FIL 3370 - Programa de Pós-Graduação em Filosofia

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Curso de Pós-Graduação em Filosofia UFSC/2013
(5 sessões:15h)
Prof. Dr. Leonel Ribeiro dos Santos
(CFUL/Universidade de Lisboa – PVE bolsista CAPES/UFSC)
FILOSOFIA E RETÓRICA
NO HUMANISMO DO RENASCIMENTO
1. Ideia e Roteiro do Curso
A ideia condutora deste Curso é a tentativa de fazer a topografia dos traços
filosoficamente mais relevantes de um aspecto do pensamento dos séculos XIV a XVI,
tradicionalmente subvalorizado do ponto de vista filosófico, mas cuja importância tem
vindo a ser objecto de uma renovada hermenêutica nas últimas décadas. Trata-se do
reconhecimento do papel que a Retórica desempenhou nos planos de estudos das novas
escolas dos humanistas, a partir do final do século XIV e pelos dois séculos seguintes,
associado ao ideal da eloquência que movia os mais destacados representantes do
movimento humanístico. Partindo do reconhecimento da importância e significado da
Retórica e da Eloquência para o pensamento dos humanistas, propomo-nos interpretá-lo
como indício do ressurgimento do que se poderia chamar o paradigma de pensamento
retórico, o qual se propõe modelar todas as formas da cultura e do saber, revelando-se
como alternativa ao modelo tradicional escolástico da Dialéctica e da Metafísica.
Designamos esse «acontecimento-processo» como sendo uma «viragem para a Retórica»,
com o que se pretende indicar que não se trata apenas de um aspecto entre outros, mas
de um aspecto que decide a feição da cultura e do pensamento ao longo de dois séculos.
Sendo central, o tema é também estratégico, pois, impondo-se como um tópico em torno
do qual se mobilizam alguns dos mais destacados pensadores da época, a sua abordagem
pode ajudar a reconhecer a unidade e a feição característica do pensamento de todo um
largo período da história intelectual europeia renascentista ou pré-moderna. Constitui
nosso propósito pôr em evidência a unidade e continuidade do problema na diversidade
das respostas que recebeu dos mais destacados pensadores dos séculos XV e XVI que dele
se ocupam. A unidade do tema consente não só a diversidade como até o antagonismo de
posições. Mas isso ocorre num ambiente intelectual de referências comummente
partilhadas pelos vários protagonistas, por distantes que estejam no espaço e no tempo,
por diversas que sejam as respectivas fontes de inspiração ou as matrizes de pensamento.
Momentos do processo:
I)
O da clara viragem para a Retórica e do geral impulso para a retoricização do
pensamento (tanto da Filosofia como até da Teologia), processo que se
II)
III)
anuncia desde a primeira geração de humanistas (Petrarca, Salutati, Bruni), se
decide em Lorenzo Valla e Angelo Poliziano e atinge a sua extrema expressão
em Mario Nizolio, em meados do século XVI)
O do declarado conflito entre Filosofia e Retórica, protagonizado, de forma
paradigmática, por Giovanni Pico della Mirandola e Ermolao Barbaro, a meio
da penúltima década do século XV, mas que se estende ainda pelo século
seguinte, em Juan Luis Vives, em Erasmo, em Philipp Melanchthon, em
Francesco Patrizi…
O do recuo da Retórica em face das novas dialécticas (de Rudolfo Agricola e de
Pedro Ramo) e sua desqualificação científica e consequente minimização e
redução a uma doutrina de efeitos literários, de tropos e figuras para adorno
do discurso.
Principais tópicos:
a) Ambientação geral ao pensamento do Humanismo renascentista. Renascimento e
Humanismo do ponto de vista da Filosofia. Fases do pensamento humanista.
Significado filosófico do Humanismo (confronto das teses de Eugenio Garin, Paul Oskar
Kristeller, Ernesto Grassi…).
b) Homo loquens: O Humanismo e a consciência da condição linguística do homem e do
pensamento: “viragem linguística” e “viragem para a Retórica” no pensamento
humanista. Seus aspectos mais relevantes. Humanismo e Linguagem ou da Filologia
como Filosofia. «No princípio está a palavra!»: regimes filosóficos da linguagem no
Renascimento. Identificação e caracterização do paradigma do pensamento retórico
(ou racionalidade retórica) em confronto com o pensamento dialéctico-metafísico.
c) A Retórica como Filosofia, de Lorenzo Valla a Mario Nizolio: docere, delectare, movere.
d) A Filosofia contra a Retórica: a polémica de Giovanni Pico della Mirandola com
Ermolao Brabaro, seu significado e sua ressonância posterior: Philipp Melanchthon.
e) A crise do paradigma retórico do pensamento humanístico nos seus principais
momentos e aspectos: Rudolfo Agricola, Juan Luis Vives, Pedro Ramo.
f) A “idade da eloquência” no tempo da ciência e da razão geométrica, ou a herança do
Humanismo em três fundadores da Modernidade (Francis Bacon, René Descartes,
Thomas Hobbes).
2. Textos e materiais para trabalho prático hermenêutico
Serão disponibilizados aos participantes no Curso, no original e em tradução, os
principais documentos e peças desse processo que serão comentados e discutidos:
nomeadamente, as cartas entre Pico della Mirandola (De genere dicendi
philosophorum, 1485) e Ermolao Barbaro, a tardia réplica a estes dada por Philipp
Melanchthon (Encomion eloquentiae, 1523; Epistola Hermolai nova ac subdititia, quae
respondet Pico, 1558), e bem assim textos seleccionados de outros pensadores
humanistas (Francesco Petrarca, Coluccio Salutati, Lorenzo Valla, Erasmo, Vives).
3. Bibliografia básica
Barbaro, Ermolao / della Mirandola, Giovanni Pico (1998) – Filosofia o eloquenza ?, a
cura di Francesco Bausi, Napoli : Liguori Editore.
Bausi, Francesco (1996) – Nec rhetor neque philosophus. Fonti, lingua e stile nelle
prime opere latine di Giovanni Pico della Mirandola (1484-1487), Firenze : Olschki.
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Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Vários capítulos (nomeadamente: «Petrarca e a Filosofia.
Entre a Invenção da Antiguidade e a Génese da Modernidade», pp.11-42; «O humano, o
inumano e o sobre-humano no pensamento antropológico do Renascimento», pp.43-92; «Dos
Antigos aos Modernos. Consciência histórica e consciência de época nos pensadores dos
séculos XV a XVII», pp.93-128; entre outros).
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