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RESENHA SOBRE O TEXTO “RHETORIC” DE STANLEY FISH
Renan Mendonça Ferreira1
Resumo
Esta é uma resenha sobre o texto Rhetoric (Retórica) de Stanley Fish, importante
teórico literário e acadêmico norte-americano. Seu texto apresenta algumas das
dicotomias mais importantes da humanidade e também uma de suas principais
problemáticas históricas: o relativismo retórico versus a realidade objetiva.
Abstract
This is a review about the text “Rhetoric” by Stanley Fish, literary theorist and
American academic. The author presents some of the most important dichotomies of
humanity and also one of its major historical issues: the rhetorical relativism versus
objective reality.
Palavras-chave: Retórica; Relativismo Retórico; Filosofia; Teoria Literária.
Keywords: Rhetoric, Rhetorical Relativism, Philosophy, Literary Theory.
O autor Stanley Fish em seu texto Rhetoric apresenta a idéia de dois tipos de
argumentação. De um lado, os chamados retóricos – ou relativistas – são aqueles
que argumentam na defesa de uma verdade momentânea. De outro lado os filósofos
– ou “essencialistas” – são aqueles que argumentam na busca de uma verdade
absoluta ou essência perfeita e eterna.
O debate entre retóricos e filósofos se revela na contradição entre duas idéias.
Primeiro, a idéia de que a verdade se constrói na linguagem – crença defendida
pelos retóricos. Segundo, a idéia de que existe um valor absoluto além da linguagem
– crença defendida pelos filósofos.
1
Mestre em Letras, área de concentração: estudos literários; licenciatura plena em Língua
Portuguesa e Literatura; bacharelado em Comunicação Social: habilitação em Publicidade e
Propaganda pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Atualmente é professor da
Multivix. Contato: [email protected]. Blog: interludico.blogspot.com.br
Conhecimento em Destaque, Serra, ES, v. 02, n. 02, jul./dez. 2013.
Esse debate não é novo. Na Grécia Antiga, o debate entre Sócrates e os sofistas
tendia para a mesma problemática. Ainda hoje o debate existe, de forma
ligeiramente diferente, mas persiste na contradição entre a linguagem como
construtora de verdades momentâneas e racionalismo idealista na busca de
verdades absolutas.
Stanley Fish lista três oposições básicas: a primeira, entre uma verdade que existe
independentemente de todas as perspectivas, e as muitas verdades que emergem
quando um ponto de vista é estabelecido; segunda, uma oposição entre o
conhecimento que é o conhecimento tal como existe separado de todo sistema de
crença, e o conhecimento derivado de algum sistema de crença; terceira, uma
oposição entre uma consciência que é voltada para fora num esforço de apreender e
atacar ela mesma e uma consciência que é voltada para dentro na direção de seus
próprios preconceitos.
O que temos aqui nesses três casos descritos é uma oposição entre as idéias de
verdade absoluta e verdade relativa, verdade objetiva e verdade subjetiva, filósofo e
homem retórico.
Em seguida, Fish também relaciona dois tipos de linguagem: de um lado, a
linguagem que é um reflexo fiel dos fatos, sem adornos para os desejos pessoais ou
partidários; e por outro lado, uma linguagem que é infectada por desejos partidários,
colorida verbalmente e que distorce os fatos os quais ela deveria refletir. Este
segundo tipo de linguagem é atribuído aos retóricos.
Entretanto, a maior questão é averiguar se realmente é possível interpretar o mundo
de forma independente da linguagem, ou em outras palavras, se é possível alcançar
a total objetividade científica. Os retóricos são aqueles que não acreditam na
verdade objetiva, são céticos quanto a isto, e consequentemente relativistas. Para
Conhecimento em Destaque, Serra, ES, v. 02, n. 02, jul./dez. 2013.
eles, não há nenhuma essência universal que sustente um sistema de crenças do
qual uma verdade universal nasce, logo, estaria tudo atrelado à linguagem.
Devido a isto, os retóricos foram muitas vezes criticados, diziam que eles
manipulavam as pessoas. Stanley Fish em seu texto mostra que os retóricos não
eram os únicos criadores de realidades, mas também os filósofos idealistas criavam
verdades a partir de crenças impalpáveis, dados invisíveis que serviam como base.
Por essa razão, os sofistas eram, de certa forma, melhores, pois eles admitiam que
não conheciam a verdade, ao contrário dos filósofos que insistiam em atacar os
sofistas como se estes fossem demônios perigosos. Os argumentos utilizados para
atacar os homens retóricos são semelhantes àqueles que Platão, no livro X de sua
República, usa para banir os poetas. Em suma, a defesa de uma boa moral.
Por outro lado, Aristóteles organizou seus argumentos de modo a apartar o debate.
Ele fez distinção entre a arte retórica e a índole humana. Logo, para Aristóteles a
retórica tem seu lugar de importância e não deve ser exonerada. O que deve ser
combatido é a má índole, e não a retórica em si, pois esta é apenas uma ferramenta,
uma arte humana, portanto isenta de responsabilidade. Em outras palavras, a
responsabilidade deve recair sobre quem faz o mau uso da retórica e não sobre a
retórica em si.
Séculos mais tarde, o debate retornou. Nietzsche foi dos que combateu o idealismo,
especialmente o socrático. Nietzsche defendia a força criadora de um retórico, pois
este cria verdades, ao passo que um idealista cria uma moral e destrói possíveis
verdades.
Nas ciências modernas, o debate persiste de forma muito semelhante àquele da
Antiguidade. Mesmo numa ciência como a economia, tida por muitos como exata, as
verdades são construídas. Não há objetividade real, não há uma economia que se
Conhecimento em Destaque, Serra, ES, v. 02, n. 02, jul./dez. 2013.
permita uma análise imparcial. Toda tese econômica é na verdade um sistema de
crenças construído a partir de uma linguagem.
Sobre a contradição entre a verdade que é construída na linguagem e a verdade
absoluta, não há ainda meio de distinguir objetivamente uma da outra. Todavia, é
importante fazer a distinção entre duas categorias de atos de fala: o constativo, que
averigua se uma proposição é passível de análise nos moldes de ser verdadeiro ou
falso; e o performativo, que averigua se uma proposição é passível de análise nos
moldes de ser uma promessa, ordem ou declaração.
Essa distinção proposta por John L. Austin torna possível caracterizar as
proposições dignas de análise objetiva e as proposições que apenas expressam
desejos de que algo seja verdade. Contudo, mesmo os atos de fala constativos são
incapazes de nos dar uma verdade inquestionável, isto porque eles não nos dizem
nada sobre o referente, mas apenas sobre a língua em si. Ou seja, o ato de fala
constativo pode fazer uma afirmação sobre a natureza, mas se essa natureza (o
referente) é desconhecida, a afirmativa não nos diz nada objetivamente e a verdade
permanece apenas no nível linguístico (retórico). Logo, o debate volta ao seu início.
Talvez seja mesmo impossível se desvencilhar da linguagem, contudo isto não é um
fato necessariamente ruim. Se o modo como vemos o mundo é criado pela
linguagem, então possuímos várias possibilidades de verdades, subjetivas sim, mas
ainda verdades.
REFERÊNCIA:
FISH, Stanley. Rhetoric. Doing What Comes Naturally: Change, Rhetoric and the
Practice of Theory in Literary and Legal Studies. Oxford: Clarendon, 1989.
Conhecimento em Destaque, Serra, ES, v. 02, n. 02, jul./dez. 2013.
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