parecer - Ministério Público

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
MINISTÉRIO PÚBLICO
ASSESSORIA JURÍDICA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N.º 70027517697– TRIBUNAL PLENO
PROPONENTE: PREFEITO MUNICIPAL DE SANTA MARIA
REQUERIDA: CÂMARA MUNICIPAL DE SANTA MARIA
INTERESSADA: EXMA. SRA. PROCURADORA-GERAL DO ESTADO
RELATOR: DES. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO
PARECER
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Complementar do
Município de Santa Maria que prorroga as licenças gestante, adotante e
paternidade concedidas aos servidores públicos municipais dos
Poderes Executivo e Legislativo. Vício de iniciativa apenas na parte em
que
regula
as
licenças
aos
servidores
do
Executivo.
Inconstitucionalidade material, em razão da falta de prévia dotação
orçamentária. PARECER PELA PARCIAL PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
1. Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de
liminar, proposta pelo Prefeito Municipal de Santa Maria, com o objetivo de retirar do
ordenamento jurídico a Lei Complementar Municipal n. 066/2008, que altera a redação dos
artigos 126, 127, 128 e 150 da Lei n. 3326/911, que regulam a concessão das licenças
gestante, adotante e paternidade aos servidores públicos vinculados aos Poderes
Legislativo e Executivo de Santa Maria/RS.
O proponente sustenta que a lei em análise, por ter sido de iniciativa do
Poder Legislativo, invadiu a sua competência privativa, violando o princípio da harmonia e
separação dos Poderes, constante nas Constituições Federal e Estadual.
A liminar foi parcialmente deferida (fls. 41-4).
Lei n. 3326, de 04 de junho de 1991, do Município de Santa Maria – Dispõe sobre o Regime Jurídico Único dos
Servidores Públicos Municipais e dá outras providências.
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Citada, a Câmara de Vereadores de Santa Maria pugnou pela
procedência da ação, reconhecendo o vício de inconstitucionalidade formal da lei
impugnada, vez que a matéria vertente é de atribuição privativa do Chefe do Poder
Executivo (fls. 55-8).
A Procuradoria-Geral do Estado pugnou pela manutenção da norma
municipal questionada, com lastro na presunção de constitucionalidade derivada da
independência e harmonia entre os poderes estatais (fl. 93).
Vista ao Ministério Público.
É o relatório.
2. A Lei impugnada tem a seguinte redação (fls. 19-21):
LEI COMPLEMENTAR Nº 066, DE 22 DE SETEMBRO DE 2008.
ALTERA A REDAÇÃO DOS ARTIGOS Nº 126, 127 E 128, SEÇÃO IV DA
LICENÇA À GESTANTE, ADOTANTE E PATERNIDADE E ARTIGO Nº 150,
CAPÍTULO VII DO TEMPO DE SERVIÇO DA LEI MUNICIPAL Nº 3326/91, DE
04 DE JUNHO DE 1991, QUE DISPÕE SOBRE O REGIME JURÍDICO ÚNICO
DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS E DÁ OUTRAS
PROVIDÊNCIAS.
Vilmar Galvão, Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Santa
Maria, Estado do Rio Grande do Sul FAZ SABER que, em conformidade com o
que determina a Lei Orgânica do Município, em seu Art. 86, §6º e Art. 50, §1º,
inciso IV do Regimento Interno, a Câmara de Vereadores aprovou e ele
PROMULGA a seguinte LEI:
Art. 1º - O Artigo 126, Seção IV – da licença à gestante, adotante e
paternidade da Lei Municipal nº 3326/91, de 04 de junho de 1991, passa a ter
a seguinte redação:
“Art. 126 – Será concedida, mediante laudo médico, licença à servidora
gestante, por 180 (cento e oitenta) dias consecutivos, dos Poderes Executivo e
Legislativo.
§ 1º - No caso de nascimento prematuro, a licença terá início a partir do parto,
ou casos excepcionais, a servidora gestante poderá requerer mediante
apresentação de laudo médico específico que seja fixado o início da licença
maternidade.
§ 2º - No caso de natimorto, decorridos trinta dias do evento, a servidora será
submetida a exame médico e, se julgada apta, reassumirá o exercício.
§ 3º - No caso de aborto não criminoso, atestado por médico oficial, a
servidora terá direito a trinta dias de repouso remunerado.
§ 4º - A servidora que já estiver no gozo da licença na data de publicação
desta Lei poderá optar pela ampliação da licença maternidade, através de
requerimento protocolado no setor competente.
§ 5º - Durante a licença, a criança não poderá ser mantida em creche ou
organização similar, salvo nos últimos 30 dias da licença da servidora para
período de adaptação da criança.
§ 6º - Durante a licença, a servidora não poderá exercer atividade remunerada,
excetuados os casos de acumulação de cargos previstos em Lei.
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§ 7º - Em caso de descumprimento do disposto no inciso anterior, a servidora
pública perderá o direito à licença, bem como à respectiva remuneração”.
Art. 2º - O Artigo 127, Seção IV – da licença à gestante, adotante e
paternidade da Lei Municipal nº 3326/91, de 04 de junho de 1991, passa ter a
seguinte redação:
“Art. 127 - A licença maternidade será concedida também à servidora pública
que adotar uma criança ou obtiver a guarda judicial para fins de adoção,
respeitando os seguintes períodos em conformidade com a idade da criança:
a) se a criança tiver até dois meses de idade, 180 dias;
b) de dois meses a um ano de idade, 120 dias;
c) de um ano a quatro anos de idade, 60 dias;
d) de quatro anos a oito anos de idade, 30 dias;
Parágrafo Único: A servidora deve observar as exigências constantes nos
parágrafos 5º, 6º e 7º do Artigo anterior”.
Art. 3º - O Artigo 128, Seção IV – da licença à gestante, adotante e
paternidade da Lei Municipal nº 3326/91, de 04 de junho de 1991, passa a ter
a seguinte redação:
“Art. 128 – A licença paternidade dos servidores públicos dos Poderes
Executivo e Legislativo será de 15 (quinze) dias, contados da data de
nascimento".
Art. 4º O Artigo 150, Capítulo VII – do tempo de serviço, XXII da Lei Municipal
nº 3326/91, de 04 de junho de 1991, passa a ter a seguinte redação:
“Art. 150 – [...]
XXII – amamentação pelo período de uma hora a cada três horas trabalhadas,
durante os 30 (trinta) dias seguintes ao término da licença gestante”.
Art. 5º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
[...]
Com razão o proponente.
O diploma legal impugnado é inconstitucional porque invade a esfera de
competência normativa privativa do Prefeito Municipal. Por conseguinte, impõe-se a
declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 066/2008, do Município de
Santa Maria, por ofensa ao disposto nos artigos 60, II, “b”, e 82, II e VII, da Constituição
Estadual:
Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:
[...]
II – disponham sobre:
[...]
b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos,
estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares
para a inatividade;
Art. 82 – Compete ao Governador, privativamente:
[...]
II – exercer, com auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da
administração estadual;
[...]
VII – dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual.
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De plano, cumpre observar que a Lei atacada, ao regular a concessão
das licenças gestante, adotante e paternidade, notadamente no que tange aos respectivos
prazos de duração, positiva intromissão indevida da Câmara de Vereadores nas atividades
próprias do Executivo, o que é vedado pelas normas constitucionais.
Como é sabido, a Constituição Federal consagra a repartição da
competência legislativa entre a União, Estados e Municípios. Outrossim, em face do notório
alargamento da atuação do Executivo no processo legislativo, há a previsão de uma
repartição de competência também em termos horizontais.
Eis o entendimento de HELY LOPES MEIRELLES2:
A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de
regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta
aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece,
apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos;
dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o
funcionalismo da Prefeitura, edita, tão-somente, preceitos para sua
organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas
institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa
o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo,
personalizado no prefeito.
Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função
executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório,
genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma
legislativa em atos específicos e concretos de administração.
(...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da
separação institucional de suas funções (CF, art. 2º).
Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao
prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são
incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe
à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas
atividades que lhe são próprias.
Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora
leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é a sua
função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos
concretos de administração. Já dissemos, e convém se repita, que o
Legislativo provê in genere, o Executivo in specie; a Câmara edita normas
gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. Daí não ser
permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas
ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em
ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos,
recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados,
contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir
em atos ou medidas de execução governamental.
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Desta forma, em razão do princípio da Separação entre os poderes,
aplicável aos municípios por força do artigo 8º da CE3, o Poder Legislativo não pode dispor
sobre determinadas matérias, tais como regras que disponham sobre servidores públicos
(Art. 60, II, “b”, CE).
Portanto, a Lei em análise, ao ampliar o prazo das licenças gestante,
adotante e paternidade, concedidas aos servidores públicos municipais do Poder Executivo,
padece de inconstitucionalidade formal, por vício de origem, vez que o Legislativo
santamariense imiscuiu-se em matéria cuja iniciativa é privativa do Chefe do Poder
Executivo, como bem reconheceu a Casa Parlamentar em sua manifestação de fl. 56, in
verbis:
Contudo, a Lei, ora fustigada, padece de inconstitucionalidade devido a vício
de origem, uma vez que o processo legislativo foi deflagrado pelo Poder
Legislativo, quando na verdade a reserva legal compete privativamente ao
Chefe do Executivo, posto que se trata de matéria que disciplina direitos
previstos no Regime Jurídico dos servidores, cuja competência para alterar é
somente do Chefe do executivo municipal.
Com relação à parte legislativa que regulamenta a concessão das
licenças em comento aos servidores do Poder Legislativo, não se vislumbra vício de
inconstitucionalidade, vez que a Câmara de Vereadores tem competência para tanto, como
bem ressaltou o eminente Desembargador-Relator Carlos Eduardo Zietlow Duro, quando da
concessão parcial da medida liminar (fl. 42):
Ressalto que em relação aos servidores do Poder Legislativo não há qualquer
inconstitucionalidade com a nova redação dos artigos 126 e 128 da Lei
Municipal nº 3326/91, determinada pela Lei Complementar nº 066/08 porque a
Câmara Municipal tem competência para regrar licença-gestante e licençapaternidade de seus servidores, observada sua autonomia financeira e
administrativa, incumbindo-lhe, privativamente, dispor sobre o funcionamento e
organização dos cargos, empregos e funções de seus serviços, observados os
precisos termos dos artigos 51, IV, 52, XIII, da Constituição Federal, 53, XXXV
da Constituição Estadual e artigo 28, §3º, da Lei Orgânica do Município.
Destarte, merece ser declarada a inconstitucionalidade formal da Lei
Complementar n. 066/2008 somente na parte em que regula as licenças concedidas aos
servidores públicos municipais vinculados ao Poder Executivo, mantendo-se intacta no que toca
àqueles do Poder Legislativo.
Direito Municipal Brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 605-6
Art. 8º - O Município, dotado de autonomia política, administrativa e financeira, reger-se-á por lei orgânica e pela
legislação que adotar, observados os princípios estabelecidos na CF/88 e nesta Constituição.
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Não obstante o vício já destacado, a norma hostilizada também padece de
inconstitucionalidade material, porquanto a medida que se propõe gera aumento da despesa
pública sem previsão de custeio, afrontando o disposto nos artigos 149 e 154, I, da Constituição
Estadual.
Neste sentido, o e. Órgão Especial desse Tribunal de Justiça já se
manifestou:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. VÍCIO DE
INICIATIVA. CRIAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES A ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO.
AUMENTO DE DESPESAS. VEDAÇÃO. OFENSA A DISPOSIÇÕES
CONSTITUCIONAIS. Vedada a edição de lei que cria atribuições a órgãos da
administração, em ofensa aos artigos 8.º e 82, VII, da Constituição Estadual, a
evidenciar inconstitucionalidade formal. Além disso, o aumento de despesas
públicas, sem a devida previsão orçamentária, viola o artigo 154, I, da
Constituição Estadual, incorrendo em inconstitucionalidade material. AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE.
UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70023802846, Tribunal
Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, Julgado em
15/09/2008).
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DO MUNICÍPIO DE
BAGÉ. CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. ART. 60, II, " b " E 82, VII, POR
SIMETRIA, LEI MUNICÍPAL DE URUGUAIANA. PRORROGAÇÃO DE
LICENÇA-MATERNIDADE. Por aferição simétrica, apresenta-se em desalinho
à Constituição Estadual (Art. 60, II," b " e 82,VII), o dispositivo municipal que
prorroga a duração de licença-maternidade de servidoras públicas municipais.
Rejeitada a preliminar, ação direta de inconstitucionalidade procedente.
Unânime. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70019948819, Tribunal
Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em
15/10/2007).
Logo, em razão de expressa disposição constitucional a respeito do
tema, merece ser julgada procedente a presente ação direta de inconstitucionalidade.
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3. Ante o exposto, manifesta-se o Ministério Público pela parcial
procedência da presente ação direta de inconstitucionalidade, por afronta aos artigos 8º, 10,
60, II, “b”, e 82, VII, todos da Constituição Estadual, para declarar a inconstitucionalidade da
Lei Complementar n. 066/2008, do Município de Santa Maria, tão-somente na parte em que
regula o prazo de duração das licenças gestante, adotante e paternidade para os servidores
públicos municipais do Poder Executivo.
Porto Alegre, 17 de fevereiro de 2009.
ANIZIO PIRES GAVIÃO FILHO,
Procurador-Geral de Justiça, em exercício.
LABG/FFC
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