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RELATO DE CASO
Nassif TT et
Franco
et al.
al.
Reconstrução da parede abdominal com retalho ilhado
miocutâneo do tensor da fascia lata após queimadura
elétrica
Abdominal wall reconstruction with island tensor fascia lata miocutaneous flap
after electrical burn: a case report
Tomaz Nassif1
Leni Amarante2
Chang Yung Chia3
José de Faria4
RESUMO
Os autores apresentam o caso de um paciente de 19 anos vítima de queimadura por eletricidade de alta tensão, acometendo 30% da superfície corporal, com necrose da parede abdominal,
amputação do membro superior direito e da genitália. Após tratamento no Centro de Terapia
a Queimados, foi encaminhado para o Serviço de Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital
dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro para reconstrução tardia. O paciente apresentava
volumoso abaulamento no abdome inferior, com cobertura de enxerto cutâneo de espessura
parcial. Foi submetido a reconstrução da parede com retalho ilhado miocutâneo do tensor
da fascia lata no primeiro tempo, preparando o paciente para a reconstrução peniana com
retalho microcirúrgico, num segundo tempo. A opção por retalho do tensor da fascia lata e
a técnica cirúrgica empregada são apresentadas e discutidas.
Descritores: Parede abdominal. Queimaduras por corrente elétrica. Retalhos cirúrgicos.
Trabalho realizado no Hospital dos
Servidores do Estado do Rio de
Janeiro Rio de Janeiro, RJ.
Artigo recebido: 6/10/2008
Artigo aceito: 16/1/2009
SUMMARY
The authors present a case of a 19 year-old male patient, burned by high tension electricity
in 30% of the total body surface, who presented abdominal wall necrosis, upper right limb
and penile amputation. After treatment on a specialized burn unit, the patient was referred
to the Microsurgery Department of Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro
for late reconstruction. The patient presented at that time a volumous bulge on the lower
abdomen previously covered with partial thickness skin graft. He was then submitted to a
first surgical step, by means of a tensor fascia lata miocutaneous flap coverage, preparing
the patient for a penile reconstruction on a second surgical step. There are presented and
discussed the surgical technique and the option for the TFL flap.
Descriptors: Abdominal wall. Burns, electric. Surgical flaps.
INTRODUÇÃO
Para restabelecer a função de contenção e prensa abdominal, e evitar hérnias, as falhas da parede abdominal devem
ser reconstruídas, de preferência, com retalhos musculares ou
fasciais, que podem ser do próprio abdome, quando possível,
ou extra-abdominais1,2. Para a parte baixa do abdome, os
retalhos extra-abdominais mais comumente usados são o
reto femural, o tensor da fascia lata e o gracilis. Destes, o
retalho fáscio-miocutâneo do tensor da fascia lata é o mais
versátil, de maior arco de rotação e alcance, e de maior
conteúdo fascial.
1. Chefe do Serviço de Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, Membro Titular da Sociedade Brasileira de
Cirurgia Plástica (SBCP).
2. Chefe da Clínica do Serviço de Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, Membro Especialista da SBCP.
3. Staff do Serviço de Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, Staff do Serviço de Cirurgia Plástica do
Hospital Geral do Andaraí, Membro Titular da SBCP.
4. Ex-Staff do Serviço de Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, Professor Assistente do Instituto Ivo
Pitanguy, Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e Membro Titular da SBCP.
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Reconstrução da parede
abdominal
com retalhono
ilhado
miocutâneo
tensor
da fascia lata
queimadura elétrica
Franco
T ettempo
al. doda
A aponeurose
epicraniana
segundo
reconstrução
deapós
orelha
RELATO DO CASO
FOSGL, sexo masculino, branco, estudante, com 19 anos
de idade, em março de 2001, sofreu queimadura por contato
com fio elétrico de alta tensão, na Cidade de Cabo Frio, Rio
de Janeiro. Atendido de imediato no Hospital Municipal de
Cabo Frio, encontrava-se lúcido, com queimaduras de 2º e
3º graus no tronco anterior, braço, antebraço e mão direita,
genitálias e coxas. Oito horas após o acidente, foi submetido
a amputação do membro superior direito no terço distal do
braço, falectomia, orquiectomia bilateral e cistostomia. Foi
transferido para o Centro de Tratamento de Queimados do
Hospital Municipal do Andaraí, 55 horas após o acidente, em
choque séptico e hipovolêmico, porém lúcido, com necrose
na região abdominal, genitália e no coto de amputação do
membro superior direito, onde se encontrava um abscesso
com grande quantidade de secreção purulenta. O tratamento imediato foi: reposição volêmica, antibioticoterapia
e desbridamento cirúrgico. Evoluiu com sepsis e discrasia
sanguínea. A terapêutica instituída foi balneoterapia diária
e terapia tópica com prata e cerium, desbridamento precoce
com excisão tangencial, auto-enxertia cutânea, além de
suporte nutricional e reposição hormonal. Após 68 dias, o
paciente apresentava boas condições clínicas e psicológicas,
com enxertos cutâneos totalmente integrados e com ganho
da massa corporal. Recebeu alta do Centro de Tratamento
de Queimados e foi encaminhado ao Serviço de Urologia e
ao Serviço de Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital dos
Servidores do Estado do Rio de Janeiro, para reconstrução
peniana (Figura 1).
O paciente apresentava amputação do braço direito no
nível do terço médio, amputação peniana na raiz, orquiectomia bilateral com resquício da bolsa escrotal, múltiplos
enxertos cutâneos de espessura parcial e volumoso abaulamento na região infra-umbilical. O plano do primeiro tempo
cirúrgico foi reconstrução da parede abdominal, com transposição de um extenso retalho ilhado músculo-fáscio-cutâneo
do tensor da fascia lata direita, e num segundo tempo, a
faloplastia total com retalho microcirúrgico. O retalho fásciocutâneo foi dissecado de distal para proximal até encontrar o
músculo, e isolado o pedículo vascular, o ramo ascendente da
artéria circunflexa lateral do fêmur e a veia concomitante. O
enxerto cutâneo que cobria a região abdominal infra-umbilical foi retirado íntegro para ser enxertado na área doadora.
O retalho do músculo tensor da fascia lata foi transferido em
ilha, acomodado e suturado na falha abdominal, restituindo
a contenção e a prensa muscular, e a cobertura cutânea e
subcutânea de todo o abdome infra-umbilical (Figuras 2 e 3).
DISCUSSÃO
O músculo tensor da fascia lata se localiza na região lateral
superior da coxa e se estende através do trato íleotibial da
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Figura 1 – Paciente encaminhado ao Serviço para reconstrução,
apresentando enxerto cutâneo de espessura parcial na região
infra-umbilical e presença de abaulamento da parede
abdominal devido a necrose muscular.
fascia lata até o joelho, lateralmente. Tem o pedículo simples
e dominante, o ramo ascendente da artéria circunflexa lateral
do fêmur, sendo do tipo I na classificação de retalhos musculares de Mathes e Nahai. A pele suprajacente é nutrida pelos
múltiplos ramos perfurantes músculo-cutâneos. A inervação
motora é dada pelo nervo glúteo superior e a sensitiva pelo
nervo T12 e pelo nervo cutâneo lateral do fêmur. De acordo
com a necessidade, o retalho pode ser muscular, músculofascial, músculo-cutâneo, músculo-fáscio-cutâneo ou ósteomúsculo-cutâneo. O pedículo vascular é constante, emerge
entre os músculos reto femoral e vasto lateral, ao nível do
tubérculo púbico, 10 cm abaixo da crista ilíaca ântero-superior, mede de 5 a 6 cm de comprimento, permitindo amplo
arco de rotação. Posteriormente, pode alcançar o trocanter
maior, o ísquio, o períneo e o sacro. Anteriormente atinge
o períneo, a região inguinal e a região abdominal inferior
e superior. O território cutâneo pode ter a dimensão de 10
a 20 cm de largura, e de 20 a 40 cm de comprimento. O
retalho pode ser dissecado na posição de decúbito dorsal,
sem necessidade de mudança de posição do paciente no
per-operatório. O componente muscular é pequeno e a espessura do retalho é relativamente fina. Porém, o componente
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Figura 2 – Extenso retalho músculo-fáscio-cutaneo do tensor da fascia lata ilhado acomodado na área hérnia abdominal.
A área doadora foi coberta com o enxerto cutâneo previamente enxertado sobre a hérnia abdominal.
fascial é extenso e resistente, ideal para reforço da parede
abdominal2. O déficit funcional da área doadora é mínimo,
mas a necessidade de enxerto cutâneo pode ser um problema
estético. Estas características fazem do retalho do tensor da
fascia lata um dos melhores e mais versáteis retalhos para
grandes reconstruções3,4.
REFERÊNCIAS
Figura 3 – Resultado pós-operatório.
Correspondência para: 248
1. Macieira LJ, Serra MC, Cunha NT, Espinha FC, Coimbra ALS, Vidotto
MM, et al. Queimadura grave por eletricidade: relato de caso. Rev Bras
Queimaduras. 2002;2(1):43-5.
2. Shaw WW, Aston SJ, Zide BM. Reconstruction of the trunk. In:
McCarthy JG, editor. Plastic surgery: the trunk and lower extremity.
Philadelphia:W. B. Saunders;1990. p.3763-74.
3. Mathes SJ, Nahai F. Tensor fascia lata (TFL) flap. In: Mathes SJ, Nahai
F, editores. Reconstructive surgery: principles, anatomy & technique.
New York:Churchill Livingstone;1997. p.1271-92.
4. Strauch B, Yu HL. Tensor fascia lata (TFL) flap. In: Strauch B, Yu HL
editores. Atlas of microvascular surgery anatomy and operative approaches. New York:Thieme;2006. p.212-8.
Tomaz Nassif
Rua Visconde de Pirajá, 167 apto 101 – Ipanema – Rio de Janeiro, RJ, Brasil – CEP 22410-003
E-mail: [email protected]
Rev. Bras. Cir. Plást. 2009; 24(2): 246-8
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