BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA – BPC: UM DIREITO NEGADO? Ana Cristina do Nascimento Peres Albernaz* Erlândia Silva Pereira** RESUMO: Este artigo é oriundo do trabalho de conclusão de curso que teve por objetivo conhecer a importância do Benefício de Prestação Continuada - BPC para as pessoas com Câncer enquanto um direito vinculado a Assistência Social. Sabemos que a após a Constituição Federal de 1988, a consolidação da Lei Orgânica da Assistência Social em 1993 e o Sistema Único de Assistência Social em 2003, passamos a vislumbrar uma nova perspectiva para a assistência enquanto direito. Porém, o cotidiano nos coloca diante de diversas situações contraditórias que merecem ser discutidas e refletidas e é nesta diretriz que queremos trazer aqui algumas considerações sobre a assistência social. Palavras-chave: Assistência Social. Benefício de Prestação Continuada. Direito. 1. INTRODUÇÃO As inquietações para elaboração deste trabalho nasceram no campo de estágio, quando o cotidiano nos permitiu vivenciar o sofrimento de pessoas com câncer sem a proteção previdenciária. Percebemos que o que acontecia, era reflexo de um contexto maior. Para nós, ele era mais que um trabalho de conclusão de curso, era a oportunidade de “dar voz aos dominados” (FALEIROS, 2007). Os primeiros semestres no curso de Serviço Social nos permitiram perceber os efeitos colaterais do sistema capitalista. Somos apresentados a este sistema e desvendamos nossos olhos, porquanto passamos a compreender a sua lógica na realidade. A naturalidade é rompida. Neste processo de formação, somos imbuídos de uma capacidade crítica para leitura do real, ou seja, uma apreensão de mundo que não se esgota ao que está colocado, pelo contrário, é preciso compreender o todo e saber o que existe no sentido implícito das coisas. O antagonismo apresentado é inerente ao sistema e é a partir desta compreensão que formulamos as reflexões deste trabalho. * Bacharel em Serviço Social pela Faculdade Católica de Uberlândia e Assistente Social do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Brasília. ** Orientadora, Mestranda em Serviço Social no Programa de Pós Graduação da PUC-Goiânia, Docente na Faculdade Católica de Uberlândia e Assistente Social da Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia-MG. 1. Breve compreensão da Assistência Social e do Benefício de Prestação Continuada Para alguns teóricos estamos em tempos de conquistas no campo da assistência social. Ela é um dos eixos da seguridade social que tem como objetivo principal o combate à pobreza. Seu aparato regulatório são avanços notáveis, a Lei Orgânica de Assistência Social-LOAS; o Sistema único de Assistência Social; Estatuto do Idoso e o direito de acesso ao BPC aos 65 anos de idade1; o cadastro único e o Programa Bolsa-Família. Estes avanços são resultantes da luta de militantes da assistência social, que de longa data vêm se mobilizando pela regulamentação desta política como direito. Atos consideráveis que vão estabelecendo na sociedade, pela primeira vez na história do país, a assistência social como direito (BATTINI, 2007). A Constituição de 1988 subscreve a Assistência Social como direito. Miranda (2007) diz que os objetivos deste direito podem ser resumidos como um agrupamento de atuações, cujo fim é a pugna contra a pobreza, universalizando direitos sociais e identificando o caráter do Estado brasileiro elencado na Constituição Federal. Em síntese simplista, a Assistência Social é uma forma de combate à pobreza. Mas, o que é pobreza? Para responder a essa pergunta, nos reportamos a Yasbek (2007), quando a mesma afirma que a pobreza é a expressão direta das relações sociais vigentes na sociedade e certamente não se reduz às privações materiais. Alcança o plano espiritual, moral e político dos indivíduos submetidos aos problemas da sobrevivência. A pobreza é uma face do descarte de mão-de-obra barata, que faz parte da expansão do capitalismo brasileiro contemporâneo. Expansão do capitalismo que cria uma população sobrante, cria o necessitado, o desamparado e a tensão permanente da instabilidade na luta pela vida de cada dia (YASBEK, 2007, p.63). Pela explanação, podemos concluir que a pobreza é uma expressão de classe, ou melhor, de uma população que vive no “incabamento” enquanto subalternos2. Por isso, se encontram sem a possibilidade de colocar sua força de trabalho no mercado, dado o esfacelamento engendrado pelo capital, necessitando das políticas de assistência social, por viverem em um contexto de pobreza. Yasbek (2007) classifica pobreza como algo além da necessidade material. Não é a carência material em si, é a impossibilidade de consolidar a dignidade humana (YASBEK, 2007). 1 No inicio, a LOAS destinava o BPC a pessoas idosas com 70 anos e posteriormente, com 67 anos. Yasbek (2007) mostra que os estudos feitos no Brasil mostraram que há uma heterogeneidade da classe trabalhadora no país, oriunda da variedade dos tipos de dominação, sendo que o melhor conceito para compreender este grupo, é o de classe subalterna. Subalterno é um conceito gramsciano, que exprime “a ausência de poder de mando, de poder de decisão, de poder de criação e de direção” (ALMEIDA apud YASBEK, 2007, p. 18). 2 Gomes (2004) mostra que a Assistência Social é um direito que se destina às pessoas que vivem em situação de pobreza, uma vez que vem atender às “necessidades”. Com a Constituição de 1988, a assistência social é declarada como direito social, campo da responsabilidade pública, da garantia e da certeza da provisão. É anunciada como direito sem contrapartida, para atender a necessidades sociais, as quais têm primazia sobre a rentabilidade econômica. Para tanto, é definida como política de seguridade, estabelecendo, objetivos, diretrizes, financiamento, organização da gestão, a ser composta por um conjunto de direitos (GOMES, 2004, p. 193). O pensamento da autora mostra que a assistência social está calcada na Constituição Federal - CF como um braço da seguridade fundamentada na LOAS. A Assistência Social, enquanto proteção social vem para minimizar a desigualdade social que marca a história do país. Para Bering (2007). As expressões mais severas da desigualdade são a pobreza e a miséria. Resulta do mundo do capital e no contexto brasileiro estas são gravíssimas constituindo-se em um “drama crônico” percebido nas diversas expressões da questão social, que gestam produção crescente de desemprego e indigência. Para Iamamoto (2008) uma instabilidade que se centraliza na questão social onde entendemos a origem do futuro público para a assistência social. é importante reconhecer entre um dos aspectos centrais da questão social, hoje, é a ampliação do desemprego e a ampliação da precarização das relações de trabalho. Ou, nos termos de Mattoso, da “insegurança do Trabalho” englobando: a insegurança no mercado de trabalho, a insegurança no emprego, a insegurança na renda (IAMAMOTO, 2008, p.115). As transformações sociais provocam novas roupagens para as funções do Estado. Do mesmo modo, “a reforma do Estado é um processo de múltiplas determinações e representa uma tendência histórica que transcende a realidade brasileira. Trata-se de um processo de reordenamento da sociedade ocidental” (BATTINI E COSTA, 2007, p. 20). Assim, as políticas sociais, como forma de efetivação de direitos, são tensionadas entre os interesses das classes subalternas e dos grupos hegemônicos de poder, o que faz com que a Assistência Social brasileira tenha os vestígios da filantropização da década de 1940. São as perspectivas conservadoras que as centralizam em seus gabinetes, transformando-as em rol de politicagem. Porém, esta é constituída como direito, tendo como marco regulatório, a Constituição Federal de 1988 e a Lei Orgânica da Assistência Social nº 8.742/93. Como se segue: Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de têla provida por sua família, conforme dispuser a lei (Brasil, Constituição Federal , 1988, grifo nosso). Já a Lei Orgânica da Assistência Social- LOAS - traz: Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que prove os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. (BRASIL, 1993, grifo nosso). Tanto na Constituição Federal como na LOAS, as palavras grifadas: necessitar, mínimos sociais e necessidades básicas são apropriadas pelos neoliberalistas. Estas palavras mascaram a relação de dominação. (SPOSATI, 2007). Conceitos e valores norteados pela perspectiva de Estado máximo e mínimo3 transformam as políticas sociais em mínimos sociais, precarizados, que atendem às necessidades básicas de sub-sobrevivência. Nesta lógica, não existe garantia de reprodução social: alimentação de qualidade, habitação digna, educação, lazer, vida política, autonomia, emancipação etc. Assinalando assim, as iniciativas neoliberais de caráter minimalista representam o recuo do Estado para os direitos sociais e se apropriam dos mínimos e dos básicos para estimular políticas parcas, pontuais, e muitas vezes, excludentes. Historicamente, os mínimos sociais foram estabelecidos em estreita relação com as concepções de pobreza e, particularmente, com os limiares de pobreza absoluta. Regra geral as linhas de pobreza absoluta foram, e ainda são de algum modo, estabelecidas com base numa visão restritivista e minimalista das necessidades humanas, visando garantir um padrão de sobrevivência biofisiológica e condições mínimas de manutenção da capacidade de trabalho, ao nível mais elementar dos patamares de padrão de vida. Foi esta, concretamente, a orientação prosseguida na fixação dos salários mínimos (BRANCO, 2004, p.57-58). Com um discurso de redistribuição de riqueza, os mínimos sociais são propalados nos programas de transferência de renda. Não obstante, continuam com estreita ligação com a pobreza. Como exemplos de mínimos sociais, temos o salário mínimo, Programa Bolsa Família - PBF e o Benefício de Prestação Continuada. A tríade não supre as necessidades humanas em sua totalidade. Contudo, ao olharmos para história, estes mínimos constituem-se como um progresso, pois hoje são tratados na dimensão dos direitos. Dado o desfacelamento das proteções sociais como um todo, neste contexto de neoliberalismo à moda brasileira, de deteriorização das relações de trabalho, com homens e 3 Máximo para o capital e mínimo para social, para melhor compreensão, recomenda-se leitura de Carlos Montaño. mulheres em situação de adoecimento e destituídos de proteção previdenciária, acabam por ficar a mercê da assistência social. Esbarram na muralha da burocracia e a frase “a quem dela necessitar” pode ser ampliada para “a quem dela necessitar e conseguir chegar”. 2. Benefício de Prestação Continuada no lócus da Assistência Social: incluindo ou excluindo? Os aspectos teóricos mostram que a assistência social age em dois modelos: serviços e benefícios. Os serviços são as ações da assistência social e os benefícios têm natureza pecuniária. Como benefício assistencial, temos o Benefício de Prestação Continuada – BPC que é: O repasse de um salário mínimo mensal, dirigido às pessoas idosas e às portadoras de deficiência que não tenham condições de sobrevivência e que atendam a determinados limites de idade e situação de deficiência, tendo como princípio central de elegibilidade a incapacidade para o trabalho. Foi previsto na Constituição brasileira de 1988, nas disposições relativas a seguridade social, compondo o conjunto de direitos e objetivos da assistência social, a qual figura pela primeira vez com o estatuto de direito do cidadão que dela necessitar e dever do Estado. Posteriormente, em 1993, foi regulamentado, no âmbito da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas). Sendo implementado a partir de 1996, sob a responsabilidade do governo federal, por intermédio do Ministério da Previdência e Assistência Social (GOMES, 2004, p. 192). Ratifica-se, que ele é regulamentado em 1993, pela Lei Orgânica da Assistência SocialLOAS e implementado em 1996. A Política Nacional de Assistência Social que estabelece a gestão do SUAS, mostra que BPC faz parte da proteção social Básica. O discurso apresentado nesta política, referente ao BPC, demonstra seu impacto positivo no âmbito social e econômico por retirar 2,5 milhões de pessoas da indigência e assim ganha espaço e efetividade. Ressalta-se que o BPC é administrado pelas agencias do INSS. Para requerer este benefício o usuário por contato telefônico ou pessoalmente, agenda seu atendimento no caso do idoso com 65 (ou acima) anos de idade, ou sua perícia, se for pessoa com deficiência. O deferimento ou indeferimento do pedido é enviado via correspondência. Para Barbosa & Silva (2003), o BPC é um programa assistencial de transferência de renda. Essas autoras mostram que a transferência de renda tem um legado histórico. Ainda afirmam que Em 1526, Juan Vivés criou o primeiro projeto de renda mínima, em 1848, Joseph Chalier elaborou uma proposta de renda para “todas as pessoas” e que no século XX, alguns autores acirraram a defesa de uma renda mínima que suprisse as necessidades humanas. Nesta época, colocam que Russel defendia um mínimo básico tanto para as pessoas que trabalhassem quanto para as que não trabalhassem. Barbosa e Silva (2003) afirmam que tivemos, no Brasil, quatro momentos de programas de transferência de renda: em 1991, com o projeto de Eduardo Suplicy destinado a jovens maiores de 25 anos; de 1991 a 1993, para famílias que tivessem crianças e adolescentes (de 5 a 16 anos de idade) na escola, introduzindo a inovação da família beneficiária e não do indivíduo; em1995 efetivam-se as primeiras experiências no contexto de sistema de proteção social brasileiro; e em 2001, com a expansão do BPC (1996) e o PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e criação de outros programas (bolsa- escola; agente jovem, bolsa-alimentação, bolsa-renda, vale- gás), estes últimos, hoje inseridos no Programa Bolsa Família (2003). Frente ao exposto, percebemos que o BPC é direito constitucionalmente garantido. Quando acessado, ele é destinado a pessoas que não dispõem de recursos para sua sobrevivência, ou seja, são para pessoas que estão fora do mercado formal de trabalho. Simões (2009, p. 228) esclarece que “o valor” é “de um salário mínimo mensal, sem desconto da contribuição previdenciária e sem abono anual (13º salário)”. Segundo ele, existem questionamentos sobre o valor do BPC, cujo objetivo é colocá-lo inferior a um salário mínimo, onde os argumentos giram em torno das pessoas que contribuem com a previdência durante anos e recebem o mesmo valor dos que não contribuem.4 Miranda (2007), também mostra estas peculiaridades do benefício assistencial, que “não gera pagamento de abono anual. Por ser de caráter personalíssimo, o benefício não pode ser transmitido, não dando origem a pagamento de pensão, extinguindo-se com a morte do beneficiário.” Em 2007, o BPC integrou-se ao Sistema Único de Assistência Social- SUAS - e em 2008, por meio de decreto, apresentou os seguintes critérios para sua obtenção: Ter 65 anos de idade, no mínimo ou com deficiência incapacitante; em ambos os casos, ser carente, isto é, não ter renda pessoal ou familiar, superior a 25% do salário mínimo; não estar recebendo benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, nacional ou estrangeiro, salvo assistência médica ou pensão especial de natureza indenizatória; não ter atividade remunerada; não ter meios de prover a própria subsistência ou por sua família (SIMÕES, 2009, p. 228). Os patamares de miserabilidade continuaram sendo requisitos para obtenção do BPC. Um dos critérios de definição do valor para recebimento do benefício origina-se da divisão do salário mínimo pelo número de pessoas da família, ou seja, pelo “conjunto de pessoas que vivem sob o mesmo teto” (Ibdem), cujo resultado da divisão não pode ultrapassar o valor ¼ que é o mesmo que 25% do salário mínimo, que corresponde hoje a cento e dezesseis reais e vinte cinco centavos (R$116,25). 4 Esta informação foi colocada em caráter informativo que nos permite refletir sobre o valor dos sujeitos sem qualidade formal de trabalho ou sem contribuição previdenciária. O salário mínimo já é mínimo, e ainda assim, querem reduzir o valor para usuários da assistência social. O critério legal de incapacidade de a família prover a própria manutenção não é realista, restrita a, apenas, 25% do salário mínimo, valor incompatível com a realidade social, pois o valor fixado pela União contradiz o disposto no art. 76 da CLT, que exige expressamente, como seu requisito, com relação aos trabalhadores, ser esse valor capaz de satisfazer, em determinada época e região do país, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte (ibidem 2009, p. 330). Esta assertiva robustece as peculiaridades das expressões da questão social brasileira, que marcam a vida de milhares de pessoas. A declaração de Simões (2009) nos mostra que o valor per capita, para requisitar o benefício está aquém da realidade consubstanciada na Constituição Federal para garantir a sobrevivência dos sujeitos. Ele ainda menciona que pedidos são indeferidos quando a renda familiar ultrapassa os 25% do salário mínimo, portanto, afirma que “se o laudo socioeconômico do Assistente Social comprovar carência, mesmo referida renda seja superior ao citado limite, o direito ao benefício deve ser reconhecido porque prevalece o art. 20 da LOAS” (ibdem) . Segundo Simões (2009), o benefício pode ser recebido por mais de um membro da família, porém, não gera pensão, se findando com a superação dos requisitos. Caso o benefício seja deferido após a morte do requerente, o dependente poderá recebê-lo por até seis meses. O fato do BPC não gerar pensão nos mostra que, ao falecer um provedor que tenha este benefício, a família, cônjuge e/ou filhos ficam em situação de vulnerabilidade, pois esta renda, muitas vezes, é a principal fonte da família (SPOSATI, 2004). As colocações acima validam a importância do trabalho do Assistente Social para consolidação dos direitos a uma seguridade ampliada, principalmente ao BPC, quando o profissional é habilitado para reconhecer e deferir (ou indeferir) o mesmo para uma pessoa. Ao afirmar que a assinatura do profissional pode proporcionar o acesso das pessoas com renda superior a ¼ do salário mínimo ao benefício, Simões (2009) nos mostra o caminho para a direção de um valor superior a 25% (per capita) do salário mínimo, para aquisição do BPC. Com o aumento desta demanda, os profissionais que atuam nesta área podem transformar seus dados em material para adensar as reivindicações para ampliação do BPC. Barbosa e Silva (2003), Sposati (2004) e Gomes (2004) criticam o requisito de renda per capita para aquisição do benefício, uma vez que o benefício é individual, se tornando familiar somente no momento da concessão, em que se toma como referência a renda familiar. Deste modo, o benefício é contraditório e restritivo, uma vez que se exige uma renda per capita muito baixa, ao “nível da indigência” Gomes (2004). Para muitas pessoas o BPC significa uma renda mensal certa, que não passa pelas esguelhas do clientelismo. Valida ao cidadão sua autonomia, pois com um cartão magnético, ele vai ao banco, retira seu dinheiro e é livre para utilizá-lo como lhe aprouver. Assim sendo, ratifica um avanço considerável no âmbito da Assistência Social, como direito não ligado à relação formal de trabalho. Receber, acessar um benefício social como um direito constitucional, independente do vínculo de trabalho, é sem dúvida, um marco significativo na extensão com contrato social brasileiro. Este, e talvez só este, seja o grande caráter inaugural desse beneficio. A legislação social brasileira sempre exigiu a apresentação prévia da condição de trabalhador formal, com carteira assinada para ter afiançado o acesso social. A distribuição não-redistributiva perversamente própria do modelo concentrador de renda adotado no Brasil sempre exigiu que o “suor do rosto”, provocado pelo esforço do trabalho, e formalmente atestado por outro, e não só pelo cidadão demandatário, chegasse antes de qualquer acesso a um benefício (SPOSATI, 2004, p. 129, grifo da autora). Na fala de Sposati (2004) vemos que o motor do capitalismo, “o trabalho”, sempre foi a condição para acesso a algumas políticas sociais5, entendidas como fruto da contradição da relação capital e trabalho. O direito social que esteve vinculado à relação de trabalho nos faz entender que para ser “protegido” o cidadão tinha que provar sua condição de trabalhador ou têla provado por outrem, uma vez que vivemos em uma conjuntura em que não há trabalho para todos, o BPC é uma conseqüência deste efeito. Se o próprio sistema não abarca formalmente a mão de obra existente, o Estado, ao ser pressionado pelo diversos atores, dever criar mecanismos que proteja estas pessoas Sposati (2004) afirma que o BPC é o primogênito dentre os mínimos sociais, não sendo vinculado à relação de trabalho. Sua antecessora, a extinta renda mensal vitalícia6, tinha cunho contributivo, reservada a pessoas acima de setenta anos de idade ou inválidos sem trabalho remunerado. A autora coloca o BPC como uma conquista dos movimentos em prol da pessoa com deficiência, pois os mesmos reivindicaram com o governo federal o cumprimento constitucional, dialogando em diversas arenas políticas. Cabe ressaltar neste processo, as intervenções do movimento social em defesa do Benefício de Prestação Continuada , entidades de trabalhadores do setor, de atendimento aos segmentos envolvidos, de defesa de direitos, parlamentares, conselhos de assistência, técnicos e pesquisadores, destacando-se as manifestações das duas conferenciais Nacionais e do Conselho Nacional de Assistência social. Tais intervenções, ainda que não tenham sido suficientes e apesar de não terem obtido êxito quanto à ampliação do acesso, pelo menos impediram, até o momento, retrocessos ainda maiores, como: tentativas de suspensão, desvinculação do salário mínimo e restrição quanto à idade do idoso (GOMES, 2004 p. 204). 5 Com um olhar Marxista para as políticas sociais, Bering (2004) afirma que elas não podem ser consideradas redistribuição de riqueza e renda. São, portanto, parte da política econômica, oriundas das lutas dos trabalhadores, devendo ser analisadas historicamente pela vertente da totalidade, pois, ora atende o capital, ora o trabalho, no solo da luta de classes, se insere na dinâmica das relações sociais de ontem e hoje. 6 A renda mensal vitalícia foi criada no regime militar em 1974 com a lei nº6.179, para obtê-la, a pessoa teria que contribuir por no mínimo um ano. Porém, esta foi abolida com a implantação do BPC. O ingresso para ter o benefício transformou-o em direito tutelado, com critérios fastidiosos de seleção que corroem o progresso constitucional, pois limitam o direito do cidadão à renda per capita familiar agregado a incapacidade para a vida independente, que é a limitação para atividades laborais e cotidianas, como tomar banho, comer, andar sem apoio etc. Assim adensa o Judiciário, com toda sua morosidade, como espaço para recorrer “a um direito humano e social” (SPOSATI, 2004, p. 126). Vimos que há dois tipos de beneficiários, idosos e pessoas com deficiência. Em ambos os casos, a questão da renda inferior a um quarto do salário mínimo é exigida. Contudo, para a pessoa com deficiência, seja mental ou física, além dela ter que estar dentro desta faixa de miserabilidade, deverá também ser incapacitada para a vida independente. É por isto que Santos (2004) afirma que dentre os requisitos, para aquisição deste benefício, quando se fala em idade, como é o caso do idosos maiores de 65 anos, não há maiores problemas. Mas, quando se trata da pessoa com deficiência, ela é duplamente avaliada. Neste sentido, ela tem o dobro de chances de ter seu pedido a este direito negado. Para comprovar a deficiência, o solicitante terá que passar por uma perícia médica no Instituto Nacional do Seguro Social- INSS. Só nesta condição poderá se confirmar ou não a sua “incapacidade para vida independente e trabalho” (ibdem, 2004, p.80). Tal fator ainda é mais perverso para os doentes crônicos (AIDS, renal, câncer etc.), pois não há legislação que os ampare para receber o BPC. Em 2003, este tipo de invalidez representava10% do número total das pessoas que recebiam o BPC, entrando no rol de pessoa com deficiência (SPOSATI, 2004). Para Santos (2004), o artigo 203 da CF não mencionou critérios de impossibilidade ao acesso, apenas destinou a Assistência Social a quem dela necessitar. Assim, da forma como foi elaborada, a lei nº 8.742 acaba por ferir a Constituição maior e a dignidade da pessoa humana, na medida em que coloca padrões restritivos para acesso ao benefício, como por exemplo, a incapacidade para a vida independente. Mas o que é vida independente? Miranda (2007) conceitua esta condição da seguinte forma: Incapaz para a vida independente e para o trabalho é aquele que não pode se sustentar, necessitando do auxílio ou atenção de terceiro para a execução de tarefas que lhe exija maior esforço. Enfim, o conceito de vida independente não significa situação de prostração física que impeça por completo o deficiente de se locomover e realizar as atividades elementares do dia-a-dia (v. g. asseio pessoal, vestir-se e comer). Não será independente aquele que para gerir satisfatoriamente sua vida dependa, em razoável grau, da assistência de outrem (MIRANDA, 2007, p. 277). Como se percebe, este autor dá certa “leveza” a esta condição dos requerentes ao benefício. Contudo, as falas dos outros autores sobre as dificuldades encontradas para as pessoas com deficiência para adquirir o BPC nos mostra um caminho inverso. A comprovação da deficiência deve incapacitar a pessoa pra vida independente para além do que foi colocado aí como ratificamos. Não fosse o requisito de INCAPACIDADE previsto apenas na LOAS, bastaria verificar se a deficiência encaixa-se nas definições legais já existentes [...]. Mas não. Atualmente, uma pessoa dita “apenas cega” acaba não fazendo jus ao benefício de prestação continuada porque esta deficiência, apesar de muitas vezes impedir a pessoa de trabalhar e de qualquer fonte digna de renda, não a incapacita para vida independente [...]. É realmente uma lástima que a lei ordinária, que deveria apenas disciplinar o ACESSO ao benefício, tenha praticamente inviabilizado este acesso, ou, quando não, transformado a obtenção do benefício num ATESDADO de incapacidade (FÁVERO, 2004, p 182-183). Neste sentido, colocamos a seguinte indagação: se para a pessoa com deficiência, já é difícil provar a incapacidade para a vida independente, para um doente crônico com câncer, por exemplo, que não está elencado no rol de pessoa com direito a este benefício, as dificuldades são ainda maiores. Refletimos sobre o mercado de trabalho para as pessoas com deficiência, que já é escasso, para o doente crônico7 então, ele ainda é mais dificultoso, pois não é interessante para empresas contratar pessoas que terão que por vezes se afastarem do trabalho para realização de consultas e exames. A incapacidade para o trabalho vivenciada pelas pessoas com doença crônica8 é um fator para além da incapacidade em si, é um fator conjuntural. A LOAS ao agregar outras requisições para o recebimento do BPC , focaliza os sujeitos para este benefício. Ao exigir a comprovação para a vida independente e para o trabalho, bem como a renda percapita inferior a um quarto do salário mínimo, a lei nº8.742 estabeleceu um corte que criou uma legião de excluídos sociais. E não é essa vontade constitucional. A dignidade da pessoa humana é fundamental do Estado Democrático de direito. Como reconhecer a existência digna àquele que, embora portador de deficiência, tem, exemplificamente, controle dos esfíncteres, e por isso não pode ser atendido pela assistência social? Em tese, a pessoa com deficiência pode trabalhar, mas é uma hipocrisia afirmar que consegue colocação no mercado de trabalho num país preconceituosos e carente de postos de trabalho (SANTOS, 2004, p. 80). A conjuntura mundial mostra que o desemprego é um fator crônico do capitalismo. As reflexões acima nos possibilitam pensar também o mercado de trabalho para uma pessoa com doença crônica, com todas as conseqüências físicas e psicológicas da mesma. O emprego da tecnologia para aumento da produtividade provocou um aumento progressivo do desemprego, os 7 A pessoa com doença crônica tem algumas peculiaridades em seu cotidiano, como dependência de medicamentos de uso contínuo, limitação para determinados esforços físicos e necessidade de realização de acompanhamento médico periódico. Tais necessidades os impede de entrar no mercado de trabalho. 8 A doença crônica tem evolução prolongada e segundo alguns pesquisadores as mesmas não tem cura e gera impactos significativos na vida do doente. O tratamento e o controle podem melhorar a qualidade de vida destas pessoas. trabalhadores do campo sofreram as conseqüências desta nova reformulação da produção. Criase uma população sobrante no mundo do trabalho, com a focalização das políticas sociais cria-se uma população sobrante para o BPC. Numa palavra: mais trabalho morto e menos trabalho vivo. Isso implica, como se sabe, num crescimento da superpopulação relativa, que, como força de trabalho sobrante, resulta num incremento do contingente de exército industrial de reserva cujas conseqüências sociais são terríveis para os trabalhadores: mais degradação de suas condições de vida e maior desemprego (BRAZ, 2007, p. 59). Para Miranda (2007), a capacidade para o trabalho pode ser temporária, contudo, deverá ser caracterizada pela completa incapacidade do indivíduo para esta atividade. O mínimo que seja de possibilidade laborativa desautoriza a concessão do benefício assistencial. Ressaltamos que este benefício é revisto a cada dois anos, cuja finalidade é verificar se a pessoa continua na mesma condição de pobreza, ou incapacidade para o trabalho de quando o solicitou. Caso tenha superado, o BPC é retirado da pessoa. Tal fator faz com que as pessoas mantenham um padrão de vida que a permita sempre receber o benefício. Pensando assim, num contexto neoliberal de agravamento da questão social, nota-se que este vem distanciar-se de inúmeros sujeitos. Trata-se de uma verdadeira armadilha da pobreza, dado o conjunto de critérios a que submete o candidato, seu grau de seletividade e cobertura, abrangendo situações de vulnerabilidades praticamente irreversíveis, bem como sua condição de direito solitário, desgarrando da assistência social e das demais políticas de proteção social. Suas potencialidades e suas possibilidades de contribuir para autonomia dos beneficiários ficam, assim, comprometidas. É um direito que, na sua materialização, apresenta-se aprisionado, contido, encerrado pelos imperativos do comando da ideologia neoliberal (GOMES, 2004, p. 216). A armadilha da pobreza descrita pela autora pode ser traduzida na forma de vida das pessoas que recebem o BPC, pois com a superação da condição de “necessitado”, o benefício é cancelado. As famílias não superam a condição, e muitos de seus membros aceitam trabalhar na informalidade para não haver comprovação de renda per capita superior a ¼ do salário mínimo (BARBOSA e SILVA, 2003). Assim, referendamos nossas argumentações quanto às armadilhas do sistema neoliberal para sucumbir com os direitos, principalmente com os elencados pela seguridade, sobretudo, a assistência social. Não é nosso interesse aprofundar nesta questão da desvinculação do BPC dos programas assistenciais, contudo, é um fator que necessita discussão em outro momento. Sendo assim, as características do BPC que se apresentam são de desmonte, focalização, seletividade e restrição para seu acesso. Essas são oriundas dos ajustes fiscais e corte de gastos sociais, evidentes nos governos de cunho neoliberal, que ao elencar parâmetros tão restritivos, excluem diversos sujeitos, revelando uma face estigmatizante em seus requisitos. Além de ser idoso ou pessoa com deficiência, é preciso ser pobre e ter uma família que viva em completa miséria, cuja vitimização, neste caso é duplicada, tanto no critério da renda, quanto na incapacidade para a vida independente (SPOSATI, 2004). Neste sentido, percebemos que o aspecto histórico do Brasil consolida um sistema de proteção social que não combate as expressões da questão social. Na maioria das vezes, a resolução imediata é passageira, possibilitando assim, sua perpetuação. Contraditoriamente, por medo de perder o benefício, as famílias optam por permanecer nos limites elencados. Neste sentido, percebemos que o BPC, embora seja um grande avanço, não reduz as desigualdades sociais. Coloca-se, portanto, com um desafio para os usuários da política de Assistência Social conseguir este direito. Deste modo, os profissionais, sobretudo o Assistente Social, não devem esvair-se na luta pela dignidade da pessoa humana. Nossa Constituição Federal preza por isto, mas o dia-a-dia reflete suas burocracias e limitações para direitos que são de suma importância para sobrevivência das pessoas incapacitadas para o trabalho, seja por doença, deficiência ou idade. São pessoas detentoras de direitos e merecem tê-los garantidos de forma satisfatória e digna. Assim, o Benefício de Prestação Continuada- BPC-, promove indagações acerca de sua eficiência. Conforme já afirmamos anteriormente, embora seja um recurso financeiro,com o qual a pessoa pode contar, este mecanismo pode servir como um meio de coibir os beneficiários de reconhecer esta ação como direito e tê-la como ajuda. A visão neoliberal que é contrária à efetiva redistribuição de riqueza, reproduz modos para coibir o sujeito de ter e ser. Ter acesso aos bens e serviços de qualidade e ser um sujeito de direitos. Ideologicamente, difunde na sociedade a estigmatização dos beneficiários da Assistência9. Isto não quer dizer, contudo, que somos contrários à proteção social, nossa perspectiva é que tais benefícios sejam reconhecidos como dever do Estado de proteger os cidadãos em qualquer situação de risco que o próprio sistema os coloca. No âmbito dos mínimos sociais, de acordo com a legislação internacional estão: as garantias de renda mínima às pessoas pouco capacitadas para obter recursos da própria atividade do trabalho (velhice, invalidez, deficiência); e às pessoas que, mesmo com idade/ situação ativa, não alcançam autonomia de renda per capita na sociedade de mercado por múltiplas situações desde o desemprego face à nova forma de regulação produtiva até as características familiares, como famílias extensas, mononucleares, em situações sujeitadas à discriminação pela sociedade, como as de ex-presidiários, ex-drogados ou outras situações de exclusão social que caracterizam a vulnerabilidade de minorias (SPOSATI, 2004, p.130). Entendemos ser absolutamente necessária a destinação do BPC a estes segmentos, porém, eles devem estar ligados a programas que promovam a autonomia, as condições de saúde e 9 O Rendimento Mínimo Garantido- RMG, um modelo de redistribuição de riqueza da assistência social de Portugal, convive com críticas severas neste sentido (SPOSATI, 2004). possibilidades de trabalho, visando gerar superação das desigualdades sociais. Um sonho? Não. Uma possibilidade de justiça em um país, em que uma pequena minoria se apropria de enormes riquezas.10 O Debate do BPC não se esgota ao que foi aqui colocado. Temos a compreensão que este beneficio é um direito humano. Direito, que atende minimamente às necessidades básicas de pessoas que são vítimas das desigualdades circunscritas neste sistema. Seu nome correto, deveria ser DPC- Direito de Prestação Continuada, o que avigoraria seu caráter enquanto direito. Atuemos na promoção do debate para os usuários, profissionais e estudantes, para que assim se crie caminhos para sua efetividade. 3. As pessoas com câncer e o Benefício de Prestação Continuada: o retrato de uma realidade “O Câncer, antes de matar, destrói!” 11 A fala utilizada como epígrafe desta parte revela os efeitos colaterais do câncer. Efeitos que não se limitam ao físico, que já são um fator crucial da doença, mas vão além. Demonstram as relações sociais na sociedade capitalista de exploração, de ganância obsessiva por lucros, de destruição do ser social, de suas histórias, seu modo de vida etc. De forma sucinta, traremos alguns dados da pesquisa que mostram características das expressões da questão social na vida das pessoas com câncer. O câncer, embora os avanços contemporâneos ainda é uma doença crônica que deixa sequelas muitas vezes irreversíveis nas suas vítimas as deixando incapacitadas para o trabalho e por vezes para vida independente. Os grupos de sujeitos pesquisados são expressão de uma classe: poucos anos de estudo, falta de qualificação profissional e que ainda trazem um agravante que é o câncer. São adultos, maiores de 25 anos que sempre trabalharam, mas não tiveram suas carteiras de trabalho assinadas e ao se depararem com o adoecimento sem proteção social recorreram a assistência social tendo seus pedidos negados por terem “capacidade para vida independente”12 ou deferidos por já estarem em estágio terminal da doença. No cotidiano13 víamos que havia dois grupos de pessoas: alguns conseguiam o BPC e, poucos meses depois, faleciam, outros o solicitavam várias vezes e não conseguiam obter o benefício. Em certo momento, para nós, o usuário ao ter deferido o BPC começou ser sinônimo 10 No livro “Classes Subalternas e Assistência Social”, (YASBEK, 2007), vimos que os usuários da assistência queriam empregos e melhores condições de salários, não queriam viver à mercê desta política. 11 Fala da esposa de um atendido da Associação do Câncer . 12 Os requisitos para pessoas com idade inferior a 65 anos conseguir o BPC é estar incapacitada para o trabalho e para a vida independente. 13 Os dois anos de estágio na Associação do Câncer nos possibilitaram vivenciar nosso objeto de pesquisa. de morte, pois, poucos meses após consegui-lo, ia a óbito. Esta realidade nos levou ao seguinte problema: qual é a importância do Benefício de Prestação Continuada – BPC na percepção dos usuários da Associação? E, diante das histórias que se entrelaçavam no cotidiano da instituição, levantamos a seguinte hipótese: o BPC contribui para atender a algumas demandas das pessoas com câncer, sendo então importante quando acessado por estes. Pois, os requisitos para acesso ao mesmo contribuem, por vezes, para a exclusão destes usuários, por serem incapacitados para o trabalho, mas não para a vida independente, portanto, quando o benefício é concedido é para pessoas com estágio avançado da doença. Levantamos no projeto de pesquisa (feito no primeiro semestre de 2009) sete sujeitos que possuíam o BPC e para comparação outros oito que tinham renda per capita inferior a 25% do salário mínimo, um total de 15 sujeitos, 10% do total de pessoas, com renda igual ou inferior a meio salário mínimo, que eram atendidos pela instituição. Na pesquisa de campo realizada no segundo semestre de 2009 entrevistamos um total de 10 (dez) usuários. Pois, dentre os sujeitos que recebiam o BPC foi possível falar somente com dois sujeitos, porquanto, quatro dos sujeitos haviam falecido e um encontrava-se em estado grave, segundo informações prestadas por um parente via contato telefônico. Em pesquisa documental destes sujeitos verificamos que todos apresentavam em seus laudos metástases ou cuidados paliativos14, denotando o estágio avançado da doença. 80% dos entrevistados afirmaram que a maior melhora em suas vidas no que tange a receber este benefício foi ou seria15 à alimentação revelando que o BPC auxilia suprindo necessidades elementares a sobrevivência do homem como a alimentação. Muitos relataram que podiam comprar carne, frutas e verduras. Segue falas dos entrevistados afirmando dado encontrado, Eu passo muito mal com a quimioterapia, às vezes dá vontade de comer as coisas melhor e não posso. Agente fica enjoando. Com o dinheiro desse benefício ia dá pra ter uma alimentação melhor. É muito ruim agente passar vontade de comer as coisas e não poder comprar (pessoa sem BPC). Com o benefício à alimentação melhorou, dá pra comprar as misturas, a carne, eu compro as coisa que eu gosto. Agente ainda paga água e luz (pessoa com BPC). Essas falas revelam e denunciam. Revelam que o benefício melhora de certo modo a vida das pessoas, suprindo necessidades imediatas, dando-lhes autonomia para escolher o que vão 14 As metástases são comprovações de que o câncer irradiou para outros órgãos e os cuidados paliativos demonstram que não a mais recursos terapêuticos para a cura do paciente, ambos os fatos denunciam o estágio avançado da doença. 15 Usamos estes verbos para sinalizar pessoas que tem e as pessoas que “sonham’ em conseguir o BPC e que afirmam que alimentação é um ponto de suas vidas que melhora com a aquisição do benefício validando portanto nossa hipótese. comer. O que para muitos podem ser insignificante, para eles representa muito. Denuncia o que passam as vítimas das desigualdades. Um dos efeitos colaterais da quimioterapia marca ainda mais a condição de subalternizado, expressando uma das faces perversas da disparidade econômica. As falas acima ratificam Barbosa e Silva (2003), Embora se verifique uma importância muito grande na vida dos beneficiários e suas famílias, podemos assinalar que as mudanças operadas dão-se, com maior freqüência, no plano imediato, de suprir necessidades a curto prazo. A renda se destina a pagar contas de água, luz e comprar alimentos (BARBOSA & SILVA, 2003 p. 237). Sobre a representação do BPC para os pesquisados, constatamos que, para 60% dos entrevistados, o BCP representa uma ajuda e para 40%, um direito. Os dados mostram que a maioria das pessoas ainda vê o direito como uma ajuda. A força na entonação de voz dos que veem o BPC como ajuda mostra como a ideologia difundida pelas classes hegemônicas é um aspecto ainda a ser vencido nesta sociedade. Em outras palavras, o Estado, ao fornecer um fluxo de bens e serviço necessários à sobrevivência dos subalternos, busca reforçar sua capacidade de impor a sociedade como um todo os interesses políticos e sociais das classes hegemônicas. Ao mesmo tempo e na mesma ação, os subalternos introduzem, no interior dos próprios aparelhos do Estado, questões relevantes aos seus interesses (YASBEK, 2007, p. 42). O Estado, ao fornecer os bens e serviços, fornece-os implicitamente, principalmente aos usuários da assistência, como ajuda, mascarando o direito. pra mim é uma ajuda. A porque é muito difícil né, (engasgada, começa a chorar), agente espera tudo pelos outros. (cinco segundos de silêncio). Então se eu consegui, uma ajuda, eu vou ter como comprar meus remédio. Eu vou ter como comprar uma roupa, um calçado, num vô ficar esperando tudo pelos outros, né? então pra mim é uma ajuda muito grande (mulher sem BPC). O termo “ajuda” expressado pelos entrevistados, vem do fato de ser o BPC, um mínimo social que supre apenas necessidades imediatas. Se este dinheiro do benefício não amplia a autonomia da pessoa não possibilitando lazer, aquisição de um imóvel, viagens, etc., é considerado uma ajuda. Portanto, os 40% que responderam que ela é um direito a fazem como expressão da ação dos subalternos na sociedade. Como cidadão brasileiro de acordo com a Constituição, que foi tirada pelos últimos presidentes, ela é um direito. Na minha opinião ele deveria ser um direito para as pessoas com câncer, que necessitam, porque lá (referindo ao hospital) tem pessoas ricas, que até pagam pelo tratamento. Depois de Fernando Henrique e Lula, com as reformas da previdência ficou muito difícil. Fernando Henrique até falou que aposentado era vagabundo, num foi ninguém que me falou não. Eu ouvi da própria boca dele (homem, 60 anos, sem BPC). Este senhor revela-se como sujeito de direitos e compreende isto de maneira muito clara. Afirma que o BPC deveria ser um direito para as pessoas com câncer e que necessitam, contrapondo-as com pessoas ricas que também tem câncer. Evidencia aqui sua consciência de desigualdade social. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa mostrou que o perfil dos sujeitos entrevistados pende para uma condição de pobreza provocada pelas desigualdades sociais compreendendo a pobreza em sua totalidade. O trabalho infantil, o desemprego e as precarizações das relações de trabalho compõem suas histórias de vida. Eles compreendem que o BPC é um recurso importante para suprir as necessidades das pessoas com câncer sem proteção previdenciária. Os sujeitos que não tinham BPC, afirmaram com clareza que a capacidade para a vida independente os impede de acessar o benefício. Diante isso, nossa hipótese é confirmada, uma vez que o BPC é importante para as pessoas com câncer e atende a diversas demandas, embora imediatas. A capacidade para a vida diária, ou seja, vida independente, como vimos, é um fator que excluí os usuários. Alguns, quando chegam a acessá-lo, estão a poucos meses da morte como foi verificado. Assim deixamos para você leitor, responder a pergunta: O BPC um direito negado? REFERÊNCIAS BARBOSA, Maria Madalena Martins. SILVA, Maria Ozanira da Silva e. O Benefício de Prestação Continuada -BPC: desvendando suas contradições e significados. In: Revista SER Social nº 12, Política de Assistência Social. Brasília, 2003, p.221 - 244. BATTINI, Odária (org.); COSTA, Lucia Cortes da. Estado e políticas Públicas: contexto-sócio histórico e Assistência Social. In: SUAS, Sistema único de Assistência social em debate. São Paulo: Veras Editora ; Curitiba , PR: CIPEC, 2007. BEHRING, Elaine Rosseti. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez: 2007. BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. s.l, Senado Federal, 1988. BRANCO, Francisco. Mínimos de cidadania e Inclusão social: Contributos para análise do percurso e atualidades dos mínimos sociais em Portugal. In: Proteção Social de Cidadania. Inclusão de Idosos e pessoas com deficiência no Brasil, França e Portugal. / Aldaíza Sposati (org). São Paulo: Cortez, 2004. p.57 a 76. BRAZ, Marcelo. O PAC e o Serviço Social: crescimento para quê e para quem? Os setenta anos da profissão e seus desafios conjunturais. Revista Serviço social e Sociedade, nº91, São Paulo: Cortez, 2007 COUTO, Berenice Rojas. O direito e a Assistência Social na sociedade brasileira: uma equação possível? 3 Ed. São Paulo. Cortez Editora, 2008. FALEIROS, Vicente de Paula. Estratégias em Serviço Social . São Paulo: Cortez, 2006 FÁVERO, Eugênia Augusta Gonzaga. Os Avanços que ainda se fazem necessários em relação ao Benefício Assistencial de Prestação Continuada. In: Proteção Social de Cidadania. Inclusão de Idosos e pessoas com deficiência no Brasil, França e Portugal. / Aldaíza Sposati , (org) São Paulo: Cortez, 2004. p.179 a 190. GOMES, Ana Lígia. O Benefício de Prestação continuada: Uma trajetória de retrocessos e Limites- construindo possibilidade de Avanços. In: Proteção Social de Cidadania. Inclusão de Idosos e pessoas com deficiência no Brasil, França e Portugal. / Aldaíza Sposati , (org) São Paulo: Cortez, 2004. p.191 a 226. IAMAMOTO, Marilda Vilela. Estado, classes trabalhadoras e política social no Brasil. In: Política Social no capitalismo: Tendências contemporâneas/ (vários organizadores), São Paulo: Cortez,2008 p 13-43. MIRANDA, Jadiel Galvão. Direito da Seguridade Social previdenciário, infortunística, assistência social e saúde. – Rio de Janeiro: Elservir, 2007 SANTOS, Marisa Ferreira. Benefício de Prestação Continuada e Proteção social no Brasil. Limites e perspectivas. In: Proteção Social de Cidadania. Inclusão de Idosos e pessoas com deficiência no Brasil, França e Portugal. / Aldaíza Sposati , (org) São Paulo: Cortez, 2004. p.77 a 82. SIMÕES, Carlos. Curso de direito do serviço social. São Paulo: Cortez, 2009. SPOSATI, Aldaíza. Benefício de Prestação Continuada como mínimo Social. In: Proteção Social de Cidadania. Inclusão de Idosos e pessoas com deficiência no Brasil, França e Portugal. / Aldaíza Sposati , (org) São Paulo: Cortez, 2004. p.125 a 178. YASBEK, Maria Carmelita. Classes Subalternas e assistência social. São Paulo: Cortez, 2007.