Ministério Público do Estado de Minas Gerais Procuradoria Geral de Justiça Promotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher EXMO. DR. JUIZ DE DIREITO DA 14ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE BELO HORIZONTE – MG Autos nº 0024.12.112.758-3 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, através de seu órgão de execução em pleno exercício nesta Promotoria de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, no exercício de suas atribuições legais, nos autos do Expediente Apartado de Medidas Protetivas supranumerado, não se conformando, “data venia”, com a r. decisão que revogou as medidas protetivas, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, interpor o competente RECURSO DE APELAÇÃO, para apreciação pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado, apresentando, desde já, as RAZOES RECURSAIS anexas, pelo que requer regular o processamento do recurso, com oportuna remessa dos autos à instância ad quem. Nestes termos, pede deferimento. Belo Horizonte, 19 de março de 2013. REGINA DUAYER HOSKEN Promotora de Justiça 1 Ministério Público do Estado de Minas Gerais Procuradoria Geral de Justiça Promotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS DOUTA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS COLENDA TURMA, O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, pela Promotora de Justiça ao final identificada, apresenta as seguintes RAZÕES DE RECURSO em sede de apelação contra a r. decisão de fls. retro dos autos do presente expediente apartado de medidas protetivas, nos seguintes termos. DOS FATOS, FUNDAMENTOS E DA SENTENÇA RECORRIDA A vítima, em sede policial, pleiteou a concessão de algumas medidas protetivas previstas na Lei 11.340/06. As medidas protetivas foram deferidas, mas não se logrou êxito na intimação das partes. Nesse diapasão, sobreveio decisão de seguinte teor: “(...) É dever da vítima manter o endereço atualizado nos autos, para fins do artigo 201, parágrafo 2o, do CPP. A não atualização do endereço demonstra desinteresse na solução do conflito. Em face do exposto, revogo a decisão de fls (..) por manifesta ausência de interesse.” (grifo nosso) É o relatório. 2 Ministério Público do Estado de Minas Gerais Procuradoria Geral de Justiça Promotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher DAS RAZÕES DA REFORMA A decisão atacada não merece prosperar. Nota-se que a decisão prolatada revogou as medidas protetivas anteriormente deferidas apenas por não ter localizado a vítima, inferindo, por mera presunção, um desinteresse desta pelo provimento concessivo. A decisão prolatada baseou-se induvidosamente em uma presunção de desinteresse da vítima no prosseguimento do feito em razão de sua não localização, o que não merece qualquer procedência, visto trata-se de uma presunção à mingua de qualquer previsão legal ou judicial nesse sentido. Saliente-se, em momento algum a vítima foi informada sobre a necessidade de manter endereços atualizados. E mais, ela não detém o conhecimento técnico para saber do ônus previsto no art. 39, II do CPC. Importante salientar que caberia ao causídico que a representa processualmente (advogado constituído/defensor público/advogado dativo) informar tal alteração de endereço, mas a vítima ainda não possui patrono nos autos, em afronta ao art. 27 da Lei 11.340/06. A lei nunca estabeleceu desinteresse tácito pela vítima. Seria imputar à vítima uma penalidade não prevista em lei. Assim, verifica-se que o encargo atribuído à vítima pelo art. 201, § 3º do CPP não é condição para manutenção do provimento concessivo, não subsistindo qualquer ilação jurídica que autorize essa conclusão. Isso porque as medidas protetivas devem ser interpretadas à luz da finalidade da Lei 11.340/06, expressa em seu art. 1º, qual seja, a de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal e demais tratados internacionais ratificados pelo Brasil, precursores da Lei Maria da Penha. É razoável que uma vítima em situação de risco tenha dificuldades de manter atualizado seu endereço de contato. 3 Ministério Público do Estado de Minas Gerais Procuradoria Geral de Justiça Promotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher Portanto, as medidas protetivas condicionam-se tão somente à existência de violência atual e iminente, nos termo do art. 10 da Lei 11.340/06. Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis. Convém lembrar que, em se tratando de medidas autônomas e satisfativas, as medidas protetivas não possuem limitação temporal, sendo certo que devem viger enquanto perdurar a necessidade de proteção à ofendida. A exDesembargadora Maria Berenice Dias defende que as medidas protetivas deferidas em favor da vítima não possuem caráter temporário: As medidas deferidas, em sede de cognição sumária, não dispõem de caráter temporário, ou seja, não é imposto à vítima o dever de ingressar com a ação principal no prazo de 30 dias. Todas têm caráter satisfativo, não se aplicando à limitação temporal imposta na lei civil. (DIAS, Maria Berenice. A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.) Nesse mesmo sentido foi a Conclusão 1, do Congresso que versou o tema ‘Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha)’, realizado pela Corregedoria Geral da Justiça e Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “Não caducam em 30 (trinta) dias as medidas protetivas de urgência aplicadas pelo juízo criminal, mesmo que não seja ajuizada ação na esfera cível que a assegure”. Consoante ao caso tratado no presente feito, temos uma decisão, em sede de Expediente Apartado, revogando as medidas protetivas outrora deferidas sob o argumento de que a ofendida não teria mais interesse na manutenção das medidas uma vez que não atualizou seu endereço nos autos . Data venia, o MM. Juiz, adotando tal entendimento, presume uma situação fática não noticiada nos autos, indo de encontro à mens legis protetiva da Lei Maria da Penha. 4 Ministério Público do Estado de Minas Gerais Procuradoria Geral de Justiça Promotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher À toda evidência, a decisão concessiva das medidas protetivas é, em essência, rebus sic stantibus, devendo perdurar enquanto se mantiver a situação de risco vivenciada pela vítima. Destarte, a menos que sobrevenham aos autos notícias de fatos novos modificadores do cenário em que se encerra a ofendida, devem ser mantidas as medidas protetivas, não se podendo presumir sua desnecessidade pelo simples fato de já restarem vigentes por certo período de tempo. De se ressaltar, ainda, que, no caso em tela, em que pese deferidas as medidas protetivas, não foi o agressor devidamente intimado das mesmas, restando prejudicada a eficácia da decisão concessiva. Verifica-se, nos autos, a insistência deste Parquet em requerer, por reiteradas vezes, a intimação válida das partes, encontrando óbice na própria máquina judiciária. De rigor observar que prestação jurisdicional adequada é encargo do Estado, não podendo recair sobre jurisdicionado o peso de sua ineficiência. Ora, se as medidas protetivas não chegaram a produzir seus efeitos em virtude da morosidade ou ineficiência do Judiciário, a quem recorreu a ofendida para a salvaguarda de sua vida e integridade física, disso não pode restar prejudicada a própria vítima. Nota-se que compete ao magistrado, em respeito ao princípio da Cooperação, buscar a efetividade do processo, procedendo à expedição de ofícios a órgãos públicos com o escopo de localizar validamente as partes que protagonizam o litígio, não cabendo justificativas diversas que impeçam o regular andamento processual. Nesse sentido, pacífica jurisprudência do TJMG: PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS AO TRE E À RECEITA FEDERAL - POSSIBILIDADE. Na esteira de entendimento jurisprudencial dominante, é direito da parte bem como interesse do próprio Poder Judiciário, a obtenção de 5 Ministério Público do Estado de Minas Gerais Procuradoria Geral de Justiça Promotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher informações junto aos órgãos públicos no intuito de localizar o endereço de investigado. (...) Caberia ao ilustre representante do Ministério Público requisitar diretamente as diligências ou as requerer em juízo, a opção é da parte, não cabendo ao magistrado indeferir o pedido sob a alegação de que o requerente não diligenciou na obtenção dos endereços. (TJMG. Correição Parcial n.º 1.0000.06.443826-0/000(1)/ Numeração Única: 443826069.2006.8.13.0000. Data da publicação: 02.03.2007. Relator do Acórdão: Eduardo Andrade) CORREIÇÃO PARCIAL. PODER JURISDICIONAL. PROCESSO. REQUISIÇÃO DE DILIGÊNCIA. MP. EFETIVIDADE JURISDICIONAL. 1 - Compete ao Poder Judiciário conduzir o processo, indeferindo, tão-somente, as diligências tidas como desnecessárias. Neste sentido, a requisição, pelo MP, de ofício ao TRE para fins de localização de testemunhas, quando imprescindível à instrução da ação penal, ainda que simples, há de ser deferida, harmonizando o Poder Judiciário e o Ministério Público, com vistas, principalmente, alcançar a plena efetividade jurisdicional. 2 - Correição parcial deferida. (TJMG. Correição Parcial n.º 1.0000.04.407631-3/000(1)/ Numeração Única: 4076313-58.2004.8.13.0000. Data da publicação: 13.05.2005. Relatora: Márcia Milanez. Relator do Acórdão: Nilson Reis) CONCLUSÃO Ante o exposto, pugna o Ministério Público pela reforma da decisão judicial de fls. 26, mantendo-se as medidas protetivas requeridas pela vítima até que sobrevenham novos fatos capazes de alterar a situação de risco vivenciada pela vítima, viabilizando, por fim, a intimação das partes sobre a referida concessão. Nesses termos, pede deferimento. Belo Horizonte, 19 de março de 2013. REGINA DUAYER HOSKEN Promotora de Justiça JOSÉ RICARDO SOUSA RODRIGUES Promotor de Justiça 6