ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO MÓDULO 11 A DESCENTRALIZAÇÃO: ALGUNS CASOS NA AMÉRICA LATINA Índice 1. A descentralização: alguns casos na América Latina ...... 3 2 Economia e Gestão do Setor Público - Módulo 11: A descentralização: alguns casos na América Latina 1. A DESCENTRALIZAÇÃO: ALGUNS CASOS NA AMÉRICA LATINA A descentralização segue uma trajetória histórica por sistemas que foram criados a partir da interferência das classes dominantes nacionais, como forma de independência econômica e política das metrópoles – espanhola ou portuguesa –, diferentemente do caso típico norte-americano, em que houve um movimento de união de unidades autônomas já existentes. Os movimentos de descentralização devem ser estudados como a maior participação das esferas subnacionais na geração e alocação de recursos e na execução de políticas públicas/despesas públicas que variam de país para país devido às estruturas institucional, política e econômica de cada um. Em linhas gerais, na América Latina, o processo de descentralização, desde 1980, esteve estreitamente associado ao objetivo mais amplo de reforma do Estado e ao processo de redemocratização. A maioria dos países latino-americanos utilizou a combinação dos modelos de descentralização, como o do principal agente (esferas com baixa capacidade econômica) e da eleição pública local (esferas com elevada capacidade econômica). Entre os casos mais importantes de descentralização na América Latina, além do Brasil, temos a Argentina e a Colômbia. Na maioria dos casos, a relevância dos processos de descentralização está diretamente associada: a) à extensão territorial do país; e b) à diversidade regional, em termos econômicos. Na Argentina, como no Brasil, também temos três níveis ou esferas de governo, sendo eles o governo central, as províncias e os municípios, que são organizados pelas províncias às quais pertencem (Constituição Federal não condiciona essas esferas). A educação primária e a secundária são responsabilidades das províncias, enquanto a educação superior é do governo central. A saúde é responsabilidade das três esferas que prestam serviços através de hospitais públicos. A previdência social é do governo central, mas as províncias contam com caixas previdenciários para os funcionários provinciais e municipais. Observação: o regime municipal varia de acordo com as diferentes províncias que, em sua maioria, reconhecem a autonomia de seus municípios, que têm liberdade para estabelecer e administrar seus próprios impostos. Tanto o governo central quanto as províncias são responsáveis pela regulação em setores de infraestrutura – como transportes, portos e fornecimento de água potável. Já os serviços de iluminação pública, limpeza, conservação de ruas, praças e parques são prestados e regulamentados pelos municípios. Ao olhar os gastos das três esferas públicas da Argentina (governo central, províncias e municípios), percebe-se que houve uma queda dos gastos públicos no governo central e um aumento nas esferas subnacionais entre 1983 e 1992. 3 Economia e Gestão do Setor Público - Módulo 11: A descentralização: alguns casos na América Latina Cabe ao governo central legislar, arrecadar e fiscalizar os impostos mais modernos e com maior capacidade de arrecadação sobre o valor agregado e sobre a renda. As províncias são responsáveis pelos impostos sobre vendas, selos e sobre posse de imóveis e automóveis. Ainda que os impostos sobre 4 Economia e Gestão do Setor Público - Módulo 11: A descentralização: alguns casos na América Latina propriedade de imóveis e automóveis tenham bases territoriais definidas, o mesmo não ocorre no caso dos outros tributos. A capacidade tributária dos municípios, por sua vez, depende da delegação das províncias, que, em alguns casos, reconhecendo a autonomia dos municípios, transfere para estes a arrecadação do imposto predial e de propriedade de automóveis. Apenas 20% do total da arrecadação tributária total é de arrecadação exclusiva das províncias. Isto aponta para uma significativa concentração da arrecadação dos principais impostos no governo federal. A repartição das receitas arrecadadas pelo governo central com as províncias ocorre através de transferências – reguladas pelo regime federal de co-participação de impostos, tradicionalmente sujeito à instabilidade de regras. As províncias, por sua vez, executam transferências para os municípios, com mecanismos de co-participação similares aos do governo central. Vale ressaltar que, grande parte das transferências intergovernamentais não tem uma vinculação direta com qualquer tipo de gasto, o que ocorria em 1983 (Giambiagi, 2001, p. 315). Devido à flexibilidade de criação e alteração de trans ferências, as províncias são cooptadas para a adoção de ações de interesse nacional. Mesmo com um sistema que viabiliza economias de escala e baixa guerra fiscal, a limitação se constitui na grande dependência das províncias por transferências. Em 1992, 54% dos gastos das províncias foram financiados por transferências do governo federal, em que o endividamento externo depende de autorização do governo central, e o endividamento interno depende de constituições provinciais. Na verdade, ocorreu uma descentralização dos gastos, mas não das receitas tributárias, o que gera uma maior dependência das províncias e municípios. Na Colômbia também temos três esferas, sendo o governo central, departamental (estadual) e o municipal. A descentralização iniciou em 1986, com as eleições diretas para prefeito e com a Constituinte de 1991, que implementou a eleição direta para governador. Os municípios são responsáveis pela educação primária e secundária, recebendo assistência técnica e financeira dos departamentos e se utilizando de recursos próprios para o financiamento dos seus gastos correntes e de capital. O governo central é responsável pela folha de pagamento da educação. Os departamentos são responsáveis pelos gastos com saúde, de forma direta ou através de entidades privadas, e transferem parte dos recursos tributários para os municípios; entretanto, os departamentos delegam alguns serviços de saúde, principalmente preventivos, aos municípios. Além disso, cabem a esta esfera de governo os gastos com saneamento básico e ambiental. 5 Economia e Gestão do Setor Público - Módulo 11: A descentralização: alguns casos na América Latina Observação: a maior participação dos municípios foi devido ao aumento das transferências das outras esferas. As transferências para os departamentos são condicionadas. 6 Economia e Gestão do Setor Público - Módulo 11: A descentralização: alguns casos na América Latina Olhando os gráficos, percebemos que o governo central centraliza os recursos. Percebe-se que houve um aumento no financiamento dos gastos municipais com recursos próprios e quase 50% desses recursos são gerados pela tributação sobre a indústria e o comércio. No caso dos departamentos, a principal fonte são os tributos específicos sobre o consumo. Os municípios têm financiamento com recursos próprios mais autonomia de decisão e despesas sem vinculação, e na receita podem somente estabelecer alíquotas. Como já estudamos, o Brasil é composto por uma federação com 26 estados, um Distrito Federal e 5.564 municípios, sendo essa uma reação ao centralismo do império. O governo militar, com a Constituição de 1967, buscou a centralização, porém, a crise econômica e política no início dos anos 1980 deu às esferas subnacionais condições para descentralizar. A motivação política é clara a partir da Constituição de 1988, não sendo um movimento de governo central, mas sim de estados e municípios. O principal desafio é conciliar o máximo de descentralização com uma adequada capacidade de redução das desigualdades regionais. Antes da Constituição de 1988, as emendas constitucionais já aumentavam os fundos de participação estadual e municipal (FPE e FPM). Mesmo com o aumento das transferências do governo federal e estadual, alguns municípios têm buscado o aumento da arrecadação própria, o que mostra a busca por eficiência nessas esferas. 7 Economia e Gestão do Setor Público - Módulo 11: A descentralização: alguns casos na América Latina