundo social só pode ser entendido do ponto de vista das pessoas envolvidas, rejeitando a
noção de que a ciência é geradora de qualquer tipo de conhecimento objetivo. No outro extremo,
positivismo, existe a possibilidade de mensuração da realidade através de processo cumulativo de
conhecimento, podendo generalizar os resultados.
Quanto à natureza humana subjetivista, define-se o ser humano como possuidor de vontade própria
(voluntarismo), autônomo e com liberdade total. Utiliza-se dados empíricos com relatos subjetivos
nas pesquisas. Na visão objetivista o indivíduo é determinado pelo ambiente (determinismo), tanto
que na busca por informações alguns parâmetros já são consolidados e pré-definidos.
No que se refere à metodologia utilizada na visão subjetivista, ideográfica, caracteriza-se o domínio
de percepções, enquanto que na ótica objetivista, nomotética, utiliza-se análise de medidas, técnica
de sistematização, avaliação quantitativa, leis, estatística.
Burrell e Morgan (1979), visando agrupar os diversos pressupostos nos quatro grandes grupos
(paradigmas), discutem ainda as abordagens sociológicas que ficaram conhecidas como o debate da
ordem e do conflito. De um lado as suposições sobre a natureza da sociedade buscam explicar a
natureza da ordem e do equilíbrio social enfatizando compromisso, coesão, solidariedade, consenso,
reciprocidade, cooperação, integração, estabilidade e persistência. De outro lado existe a
preocupação com problemas de mudança, conflito e coerção nas estruturas sociais, enfatizando
divisão, hostilidade, dissenso e desintegração.
Considerando que as diferentes suposições resultam em diferentes contextos, Burrell e Morgan
(1979) procuram integrar as abordagens sociológicas de conflito e da ordem, contrastando-as com as
abordagens subjetivista e objetivista. A consolidação do conjunto dos pressupostos, resultam em
quatro grandes paradigmas sociológicos, mutuamente excludentes, quais sejam: funcionalista,
interpretativo, humanismo radical e estruturalismo radical, conforme quadro 1.
As teorias científicas estão alicerçadas em paradigmas. Um paradigma é tão essencial quanto a
observação e o experimento no desenvolvimento da ciência. Um paradigma comporta uma
dimensão teórica em cujo interior se define o problema a ser investigado, se formula hipóteses e se
escolhe um segmento do real como princípio explicativo. Cada paradigma usa seus pressupostos para
discutir em sua própria defesa.
O paradigma funcionalista é o predominante no estudo das organizações e enfatiza a relevância da
ordem, do equilíbrio e da estabilidade na sociedade, buscando o controle efetivo dos assuntos
sociais. Comte, Spencer, Durkheim e Pareto foram os principais estudiosos que deram forma a esse
paradigma. Sua preocupação é com a manutenção atual das coisas, através da ordem social, do
equilíbrio e da estabilidade na sociedade.
Quadro 1: Paradigmas sociológicos definidos por Burrell e Morgan (1979).
Sociologia do conflito
Preocupação com problemas de mudança, conflito e
coerção nas estruturas sociais, enfatizando divisão,
hostilidade, dissenso e desintegração.
Subjetivismo:
Paradigma Humanista
Paradigma
radical
Estruturalismo radical
Ontologia:
Enfatiza a transcedência Mudança social Radical.
Nominalismo
Epistemologia:
das limitações existentes
nos arranjos sociais.
Anti-positivismo
Natureza humana:
Paradigma
Paradigma Funcionalista
Voluntarismo
Interpretativo
(pragmático)
Metodologia:
Objetivismo:
Ontologia:
Realismo
Epistemologia:
Positivismo
Natureza humana:
Determinismo
Metodologia:
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Ideográfico
Realidade do
universo repousa no
espírito e na idéia.
Produto
direto
do
idealismo alemão. Sua
ênfase é a natureza
essencialmente espiritual
do mundo social.
Assume a racionalidade da
sociedade.
Controle / manutenção
efetivo dos assuntos
sociais.
Nomotética
O mundo é real e
concreto; o
ambiente é
controlado e pode
ser mensurado.
Sociologia da ordem
Equilíbrio social enfatizando compromisso, coesão,
solidariedade, consenso, reciprocidade, cooperação,
integração, estabilidade e persistência.
No paradigma funcionalista constata-se uma diversidade de teorias, no entanto, percebe-se uma
universalidade fundamental de perspectiva em relação às suposições básicas assumidas. Procura
fornecer explicações ordenadas da natureza dos assuntos humanos, o que o distingue dos demais
paradigmas. Assume a racionalidade da sociedade. A ciência, nas mãos do funcionalista, se torna um
mecanismo para impor a ordem e o controle sobre o mundo social.
O paradigma interpretativo está enraizado na tradição idealista alemã, contrária ao positivismo
sociológico, com percepção na qual a realidade final do universo está no espírito ou na idéia. Weber,
com a insatisfação com a ciência positivista e sua incapacidade de lidar com problemas reais e
validação final, tenta construir uma ponte entre o positivismo e o idealismo, assumindo que a
objetividade nas ciências sociais apenas é possível através do uso de tipos ideais, que permitem a
ordenação de elementos da realidade. Para alguns fenomenologistas, organizações como fenômenos
tangíveis e relativamente concretos não existem. O mundo social é essencialmente processual e
surge de atos intencionais dos seres humanos e os indivíduos criam o mundo no qual vivem.
No paradigma humanismo radical consciência e mundo externo são vistos como dois lados da mesma
realidade. Trabalho é visto como forma dominante de ação social dentro da sociedade industrializada
capitalista. Sua visão é de um mundo pós-moderno baseado na interação, com igualdade de
oportunidades. Busca influenciar a consciência das pessoas a fim de que tenham uma visão de
libertação e que busquem formas alternativas de vida. Defende total liberdade individual,
desembaraçada de qualquer forma de regulação interna ou externa (liberdade do espírito humano) e
estão comprometidos com mudanças revolucionárias na sociedade. Apresenta oposição fundamental
ao paradigma funcionalista que na sua percepção as pessoas são alienadas pelo sistema.
O paradigma estruturalismo radical está alicerçado numa visão materialista do mundo natural e
social, procurando não só entendê-lo, mas transformá-lo. Seus estudiosos estão interessados nos
efeitos das contradições que os elementos da sociedade apresentam uns para com os outros,
principalmente em relação aos impactos geradores de crises econômicas e políticas. Assumem que o
mundo apresenta naturalmente conflitos de interesses entre os que detém poder e os sem poder,
sendo irreconciliável, resultando em mudanças radicais.
Alguns estudiosos discordam da visão paradigmática dos estudos sociais. Entendem que cada
paradigma, como visão de mundo, não representa todas as imagens da realidade. Ao olhar o mundo
com óculos tingidos de verde, o mundo parecerá ser verde. Isto é, o que se observa, não é a
realidade. Segundo Ardalan (2007 apud IQUIAPAZA;AMARAL; BRESSAN, 2009), ao avaliar a
representação do comportamento dos mercados financeiros, afirma que os filósofos de ciência
devem estar interessados na correta representação do mundo. A metáfora dos óculos mostra que a
escolha feita no começo da pesquisa determina o que vemos e o que achamos na pesquisa. Cada
pessoa tem pela sua formação de mundo (educação, instrução, cultura) uma visão própria de como
pesquisar e, mais amplamente, sobre o que seria verdade. Logo, os óculos que utilizamos
influenciará no modo de observação. As escolhas filosóficas têm impacto no modo como realizamos
pesquisa, determinam o modo de observar, sendo inconsistente a comparação entre pesquisas com
óculos diferentes.
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Um pesquisador precisa trabalhar em harmonia com o ambiente e com o contexto, como se este
fosse conhecido pelo investigador, e como este parece estar na sociedade. O pesquisador faz parte
de um processo de socialização (dentro de uma rede de semelhantes), dentro de valores e normas
sociais, intelectuais e tradições políticas. Assim o “óculos” que utiliza, as escolhas que faz,
determinará o que esse pesquisador vai encontrar como resultado de sua pesquisa.
3.
A abordagem paradigmática no estudo das finanças nas organizações.
As finanças nas organizações emergiram como um campo de estudo na virada do século XX. Naquele
tempo, era essencialmente um ramo aplicado da economia institucional, estudado e ensinado por
economistas.
A literatura de finanças até a década de 1950 era em grande parte descritiva e detalhada com
enfoque institucional. Nos anos cinqüenta, mudanças fundamentais começaram a aparecer,
contribuindo para que as finanças modernas desenvolvessem um arcabouço teórico formalizado.
Uma característica importante dos paradigmas é sua incomensurabilidade, sendo mutuamente
excludentes.
Na abordagem financeira tradicional, predominante na primeira metade do século XX, os
pesquisadores e práticos na área de finanças confiavam nas experiências (percepções) para
descrever o comportamento do investidor e das empresas e assim sugerir o que poderiam ser as
melhores decisões a serem adotadas. Os pontos de vista tinham uma abordagem prática (descritiva),
ao invés de teórico, sem aplicação universal. A realidade das finanças empresariais repousava muito
mais na idéia e na abordagem fenomenológica. Representava mais seleção de “regras” usadas pelos
investidores e gerentes no processo de tomada de decisões do que fundamentação consistente e
segura sobre as decisões financeiras.
Portanto, o objetivo da aproximação tradicional nas finanças era descobrir e revelar as decisões com
enfoques práticos, procurando relatar os motivos das escolhas ao longo do tempo, resultando em
conselhos a serem seguidos.
Alguns exemplos ajudam a perceber o caráter subjetivo das orientações.
Quanto à estrutura de capital havia convicção da capacidade de endividamento das organizações,
devendo ser utilizado para reduzir seu custo de capital, desde que o custo de captação fosse fixo e
relativamente baixo. No entanto a capacidade endividamento é uma medida subjetiva, baseada na
percepção dos administradores e em experiências e regras básicas, como vincular prazos de
recebimentos e pagamentos, períodos de recuperação de investimentos, histórico de administração
financeira da própria organização, dentre outros.
Comprar os ativos sub-avaliados e vender os ativos acima da avaliação de mercado era considerada
regra de eficácia, no entanto beirava a subjetividade o ponto de equilíbrio de avaliação dos ativos.
Os investidores preferiam receber dividendos estáveis do que ganhos futuros de capital, devido às
incertezas. Utilizava-se do período de payback como parâmetro de tomada de decisão, reforçando a
tese de que o tempo de recuperação do capital torna-se a principal preocupação dos investidores.
Parece que já percebiam que para generalizar suas práticas outros fatores poderiam influenciar a
decisão no escopo tempo e espaço.
A abordagem das finanças tradicionais estava baseada principalmente no comportamento de
investidores e gerentes. Buscou-se definir características dos investimentos e das companhias que
afetavam o comportamento e o processo de tomada de decisão. Não se assumiu nenhum tipo de
comportamento racional universal das pessoas, mas a extração de boas práticas a respeito dos
processos de tomada de decisões observando o comportamento das pessoas na relação espaço e
tempo. As abordagens eram de descrição de práticas ao invés de teóricas.
Os pressupostos assumidos na abordagem financeira tradicional parece melhor enquadrar-se no
paradigma interpretativo.
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A partir do início da segunda metade do século XX, adotou-se novos parâmetros para a discussão das
finanças nas organizações, sendo o marco para o que ficou conhecido como modernas teorias
financeiras. Para MacKenzie (2001) pelo menos três fatores relacionados ao mercado de capitais
foram fundamentais.
O primeiro fator está vinculado ao limite da economia como disciplina. O mercado de capitais era um
tema das ciências econômicas, no entanto era considerado um tópico de legitimidade duvidoso.
Alguns trabalhos de finanças organizacionais não encontraram ressonância dentro da economia, tais
como: teorias de seleção de carteiras de Markowitz e a avaliação de opções de Black e Sholes.
Embora sem total ressonância na economia, os fundamentos sobre os quais a moderna teoria
financeira foi desenvolvida foram importados da teoria econômica neoclássica que assume
comportamento racional dos indivíduos.
O mercado de capitais era um tópico marginal em economia, sendo considerado investimento de
alto risco.
Com ajuda da informática e de modelo matemáticos houve a aproximação das novas teorias das
ciências naturais, buscando a universalização dos conceitos em economias de mercado.
O segundo fator está relacionado à utilização de informação privilegiada e a distinção entre
conhecimento público e privado. O senso que um mercado “justo” de ações requer a proibição de
informações privilegiadas ganhou sustento nos Estados Unidos e espalhou-se gradualmente aos
outros países. Tornou-se necessária a manutenção e o policiamento por maior transparência e
padrões apropriados de governança corporativa.
O terceiro fator refere-se à concepção fundamental de que um mercado financeiro não seja
compreendido como um cassino, visando sua legitimidade. Nesse sentido, os mecanismos dos
mercados financeiros tiveram que ser redesenhados, as barreiras para a liquidação de contratos
desapareceram e os contratos de futuros e de opções sobre ativos abstratos tornaram-se menos
problemáticos.
Após 1950 cresceu a legitimidade do mercado de capitais, gerando grande quantidade de dados
relacionados aos movimentos de preços dos ativos. Vários estudiosos apresentaram contribuições
para a evolução das teorias financeiras, tais como:
Teoria de mercado eficiente: Fama (1970, 1976, 1991), Jensen (1978), Schwert (1983), Moy e Lee
(1991), Ball (1996); Teoria de portfólios: Markowitz (1952, 1959); Teoria de avaliação de ativos de
capital: Sharpe (1964), Jensen (1972), Roll (1977); Teoria de avaliação de opções: Black e Scholes
(1972), Merton (1973), Cox e Ross (1976), Smith (1976, 1979); Teoria de agência: Jensen e Ruback
(1983), Jensen e Smith (1985), Garvey e Swan (1994); Teoria de avaliação por arbitragem: Ross
(1976); Política de orçamento de capital: Aggarwal (1993); Política de estrutura de capital: Modigliani
e Miller (1958), Fama (1978); Política de dividendos: Black (1976); Allen e Michaely (1994).
Os estudos da moderna teoria de finanças organizacionais, representaram mudanças nos
pressupostos adotados até então, enfocando a análise do comportamento dos preços das ações e os
princípios de seleção racional de portfólios de ações, passando a dominar os pressupostos do
paradigma funcionalista.
Segundo Burrell e Morgan (1979), o paradigma funcionalista assume que a sociedade tem existência
concreta e segue uma ordem determinada. Esses pressupostos conduzem à existência de uma
ciência social objetiva e livre de valor que pode produzir explicações verossímeis e conhecimento
para predizer a realidade. Assume-se que as teorias científicas podem ser avaliadas objetivamente
através de sua referência à constatação empírica. Atribui-se a independência do observador em
relação ao observado, ou seja, a habilidade de observar sem afetar o objeto. Assume-se então a
existência de padrões universais da ciência que determinam o que constitui uma explicação
adequada do que é observado. Adota-se ainda que há regras externas e regulamentos que governam
o mundo exterior. O objetivo dos cientistas passa a ser então o de descobrir as ordens que
prevalecem dentro daquele fenômeno.
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O paradigma funcionalista busca prover explicações racionais aos assuntos sociais e gerar uma
sociologia da regulação harmônica. Enfatiza a importância de manter a ordem, equilíbrio e
estabilidade da sociedade. A ciência fornece a base para estruturar a ordem do mundo social,
semelhante à estrutura e ordem do mundo natural. São usados os métodos das ciências naturais
para gerar explicações do mundo social.
Os funcionalistas são individualistas, ou seja, as propriedades do conjunto são representadas pelas
propriedades de suas unidades. Os pressupostos do paradigma funcionalista passaram a ser a
referência na teoria organizacional e nas pesquisas acadêmicas de finanças. O mundo das finanças é
tratado então como um lugar de realidade concreta, passando o indivíduo a assumir um papel
passivo, tendo seu comportamento determinado pelo ambiente econômico.
Fica evidente que os pressupostos adotados pelas modernas teorias de finanças novas teorias de
finanças, aliadas ao processo de simplificação e matematização evidenciam que o arcabouço teórico
das finanças modernas está inserido no paradigma funcionalista.
Por volta dos anos oitenta, surgem algumas inquietações em relação à moderna teoria de finanças.
Para Mramor e Lončarski (2002) surgem questionamentos sobre a utilidade da moderna teoria
financeira. Os pesquisadores começaram a olhar suas suposições e constatar que os pressupostos
não estavam contidos na realidade. Existem tentativas de “novas” abordagem nas finanças
começando a emergir. Trata-se de reconhecer que o ser humano não é um maximizador mecânico da
riqueza, egoísta e com conhecimento absoluto, mas um ser que é complexo, social, político e com
capacidade de questionar os pressupostos estabelecidos.
Para Bernstein (1992) a teoria de mercados financeiros desenvolvida a partir da moderna teoria de
finanças, possui alto grau de abstração tornando de difícil compreensão.
Para Ardalan (2007 apud IQUIAPAZA;AMARAL; BRESSAN, 2009) a realidade no mundo das finanças é
formada pelo próprio arcabouço das teorias de finanças, com pressupostos do paradigma
funcionalista. Além das teorias, programas de doutorado, periódicos e conferências em finanças
acadêmicas, tem afetado a formação de percepções, atitudes, convicções, comportamentos e,
conseqüentemente, a prática de finanças.
MacKenzie (2001) considera evidente que o campo das finanças é um domínio das condições do
termo social, porque nele há um domínio do dinheiro, que é essencialmente uma criação social. No
entanto, a maioria da discussão da teoria de finanças é moldada, implicitamente, pela epistemologia
do ser natural, faltando inserir os aspectos sociais nas abordagens. A adoção das teorias da economia
financeira pelos
profissionais do mercado não teve como resultado a prevalência do egoísmo racional em detrimento
de uma economia de interesse coletivo. Isso significa que o homo economicus não foi materializado
completamente em um ser, mas também não tem sido enfocada a abordagem do interesse coletivo
como predominante.
Nasce neste contexto de questionamentos uma nova abordagem em finanças, chamada de finanças
comportamentais - FC “behavioral finance”. Basea-se na teoria do prospecto, oriunda de estudos
psicológicos experimentais, utilizando a função de valor e a função peso da decisão nos estudos de
avaliação de ativos, substituindo o princípio da maximização da utilidade esperada, utilizada como
fundamento da moderna teoria de finanças.
As finanças comportamentais utilizam resultados psicológicos visando explicar a “sobre-reação” ou
“sub-reação” dos investidores às novas informações disponíveis aos investidores. Entendem que
muitas respostas de mercado dadas pela EMH (Hipótese de Eficiência de Mercado) e pelo CAPM
(Modelo de Precificação de Ativos Financeiros), são inexplicáveis.
As finanças comportamentais são definidas pelos seus oponentes, adeptos da moderna teoria de
finanças, como “literatura de anomalias” tentando marginalizá-la. Estas anomalias agrupam-se em
diferentes categorias, como: receitas para decisões, fatores emocionais como autoconfiança
excessiva e exageros quanto ao otimismo e pessimismo, subordinação à forma ou dependência do
contexto, uso de atalhos, desconhecimento das preferências que leva a ponderações errôneas
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dentre outras. Também com relação às descobertas empíricas da FC, a diversidade de metodologias
aplicadas conduz a resultados contraditórios dentro da própria abordagem. A FC é uma mistura de
numerosos efeitos psicológicos, freqüentemente contraditórios. Não importa o que acontece no
mercado, há um efeito psicológico que pode ser reunido para explicar tal acontecimento.
Os resultados empíricos da literatura de FC deram origem a estratégias de investimento que
sistematicamente exploram os fatos onde o mercado não é tão eficiente quanto prediz a Hipótese de
Eficiência de Mercado, tomando posição contrária ao que a eficiência recomendaria. Inclusive
encontram-se evidências de irracionalidade do investidor na tomada de decisão.
Fica evidente a existência de conflito de pressupostos entre as duas correntes, moderna teorias de
finanças e FC. Para Frankfurter e McGoun (2002 apud IQUIAPAZA;AMARAL; BRESSAN, 2009)
assinalam que os proponentes desta “nova” corrente, estão se marginalizando adotando as
doutrinas, formas, e métodos subjacentes do paradigma funcionalista, permitindo a fixação para as
condições do debate e fizeram dele o ponto de referência contra o qual todas as teorias alternativas
de finanças são não somente julgadas, mas também assumidas como “finanças”.
Parece que falta delimitação das FC, adotando o paradigma Interpretativo de Burrell e Morgan
(1979), o qual poderia favorecer sua consolidação e dessa forma deixar de ser mais uma corrente
dentro do próprio paradigma funcionalista.
Entretanto, o debate entre FC e as finanças modernas continua, com cada uma delas tentando
desacreditar a outra, utilizando de fundamentos da economia, psicologia e sociologia. Existe ainda
um grupo de pesquisadores que tenta conciliar os pressupostos e conceitos contrastantes das duas
correntes.
4. Conclusão
Fica evidente que o estudo das finanças organizacionais correlaciona-se com a forma que os
estudiosos enxergam o mundo, ou seja, a definição de um paradigma.
Os paradigmas dão suporte às teorias científicas, sendo fundamental tão quanto é essencial a
observação e o experimento no desenvolvimento da ciência. Cada paradigma, torna-se mutuamente
excludente e usa seus pressupostos para discutir em sua própria defesa.
A ciência social é mais instável do que a ciência natural, sendo o comportamento social balizado
também por referências culturais. O estudo das organizações, inclusive das finanças, devem
contemplar uma série de mutações sociais que acontecem no transcorrer do tempo, inclusive em
ritmos cada vez mais acelerado. As organizações podem ser observada de várias formas diferentes
(óculos), dependendo dos pressupostos que são utilizados. Nas ciências focadas na abordagem
prática, como a administração, o arcabouço teórico não só reflete, mas também estrutura seu objeto
de estudo. Daí o surgimento de contraditórios da prevalência do paradigma dominante no estudo
das finanças nas organizações.
Através das modernas teorias o mundo das finanças mudou de tal forma que aparentemente os
modelos se configuram como mais reais e universais sendo incorporados nas estruturas e práticas
dos mercados de capitais, aproximando-se das ciências naturais.
Para alguns a objetividade, do paradigma funcionalista, não é relevante para as ciências sociais, pois
prevê a estabilidade dos fenômenos estudados. Os agentes são movidos por uma racionalidade de
múltiplas facetas afetadas por elementos ligados a crenças, hábitos, normas sociais, entre outros,
que desempenham um papel relevante na orientação das ações dos indivíduos e organizações.
Atualmente ainda é incipiente a discussão se as abordagens das finanças comportamentais
representam nova visão paradigmática.
Existe ainda um grupo de pesquisadores que tenta conciliar os conceitos contrastantes das duas
correntes, moderna teoria de finanças e finanças comportamentais. Parece um objetivo audacioso
tendo em vista que os fundamentos paradigmáticos são mutuamente excludentes por natureza,
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sendo tarefa difícil alcançar a condensação, quando as visões de mundo que alicerça cada corrente
estão posicionadas em “mundos diferentes”.
Referências
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VII Convibra Administração – Congresso Virtual Brasileiro de Administração – www.convibra.com.br
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