ASPECTOS LEGAIS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

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ASPECTOS LEGAIS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A
MULHER BRASILEIRA
Inez Sampaio Nery1
Sherly Maclaine de Jesus Santos2
RESUMO
O fenômeno da violência doméstica e familiar contra a mulher vem sendo
amplamente discutido nos últimos anos, entretanto suas raízes estão relacionadas à
formação das primeiras entidades familiares. Mesmo estando presente na mídia, nas
instituições e na sociedade, essa problemática ainda está revestida de preconceito e
indiferença, uma vez que, o local onde ocorre a violência é no seio da família de
todas as classes sociais. A igualdade de direitos entre homens e mulheres,
proclamada na Constituição Federal de 1988, evidenciou o compromisso de coibir e
prevenir à violência contra a mulher. No entanto, é rotineiro o número de mulheres
vítimas dos diversos tipos de violência doméstica. O estudo objetivou analisar os
dispositivos legais de enfrentamento a violência contra a mulher existentes no Brasil
e a contribuição das mesmas para o enfrentamento à violência praticada contra a
mulher. Realizou-se pesquisa bibliográfica e documental, de natureza exploratória,
que permitiu alcançar os objetivos propostos. Após a análise das legislações e dos
documentos, observou-se que a carta constitucional de 1988 não foi suficiente para
coibir e prevenir a violência contra a mulher, e mesmo com a lei nº 11.340/2006 e a
implementação de políticas públicas de enfrentamento à violência doméstica e
familiar, as mulheres ainda não podem viver plenamente a liberdade e a igualdade
prevista na legislação. Conclui-se que os enfermeiros e assistentes sociais podem
contribuir para melhores esclarecimentos sobre a legislação e melhoria da atenção
às e vítimas de violência
PALAVRAS-CHAVE: Violência de Gênero. Legislação. Enfermagem. Serviço
Social
1
Docente da Universidade Federal do Piauí. Docente da Residencia em Enfermagem Obstetrica. Doutora em
Enfermagem. Endereço para correspondência: Campus Universitário Ministro Petrônio Portela, Ininga, TeresinaPI. CEP: 64.049-550. E-mail: [email protected]
2
Assistente Social do Ministério Público do Estado do Maranhão. Docente da Faculdade Santo Agostinho/PI.
Mestranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí. Endereço para correspondência: Rua
Crescêncio Ferreira, nº 1539, Morada do Sol, Teresina-PI. CEP: 64056-440. E-mail: [email protected].
977
1. INTRODUÇÃO
O fenômeno da violência doméstica e familiar contra à mulher vem sendo
amplamente discutido nos últimos anos, entretanto suas raízes estão relacionadas à
formação das primeiras entidades familiares. Mesmo estando presente na mídia, nas
instituições e na sociedade, o tema ainda está revestido de muito preconceito e
indiferença, uma vez que, o local onde ocorre a violência é no seio da família, a vida
privada, com ocorrências em todas as classes sociais.
Ao longo de muitos anos o movimento feminista tem lutado para promover a
igualdade de direitos entre homens e mulheres e eliminar todas as formas de
discriminação e violência contra a mulher. As ações desenvolvidas foram essenciais
para que os direitos das mulheres fossem reconhecidos como direitos humanos. A
igualdade de direitos entre homens e mulheres, proclamada na Constituição Federal
de 1988, evidencia o compromisso de coibir e prevenir à violência contra a mulher.
Entretanto, a carta constitucional não foi suficiente para coibir ou mesmo para
prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. A mídia sempre foi um
instrumento utilizado para divulgar alguns casos de violência doméstica e familiar,
principalmente os que aconteciam com requintes de crueldade e por motivos
considerados fúteis. A jornalista Sandra Gomide, a estudante Eloá Pimentel e a
advogada Mércia Nakashima foram assassinadas pelos respectivos namorados que
não aceitaram o fim do relacionamento. Para além dos casos divulgados na mídia,
existem as mulheres que não divulgam violências sofridas no interior de seus lares
ou no interior de um relacionamento.
Era necessário então o aperfeiçoamento da legislação e a implementação de
políticas públicas de enfrentamento à violência doméstica e familiar. Nesse contexto,
foi promulgada a Lei nº 11.340/06, a conhecida “Lei Maria da Penha”, cujo objetivo é
coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, em consonância
com o que prevê a Constituição Federal e os tratados e convenções assinadas pelo
Brasil.
978
O estudo objetivou analisar os dispositivos legais de enfrentamento a
violência contra as mulheres existentes no Brasil, apresentar a trajetória de lutas do
movimento feminista, a partir da análise do conceito de gênero que está
intrinsecamente relacionado a esse tipo de violência. A segunda sessão traz uma
exposição sobre a Lei Maria da Penha, principal mecanismo legal de repressão e
prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, destacando inovações
introduzidas pela nova Lei, assim como apresenta instrumentos elaborados pelo
poder público voltado à proteção e defesa da mulher.
2. O MOVIMENTO FEMINISTA
O movimento feminista trata-se de um movimento social que tem como
principal objetivo obter a igualdade de direitos entre homens e mulheres, rompendo
definitivamente com as diferenças estabelecidas socialmente entre os dois sexos.
Segundo Saffioti (1979), suas origens remontam à Revolução Francesa, momento
em que as mulheres passaram a se manifestar por maior visibilidade.
Em 1848, foi instituído o sufrágio universal, ou o direito ao voto a todos os
indivíduos intelectualmente maduros e as mulheres foram inicialmente excluídas
desse direito. Dito de outro modo consolidou-se mais uma forma de opressão e
exclusão das mulheres. Motivadas por tal situação, nos primórdios do século XX,
algumas feministas fundaram a “União Francesa pelo Sufrágio das Mulheres”, e no
ano de 1944 conquistaram o direito ao voto e a se elegerem a cargos políticos.
(SAFFIOTI, 1979, p. 110).
Voltando-se para a realidade brasileira, o debate acerca do voto das mulheres
tem início em 1910, com a fundação do Partido Republicano Feminino, fazendo
nascer também o movimento feminista no Brasil. No ano de 1919, foi criada a Liga
pela Emancipação Intelectual Feminina, posteriormente denominada de “Federação
Brasileira pelo Progresso Feminino”, que tinha como principal reivindicação o
trabalho feminino, ao mesmo tempo em que considerava ser de fundamental
importância lutar pelos direitos políticos, por considerá-los necessárias às demais
979
lutas femininas. Na década de 1930, finalmente a Constituição foi alterada e o direito
ao voto foi concedido às mulheres (COULOURIS, 2004).
Em 1949, a francesa Simone de Beauvoir publica na Europa, o livro “O
Segundo Sexo”, que aliado ao advento e comercialização da pílula anticoncepcional
(1960) impulsionou o movimento feminista no mundo, iniciando assim a discussão
sobre a sexualidade e a liberdade da mulher sobre seu próprio corpo. Com esse
impulso, o foco do movimento feminista passou a ser o combate às raízes culturais
das desigualdades sociais entre homens e mulheres, raízes estas que estão
fincadas, principalmente, no sistema patriarcal (COULOURIS, 2004).
A década de 1970 foi marcada pelo surgimento de novos movimentos sociais,
assim como pelo reconhecimento da luta feminina. Em 1975, a Organização das
Nações Unidas instituiu o dia 08 de Março como o Dia Internacional da Mulher, em
alusão ao incêndio ocorrido em uma fábrica, localizada em Nova York, onde 129
operárias morreram queimadas, por reivindicarem a redução da jornada de trabalho
de 14 para 10 horas diárias e o direito à licença maternidade. No mesmo ano, foi
criado em São Paulo, O Movimento Feminino pela Anistia e em 1977, foi aprovada A
Lei do Divórcio (COULOURIS, 2004).
Com a consolidação do movimento feminista, ganharam também visibilidade
os debates acerca do conceito de gênero, cuja compreensão faz-se necessária para
se compreender as desigualdades culturais entre homens e mulheres. Gênero,
segundo Scott (1989), é uma categoria de análise que afirma as distinções sociais
entre os sexos (masculino e feminino) ao mesmo tempo em que se estabelece
como elemento constitutivo das relações sociais entre homens e mulheres,
explicitando que não é possível compreendê-los em separado, ou ainda
compreender a categoria como sinônimo de mulheres, o que era observado em "
livros e artigos de todo o tipo, que tinham como tema a história das mulheres
substituíram durante alguns anos nos seus títulos o termo mulheres pelo termo
gênero” (SCOTT, 1989, p. 6).
Destarte, a palavra sexo refere-se às características biológicas de uma
pessoa, enquanto gênero reporta-se aos aspectos sociais, culturais, políticos entre
masculino e feminino. Coulouris (2003, p. 64) explica que “o conceito de gênero é
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uma construção sociológica, mais ligado ao papel social desempenhado pelo
indivíduo do que por suas características biológicas”. Scott (1989, p. 07) acrescenta
que essa construção social do papel do homem e da mulher, refere-se também às
relações desiguais de poder que se estabelecem entre os dois sexos. Dias reitera
que
desde o nascimento, o homem é encorajado a ser forte, não chorar,
não levar desaforo para casa, não ser mulherzinha. Precisa ser um superhomem, pois não lhe é permitido ser apenas humano. Essa errônea
consciência de poder é que assegura, ao varão, o suposto direito de fazer
uso da força física e superioridade corporal sobre todos os membros da
família. Venderam para a mulher a idéia de que ela é frágil e necessita de
proteção, tendo sido delegado ao homem o papel de protetor, de provedor.
(DIAS, 2012, p. 19)
As mulheres eram vistas como submissas às vontades e desejos do homem e
com várias obrigações: esposa, mãe, dona de casa. Tais representações remontam
à sociedade patriarcal, na qual o homem
tem
a função de chefe da família,
cabendo à mulher os trabalhos domésticos e a procriação. Na sociedade patriarcal
a mulher não pode viver sem um homem. A partir do momento que
nascesse sua vida estaria para sempre subjugada ao homem. Primeiro
estava submissa ao pai que era seu responsável e a preservava até seu
casamento, a partir daí o marido ocupava o lugar e ela como mulher
virtuosa lhe devia obediência. O casamento tinha grande importância, era
uma instituição econômica e social, pois o marido dava-lhe o sustento e o
nome, em retribuição ela seria companheira e mãe. Na alta sociedade as
mulheres ao casarem se tornavam donas de casa, administravam as
propriedades com a ajuda dos feitores e agentes, enquanto as classes mais
baixas tinham que trabalhar para ajudar no sustento. O objetivo primeiro do
casamento era a reprodução da espécie e assegurar a educação e o
sustento dos filhos (VIEIRA, 2006, p. 04).
A ideologia patriarcal "ainda existe e o homem continua sendo considerado
proprietário do corpo e da vontade da mulher e dos filhos" (DIAS, 2012, p 18-19). O
sociólogo francês Pierre Bourdieu, na relevante obra A Dominação Masculina
aborda o processo de idealização da figura masculina e como é imposta a sujeição
da mulher, resultando na violência simbólica, “uma violência suave, insensível,
invisível as suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias
puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou mais precisamente do
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desconhecimento ou, em última instância, do sentimento” (BOURDIEU, 1999, p. 78).
Sendo então uma violência simbólica, onde os papéis são socialmente
construídos, cabe aos homens e mulheres, atores principais deste processo,
desconstruir ou reconstruir pensamentos e comportamentos que venham legitimar o
endeusamento da figura masculina em detrimento da figura feminina.
Merece
destaque então o papel desempenhado pelos movimentos feministas para a
conquista dos direitos, assim como para a melhoria das condições de vida das
mulheres, seja no campo das discussões teóricas, políticas ou no campo das
relações sociais.
3. A LEI MARIA DA PENHA COMO INSTRUMENTO DE COMBATE A
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER
A problemática da violência contra a mulher tornou-se a principal bandeira de
luta dos movimentos feministas a partir da década de 1980, por estar intimamente
ligada às relações de poder que permeiam as relações entre homens e mulheres.
Durante muitos anos, os movimentos feministas denunciaram situações de violência
contra a mulher. No entanto, o fato de não existir legislação específica que
amparasse e protegesse mulheres vítimas de violência, fazia com que as mesmas
temessem denunciar. A Lei Maria Penha veio fechar essa lacuna, garantindo direitos
e proteção às mulheres vítimas de violência doméstica.
A Lei nº 11.340, é uma legislação que cria mecanismos para coibir e prevenir
a violência doméstica e familiar contra a mulher. É denominada de Lei Maria da
Penha, em alusão à Maria da Penha Maia Fernandes, uma entre tantas mulheres
vítimas de violência doméstica deste país.
Maria da Penha era uma farmacêutica, mãe de três filhas, casada com o
professor universitário e economista Marco Antônio Heredia Viveiros, que sofreu
todos os tipos de violência doméstica durante anos. O histórico de violência sofrido
pela mesma agravou-se quando, em 29 de maio de 1983, em uma tentativa de
assalto, simulada pelo próprio marido, Maria da Penha foi atingida por um tiro de
982
espingarda, que a deixou paraplégica. Insatisfeito por não ter ceifado a vida da
esposa, Marco Antônio fez uma nova tentativa, tentando eletrocutá-la com uma
descarga elétrica enquanto tomava banho (DIAS, 2012, p. 15).
Passados estes fatos e mesmo com as limitações físicas, Maria da Penha
resolveu romper com esse ciclo de violência e denunciou seu marido em junho de
1983, sendo que a denúncia foi oferecida apenas em setembro de 1984. Dias (2012,
p.15) explica que Maria da Penha Maia Fernandes indignou-se, pois nenhuma
providência foi adotada e uniu-se aos movimentos feministas para dar voz a sua
indignação.
Apenas em 1996, Marco Antonio foi condenado pelo tribunal do júri a dez
anos e seis meses de prisão, depois de ter conseguido anular o primeiro júri e
recorrer do segundo em liberdade. Cumpriu apenas dois anos de prisão e foi
liberado em outubro de 2002. Inconformada com a lentidão da justiça, Maria da
Penha recorreu à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização
dos Estados Americanos (OEA), que condenou o Brasil, por uma injustificável
demora no trâmite do processo penal de responsabilização do agressor, a adotar
algumas medidas e pagar indenização a vítima. “Foi a primeira vez que a OEA
acatou uma denúncia de crime de violência doméstica”(DIAS, 2012, p. 16)
Porto explica que
A corajosa atitude de haver recorrido a uma corte internacional de
justiça transformou o caso da Sra. Maria da Penha Maia Fernandes em
acontecimento emblemático, pelo que erigiu-se como baluarte do
movimento feminista em prol da luta por uma legislação penal mais rigorosa
na repressão aos delitos que envolvessem as diversas formas de violência
doméstica e familiar contra a mulher.(PORTO, 2007, p.09)
Para dar cumprimento então à condenação internacional, teve início no Brasil,
o processo de discussão e construção da legislação de amparo e proteção às
mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Em 07 de agosto de 2006
foi sancionada pelo Presidente da República, a Lei nº 11.340/2006, que entrou em
vigor em 22 de setembro de 2006, cujo objetivo é erradicar a violência doméstica e
familiar contra a mulher.
O conceito de violência doméstica adotado na supracitada Lei foi estabelecido
na Convenção Interamericana para prevenir, punir, e erradicar a violência contra a
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mulher - Convenção de Belém do Pará, que em seu artigo 1º define violência contra
as mulheres como sendo “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause
morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera
pública como na esfera privada” (Convenção de Belém do Pará, Artigo 1º).
A Lei Federal nº 11.340/2006 conceitua
violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou
omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico,
sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, seja no âmbito da
unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente
de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas; no âmbito da família, compreendida como a comunidade
formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por
laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; ou em qualquer
relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido
com a ofendida. (BRASIL, 2006)
Para além dos aspectos legais e relacionais que permeiam o conceito de
violência estabelecido pela Lei nº 11.340/2006, o referido conceito também tem
bases científicas. Chauí (1985, p. 35), define violência como uma violação ou
transgressão de normas, regras e leis, vista por um ângulo em meio a relações
assimétricas, com o objetivo de dominar, explorar e oprimir o outro; e, vista sob outro
prisma, trata-se de uma ação que não considera o ser humano como sujeito, mas
como uma coisa ou um objeto, violando inclusive o seu direito à liberdade.
Para Minayo (2009), a violência trata-se de "um fenômeno humano, social e
histórico que se traduz em atos realizados, individual ou institucionalmente, por
pessoas, famílias, grupos, classes e nações, visando prejudicar, ferir, mutilar ou
matar o outro, física, psicológica e até espiritualmente"
O conceito estabelecido pela Legislação explica o equívoco cometido por
pesquisadores quanto ao uso da expressão “violência de gênero” como sinônimo de
“violência contra a mulher”, o que se constitui em um mal-entendido, pois a violência
de gênero pode estar relacionada a relações homem-mulher, homem-homem e
mulher-mulher, seja em casos de relações afetivas ou em outras situações.
Segundo a Lei, violência familiar pode envolver membros da mesma família,
considerando-se os vínculos consanguíneos e de afinidade, podendo ocorrer em
984
qualquer lugar, desde que seja causada por algum familiar. Quando os atos de
violência ocorrem no lar, mas não são cometidos por membro da família, a violência
é caracterizada como violência doméstica, podendo ser, inclusive, ocasionada ou
sofrida por empregadas domésticas, por exemplo. Observa-se então que, tanto nas
situações de violência familiar como doméstica, existe uma relação de confiança,
afetividade, amizade, entre vítimas e agressores.
A Lei Maria da Penha avança também quando especifica os tipos de violência
contra a mulher. A violência física, nos termos da referida Lei é “entendida como
qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal”. Comumente deixa
deixar marcas físicas, e por esta razão esse tipo de violência é diagnosticado com
maior facilidade, podendo para tanto ser realizado o exame de corpo de delito
(BRASIL, 2006).
A violência psicológica é
entendida como qualquer conduta que cause dano emocional à
mulher e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
costumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do
direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde
psicológica e à autodeterminação. Por estar inserida no campo das
subjetividades, a violência psicológica pode não ser reconhecida como tal, o
que acarreta em graves problemas para as vítimas.(BRASIL, 2006)
A Lei Maria da Penha define a violência sexual, em seu art. 7º, inciso III,
como sendo
qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter
ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação,
ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar,
de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer
método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto,
ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação;
ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e
reprodutivos.(BRASIL, 2006)
A violência moral refere-se a “qualquer conduta que configure calúnia,
difamação ou injúria”. A violência patrimonial é definida como "qualquer conduta
que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos,
instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos
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econômicos das mulheres, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades"
(BRASIL, 2006).
Tais tipos de violência podem ser praticados contra a mulher de forma
isolada, associados ou em sequência, isto é, uma mulher pode sofrer ameaça
(violência psicológica) seguida de um assassinato (violência física). Segundo dados
do Mapa da Violência 2012: Homicídio de Mulheres no Brasil, 71,8% das situações
de violência doméstica acontecem no ambiente doméstico, sendo a violência física o
tipo mais predominante (44,2%).
A aprovação da Lei Maria da Penha foi precedida de algumas iniciativas do
poder público para promover políticas públicas voltadas para as mulheres,
merecendo destaque a criação da “Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres”, em janeiro de 2003, Secretaria esta que está ligada diretamente à
Presidência da República e possui o status de ministério, com orçamento próprio e
autonomia administrativa para criar e executar políticas voltadas às mulheres. No
ano de 2004 foi elaborado o “I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres”,
legitimando políticas públicas destinadas à prevenção, à assistência e a garantia dos
direitos das mulheres nas áreas da saúde, educação, cultura, segurança, justiça e
assistência social, com a implantação de serviços de atendimento especializado à
mulher.
No ano de 2005, foi implantado pela Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres, o "Ligue 180", um importante serviço de disque denúncia voltado ao
atendimento de mulheres em situação de violência, com abrangência nacional e
encaminhamento para os diversos órgãos de proteção e defesa da mulher.
Após a vigência da Lei Maria da Penha, em 2007 foi aprovado o “II Plano
Nacional de Políticas para as Mulheres” que acrescentou algumas medidas com
relação ao primeiro plano, mais especificamente para atender determinações da
supramencionada Lei. No mesmo ano, foi lançado o “Pacto Nacional de
Enfrentamento à Violência contra a Mulher”, visando a articular os estados
brasileiros para implementação da Rede de Atendimento à Mulher, isto é, mobilizar
os Estados brasileiros para que estes instituam e/ou reorganizem Delegacias
Especializadas de Mulheres, Casas abrigo, Juizados de Violência Doméstica e
986
Familiar contra a Mulher, Varas Especializadas, Defensorias Públicas da Mulher e
Centros de Referência de Atendimento às Mulheres em situação de Violência. Vale
mencionar que articulação entre esses serviços, além de permitir a organização de
um fluxo de atendimento e a garantia na qualidade dos serviços prestados.
Mesmo com estas importantes conquistas, muito ainda precisa ser feito para
o enfrentamento a violência contra a mulher, destacando-se a oferta de serviços
públicos de qualidade, que proporcionem as mulheres vítimas de violência a
segurança para denunciar seus agressores. É importante também garantir que os
dispositivos
legais
tenham
efetividade
e
sejam
devidamente
aplicados,
responsabilizando os culpados pelos atos cometidos, assim como, é necessário
realizar atividades preventivas e socioeducativas junto à população de um modo
geral, uma vez que, grande parte dos casos de violência doméstica está relacionada
a outras expressões da questão social, como preconceito, cultura machista e
desigualdade econômica.
Dados da Pesquisa “Percepções sobre a Violência Doméstica contra a Mulher
no Brasil”, realizada pelo Instituto Avon no ano de 2011, apontam o machismo como
principal impulsionador da violência contra as mulheres, ou seja, 50% das mulheres
entrevistadas atribuíram à causa da violência doméstica praticada por parceiros à
questão cultural, afirmando que os homens se sentem proprietários de suas
companheiras. Saffioti (2004) explica que a discriminação contra a mulher no Brasil
é "socialmente construída para beneficiar aqueles que possuem poder econômico e
político e aponta para a necessidade de se enfrentar o patriarcado, o racismo e o
capitalismo, para que se construa uma sociedade mais justa e igualitária"
(SAFFIOTI, 2004, p. 36).
A desigualdade entre homens e mulheres também é perceptível no mundo do
trabalho. É notória a inserção e expansão da força de trabalho feminina nos últimos
anos. Entretanto, em muitos casos existe uma desigualdade na remuneração das
mulheres e homens quando exercem a mesma função. Tal situação se faz mais
presente na iniciativa privada, onde os salários são definidos pela direção a partir de
critérios próprios. No serviço público, onde a inserção dos trabalhadores dá-se
987
geralmente através de concurso público e a remuneração é definida em Lei. Não há
essa diferenciação e discriminação. A esse respeito, Antunes explica que:
o contingente feminino superou recentemente o masculino. Sabe-se
que esta expansão do trabalho feminino tem, entretanto, significado inverso
quando se trata da temática salarial, terreno em que a desigualdade salarial
das mulheres contradita a sua crescente participação no mercado de
trabalho. Seu percentual de remuneração é bem menor do que aquele
auferido pelo trabalho masculino. O mesmo ocorre no que concerne aos
direitos e condições de trabalho (ANTUNES, 1999, p. 105).
Na concepção de Antunes (1999), as mulheres assumem também a segunda
jornada de trabalho que são as atividades domésticas, os cuidados com a casa e
com filhos. Mesmo acumulando tarefas, muitas mulheres ingressaram no mercado
de trabalho para garantir o sustento de seu lar e colaborar no orçamento doméstico
(ANTUNES, 1999, p. 108).
Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no ano de
2005, 30,6% dos domicílios eram chefiados por mulheres e em 2011 esse
percentual subiu para 35%. Entretanto o fato da mulher ter se colocado como
colaboradora ou mesmo com provedora do lar, gerou conflitos na relação com o
marido e/ou companheiro, que por sua vez, teve a sua superioridade questionada e
ou reduzida, passando a fazer uso da violência para manter a sua superioridade e
não perder a sua condição de chefe de família (NOLASCO, 2001, p. 62).
4. CONCLUSÃO
Embora seja uma expressão da questão social presente em todo o mundo, a
violência contra a mulher, foi relegada a segundo plano por muitos anos. O fato de
estar inserida na vida privada e do preconceito acerca da propriedade do homem
sobre a mulher constitui-se como principal motivo para que isto ocorra.
A violência doméstica e familiar é cruel. O lar ou domicílio é posto como um
local de amor, proteção, respeito. Mas em muitos casos também é no lar,
entendendo-se como local onde se desenvolvem relações familiares e domésticas,
que se manifestam as desigualdades entre os membros da família e que se
988
manifesta também a violência, muitas vezes velada, envolta em relações afetivas,
permeadas por sentimentos e emoções, principalmente pelo medo e pela vergonha.
Fruto de uma cultura machista e discriminatória, a violência contra a mulher
se materializa em atos de agressão física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral,
tão bem especificadas pela legislação em vigor, que rompe as barreias de um
assunto onde não se metia a colher. Os movimentos sociais feministas, na década
de 70, já traziam a tona à problemática da violência contra a mulher, mas que
permaneciam ocultos. O Brasil havia reconhecido os direitos das mulheres como
direitos humanos, por meio de tratados e convenções internacionais, como cabem
ressalvar a Convenção sobra a Eliminação de todas as formas de Discriminação
contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher, mas apenas com a Promulgação da Constituição Federal
de 1988, a igualdade de direitos foi reconhecida em Lei, o que não significou sua
aplicação prática.
Ao mesmo tempo em que algumas mulheres passam a exercer cargos antes
ocupados exclusivamente por homens e a se inserir na política, outras continuam
sofrendo violência e discriminação. As aplicações de penas alternativas ou de penas
consideradas brandas eram vistas como injustas quando comparadas às violências
sofridas pelas mulheres; a impunidade e a baixa repressão aos agressores
causaram descrédito no sistema penal brasileiro, perpetuando a violência haja vista
que, as mulheres não denunciavam as agressões.
Através da luta travada por uma brasileira, por justiça e contra a impunidade e
que atravessou as barreiras dos tribunais e do território brasileiro, o Brasil foi
condenado a criar mecanismos que coibisse a violência doméstica e familiar contra
a mulher, que resultou na aprovação da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que,
em homenagem a farmacêutica e vítima de violência doméstica e familiar, Maria da
Penha Maia Fernandes, recebeu o nome de “Lei Maria da Penha”. A Lei avança à
medida que estabelece mecanismos para coibir a violência de gênero, além de
motivar as mulheres a denunciarem seu agressor.
Após sete anos de aprovação da Lei Maria da Penha, ainda se faz necessário
a adoção de medidas que venham efetivar o que prevê a Lei, especialmente no que
989
se refere a integração de medidas judiciais, administrativas, econômicas, sociais e
culturais, necessárias ao enfrentamento da problemática e que promovam a
equidade de gênero, aproximando-se, então, da dignidade humana proclamada na
Constituição Cidadã.
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