Informativo Organnact Cuidados nutricionais com pacientes felinos 1 A subnutrição ou nutrição inadequada é um problema generalizado em diversos regimes de internamento, incluindo unidades de terapia intensiva, tanto em pacientes humanos como veterinários. Estudos demonstram que os índices de subnutrição em adultos hospitalizados variam de 20 a 69% (DE AGUILAR & KUDSK, 2006; BAVELAAR, 2008). Esse problema não é identificado pela equipe médica e, além disso, muitos pacientes ainda apresentam deterioração do seu estado nutricional durante o internamento MCWHIRTER, 1994). A desnutrição tem sido associada a maior risco de mortalidade e aumento do tempo de internamento (BRAUNSCHWEIG et al, 2000). O impacto dessa perda de peso é grande e referido por Pyle et al. (2001), que realizou um estudo retrospectivo com pacientes felinos recebendo nutrição parenteral, demonstrando não haver correlação entre o peso corporal na apresentação do animal e risco de mortalidade, no entanto, verificou que histórico de perda de peso na apresentação dobrou o risco de mortalidade. A avaliação da massa muscular é também um componente importante do exame físico. A perda de massa muscular ocorre geralmente secundária ao hipercatabolismo em doentes graves, e pode estar presente em pacientes que parecem ter uma condição corporal adequada (MICHEL et al, 1997; CHAN, 2004). Independentemente do tipo e gravidade da doença, a duração da hospitalização tem impacto sobre o risco de desnutrição; quanto maior o tempo de hospitalização, maior o risco de desnutrição (WAITZBERG, 2003). Outra consequência importante é o aumento da incidência de complicações decorrentes da desnutrição e déficit de energia, resultando em período de internação prolongado e aumento das despesas hospitalares. É sabido que baixa massa corporal magra na admissão hospitalar tem sido associada ao aumento no tempo de hospitalização, independentemente da doença ou o curso do tratamento (PIRLICH et al, 2006). As respostas metabólicas a doenças ou lesões graves são complexas e levam os animais em estado crítico a um alto risco de desnutrição e seus efeitos deletérios. Esses efeitos, que têm impacto negativo na taxa de sobrevivência global, incluem Organnact | Informativo Técnico alterações no metabolismo de energia, comprometimento da função imunológica e diminuição da cicatrização de feridas (Fig. 1). A resposta metabólica à uma doença grave ou lesão grave geralmente se inicia com hipometabolismo, seguido por um período mais prolongado de hipermetabolismo. A fase inicial de hipometabolismo geralmente é um período de instabilidade hemodinâmica associada ao gasto diminuído de energia, hipotermia, catabolismo proteico leve, diminuição do débito cardíaco e má perfusão tecidual. Sem intervenção, esse estado pode evoluir para um choque refratário ou irreversível caracterizado por acidose láctica severa, diminuição da perfusão tecidual, falência de múltiplos órgãos e morte. A intervenção nutricional nessa fase traz um risco maior de complicações, como alterações eletrolíticas, que podem resultar efeitos negativos em alguns pacientes criticamente enfermos. Após a reanimação bem-sucedida, os pacientes entram na fase de hipermetabolismo, durante a qual ocorrem alterações metabólicas profundas. As principais características dessa resposta são aumentos em gasto de energia, produção de glicose, concentração de insulina e glucagon, débito cardíaco e intenso catabolismo proteico. O suporte nutricional adequado nessa fase da doença pode atenuar e, às vezes, reverter os efeitos negativos da desnutrição (BIOLO et al, 1997). Animais saudáveis consomem principalmente gordura quando são privados de calorias suficientes, os pacientes doentes ou traumatizados consomem massa magra corporal quando não recebem calorias suficientes. O catabolismo muscular que ocorre durante o estresse fornece ao fígado precursores glicogênicos e outros aminoácidos para síntese de glicose e de proteínas de fase aguda. O balanço de nitrogênio negativo ou perda proteica foi bem documentado em cães e gatos em estado crítico (MICHEL, 1998; MICHEL et al, 1998). As consequências metabólicas da doença crítica fazem parte de uma resposta integrada à injúria inicial, impulsionada em parte por citocinas reguladoras e hormônios. Esses mediadores determinam mudanças drásticas no gasto energético, substrato metabolizado e composição corporal. A citocina que mais afeta o metabolismo é Informativo Organnact o fator de necrose tumoral α, que é responsável pelo aumento do gasto energético, a gliconeogênese hepática, degradação de proteínas, a ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, a lipólise, e resistência periférica à insulina. Por causa das alterações metabólicas associadas à doenças graves e, em parte, à incapacidade ou relutância de muitos cães e gatos em estado crítico em ingerirem calorias suficientes, essa população de pacientes está em risco elevado de desenvolvimento de desnutrição. Esses pacientes desnutridos precisam de suporte nutricional. Dadas as limitações da avaliação do paciente, a identificação rápida de fatores de risco que podem predispor o paciente à desnutrição é fundamental. Esses fatores de risco incluem anorexia de duração superior a cinco dias, a doença grave subjacente (por exemplo, trauma, sepse, peritonite, ou pancreatite), e as grandes perdas de proteína (por exemplo, vômitos prolongados, diarreia, queimaduras, nefropatias com perdas proteicas). A avaliação nutricional deve também identificar os fatores que podem impactar o plano nutricional, tais como a identificação de anormalidades eletrolíticas, hiperglicemia, hipertrigliceridemia, hiperamonemia, ou comorbidades (insuficiência renal ou doença hepática). Três tipos de tratamentos têm sido utilizados para reduzir ou prevenir o hipermetabolismo: nutricional, hormonal, e farmacológico. Terapia nutricional Três aspectos são importantes a se considerar quando se institui suporte nutricional em cuidados intensivos: 1. Via de administração (enteral contra parenteral); 2. Tempo (precoce ou tardia); 3. Composição do suporte nutricional. É consenso que a via de alimentação enteral pode ser superior à parenteral do ponto de vista metabólico, teoria esta apoiada por várias pesquisas (ENRIONE et al, 1986). A via enteral oferece várias vantagens sobre a via parenteral de nutrição; é fisiológica, podendo ajudar a restaurar ou manter a função gastrointestinal normal, e tem sido associada a um risco reduzido de complicações infecciosas em pacientes de UTI em comparação à nutrição parenteral. A maioria dos estudos apoia os conceitos que a nutrição enteral é preferível à parenteral e que a alimentação precoce é melhor do que a tardia. Formulações especiais que foram objeto de vários estudos recentes incluem “dietas imunoestimulantes” e a adição de nutrientes específicos, tais como glutamina, aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs), arginina e antioxidantes. Os objetivos clássicos da terapia nutricional são fornecer ao paciente as necessidades nutricionais básicas e preservar os tecidos endógenos de processos catabólicos futuros. Já está comprovado cientificamente que é possível modular processos metabólicos e patológicos através do uso de nutrientes específicos e metabólitos, e também por meio da via pela qual a nutrição é fornecida. Necessidades nutricionais Figura 1. Representação esquemática dos fatores que contribuem para a desnutrição e suas consequências no paciente crítico (adaptado de CHAN, 2004). Teoricamente o suporte nutricional deve fornecer substrato para gliconeogênese, síntese proteica e produção de ATP para manutenção da homeostase. Deve assegurar fornecimento calórico adequado para manter processos fisiológicos críticos, como função imune, cicatrização, divisão celular e crescimento. A determinação da quantidade exata de calorias necessárias não é possível na prática diária da clínica e é usado apenas em modelos experimentais. Esses estudos experimentais apoiam a fórmula nutricional que determina a necessidade energética em repouso (RER=Resting Energy Requirements): 2 Organnact | Informativo Técnico Informativo Organnact fibras solúveis ou insolúveis. Ou, para animais pesando entre 2 kg e 30 kg: 3 Até recentemente, muitos nutricionistas multiplicavam a RER por um fator doença entre 1,0 a 2,0, resultando uma exigência de energia para explicar o aumento no metabolismo associado à diversas doenças e lesões. No entanto, menos ênfase está sendo colocada em tais fatores subjetivos e extrapolações. A recomendação atual é usar estimativas de energia mais conservadoras (ou seja, começar com RER do animal) para evitar excessos alimentares. A superalimentação pode resultar complicações metabólicas e gastrointestinais, disfunção hepática e produção aumentada de dióxido de carbono (CHAN, 2004). Deve-se ressaltar que essas diretrizes gerais devem ser utilizadas como pontos de partida, e os animais que recebem suporte nutricional devem ser cuidadosamente monitorados para a tolerância dessas intervenções nutricionais. Declínio contínuo no peso ou condição corporal deve levar o clínico a reavaliar e talvez alterar o plano nutricional (por exemplo, aumentar o número de calorias em 25%) (BIFFL et al, 2002; WRAY et al, 2002). Os requisitos de nutrientes específicos durante a doença crítica são consideravelmente diferentes do que aqueles em saúde. Quando um animal não é capaz de sintetizar quantidades suficientes de um nutriente e consegue obtê-lo pela alimentação, esse nutriente é qualificado como “essencial”. No entanto, sob determinadas condições, como doença grave, as exigências de um nutriente normalmente não essencial, que o animal consegue sintetizar o suficiente para atender às demandas metabólicas, aumenta significativamente e deve ser complementado na dieta ou resultará uma deficiência relativa. Esses nutrientes têm sido denominados “condicionalmente essenciais”, sendo a glutamina um bom exemplo. Dietas para pacientes críticos são concebidas para ser altamente digestíveis, ter alta densidade energética e para fornecer um grau moderado a alto de proteína. Essas dietas podem ser enriquecidas com nutrientes adicionais tais como: antioxidantes, aminoácidos específicos (arginina, glutamina, BCAAs), ômega-3, potássio, prebióticos e Organnact | Informativo Técnico Lipídeos Emulsões lipídicas fornecem energia e ácidos graxos essenciais. Animais que ficaram sem alimento por mais de três dias utilizam principalmente gordura endógena como energia; nesse estágio, dietas mais ricas em gordura pode ser fisiologicamente mais apropriadas. Recentemente muita atenção tem sido dada a suplementos alimentares à base de lipídeos (SABL) desenvolvidos para complementar dieta hospitalar única, que não atinge as exigências de todos os grupos (CHAPARRO & DEWEY, 2012). SBDL é um termo usado para descrever uma vasta categoria de suplementos enriquecidos à base de lipídeos, com base em ingredientes semelhantes, mas com diferentes concentrações de micronutrientes. Interessa usar os SABDL em situações de emergência não só para o tratamento da desnutrição severa aguda, mas para a prevenção da desnutrição, garantindo uma ração nutricionalmente mais adequada para os grupos vulneráveis (lactentes, jovens, gestantes e lactantes). A utilização de um SABL na melhoria do conteúdo nutricional dos alimentos fornecidos em pacientes críticos, com o objetivo de prevenir a desnutrição é de grande benefício na clínica. Ácidos graxos poli-insaturados – ômega-3 e ômega-6 Os níveis aumentados dos ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa ômega-3 e ômega-6 podem auxiliar na modulação reações inflamatórias associadas à processos inflamatórios subjacentes. Tabela 1. Funções metabólicas dos ácidos graxos poli-insaturados omêga-6 e omêga-3. Informativo Organnact Aminoácidos de ramificada – BCAAS cadeia Aminoácidos de cadeia ramificada (valina, leucina e isoleucina) são metabolizados pelo músculo esquelético; todos os outros são metabolizados pelo fígado. Por essa razão, o fornecimento de BCAAs é geralmente aumentado para fornecer energia para o tecido magro corporal e para ajudar a manter a massa corporal magra. Devido aos BCAAs não serem metabolizados no fígado, eles também são fornecidos para os pacientes com doença hepática e sinais clínicos de encefalopatia hepática. Glutamina A glutamina é um aminoácido comumente incorporado em dietas de cuidados críticos. É preferencialmente utilizada por enterócitos como fonte de energia e pode ajudar a promover a saúde do intestino delgado, especialmente em pacientes criticamente com doença gastrointestinal. Além disso, a glutamina é utilizada como fonte de energia por células do sistema imunológico e pode ajudar a melhorar a resposta imunitária do paciente. A arginina foi demonstrada como auxiliar na cura de feridas em estudos clínicos humanos e proporciona benefícios em pacientes gravemente doentes. peroxidação lipídica e desativação das proteínas. Elas também ativam o sistema imunitário e perpetuam a inflamação por estimular a liberação de citocinas pelos macrófagos, induzindo a expressão de moléculas de adesão celular nas células endoteliais e promoção da adesão de leucócitos. Nutrientes solúveis em água e metabólitos são encontrados nos espaços intercelulares e intravascular que têm o potencial de remover e inativar os radicais livres. Estes incluem a vitamina C, betacaroteno, os aminoácidos taurina e cisteína, e glutationa, que é sintetizada a partir de cisteína, glicina e glutamato. A vitamina E, principal antioxidante de membrana celular, impede a iniciação e a propagação da peroxidação lipídica por radicais livres. Há também enzimas antioxidantes, tais como superóxido dismutase, glutationa peroxidase e catalase, a função dos quais dependem de um fornecimento adequado de minerais da dieta (selênio, zinco, cobre, manganês e ferro). Tabela 3. Principais classes de oxidantes. Referências 1. BAVELAAR J. W., OTTER C. 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