Questões preliminares sobre política em BF Skinner

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Universidade Federal de São Carlos
Centro de Educação e Ciência Humanas
Curso de Graduação em Psicologia
Departamento de Filosofia e Metodologia das Ciências
Questões preliminares sobre
política em B. F. Skinner
Marina Souto Lopes Bezerra
Trabalho final desenvolvido na disciplina de Pesquisa em
Fundamentos da Psicologia
Orientador: professor José Antônio Damásio Abib
São Carlos
Fevereiro de 2003
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Resumo
Práticas apoiadas por conseqüências imediatas e por uma moral ultrapassada
levarão ao fim da humanidade. Esta situação pode ser modificada, segundo Skinner,
caso seja reconhecida e aplicada uma ciência do comportamento que zele pelo bem da
cultura. Nesse contexto, a Ética é questão fundamental, pois devem-se estabelecer
objetivos coletivos e com conseqüências remotas. Além disso, o reforçamento positivo
deveria substituir o controle aversivo e os reforçadores deveriam ser contingentes, não
mais havendo direitos incondicionais. Seria estabelecido um governo das pessoas pelas
pessoas, sem as atuais agências de controle, pois suas práticas inviabilizam o futuro de
nossa espécie. A proposta de Skinner apresenta características anarquistas e “antireligiosas”. Entretanto, percebe-se uma ética protestante que permeia todo seu texto.
Mas tal ética não se alinha ao espírito do capitalismo; aliás, faz exatamente o contrário:
propõe seu fim. O capitalismo, os atuais governos e a religião têm futuros incongruentes
com o futuro da espécie.
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Skinner, em 1987, descreve um possível desfecho para a humanidade. Diz ele
que se, algum dia, visitantes do espaço reconstruíssem a história da vida em nosso
planeta, relatariam que a Terra fora um planeta pequeno, mas reunira características
propícias à vida. Tudo começara com os átomos, que um dia se uniram e formaram
moléculas. Da união de moléculas surgiram as células, as quais adquiriram a capacidade
de se reproduzir, gerando descendentes diferentes, dentre os quais o ambiente
selecionava os mais aptos a sobreviver; ou seja, conseguiram sobreviver apenas aqueles
cujas características eram mais adaptadas ao meio ambiente onde viviam. E estes
passaram suas características aos seus próprios descendentes.
Assim, as células evoluíram, e daí tecidos, órgãos e organismos. As espécies
surgiram. Uma delas, a Homo sapiens, desenvolveu a musculatura vocal e, através do
controle operante, a fala. Por meio da fala, desenvolveram-se práticas culturais, entre
elas, a ciência e a
tecnologia, que, infelizmente, foram utilizadas para apoiar
disposições genéticas que haviam evoluído num estágio anterior. Porque comida era
reforçador, os humanos passaram a cultivar a Terra em vastas áreas. Porque os outros
poderiam roubar suas coisas boas, eles inventaram armas. Para evitar doenças e mortes,
praticaram medicina e saneamento. Seu número aumentou e eles passaram a viver mais
e mais. Por isso, precisavam de mais recursos naturais, que poderiam se esgotar. Alguns
países guerrearam com outros por recursos, matando milhões de pessoas.
Algumas poucas pessoas perceberam o perigo, mas seus propósitos (por
apresentarem conseqüências remotas, distantes) entraram em conflito com práticas que
eram apoiadas por conseqüências imediatas e por princípios morais e éticos
ultrapassados. Então, aqueles que puderam, continuaram a procriar à vontade, a
consumir inconseqüentemente, a preparar-se para se defender a qualquer preço. Ao
final, as pessoas já não se preocupavam mais com o futuro, pois não havia mais pessoas.
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Para Skinner, este é o provável fim de nossa espécie. Entretanto, vejamos (e este
é o propósito do presente trabalho) como ele analisa o estado atual da humanidade e
propõe alternativas para que, antes de os E.T.s chegarem à Terra, nós possamos chegar
até eles.
Os textos utilizados para a presente análise são alguns daqueles escritos por
Skinner entre 1953 e 1987 e essa abrangência cronológica apresenta, de uma forma
preliminar, a evolução do pensamento skinneriano no que diz respeito a questões sociais
e culturais, algo tão pouco enfatizado quando se estuda behaviorismo nas faculdades.
Diria que, inicialmente, o autor tenta, por meio de seu arcabouço teórico-filosófico, uma
empreitada mais complexa, uma tentativa de generalização de conceitos extraídos do
laboratório de análise experimental do comportamento para instituições sociais, as
agências de controle. A partir de tal análise, são encontrados alguns “erros” (eticamente
falando) em tais instituições. Posteriormente, ele elabora propostas de resolução desses
erros e não creio que morreu satisfeito com suas propostas, ou melhor, com a
viabilidade delas.
O propósito deste trabalho é verificar como Skinner analisa as agências de
controle e, a partir disso, quais os problemas éticos do mundo atual e quais as propostas
dele para uma Ética que salve a humanidade do fim. Além do texto Agências de
controle, outros três textos darão base à presente discussão: Comportamento humano e
democracia, A ética de ajudar as pessoas e Por que não estamos agindo para salvar o
mundo. O conceito de Ética para ele, fundamental para este estudo, só se torna claro nos
três últimos textos e será posto mais adiante.
Antes de mais nada, é preciso deixar claro o referencial de que parte o autor: a
análise do comportamento, cujo fundamento filosófico é o behaviorismo radical. Este
tem como objeto de estudo o comportamento humano, definido como relação primordial
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entre corpo, enquanto máquina biológica, e o comportamento, de um lado; e o mundo,
de outro; sendo que um não existe sem o outro, não havendo, dessa forma, relação de
anterioridade entre eles. O comportamento pode ser entendido como um amálgama da
contingência de três termos: antecedente, resposta e conseqüência.
Além disso, o comportamento é produto de três tipos de seleção: a filogênese
(evolução da espécie), a ontogênese (dada pelo condicionamento operante) e a seleção
das práticas culturais. Todos os três tipos se baseiam no processo de seleção por
conseqüências.
Tendo em vista esse ponto de partida, Skinner critica duramente teorias que
buscam explicações mentalistas, causas mentais para os comportamentos. É necessária a
referência ao comportamento para que a manipulação do meio ambiente e a conseqüente
mudança nas respostas dos indivíduos sejam possíveis. A referência a estados mentais é
inútil por eles não serem causas do comportamento (elas estão no meio ambiente, no
mundo) e não serem manipuláveis. Respostas tradicionais diriam que nos falta vontade,
responsabilidade e inteligência. Seria mais útil se olhássemos para nosso
comportamento e para as condições ambientais de que ele é função para podermos
mudar nossas ações.
Ele critica também o fato de existirem teorias em várias áreas do conhecimento
(teologia, economia, teorias de governo, psicoterapia, educação) que tentam explicar o
comportamento humano em seus respectivos campos. Tais teorias não são satisfatórias,
pois, por "repartirem" o ser humano nessas áreas, são específicas e não intercambiáveis.
Como o ser humano não é compartimentalizado dessa forma, é necessária uma única
teoria aplicável a todos os campos em que há comportamento humano. A análise do
comportamento é uma alternativa para a compreensão do homem se comportando como
um todo em diferentes ocasiões, ou seja, uma explicação global.
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Muitas das ciências comportamentais (política, sociologia, antropologia e
economia) interpretam o comportamento humano, mas o comportamento estudado por
elas não deixa de ser produto da filogênese e da cultura, como o é o comportamento do
próprio cientista. Entretanto, elas se propõem mais a interpretações do que a elaborar
tecnologias para previsão e controle do comportamento humano.
Skinner refere-se a tais teorias não como ineficazes, mas sempre como
argumento para defesa de sua própria teoria, aquela segundo a qual o comportamento do
indivíduo como um todo seria explicado. Não seriam mais necessários paradigmas
diferentes para se entender o mesmo indivíduo se comportando em ocasiões diferentes.
Uma só ciência do comportamento elucidaria concepções sobre as ações do indivíduo,
por exemplo, na religião e na economia de modo a prescindir da Teologia e da
Economia.
Comecemos, então, pela análise das agências de controle, pois, na interpretação
do autor sobre as questões sociais e éticas da humanidade (do futuro, portanto), essas
instituições precisariam ser profundamente modificadas ou até excluídas. Além disso,
cronologicamente, é o primeiro texto dele a ser analisado aqui.
Conceito de Agências de Controle
Por meio do estudo dos processos comportamentais envolvidos, pode-se explicar
como uma agência controla um grupo e por que ela se mantém.
A partir daí, o autor se propõe a abordar cinco dessas agências: governo,
religião. psicoterapia, economia e educação. Ele deixa claro que a única preocupação
é com as concepções sobre o indivíduo se comportando nesses campos.
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Agências e práticas de controle
A agência governamental tem sido estudada pela ciência política, a qual lida
com as propriedades e a história dos governos vigentes, com vários tipos de estrutura
governamental e com as teorias e princípios oferecidos para justificar práticas
governamentais. Não se estudam os processos comportamentais que mantêm a relação
de poder entre governante e governado. Até recentemente, acreditava-se que o governo
e a lei derivavam de autoridade inquestionável e fixada permanentemente. Apesar de tal
visão ter sido superada pelo relativismo cultural, há ainda uma grande discrepância
entre concepções científicas e legais do comportamento humano. Algumas sociedades
vêem o homem como responsável, no sentido de ter conhecimento inato do "certo" e do
"errado". Outras consideram que ele deve obediência ao governante por este ter origem
divina ou por seu poder ter origem na força. Em se comparando os vários modos de
explicação do governo, a dificuldade é evidente, pois são diferentes, incompatíveis e
não adequados a uma visão geral do comportamento humano.
O capítulo de psicoterapia é aquele que apresenta mais críticas a teorias
anteriores. Nele, Skinner acusa Freud de basear sua psicanálise em ficções explicativas.
Segundo elas, o comportamento é sintoma de algo que acontece em algum outro lugar;
ele possui causas internas mentais e não é considerado, propriamente, objeto de
investigação e tratamento. Ansiedades, conflitos, desejos e memórias são vistos como
causas de comportamentos inadequados e não como parte deles.
A Economia, enquanto ciência que estuda os dados provenientes das transações
econômicas como comprar, vender, ter um emprego, não aborda diretamente o
comportamento humano. Uma adequada ciência do comportamento humano explicaria
o comportamento individual que produz os dados da economia geral.
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Tradicionalmente se diz, a respeito da educação, que ela maximiza o
conhecimento, normalmente entendido como uma entidade abstrata e, portanto, de
difícil
definição.
Entretanto,
Skinner
define
conhecimento
como
repertório
comportamental estabelecido na escola para uso futuro do educando.
Passando das críticas à proposta, vejamos como Skinner define (ou, se refere
inicialmente a) agência de controle: "Dentro do grupo, entretanto, certas agências
controladoras manipulam certos conjuntos de variáveis. Essas agências são,
habitualmente, mais bem organizadas que o grupo como um todo e geralmente operam
com maior sucesso" (Skinner, 1953, p. 333). Elas operam por meio de práticas de
controle, podendo estas serem entendidas como a manipulação de estímulos com o fim
de se estabelecerem contingências. Desse modo, os controladores lançam mão de
técnicas de reforço e de punição, o que é fundamental para o entendimento da crítica de
Skinner às agências de controle. Com efeito, reforço pode ser entendido tanto como
operação quanto como processo. Como operação, consiste na apresentação de um
estímulo fortalecedor (reforçador positivo), ou na retirada de um estímulo aversivo
(reforçador negativo), de forma contingente a uma resposta; enquanto processo, é
entendido como o aumento da probabilidade de ocorrência da classe de respostas à qual
pertence aquela resposta.
O comportamento verbal possui papel chave nas práticas de controle. Pode-se
perceber, inicialmente, a importância do comportamento verbal para as agências de
controle. Veremos a explicação para isso. O comportamento verbal pode ser entendido
como aquele comportamento cujas conseqüências são mediadas por outra pessoa. Por
exemplo, uma criança, tendo dito, com sucesso, a pessoas que parassem, pode gritar a
uma bola: Pare! Embora possamos provar que essa resposta não tem efeito sobre a bola,
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está na natureza do processo comportamental que a resposta, não obstante, adquira
força.
Usam-se estímulos verbais condicionados (condicionados porque foram
relacionados a outros estímulos eliciadores de outras respostas), estímulos como "certo",
"errado", "bom", "ruim", "legal", "ilegal" para classificar certos comportamentos, que
são reforçados/punidos de acordo. A punição geralmente provoca uma condição
aversiva da qual se foge com os comportamentos esperados pela agência. Ou seja, a
condição aversiva gerada pela punição a comportamentos inadequados é evitada com
comportamentos adequados, sendo estes reforçados por isso mesmo. Isso se torna bem
claro na análise da economia, da religião, da educação e do governo. E, com relação à
psicoterapia, o comportamento verbal é importante no momento em que o terapeuta se
apresenta como audiência não-punitiva. Desse modo, os comportamentos anteriormente
punidos e, por isso, reprimidos, aparecem. Como eles não serão mais punidos, alguns
efeitos da punição podem ser extintos.
No controle religioso, o comportamento verbal estabelece a ligação entre
eventos acidentais e certas respostas, propiciando o comportamento supersticioso,
básico para esse tipo de controle. Por meio de processos verbais, relaciona-se uma
conseqüência (que não é necessariamente relacionada) punitiva ou reforçadora a
determinada resposta do indivíduo. Essa conexão é estabelecida pela agência,
afirmando-se sua conexão com o sobrenatural. Os comportamentos são classificados em
virtuosos ou pecaminosos e punidos de acordo. Estímulos aversivos condicionados
(relacionados, em geral, com a descrição do Inferno) são evitados pelo comportamento
virtuoso. Comportamento pecaminoso é punido com ameaça do Inferno e da perda do
Paraíso.
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O pecado é punido de modo a gerar uma condição aversiva da qual se foge com
expiação e absolvição. São manipuladas condições ambientais com a finalidade de
evitar o pecado e favorecer comportamentos virtuosos. Além disso, por meio de
condicionamento respondente, respostas emocionais dos rituais são transferidas para
outros estímulos a serem usados com propósito de controle pela agência.
Em geral, as práticas realizadas pela agências têm como função estabelecer
obediência e autocontrole em seus controlados, ou seja, um repertório suficiente e bem
estabelecido de tal modo que, mesmo na ausência do agente controlador, eles se
comportem de acordo com a agência. Ou seja, a agência garante seu próprio futuro por
meio do estabelecimento de autocontrole dos controlados.
As práticas usadas pelo governo são, em sua maioria, coercitivas. O que mantém
grande parte dos governos é seu poder de punição - definida como a apresentação de um
reforçador negativo (aquele cuja retirada aumenta a probabilidade de ocorrência da
classe de resposta que o cancelou) ou a retirada de um reforçador positivo (aquele cuja
apresentação aumenta a probabilidade de ocorrência da classe de respostas que o
produziu). O consentimento do governado provém da congruência entre o controle
governamental e o controle ético, o qual consiste na classificação de determinados
comportamentos como "bons" ou "ruins" e a punição ou reforçamento de acordo. O
reforçamento positivo é raramente utilizado pelo governo.
As leis estabelecidas por eles descrevem certas ações como "certas" e outras
como "erradas". As erradas têm tal classificação por serem aversivas para a agência ou
para outra pessoa. Além de classificar, as leis estabelecem conseqüências para certos
comportamentos, de modo a controlá-los. As leis também servem para que os
governados exerçam contracontrole sobre a agência; entretanto, o contracontrole
perpetua a agência por estabilizá-la, por impedir o abuso do poder.
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Normalmente, a ênfase é dada ao comportamento ilegal por meio de punição, a
qual gera estímulos aversivos condicionados ("sentimento de culpa") que propiciam
reforçamento negativo de respostas incompatíveis com o comportamento ilegal.
Na educação, a punição não é mais tão deliberadamente usada como já o foi.
Buscam-se reforçadores artificiais (promoções, medalhas, boas notas, diplomas, todos
associados ao reforço generalizado da aprovação) para respostas que serão vantajosas
para o indivíduo ou para os outros no futuro. A instituição educacional faz mais do que
simplesmente comunicar conhecimento, ela ensina o aluno a pensar, estabelece um
repertório especial que tem como efeito a manipulação de variáveis as quais encorajam
o surgimento de soluções para problemas. Tal prática é essencial para preparar o
indivíduo para ocasiões futuras.
O reforço educacional faz certas respostas se tornarem mais prováveis sob certas
circunstâncias. Para isso, operantes são postos sob controle de estímulos que
provavelmente ocorrerão nessas circunstâncias. Apesar de tudo, o controle aversivo
permanece sob forma de ameaça de retirada de aprovação ou afeição. O repertório a ser
estabelecido não pode se opor aos interesses das agências a que a educação está
vinculada. Tal repertório é predeterminado por um currículo.
A respeito das práticas estabelecidas pela agência econômica, é formada por um
ou por vários indivíduos que possuem bens e dinheiro e utilizam seu poder para mantêlos. O reforçamento positivo está bastante presente no tipo de controle aí estabelecido,
ao contrário de outras agências. O dinheiro é um reforçador positivo generalizado, um
estímulo reforçador condicionado o qual foi relacionado a mais de um reforçador
primário, que estabelece uma escala única e unidimensional de comparação para as
transações financeiras, as quais são efetuadas pesando-se as conseqüências positivas e
negativas que cada um dos lados da transação irá ter.
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As remunerações são efetuadas em esquema de razão fixa (o estímulo reforçador
é apresentado depois de um determinado número fixo de respostas do indivíduo), ou
intervalo fixo (o estímulo reforçador é contingente a uma resposta emitida pelo
indivíduo após determinado intervalo fixo de tempo), ou esquemas combinados ou
variáveis (neste último caso, o reforço não é contingente a um intervalo fixo de tempo
ou a uma razão fixa; no intervalo variável e na razão variável, a média de tempo, no
primeiro caso, e a média de número de respostas, no segundo caso, é que são “fixas”).
Podem ser dados reforçadores financeiros adicionais (como bônus para manter a
taxa de resposta alta ou como gratificação por desempenho superior ao mínimo
esperado). Existem também fatores extra-econômicos que podem servir como
reforçadores, como o reconhecimento do próprio trabalho por outros profissionais ou
pela comunidade. Na relação de compra e venda, há vários determinantes para a
transação se efetuar ou não: nível de privação do consumidor, história de reforçamento,
propaganda, comportamento imitativo, história de certos esquemas de reforçamento e
contingências temporárias que governam a transação.
O controle utilizado na psicoterapia é, inicialmente, a promessa de melhora para
a condição aversiva em que está o paciente. Tal condição aversiva é efeito prejudicial de
outros controles, principalmente dos excessivos e inconsistentes. Terapia também
significa controle, pois o terapeuta tenta manipular algumas variáveis independentes da
história do paciente relacionadas ao problema dele de modo a interferir nas variáveis
dependentes (suplementando, assim, a história pessoal do paciente) e modificá-las para
afastar a condição aversiva na qual se encontra. À medida que o tratamento progride, o
terapeuta se torna fonte de reforçamento para o paciente. O comportamento do paciente
de voltar a ele para pedir ajuda é reforçado com o progresso eficiente da terapia.
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Freqüentemente uma agência opera em consonância com o controle exercido por
outras agências ou pelo grupo ético, utilizando suas práticas. A classificação dada pelo
grupo ético a alguns comportamentos pode ser utilizada de maneira semelhante pelo
governo, pela religião ou pela educação. O que a ética chama de bom e ruim, o governo
classifica como legal e ilegal, a religião denomina virtuoso e pecaminoso e a educação
usa termos como certo e errado. A interação entre as agências é comum, sendo que os
membros de uma podem fazer parte de outras. A agência religiosa, por exemplo, pode
ficar rica e agir por meio de controle econômico, pode formar e dar apoio a professores
para conseguir controle educacional, pode utilizar técnicas éticas e governamentais
juntas às suas próprias.
Pode-se perceber que a psicoterapia e a educação não usam suas práticas com o
fim exclusivo de manterem a si próprias, mas de dar suporte a outras agências. O que
reforça o comportamento de controlar dos membros dessas agências não é a manutenção
da agência apenas, mas a manutenção de outras agências. Infere-se, portanto, a partir do
texto de Skinner, a divisão das agências em dois grupos: religião, governo e economia;
psicoterapia e educação. Tendo, estas duas, função mantenedora das outras, dando
suporte às outras. Politicamente, as três primeiras podem ser consideradas como as
agências mais organizadas da sociedade, delimitadas mais nitidamente e que se
sobrepõem (no sentido de compartilharem práticas de controle e membros do grupo) e
interagem freqüentemente para manter o poder.
Uma definição das duas últimas faz referência necessária às outras, elas se
definem com referência às outras. A psicoterapia "trata" dos subprodutos
comportamentais (respondentes ou operantes) inesperados e prejudiciais do controle
exercido por outras agências. E a educação, como extensão de atividades de outras
agências, estabelece repertório comportamental no indivíduo para uso futuro. Tal
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repertório deve estar de acordo com os interesses das agências a que a educação está
vinculada. Por isso mesmo, ela é fundamental para o estabelecimento de uma ética
coletiva.
A relação controle - contracontrole nas agências de controle
Em geral, a manutenção da agência, além de outras conseqüências a serem
explicitadas adiante, reforça o comportamento do controlador. O indivíduo usa técnicas
para se tornar membro de uma agência e para se manter como tal. Comportamentos
nessa direção são reforçados quando obtêm sucesso. Além disso, aprovação e o apoio
do grupo - o grupo maior, o conjunto de pessoas formadoras da agência, ou controladas
por ela, ou de pessoas relacionadas a outras agências - podem ser importantes também
como reforço para o comportamento do agente controlador. Portanto, aqui se enfatiza,
novamente, a ligação com o controle ético.
O psicoterapeuta, por exemplo, tem seu comportamento inicialmente mantido
por razões financeiras. Depois, pode ser reforçado por seu sucesso em aliviar as
condições do paciente, em manipular o comportamento humano ou por conseguir provar
sua teoria ou sua técnica.
Com relação à economia, a agência pode ser formada por um único indivíduo ou
uma associação, uma fundação, uma indústria ou até mesmo um governo. Eles detêm o
controle econômico porque possuem o dinheiro e os bens necessários e usam o controle
para manter seu poder, protegendo sua riqueza e afastando o que a ameaça. Quando
obtêm sucesso, têm seu comportamento reforçado.
O contracontrole em cada uma das agência se estabelece, ou por outras agências,
ou pelos controlados. Ao mesmo tempo que limita, o contracontrole perpetua, por isso
mesmo, o poder da agência. São inegáveis os prejuízos decorrentes do controle abusivo,
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o qual, pelo próprio "esgotamento" do controlado, tenderia a se findar.
Conseqüentemente, um certo controle sobre o agente controlador tem como função
impedir esse "esgotamento" do controlado, possibilitando, dessa forma, a perpetuação
da agência.
No governo, isso ocorre por meio das leis. A agência religiosa sofre oposição da
economia, da educação, da psicoterapia e de seus controlados. Na psicoterapia, o abuso
do poder é evitado pelo contracontrole proveniente de padrões éticos e regras da
profissão. Com relação à economia, normalmente o grupo como um todo condena o uso
excessivo de riqueza como ruim ou errado e classifica o uso caridoso da riqueza como
bom ou certo. Neste caso, também agências governamentais e religiosas exercem
contracontrole. O contracontrole na educação é exercido por outras agências como o
governo, a religião ou a economia por meio do estabelecimento de um currículo escolar
a ser seguido pelos educadores.
A centralidade do Governo e a relação entre as agências de controle
Considerando-se os intercâmbios entre as agências, uma delas se destaca. Em
nossa sociedade, o governo é a única agência que tem o poder de controlar, de alguma
forma, todas as outras. Com o neoliberalismo crescente, este quadro se modifica, mas
ainda o governo com suas leis tem o poder de interferir tanto nas práticas religiosas,
quanto nas regulamentações da profissão de psicoterapeuta, nas práticas educacionais e
na economia.
Acima de tudo, os governos devem ser capazes de promover os direitos
humanos como justiça, liberdade e segurança, os quais funcionam como contracontrole
dos governados, limitação do poder da agência e que, ao mesmo tempo, justificam (e
este ponto é de extrema relevância) a sua existência. Um governo que zela pelos direitos
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humanos tem maior probabilidade de reforçar o comportamento de apoio a ele por parte
dos governados.
Dentre os direitos humanos, a justiça é entendida, por Skinner, como o ótimo
balanceamento de conseqüências aversivas e reforçadoras. É a punição que é
administrada com justiça e um governo maximiza a justiça quando tem sucesso no
balanceamento de conseqüências aversivas. A segurança consiste no ajuste do meio
ambiente para se impedir a ocorrência de eventos aversivos.
A liberdade, em questão, não é entendida como ausência de controle, mas como
pouca ou nenhuma existência de conseqüências aversivas. Liberdade do governo é
liberdade de conseqüências aversivas. Sob um governo que controla por meio de
reforçamento positivo, os cidadãos se sentem livres, apesar de não serem menos
controlados nem mais autônomos. Caso seja livre do controle positivo ou negativo do
governo (exemplo do louco que não recebe pena de morte por não ser responsável, ou
seja, controlável), surge, paradoxalmente, a idéia de irresponsabilidade.
A responsabilidade é vista aqui como controlabilidade. Se não há possibilidade
de estar sob controle, não há responsabilidade pelos próprios atos. Se for atestada, por
exemplo, insanidade mental em um réu, ele pode ser absolvido, pois, como é louco, não
poderia ser controlável e, portanto, não pode ser responsável pelos próprios atos.
Conclusão a respeito das agências de controle
Uma crítica inicial que pode ser feita à argumentação de Skinner em sua seção
sobre agências de controle é com relação ao fato de ele afirmar, inicialmente, que as
teorias dos diferentes campos (governo, religião, psicoterapia, economia e educação)
não são satisfatórias nem mesmo em seus campos específicos. Tal afirmação precisa ser
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analisada, pois, no caso, por exemplo, da psicoterapia psicanalítica e das interpretações
tradicionais da Economia enquanto ciência, ele ratifica a eficácia de ambas.
Na verdade, Skinner interpreta em linguagem comportamental a prática da
clínica psicanalítica, afirmando sua eficácia, embora critique veementemente a
psicanálise enquanto teoria. Nos resta perguntar que significado quis dar Skinner ao
termo satisfatórias quanto diz que a teoria não é satisfatória, mas a prática baseada em
tal teoria o é. Assim ele se referiu à psicanálise.
No que diz respeito à Economia, Skinner a critica por ela não mencionar
diretamente o comportamento humano individual, embora a referência implícita a ele
esteja sempre presente. O autor aponta claramente ser possível demonstrar relações
válidas entre os dados gerados pelas relações econômicas de um grande número de
pessoas. É provável que tenha usado a palavra satisfatórias, portanto, como sinônimo de
parcimoniosas. Isto quer dizer que as teoria criticadas por ele não são satisfatórias por
não serem parcimoniosas, embora seja afirmada a funcionalidade delas em seus
respectivos campos.
De fato, não nos parece ser a intenção de Skinner (e, caso seja, sua crítica é
aparentemente insuficiente) negar todo e qualquer valor a teorias e práticas tradicionais,
mas propor uma nova visão cujo paradigma seja o mesmo para as diversas áreas. As
visões tradicionais não seriam ruins em seus campos, mas não seriam gerais o suficiente
para se entender o homem como um todo. O que se nos apresenta, portanto, como
objetivo mesmo de Skinner, é sugerir uma interpretação do comportamento que
explique o ser humano se comportando nos diferentes campos. Logo, não seria mais
necessário compartimentalizá-lo em explicações, teológicas, econômicas, políticas.
Tal proposta é bastante coerente e a apresentação de seus argumentos é feita de
forma coesa. Nos deixa a desejar apenas em um ponto, o qual, segundo o próprio autor,
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seria fundamental para entendermos processos de controle das agência, embora mais
complexo de ser abordado e que tomaria, como veremos, quatro anos mais tarde, todo
um livro: o Comportamento Verbal.
Os “Erros” do Mundo Atual
A maioria das pessoas concorda que o mundo passa por sérios problemas.
Destruímos as outras espécies, usamos todos os recursos naturais, a Terra está ficando
menos habitável. Isso tudo ocorre a despeito de termos uma sociedade evoluída
tecnologicamente. A explicação dada por Skinner para tal estado de coisas é a seguinte.
Os modos como as pessoas reagem ao reforçamento positivo e ao negativo
levaram ao estabelecimento dos direitos a vida e liberdade e à busca da felicidade,
respectivamente. Levaram também a problemas, pois os processos por meio dos quais
os organismos aprendem a escapar ou evitar vários tipos de dano físico tiveram um
evidente valor de sobrevivência; porém, num ambiente civilizado, eles se tornam menos
importantes e podem até mesmo funcionar contra a sobrevivência. Isto ocorre quando,
por nos protegermos demais de danos físicos ou de trabalhos exaustivos, nos tornamos
vulneráveis a qualquer demanda ambiental mais forte. Ou quando a luta histórica pela
liberdade, por meio da qual as pessoas têm escapado de e enfraquecido ou destruído
aqueles que as tratam aversivamente, leva ao extremo de todos fazerem o que tiverem
vontade de fazer, a um laissez faire econômico, e a um individualismo extremado.
Além disso, levaram a problemas como resultado da busca da felicidade, pois a
luta excessiva por bens reforçadores pode vir a esgotar os recursos do planeta e porque
as pessoas diferem quanto à habilidade de conseguir tais bens e, logo, quanto à
quantidade de bens possuídos. Ademais, como maiores posses facilitam mais aquisição
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de bens, as diferenças se tornam muito grandes. Desse modo, o reforçamento positivo
tem levado a grande riqueza e a extrema pobreza.
Percebem-se, portanto, duas questões fundamentais enfrentadas por todos os
governos modernos. Em algum ponto entre liberdade e despotismo e entre riqueza e
pobreza existe o equilíbrio de ganhos individuais e sociais. Tradicionalmente se busca
alcançar tal ponto por meio do controle aversivo (tornar as lei mais severas, limitar a
aquisição de bens, fazer as pessoas trabalharem pelo que elas conseguem). Mas isso não
é bom para o grupo. O controle aversivo é geralmente visto como solução para os
problemas dos atuais (década de 70) governos.
Governos compelem obediência a autoridade, isto é, tratam as pessoas
aversivamente, punindo-as quando elas se comportam mal e relaxando a ameaça de
punição quando se comportam bem. Os governados podem impor um tipo de
contracontrole sobre o poder de punir dos governos, por meio de revoltas, greves,
golpes, revoluções, boicotes, violência, protestos e terrorismo. Desse modo, há um certo
equilíbrio entre controle e contracontrole e, com isso, o governo tem o consentimento
dos governados, conforme percebeu-se, anteriormente, na análise das agências de
controle. O controle aversivo, mais utilizado pelo governo, tem um valor de
sobrevivência e, portanto, certa prioridade, genética. Porém, quando ocorre num
ambiente cultural, apresenta sérias desvantagens, particularmente agora (década de 70)
que a democracia como filosofia de governo corre perigo. Isto é, há suscetibilidades
filogenéticas que são prejudiciais para a cultura de hoje.
Quando delegamos o controle das pessoas a instituições políticas e econômicas,
renunciamos ao controle face-a-face de um governo igualitário "das pessoas pelas
pessoas" e é um equívoco pensar que o recuperaremos por meio do contracontrole
exercido com relação a essas instituições. Prevenir o mal uso do poder pelos seus
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representantes é somente uma forma mais amena de luta pela liberdade contra a tirania.
A concentração do poder em uma agência merece objeção não apenas porque esse
poder é caracteristicamente mal utilizado e dispendioso, mas também porque destrói os
contatos interpessoais, fundamentais para o controle face-a-face e, logo, para o
governo "das pessoas pelas pessoas".
Além dos problemas citados acima, há outros também referentes ao governo
enquanto agência de controle. Há problemas nas práticas tradicionais de ajuda, no
conceito de direitos e no que se chama de justo. O comportamento de ajuda pode ter
conseqüências imprevistas as quais precisam ser consideradas. O grupo quer estar certo
de que seus indivíduos se ajudam mutuamente: a cada um de acordo com sua
necessidade. Este é um programa com problemas de natureza ética. Para resolvê-los,
devem-se considerar todas as conseqüências de um ato de ajuda e se repensar o conceito
de direito incondicional.
O grupo se certifica de que seus membros se ajudam mutuamente justificando as
práticas de ajuda como forma de garantir os direitos individuais. Assim, todos possuem
direitos iguais e incondicionais à vida, liberdade, felicidade e riqueza. Tal fato apresenta
problemas de natureza Ética, ou seja, problemas para o futuro do grupo. Vejamos por
quê.
Ajudar, caso o ato signifique “dar o peixe”, dificulta o “aprender a pescar”, pois,
se damos muita ajuda, adiamos a aquisição de comportamento efetivo e perpetuamos a
necessidade de ajuda, aumenta, dessa forma, a dependência em relação a quem ajuda,
que, quando nos referimos a direitos, é o governo. Isso, a longo prazo, é prejudicial ao
grupo. Ademais, entre receber algo grátis e trabalhar para conseguir esse algo, o
indivíduo, geralmente prefere a primeira opção e reforça mais quem lhe dá coisas do
que quem o ensina a conseguir as coisas. Além disso, o que damos aos outros pode
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funcionar como estímulo reforçador em relações de contingência e é aí onde entra a
modificação do comportamento.
Quando, em um ambiente, se garantem comida, abrigo e segurança como
direitos, essas coisas terão menor possibilidade de serem reforçadores. Assim, algumas
formas de comportamento nunca são adquiridas ou não são exibidas, pois não há
“motivação”, “vontade” quando se é excessivamente reforçado. Ou seja, se não se é
positivamente reforçado a fazer coisas (pois quase não há mais reforçadores
disponíveis) dizemos que falta vontade, há abulia, apatia, tédio e egos não
desenvolvidos. Entretanto, não se faz útil a referência a estados mentais, porque eles não
são manipuláveis. O ambiente, sim, o é, sendo necessária a referência a ele quando da
necessidade de se explicar o comportamento humano.
Tais pessoas não apenas não fazem nada (como crianças mimadas); elas ficam
sob controle de reforçadores “mais fracos” (lesser reinforcers), como os da arte, música,
literatura e ciência ou como o álcool, as drogas, os doces, os jogos de azar os filmes de
aventura. Segundo Skinner, deste segundo grupo, nenhum dos reforçadores leva a um
desenvolvimento completo do potencial genético humano.
O conceito de direitos implica incondicionalidade. Isto é, todos devem ter acesso
a seus direitos, independentemente de seus comportamentos; os direitos não são
contingentes a respostas dos membros do grupo e isso traz problemas éticos,
dificuldades para o futuro do grupo.
Quem vive em hospitais e prisões, por exemplo, tem poucos motivos para
trabalhar por reforçadores básicos, pois eles foram garantidos como direitos. A maioria
das alternativas, como jogo, sexo, álcool e drogas não estão disponíveis. Dessa forma,
eles podem ser reforçados a criar problemas ou sofrer de abulia, tédio, apatia. A análise
aplicada do comportamento resolveria tal problema, pois ela se preocupa com e diz
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respeito a estabelecer contingências efetivas de reforçamento de modo a fazer os
internos tomarem interesse ativo na vida e começar a fazer por eles mesmos o que,
antes, a instituição fazia por eles.
As coisas garantidas como direitos (usadas nos atos de ajuda e cuidado)
adquiriram poder especial na evolução das espécies e devem ser utilizados como
reforçadores na educação, na terapia, na reabilitação ou nos ambientes artificiais para
pessoas institucionalizadas. Logo, os direitos seriam contingentes ao comportamento
esperado. Isto é, os direitos não seriam, portanto, incondicionais e esse é o ponto de
conflito com visões tradicionais (nas quais ajuda é entendida como dar coisas e não
como arranjar contingências de reforçamento para o indivíduo conseguir coisas).
A questão central, portanto, não seria tanto quem deve ter quanto do quê, mas
sim como é necessário conseguir o que se tem. Se a ajuda não for contingente a
comportamento produtivo, aqui entendido como bom para o futuro do grupo, e ocorrer a
dependência com relação a quem dá ajuda, as agências de controle se fortalecem e o
controle face-a-face, uma cultura cooperativa, onde todos possuíssem o mesmo poder,
se torna mais difícil.
O erro das visões tradicionais é generalizar daqueles que não podem se ajudar
para aqueles que podem. Um direito mais fundamental é o direito de se viver em um
ambiente reforçador. Se isso acontecesse, muitos institucionalizados poderiam se
engajar em trabalho produtivo. Aqui é possível perceber o quanto uma certa ética
protestante permeia toda a proposta skinneriana para um futuro. Entretanto, em
Skinner, tal ética não se alinha ao espírito do capitalismo, exatamente porque é para
esse sistema que ele propõe mudanças radicais.
Nunca toda a abrangência dos processos comportamentais relevantes foi levada
em consideração em algum governo; nem pela defesa capitalista da propriedade privada,
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nem por um programa socialista de propriedade estatal como um meio de distribuição
igualitária. Faz-se necessária, portanto, a pergunta sobre em que medida o governo deve
aumentar a ajuda que seus cidadãos ricos devem dar aos pobres e em que medida as
nações ricas devem ajudar as pobres.
A Questão Ética
Ética: reflexão a respeito da Moral, esta aqui entendida como leis, direitos e
regras de conduta. Skinner parece usar o termo Ética no sentido de princípios éticos, ou
seja de alguns pressupostos para a Moral e para o julgamento das conseqüências das
ações das pessoas. É referência ao bem geral do grupo como um todo agora e,
principalmente, no futuro. É o princípio que mantém o grupo a longo prazo. “A Ética é
principalmente uma questão do conflito entre conseqüências imediatas e remotas”
(Skinner, 1987, p. 6).
As espécies criaram um mundo em que algumas de suas suscetibilidades
genéticas a reforçamento, ou seja, produtos de sua filogênese, estão ultrapassadas. Por
exemplo, fazer sexo é extremamente reforçador, mas em um mundo em que há o perigo
da superpopulação, a procriação pode trazer conseqüências aversivas a longo prazo e
prejudiciais ao grupo. É papel da cultura selecionar práticas que favoreçam a
sobrevivência do grupo. Aqui está o principal problema da Ética: o conflito entre
conseqüências imediatas e conseqüências remotas.
A cultura, vista como um completo sistema social, no qual algumas
contingências são mantidas por indivíduos e outras por instituições, recobre todas as
outras agências, como o governo e a economia. O meio social só existe por causa do que
as pessoas fazem por e para as outras pessoas.
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Precisamos fazer algo sobre o futuro, porém o futuro não tem efeito direto sobre
nossas ações. Não agimos por causa de um propósito ou de um objetivo para o futuro,
mas sim porque, no passado, certos comportamentos foram selecionados devido a suas
conseqüências. Assim, o conceito de propósito foi substituído pelo de seleção. Todavia,
tanto a seleção natural filogenética (responsável pela evolução das espécies) quanto a
ontogenética (responsável pela “evolução” do indivíduo, por suas aprendizagens)
preparam o indivíduo para um futuro semelhante ao passado selecionador. Assim, há
outra forma de seleção que supre de certa forma tal deficiência: a cultura. As práticas
culturais evoluem quando novas práticas são selecionadas por sua contribuição para a
sobrevivência do grupo.
Nesse ponto, o autor deixa claro seu conceito de o que seria uma cultura mais
evoluída: aquela cujas práticas selecionadas beneficiam o grupo como um todo, e não
apenas uma parte dele. É uma cultura para o todo e não para o indivíduo, embora ele
possua bastante poder no controle face-a-face.
É difícil o estabelecimento de práticas cujas conseqüências a curto prazo são
pouco reforçadoras ou até mesmo aversivas para o indivíduo mas cujas conseqüências
remotas, distantes, são benéficas para o grupo. Parar de destruir o planeta porque nos
avisaram e aconselharam que a situação é crítica e pode piorar é menos provável do que
parar de destruir o planeta porque já passamos por situações de falta de energia devido
ao abuso das reservas energéticas. Quando começamos a sentir as conseqüências da
destruição é que paramos de destruir.
As antigas suscetibilidades a reforçamento estão ainda conosco e o
comportamento fortalecido por elas é naturalmente incompatível com qualquer tentativa
de suprimi-lo. É possível, porém, manipular conseqüências imediatas que teriam o
efeito que conseqüências remotas teriam se agissem agora. Este é um problema ético,
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pois há um conflito entre conseqüências imediatas e remotas. As culturas têm ajudado a
resolver o problema arranjando conseqüências imediatas que poderiam ter o mesmo
efeito que as conseqüências remotas teriam.
Como discutido a respeito das agências de controle, o grupo possui instituições
as quais fazem isso: garantem o futuro por meio do processo descrito acima. A religião,
por exemplo, leva seus membros a sentirem vergonha por comportamentos que ela
classifica como pecaminoso, ou ilegal, no caso do governo. É o autocontrole dos
controlados que garante o futuro da agência, porque, mesmo em sua ausência, os
controlados se comportam de acordo com elas. As práticas que levam a isso são,
geralmente, punitivas. Apesar de tudo, essas agências se fazem sentir necessárias, e são
assim justificadas, por causa de suas conseqüências positivas, como paz interior dada
pela religião e segurança e ordem promovidas pelo governo.
Se há instituições que garantem o futuro, deve haver um motivo de o futuro da
espécie parecer ruim: ele não é o mesmo das instituições. Os futuros dos governos, das
religiões e dos sistemas capitalistas não são congruentes com o futuro da espécie. Cada
um garante o seu, de modo conflitante ao necessário para a sobrevivência do grupo
como um todo.
Diria que o “erro”, se fosse possível definir apenas um, está nas práticas
culturais selecionadas pelas agências, pois elas selecionam apenas aquelas que
garantirão seu próprio futuro, de modo incongruente ao que seria necessário para
garantir o futuro do grupo como um todo.
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Propostas Baseadas na Análise Aplicada do Comportamento e
Considerações Finais
A tese de Skinner é a afirmação da possibilidade de se estabelecer um governo
próximo ao ideal (qual seja, o governo "das pessoas pelas pessoas") através da
modificação do comportamento, neste contexto interpretada como mudança
comportamental por meio de reforçamento positivo. O controle aversivo, geralmente
utilizado, seria substituído por alternativas não punitivas, por um governo igualitário,
com o controle face-a-face, onde todos possuíssem essencialmente o mesmo poder e não
houvesse agências de controle. Tendo em vista a abrangência da cultura, tal proposta
somente poderia ser efetivada nesse nível, o nível cultural. Um meio ambiente social
pode funcionar sem a ajuda de legisladores ou empresários e é mais claramente um
governo "das pessoas pelas pessoas" quando isso ocorre.
"Utopias" desse tipo estão presentes na filosofia política do anarquismo, por
exemplo. De tempos em tempos, são propostas filosofias semelhantes. Hoje, entretanto,
estamos numa posição melhor para propor uma filosofia política, pois começamos a
entender como o meio ambiente, particularmente o ambiente social, funciona, e já temos
algumas orientações de como fazê-lo funcionar melhor. Muito disso é produto da
aplicação da análise experimental do comportamento, que veio a ser chamada de
modificação do comportamento. Assim, o behaviorismo representa papel fundamental
no estabelecimento de um governo "das pessoas pelas pessoas".
Há princípios comportamentais no estabelecimento do controle das pessoas pelas
pessoas. O primeiro é a substituição do controle aversivo por reforçamento positivo. Um
segundo é evitar reforçadores artificiais, pois os reforçadores naturais são mais
eficientes na modelação e manutenção do comportamento. Um terceiro princípio
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estabelece que comportamento que consiste em seguir regras é inferior ao
comportamento modelado pelas contingências descritas nas regras. Dessa forma, nosso
comportamento é mais sensível às contingências mantidas pelas pessoas quando somos
diretamente censurados ou aprovados.
Outro princípio diz que o controle das pessoas pelas pessoas é provavelmente
prejudicado por reforçadores não-contingentes (já utilizados por governos comunistas e
estados de bem estar social), pois eles restringem o desenvolvimento das capacidades de
seus membros e ameaçam a força da cultura e, talvez, suas chances de sobrevivência.
Isso está presente, como discutido anteriormente e a ser analisado a seguir, quando
existem direitos incondicionais. Em última análise, é a cultura em evolução que controla
o controlador. Uma cultura prepara seus membros para suas contingências. As pessoas
agem para aperfeiçoar práticas culturais quando o ambiente social induz a isso. Culturas
com esse efeito e que apóiam ciências relevantes têm mais probabilidade de resolver
seus problemas e sobreviver.
O uso mais amplo de reforçamento positivo é uma alternativa para se estabelecer
um governo "para as pessoas", pois o "sentimento de liberdade", o gostar do que faz, o
sentimento de felicidade são produtos do reforçamento positivo e estão entre os
objetivos de tal tipo de governo.
O governo "das pessoas pelas pessoas" seria aquele em que não se comporta
como se deve, mas como se quer. Este sentimento de liberdade é produto do
reforçamento positivo. No governo "das pessoas pelas pessoas", os indivíduos teriam
autocontrole, apresentariam senso moral e ético, ou seja, seguiriam as regras da cultura,
do meio social sem necessidade de supervisão. Tal fenômeno é possível somente
quando todos possuem essencialmente o mesmo poder. Se houver alguma agência de
controle,
mesmo
que
haja
contracontrole,
não
é
possível
uma
sociedade
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verdadeiramente igualitária. O controle face-a-face de um governo justo, eqüitativo, é
perdido com as agências de controle, devido à destruição dos contato interpessoais.
É necessário não confundir as idéias acima defendidas pelo autor com algo
semelhante a um liberalismo, no qual ocorre o predomínio da agência econômica. Tal
conclusão seria bastante incoerente, pois o predomínio da Economia, o laissez faire
econômico, levaria a uma involução da participação dos indivíduos nas decisões
coletivas, algo que já existe em algum sentido nos governos atuais. Se fôssemos
aproximar a proposta do controle face-a-face de alguma ideologia conhecida, seria a do
anarquismo, pois nele não haveria agências de controle.
Outra proposta de Skinner, agora referente ao comportamento de ajuda, mas
também relacionada às agências de controle, é que a análise aplicada do comportamento
é exatamente o que é necessário para se resolver a questão dos princípios éticos de se
ajudar as pessoas. Da análise experimental do comportamento surgiram técnicas as
quais podem ajudar a construir uma “Ética da ajuda”.
Nesse sentido, a proposta da modificação do comportamento é ajudar as pessoas
manipulando contingências sob as quais elas conseguem as coisas e não dando tais
coisas. Está aí o conflito com as visões tradicionais da ajuda, especialmente com os
princípios do que é justo ou defendido como direitos do indivíduo, em que há
incondicionalidade dos direitos.
Os bens dados podem servir como estímulos reforçadores e, por isso mesmo,
podem e devem ser utilizados em relações contingentes benéficas para o futuro do
grupo. Pessoas institucionalizadas, por exemplo, podem assumir interesse ativo na vida
e começar a fazer para si próprios o que antes a instituição fazia por eles, garantia como
direito.
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Desse modo, a Ética da ajuda defendida por Skinner não é aquela que dá coisas,
mas a que ensina (com a manipulação de contingências de reforçamento exclusivamente positivo) a conseguir tais coisas, de modo que cada um se torne mais
“senhor de si”, menos dependente de instituições de controle e se engaje em
comportamentos mais produtivos para que o futuro do grupo não seja comprometido. A
Ética de Skinner aponta a sobrevivência da cultura do grupo. A proposta é de uma
cultura cooperativa a longo prazo, na qual uma “vida boa” não é ter o que se precisa,
mas onde o que se precisa figura como reforçador em contingências efetivas. Isso seria
uma “cultura auto-sustentável”, em que seria possível o controle face-a-face.
Talvez a única esperança seja construir uma nova cultura desde o início. Mais do
que esperar por variações e seleções das práticas culturais que resolvessem nossos
problemas, poderíamos planejar um modo de vida o qual nos desse mais chances para
um futuro; planejar comportamentos individuais benéficos para o futuro do grupo.
A análise experimental do comportamento é a ciência necessária para se
planejar um mundo no qual os fracassos da evolução seriam corrigidos. Seria um
mundo em que as pessoas se tratassem bem, não devido a sanções de governos ou
religiões, mas por causa das conseqüências imediatas face-a-face. Em que não houvesse
consumo excessivo, ou outros comportamentos ruins para o futuro da humanidade. Em
que os cientistas, como queria Louis Pasteur, dessem mais valor, não aos aplausos a
serem recebidos amanhã, mas aos aplausos a serem recebidos daqui a anos.
Certamente, tal proposta encontraria objeções das instituições que ela pretende
substituir. Neste momento, o autor interpreta essas objeções como verdadeiros
obstáculos à sua proposta, que é extremamente radical. Sim, radical, pois se não
houvesse alterações nas “raízes” das instituições sociais, nas agências de controle (diria,
aliás, se não fossem arrancadas pelas raízes), sua proposta não seria implementada.
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Além do mais, seu modo de implementação seria impossível por meio de reformas, pois
encontrariam forte resistência tanto dos controladores como dos controlados. Construir
uma nova cultura do começo parece ser a única esperança. Mas isso é menos viável
ainda. Reforma não resolve muito e revolução não é possível.
Então, embora Skinner pareça um tanto pessimista, no final de sua vida, quanto
ao nosso futuro, ainda restava a esperança de que a análise aplicada do comportamento
fosse a redenção para a humanidade; acabasse com as agências de controle, as quais,
com suas práticas, nos condenam a um fim não muito distante. A única agência cuja
existência suas propostas permitiriam é a educação, mas ela não seria do modo como é
hoje, pois apoiaria práticas culturais que garantissem o futuro da espécie humana.
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Referências
* Skinner, B. F. (1953). Controlling Agencies. Em: B. F. Skinner. Science and
Human Behavior (pp. 333 - 412). New York: The MacMillan Company.
* Skinner, B. F. (1978). Human Behavior and Democracy. Em: B. F. Skinner.
Reflections on Behaviorism and Society (pp. 3 - 15). New Jersey: Prentice-Hall
* Skinner, B. F. (1978). The Ethics of Helping People. Em: B. F. Skinner.
Reflections on Behaviorism and Society (pp. 33 - 47). New Jersey: Prentice-Hall
* Skinner, B. F. (1987). Why We Are Not Acting to Save the World. Em: B. F.
Skinner. Upon Further Reflection (pp. 1 – 14). New Jersey: Prentice-Hall
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