Ética X Direito Profª Carmen Pereira* As diversas relações que o homem estabelece com o mundo exterior acarreta uma diversidade de relações dos homens entre si (econômicas, políticas, jurídicas, éticas...). Por isso, fala-se também em diversos tipos de comportamento que se evidenciam na economia, na política, no direito, no trato social e na ética, entre outros. O estudo concreto das diferentes formas e comportamento humano deve levar em conta o desenvolvimento histórico e a estrutura da sociedade para que se possa compreender as diversas formas de conduta humana e porque em determinada fase uma ou outra desempenha o papel principal. O comportamento jurídico (ou legal) é o que mais intimamente se relaciona com a ética. Ambos estão sujeitos a normas que regulamentam as relações do homem. Mas se tem em comum uma série de características essenciais, ao mesmo tempo diferenciam-se por outras específicas. 1. Pontos em comum: Regulamentam as relações de uns homens com outros por meio de normas. Pressupõem uma conduta obrigatória: todos devem agir de acordo com as normas em vigor; Ambas as normas exigem dos indivíduos um comportamento obrigatório, isto é, se comportem de uma certa maneira; Respondem a uma mesma necessidade social: regulamentar as relações dos homens visando garantir certa coesão social; * texto produzido para a disciplina Ética e Legislação em Jornalismo (revisto em 2006) 1 Tanto a ética como o direito mudam quando se modifica o conteúdo de sua função social. Daí estas formas de comportamento humano terem um caráter histórico. Sendo assim, para compreendermos a importância da ética e do direito para os meios de comunicação social devemos levar em conta por um lado as especificidades da ética e do direito em si, enquanto um corpo explicativo da prática social de cada um, como também sua relação histórico-social com os meios de comunicação no Brasil e na sociedade brasileira em geral. 2. Pontos Específicos: 2.1 Da ética: A ética, enquanto teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade, trata de problemas práticos que ocorrem nas relações entre sujeitos sociais. A decisão de cada um pauta-se em normas sociais que julga apropriada e a solução do problema atinge tanto a quem propõe como aquele(s) que sofrerá as conseqüências da decisão e/ou da ação. Os problemas práticos no campo ético são caracterizados pela sua generalidade. E na vida real o indivíduo concreto tem que resolver por si mesmo cada situação que enfrenta, pois não há normas de ação para cada situação concreta. Por isso, o comportamento ético remete a responsabilidade social que cada indivíduo assume (ou não) nos diversos grupos sociais que pertence e também na sociedade. O agir eticamente pressupõe uma reflexão do indivíduo em relação aos valores e normas sociais diante de cada situação. A convicção íntima é que determinará a ação, já que a ética não dispõe de mecanismo coercitivos (dispositivos capazes de impor o cumprimento de uma ação contra a vontade individual daquele que realiza) que garantam a execução de acordo com as normas e valores sociais de um grupo ou da sociedade. Além disso, as formas de comportamento variam dentro de uma mesma sociedade. Exemplo: várias religiões ou seitas convivem na sociedade brasileiras, embora defendem valores e normas de comportamento diferentes. Ou ainda, há famílias que aceitem que membros não se casem legalmente, outras não. Mas se for por um lado a decisão sobre o agir eticamente é uma decisão individual, por outro lado, as normas e valores que o indivíduo toma por base 2 são reconhecidas ou não pelo grupo social a que pertence. Sendo assim, numa categoria profissional, cada um tem seus valores e normas pessoais que podem coincidir ou não com as do grupo. Se esse indivíduo não agir de acordo com as normas e valores desse grupo profissional poderá receber sanções do próprio grupo. Essas sanções podem chegar até a exclusão do grupo. 2.1.1 Os Códigos de Ética As normas e valores sociais formam parte de um conjunto articulado (ou sistema) que se constituem em Códigos de Ética dos grupos sociais (profissionais, familiar, religioso....). Cada código deve caracterizar-se por sua coerência interna, isto é, dentro de um mesmo código uma norma não pode entrar em contradição com outra, com a norma fundamental ou ainda com os valores em torno dos quais se articula sistematicamente todo o código. Isso não significa que não se possa verificar contradições entre a norma que prescreve determinado comportamento para os membros do grupo e comportamento efetivo dos indivíduos desse mesmo grupo. O mesmo pode ocorrer entre normas de códigos distintos. Um código de ética é o produto dos indivíduos enquanto sujeitos sociais e, como o tal, faz parte de um processo histórico que influencia o conjunto de normas e valores prescritos, bem como a sua eficácia na prática cotidiana. Sendo assim, o código expressa não só a prática do grupo social como também suas aspirações de valores e normas a serem adotadas. Os códigos de Ética podem ser explícitos – quando elaborados a partir de uma reflexão do próprio grupo e aceitos pela maioria de maneira objetiva e consciente - ou não - quando são impostos pelos costumes e tradições sem questionamentos. Por isso, encontra-se códigos orais e escritos. Sendo que no primeiro caso, nem sempre são reconhecidos enquanto tais. 2.1.2 Os Códigos de Ética e a Comunicação Social no Brasil Por sua condição histórico-estrutural de dependência econômica, política e social, a sociedade brasileira em todas características sofre influências de outras sociedades. Sendo assim os Códigos de Ética também refletem essa condição. No entanto, sem desconhecer este aspecto, bem como as demais especificidade (da ética e da sociedade brasileira, dos meios de comunicação no Brasil e das categorias profissionais envolvidas), vamos tratar dos seguintes Códigos de Éticas explícitos e escritos, em vigor: 3 Código de Ética da Radiodifusão Brasileira (ABERT) Código de Ética da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) Código Brasileiro de Auto- regulamentação Publicitária (CONAR) Código de Ética dos Jornalistas 2.2 Do Direito Direito é o conjunto de regras que disciplinam as relações humanas vitais para o Estado. Estas regras são impostas coercitivamente (através de dispositivos capazes de impor até pela força do aparelho repressivo do Estado – força policial e poder judiciário - o seu cumprimento). No senso comum significa a faculdade de praticar um ato, de dispor ou exigir algo de outra pessoa ou da coletividade. Com isso, percebe-se o antagonismo existente entre as classes sociais, principalmente, no tocante ao direito de propriedade. Então cabe a uma instituição aparentemente neutra decidir a questão. A extensão de seu domínio e a abundância crescente de suas regras, acompanhando o movimento de complexificação da sociedade, determinaram a divisão do direito em ramos. A principal divisão é entre o direito privado (se aplica aos indivíduos) e o direito público (que abrange no essencial o direito constitucional, o direito administrativo e o direito penal) e se aplica às coletividades públicas. Cada uma dessas categorias subdivide-se em outras. Para nós vale destacar apenas dois: o direito constitucional e o direito internacional. 2.2.1 Direito constitucional É o conjunto de regras jurídicas relativas às instituições de um país, à organização e as relações dos Poderes Públicos (Executivo, Legislativo e Judiciário) entre si, bem como entre cada um deles e os cidadãos. Nos países ocidentais seus princípios foram profundamente influenciados pelo pensamento liberal e pelas idéias democráticas que embasaram a ascensão da burguesia na Europa com a Revolução Industrial, na Inglaterra, e a Revolução Francesa. Com base nesse ramo do direito é que na década de 80 setores da sociedade brasileira levantaram a “bandeira” da necessidade de uma nova constituição para redemocratização do país e a chamada “remoção do entulho autoritário” então, em vigor, a partir do golpe Militar de 1964. 4 2.2.2 Direito Internacional É um sistema de regras que pretende propiciar solução para todos os conflitos entre os países. Suas regras já vem sendo aplicadas em diversos ramos. Entre eles, na questão de bens de domínio público, como historicamente vem sendo considerado a telecomunicação (telégrafo, rádio, televisão, radar e satélite) devido as possibilidades do espectro de freqüências e da abrangência do sinal emitido pelas emissoras. O avanço tecnológico do sistema de telecomunicações obrigou os países a reverem as cláusulas sobre soberania nacional (antes constituída pelo território real ou terrestre, isto é o espaço geográfico horizontal, e agora também o espaço vertical e também o chamado espaço do éter, isto é, a ocupação espacial das transmissões do sistema de telecomunicações). Desde o século XIX vem sendo redefinido os conceitos que procuram acompanhar a modernização tecnológica. A mais importante dos últimos tempos deve-se a comunicação espacial, na década de 60. O fórum internacional da legislação de telecomunicação é a União Internacional de Telecomunicações, filiadas a Organização das Nações Unidas (ONU) que coordena e controla o tráfico espacial. O Brasil é membro da UIT e vem ratificando os principais acordos realizados neste setor. 2.2.3 Legislação A lei é a principal fonte do Direito. É um ato geral e obrigatório, que emana de autoridade competente (Estado) que traz em si um ordenamento e, ao mesmo tempo, uma sanção que assegura o respeito e o seu cumprimento. Por isso, ninguém pode alegar ignorância da lei. Ela tem validade desde a sua promulgação e imediatamente é dada a público (geralmente publicada no Diário Oficial). O poder legislativo se seculariza a partir do momento em que o povo se converte no verdadeiro soberano. Historicamente este momento é marcado na sociedade ocidental pela ascensão da burguesia (Revolução Industrial e Revolução Francesa) quando a classe emergente questiona o poder divino dos soberanos e se inicia o processo de construção dos chamados Estados Nacionais (no Brasil este processo se inicia com a Independência em 1822). Na democracia representativa o cidadão elege os legisladores (e em alguns casos também o Poder Executivo), cabendo ao administrador público a execução da vontade geral e ao judiciário, zelar pelo respeito e cumprimento das leis. 5 Segundo o princípio da legalidade existe uma hierarquia dos textos. No ponto mais alto encontrava-se a Constituição e os “princípios gerais do direito”. A lei vem em seguida. Depois ao atos administrativos e governamentais. A Constituição define os diferentes poderes (legislativo, executivo e judiciário), seu âmbito e as relações entre eles. Define também o domínio da lei, isto é, sobre que uma lei pode intervir. Tudo o que não é domínio da lei é regulado por decreto e outros hierarquicamente subordinados. 2.2.4 O Direito e a Comunicação A comunicação social no Brasil é regida pela Constituição Federal de 1988 que determina um maior controle sobre os veículos eletrônicos do que sobre os impressos, definindo a competência e a atribuição da União (Poder Executivo, Legislativo, Judiciário) em relação a comunicação e as telecomunicações. Determina limites sobre a propriedade e a produção dos veículos de radiodifusão e as garantias da sociedade civil. Além disso, há outros instrumentos (leis, decretos, portarias...) que também regulamentam questões específicas como as atividades profissionais do setor, entre outras. Nesse campo é importante conhecer, entre outros, os seguintes instrumentos legais: Constituição Federal Código de Defesa do Consumidor Regulamentação do Conselho de Comunicação Social Código Brasileiro de Telecomunicações Lei de Imprensa Regulamentação Profissional dos Jornalistas (leis, decretos, portarias...) 3.Diferentes pontos entre a Ética e o Direito Na vida cotidiana diversas ações práticas podem ao mesmo tempo serem interpretadas sob a esfera da ética e do direito. Há situações em que a pessoa é punida pelo código de ética da sua profissão e pela lei (por exemplo, um advogado que tem como cliente um marginal e leva drogas para ele na prisão). Na sociedade brasileira, um fator complicador é que a eficácia da lei é estruturalmente precária e com isso os instrumentos éticos são ainda menos 6 eficazes. Mas uma sociedade democrática deve construir ou preservar instâncias decisórias intermediárias de sansão aos cidadãos. Para que se conquiste a tão falada responsabilidade social é preciso que cada um tenha a convicção íntima das normas e valores sociais a serem defendidos e a quem cada grupo eles beneficiam ou não, deixando às normas jurídicas àqueles que exigem mecanismos coercitivos que obrigam o sujeito social a comportar-se de certa maneira. Outro aspecto que diferencia a ética do direito é quanto a sua abrangência. A primeira, por ser regulada pela própria sociedade, dispõe de vários códigos (aqui inclui-se não só os escritos mas também os orais) que podem ser questionados e transformados de acordo com a vontade dos grupos sociais diretamente envolvidos. Já o direito dispõe de um sistema jurídico único para toda a sociedade, com menores possibilidades de modificações devido a complexidade social e a correlação de forças dos setores envolvidos. 3.1 A Ética e o Direito na Comunicação Espera-se ter demonstrado porque a ética e o direito estão sendo aglutinados na mesma disciplina: ambos tratam das diversas relações que o homem estabelece com o mundo exterior. Sua compreensão é vital ao profissional, pois pretende discutir ao mesmo tempo, sob óticas aparentemente diversas – filosóficas e jurídicas – o comportamento dos profissionais, das empresas e do público nos meios de comunicação do Brasil. As dificuldades encontradas para a compreensão destas questões se originam no pensamento monolítico que não consegue articular diversas ciências dentro de uma mesma ordem. Mas os profissionais de comunicação são privilegiados neste aspecto, pois ao trabalharem com fragmentos sociais conseguem construir um pensamento plural articulado. Por isso, trabalha-se simultaneamente com a ética e o direito e sua aplicação na comunicação: profissionais, empresas e público. 7