OS AGRUPAMENTOS PRODUTIVOS NA ALFABETIZAÇÃO

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OS AGRUPAMENTOS PRODUTIVOS NA ALFABETIZAÇÃO E AS DIFERENTES
CONCEPÇÕES SOBRE ENSINO/APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA
Evanilza Ferreira da Silva, Colégio de Aplicação - UFAC, AC / BRASIL
[email protected]
Tatiane Castro dos Santos, Universidade Federal do Acre, AC/ BRASIL
[email protected]
Eixo Temático: Alfabetização na História da Educação
RESUMO
Discutimos a importância do trabalho com agrupamentos produtivos nas turmas de
alfabetização. Para isso, revisitamos diferentes concepções de ensino da leitura e da escrita até
chegarmos àquelas que, hoje, norteiam o fazer pedagógico, destacando os estudos da
psicogênese da língua escrita. O trabalho com os agrupamentos produtivos resulta em um
desenvolvimento significativo, já que a interação entre as crianças favorece a evolução da
aprendizagem até atingir o nível de maturação do conhecimento.
Palavras-chave: Agrupamentos produtivos; ensino-aprendizagem; leitura e escrita.
ABSTRACT
We discussed the importance of productive grouping work in literacy grades. In order to do
that, we revisited different conceptions of teaching reading and writing until today. Among
the most recent ones, which permeate the pedagogical practice, we emphasized the
psychogenesis studies of written language. The work with productive grouping results in
meaningful development, once the interaction among children promotes the learning
evolution until it reaches the level of knowledge maturity.
Keywords: Productive grouping; teaching/learning; reading and writing.
INTRODUÇÃO
A história da alfabetização no Brasil, até as últimas décadas do século XX, foi
marcada por uma preocupação em torno do “como se ensina”, o que se evidenciou na
constante busca por métodos que fossem capazes de, por si só, dar conta de todo o processo
de ensino/aprendizagem da leitura e da escrita. E esse foco, exageradamente colocado na
questão metodológica, aliado às concepções equivocadas acerca do sujeito, da linguagem e do
objeto de aprendizagem, no caso a escrita, resultaram em métodos de alfabetização
extremamente mecânicos que, segundo Braggio (1992), funcionavam como “pacotes”
impostos ao professor e ao aluno, como algo pronto para ser consumido, o que trouxe uma
série de efeitos negativos para ambos os sujeitos.
A partir da década de 1970, inicia-se um processo de deslocamento do “como se
ensina” para o “como se aprende”, resultado de estudos desenvolvidos no campo da
linguística e da psicologia cognitiva. Assim, tanto o sujeito quanto o objeto são considerados
no processo de construção do significado. Surge, então, um modelo psicolinguístico de leitura
(de base construtivista). Tal concepção representou um grande avanço na compreensão da
leitura e do processo de ensino-aprendizagem da escrita.
Com os desdobramentos desse deslocamento, surge, também, outro modelo,
conhecido como modelo interacional, que considera a relação do aprendiz com o objeto do
conhecimento, intermediado por outros sujeitos. Mais tarde, essa concepção interacionista, irá
se transformar no modelo sociopsicolinguístico de leitura, no qual se considera que leitor e
texto não só interagem, mas transformam-se no momento da leitura.
Dentre tantos estudos que tentam explicar como a criança aprende, destaca-se o
trabalho desenvolvido por Emília Ferreiro e Ana Teberosky na década de 1980, de base
construtivista, conhecido como Psicogênese da língua escrita. Os impactos desses estudos, no
campo da alfabetização, foram muitos e, até hoje, norteiam as práticas escolares de ensino.
Tais estudos mostraram que a criança participa ativamente do processo de aprendizagem da
escrita, na verdade, constrói esse conhecimento a partir de suas hipóteses iniciais, de seu
conhecimento sobre a natureza do objeto de aprendizagem, e vai alterando seus esquemas
mentais, avançando para hipóteses mais avançadas. Esse desenvolvimento se dá a partir da
interação da criança com a própria escrita, pois aprende a escrever escrevendo, e aprende a ler
lendo, a partir das intervenções adequadas feitas pelos professores.
Assim, considerando o papel os conhecimentos do aprendiz, a interação sujeitoobjeto no processo de aprendizagem, bem como a relação entre os diversos sujeitos
participantes do processo educativo, é que apresentamos o trabalho com os agrupamentos
produtivos na alfabetização, como uma possibilidade de aprendizagem da leitura e da escrita
por meio da interação.
1.
SOBRE
OS
MÉTODOS
DE
ALFABETIZAÇÃO:
DIFERENTES
CONCEPÇÕES E MODOS DE ENSINAR A LER E A ESCREVER
De acordo com Carvalho (2005), a nossa grande preocupação quanto ao ensino da
leitura da escrita era a questão do método, e muitas foram as propostas que ora apresentavam
atividades que partiam das menores para as maiores unidades da língua (métodos sintéticos),
ora partiam das maiores para as menores unidades da língua (métodos analíticos ou globais).
E muitas foram as variações dos métodos tradicionais que surgiam na tentativa de favorecer a
aquisição do sistema alfabético da nossa escrita pelas crianças.
Quanto aos métodos sintéticos, a autora destaca a soletração, a silabação e os
métodos fônicos (método da Abelhinha e Casinha Feliz). Essas propostas consideravam que o
ensino das primeiras letras deveria partir das menores unidades, da letra, da relação grafema –
fonema, ou da sílaba para se chegar à palavra. No que se refere aos métodos globais, que
tinham como proposta ensinar a ler a partir de unidades maiores (histórias ou orações) para,
posteriormente, chegar às unidades menores, destacam-se: o método de contos, o método
ideovisual de Decroly, o método Natural Freinet, a metodologia de base linguística ou
psicolinguística, o método Natural e o método Paulo Freire.
Durante décadas, ainda segundo Carvalho (2005), discutiu-se que métodos seriam
mais eficientes. Essa disputa ficou conhecida como querela dos métodos. Para a autora, o
grande problema desse movimento era a busca por um único método, cuja aplicação
garantisse a alfabetização de todas as crianças, indistintamente. Na verdade, o mais
importante não é a escolha de um método, mas a flexibilidade para desenvolver metodologias
que alcancem os diferentes objetivos propostos e desenvolva as capacidades que precisam ser
desenvolvidas pelas crianças nesse momento inicial, de acordo com as necessidades de cada
grupo, de cada aprendiz.
Contudo, muito mais que uma simples escolha de um método mais eficiente, cada
escolha metodológica realizada ao longo da história da alfabetização, trazia em seu bojo,
segundo Braggio (1992), concepções específicas sobre sujeito, sociedade, o processo de
ensino-aprendizagem e sobre a própria natureza da linguagem. Segundo a autora, os
tradicionais métodos de alfabetização, tanto sintéticos quanto analíticos, de base empiristabehaviorista, consideravam a criança como um ser vazio, uma tábula rasa e a aprendizagem
como um processo que se daria de fora para dentro, restando, apenas, ao sujeito absorver o
conhecimento a ele transferido.
A linguagem e a aquisição do conhecimento são, então, reduzidos ao nível sensóriomotor, um processo que se dá a partir do estímulo-resposta, de maneira imitativa, mecânica e
repetitiva. Portanto, considerava-se o sujeito um ser passivo, acrítico, concebido
abstratamente, que apenas recebia, que não se transformava e, muito menos, transformava a
sua realidade. E a sociedade, por sua vez, é vista como homogênea estática, inalterada e
inalterável.
Para Braggio (1992), tais métodos desconsideravam algo fundamental: o modo como
as pessoas aprendem e usam a língua socialmente, de modo significativo. Focava-se
exclusivamente no trabalho com a consciência fonológica e a tarefa da criança, inicialmente,
era internalizar padrões de correspondência entre som e letra.
Assim, nessa perspectiva, temos um ensino que desconsidera o papel do sujeito
aprendiz no processo de aprendizagem, desconsidera-se o aspecto interacional da linguagem e
a aprendizagem da leitura e da escrita reduzia-se à aprendizagem de pedaços de uma língua
fragmentada, descontextualizada. Como diz Antunes (2003), uma aprendizagem da língua ao
contrário, uma completa abstração.
Para Braggio (1992), muitos são os efeitos negativos dessa concepção mecanicista,
tanto para o professor, quanto para o aluno. Quanto ao primeiro, reduz-se sua atuação apenas
à aplicação de um pacote pensado e produzido por outros. Quanto ao aluno, considerando o
que já foi dito acima, perde a oportunidade de tornar-se um leitor e produtor de textos, ao
invés de um decodificador e reprodutor de textos.
No final da década 1960 e início da década de 70 vivemos uma mudança de
paradigma, agora, a preocupação se coloca em torno do sujeito e no modo como este aprende,
o que provocou um grande impacto na concepção sobre a natureza da linguagem e do próprio
sujeito. Surge um paradigma cognitivista, baseado nos estudos do campo da linguística e da
psicologia cognitiva.
Surge, também, nesse contexto, um modelo interacionista de leitura, que considera o
papel ativo do sujeito no processo de aprendizagem e compreende a leitura como um
processo, no qual leitor e texto interagem na construção do significado, e a linguagem passa a
ser considerada como espaço de interação entre os sujeitos. Aos poucos, esse modelo
transforma-se no modelo sociopsicolinguístico de leitura, que considera não só a interação
entre leitor e texto, mas defende que ambos se transformam durante o processo.
A concepção interacionista da linguagem e a consideração do papel ativo do sujeito
no processo de aprendizagem alteraram, significativamente, as práticas pedagógicas no campo
da alfabetização, questionando os métodos mecânicos de ensino da língua que pouco
contribuíam para o desenvolvimento do aluno. Nesse cenário de mudanças e de novas
concepções, destacamos, aqui, a contribuição dos estudos de Emília Ferreiro e Ana
Teberosky, de base construtivista, acerca da psicogênese da língua escrita, que discutiremos
na seção seguinte.
2.
A PISCOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O
PPRCESSO DE ALFABETIZAÇÃO
Na década de 1980, diante de índices alarmantes de fracasso escolar na alfabetização
na América Latina, as pesquisadoras Emília Ferreira e Ana Teberosky apresentam reflexões
acerca desse processo de aprendizagem, a partir de seus estudos sobre a psicogênese da língua
escrita. Tais investigações mostraram, entre outras coisas, como a criança aprende e, ao
contrário do que se pensava, já possui um grande conhecimento sobre a sua língua, inclusive
sobre o sistema de escrita, e que, ao longo do processo de alfabetização, reconstrói esses
saberes. Portanto, não poderia ser vista como um sujeito vazio, que vai à escola receber um
conhecimento pronto, o qual precisa apenas assimilar.
Observou-se que os métodos tradicionais de alfabetização, de base empiristabehaviorista, não proporcionavam uma aprendizagem efetiva do sistema de escrita da língua,
uma vez que se baseavam na repetição e na imitação e desconsideravam todos os
conhecimentos pré-escolares das crianças e, principalmente, o modo como elas aprendem, que
se dá de modo construtivo. Além disso, os métodos utilizados ainda consideravam que, para
aprender, era necessário ao aprendiz alcançar um estado de maturidade ou de prontidão.
Para Ferreiro (2011), um outro problema das tradicionais concepções de
alfabetização estava no fato de considerarem os dois polos do processo de aprendizagem
(quem ensina e quem aprende) sem considerar a natureza do objeto de conhecimento
envolvido nesta aprendizagem, que muito intervém no processo. Para a autora, há que se
considerar a existência de uma tríade: o sistema de representação alfabética da linguagem e as
concepções que tanto os que aprendem quanto os que ensinam têm sobre este objeto.
Quanto ao sistema de representação alfabética da linguagem, a pesquisadora destaca
a necessidade de o compreendermos não como um sistema de codificação ou transcrição das
unidades sonoras, mas como um sistema de representação da linguagem, e que a criança
reinventa esse sistema ao longo do seu processo de aprendizagem, um sistema do qual já
demonstra ter certos conhecimentos.
No que se refere às concepções das crianças a respeito da escrita, seus estudos
mostraram, com base nas escritas espontâneas dos pequenos aprendizes, que estes elaboram
hipóteses diferentes sobre o sistema de escrita, ao longo do processo de alfabetização e que a
escrita infantil segue uma linha de evolução bastante regular. Podem-se verificar três grandes
períodos dentro desse processo:
 A distinção entre o modo de representação icônico e o não icônico;
 A construção de formas de diferenciação (controle progressivo das variações
sobre os eixos qualitativo e quantitativo),
 A fonetização da escrita que se inicia com um período silábico e culmina no
período alfabético. (FERREIRO, 2011, p.22).
Esses períodos se subdividem nas seguintes hipóteses (FERREIRO; TEBEROSKY,
1999):

Hipótese pré-silábica;

Hipótese silábica sem valor sonoro;

Hipótese silábica com valor sonoro;

Hipótese silábica-alfabética;

Hipótese alfabética.
Numa perspectiva construtivista, ao interagir com o objeto de aprendizagem, no caso
a escrita, a criança altera seus esquemas mentais e evolui de uma hipótese para outra,
reinventando, então, esse sistema. Vale ressaltar, que o fato de considerar o protagonismo da
criança no processo, não diminui a importância do professor, pois este será um agente que
intervém de forma adequada, apresentando situações desafiadoras, provocando o chamado
conflito cognitivo, para que o aprendiz avance em suas hipóteses. O que mudou, é que o
docente não é mais concebido como o detentor do conhecimento e a aprendizagem será fruto
de todo esse processo interativo.
A psicogênese da língua escrita causou uma grande revolução no modo como
concebemos a alfabetização e possibilitou a reflexão sobre a necessidade de alterar práticas
pedagógicas centradas exclusivamente nos métodos, chamando atenção para o aspecto
cognitivo, construtivo do processo. Vale destacar que o construtivismo não é um método,
embora muitos, equivocadamente, o considerem, mas uma teoria que busca explicar como se
dá a aprendizagem.
Há muito a ser dito sobre a psicogênese da língua escrita e suas implicações
pedagógicas. Porém, apresentamos, aqui, apenas alguns pontos importantes, que
fundamentam as práticas escolares de alfabetização atualmente e o trabalho que apresentamos
como proposta neste texto: os agrupamentos produtivos.
AGRUPAMENTOS PRODUTIVOS: UMA PERSPECTIVA DE INTERAÇÃO NA
SALA DE AULA
Durante muito tempo, o professor ocupou o papel central no processo de ensino e
aprendizagem. Ele era considerado o “detentor do saber”, o “protagonista”, o único que
poderia ensinar. Os alunos, por sua vez, eram vistos como seres vazios, pronto para serem
“preenchidos” pelos conhecimentos que aquele tinha a oferecer. No atual cenário da
educação, há que se considerar que os alunos chegam às escolas com um vasto conhecimento,
sobretudo, sobre a leitura e a escrita. Vygotsky (1991) já apontava para o fato de que a
aprendizagem das crianças se inicia antes de sua chegada à escola e que todas as situações
vividas por elas têm uma história prévia.
Do ponto de vista pedagógico, nas classes de alfabetização, são muitos os desafios
enfrentados pelo professor, um deles é justamente dar atenção individual aos alunos durante a
realização das atividades. Nessa perspectiva, uma estratégia eficaz seria aproveitar os
conhecimentos das crianças colocando-as em agrupamentos, considerando o que já sabem
sobre a escrita, para que possam trabalhar em colaboração.
De acordo com as pesquisas de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, já mencionadas no
corpo deste trabalho, no processo de alfabetização as crianças elaboram diferentes hipóteses
sobre o funcionamento do sistema de escrita. Cabe ao professor realizar uma sondagem ou
avaliação diagnóstica, para saber qual a hipótese da criança naquele momento. Só depois de
identificar tais hipóteses é que se podem formar os agrupamentos, considerando a
proximidade de conhecimento dos alunos.
O Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA), Módulo I, do
Ministério da Educação (BRASIL, 2001), apresenta orientações de como proceder para
realizar uma avaliação diagnóstica: selecionar uma lista de palavras do mesmo campo
semântico, que tenha palavras polissílabas, trissílabas, dissílabas e monossílabas (pelo menos
uma de cada), ditadas nessa ordem, e uma frase contendo uma dessas palavras. Quanto à
escolha dos vocábulos, é preciso atentar para que não tenham vogais repetidas nas sílabas
próximas, como, por exemplo, a palavra “arara”, já que é muito comum, nesta etapa de
escolaridade, as crianças se fixarem no som das vogais e, dessa forma, escreverem a palavra
tomada como exemplo da seguinte forma: A A A, e isso não fará nenhum sentido para elas,
por acreditarem que, para se escrever, deve-se usar um mínimo de letras variadas.
Antes do ditado, é importante conversar com as crianças sobre a atividade que irão
realizar, além de informar o campo semântico das palavras, para que utilizem suas estratégias
para escrever. É importante criar um contexto que as envolva para que se sintam à vontade e
estimuladas. Durante o ditado, é preciso tomar cuidado para não falar silabando, como por
exemplo: a – pon – ta – dor, para não influenciar no processo de escrita dos alunos. Deve-se
falar de forma natural “apontador” e pedir que escrevam do jeito que sabem, da melhor forma
possível.
Exemplos de campos semânticos:
Materiais escolares
Ferramentas
Apontador – mochila – caderno – lápis –
giz
Gosto de pintar com o giz de cera.
Furadeira – martelo – prego – pá
Brinquedos
O martelo é grande.
Bicicleta – boneca – bola – carro – pião
Aprendi andar de bicicleta.
Ao término do ditado de cada palavra, é preciso pedir que a criança leia o que
escreveu. É por meio da leitura que o professor percebe se ela faz alguma correspondência
entre grafema e fonema e identifica a hipótese de escrita. O registro do professor é muito
importante durante o processo da avaliação diagnóstica para que, depois, possa fazer uma
análise mais justa do seu desempenho.
Esse procedimento de sondagem e de registro se faz necessário durante todo o ano. É
com base nisso que o professor planeja atividades desafiadoras, mas possíveis de serem
realizadas, ao longo de todo o processo de aquisição da escrita, e pode agrupar os alunos de
forma produtiva.
A seguir, apresentamos amostras de avaliações diagnósticas realizadas com duas
crianças do segundo ano do ensino fundamental de uma escola pública:
Figura 1:
Fonte: Arquivo pessoal
Figura 2:
Fonte: Arquivo pessoal
Essa criança tem 8 anos de idade e está repetindo o segundo ano do ensino
fundamental. Sua primeira escrita, realizada no início do ano letivo, mostra que trabalha com
a hipótese silábico-alfabética, pois ora representa a sílaba completa, ora a representa somente
com uma letra. Já compreendeu como o sistema de escrita alfabética se organiza, embora
apresente conflitos relacionados à correspondência fonográfica. `
No período entre uma escrita e outra, a aluna trabalhou agrupada com crianças já
alfabetizadas. O intuito era que as atividades, bem como a interação com um parceiro com um
saber mais elevado, a fizesse refletir acerca das regularidades que existem na representação
dos fonemas e que podem ser formados por dois ou mais grafemas. Em sua última sondagem,
já revelou uma escrita alfabética, conseguindo, inclusive, escrever a frase, embora ainda não
saiba segmentar as palavras.
A aluna é uma criança introspectiva de difícil relacionamento. Foram feitas várias
tentativas de agrupamentos e, muitostiveram que ser desfeitos durante a realização das tarefas.
Em alguns momentos, foi preciso a professora atuar como sua parceira de grupo.
Figura 4:
Fonte: Arquivo pessoal
Figura 3:
Fonte: Arquivo pessoal
Essa outra criança realizou sua sondagem com as palavras dos mesmos campos
semânticos e nos mesmos períodos que a criança anterior. Apenas se recusou escrever a
palavra “talco”, no primeiro diagnóstico, por demonstrar dificuldades no eixo qualitativo.
A sondagem inicial revelou que a aluna também trabalha com a hipótese silábicoalfabética. Durante o bimestre, foram oferecidas a ela as mesmas situações que a criança
anterior. No segundo diagnóstico, por sua vez, apresentou uma escrita alfabética, mostrando
um avanço em sua aprendizagem, em relação à outra aluna, no aspecto da segmentação das
palavras dentro da frase.
Essa criança tem 7 anos cursa, pela primeira vez, o segundo ano e interage bem com
os colegas. Ao circular pela sala, no decorrer das atividades, a professora observa que ela
coloca questões que causam um conflito cognitivo eu seus parceiros de agrupamento, tanto
para aqueles com níveis de conhecimentos inferiores, como com para aqueles com a
aprendizagem mais elevada.
Durante as atividades desenvolvidas no decorrer do bimestre, as crianças
demonstraram avanços que permitiram fazer o planejamento adequado, ajustando o grau de
desafios das tarefas. Hoje, o objetivo é promover desafios que lhes permitam pensar sobre as
convenções ortográficas da língua, além da segmentação das palavras. Além disso, precisam
continuar participando de situações significativas de leitura e escrita em diversos contextos.
Esta segunda criança, bem como toda a turma, já se arrisca em fazer leitura em voz alta para
os colegas de classe.
Diante disso tudo, vale destacar as pesquisas de Vygotsky (1991) no que se refere à
importância da interação entre aluno e professor e entre aluno e aluno em situações de
aprendizagem. O teórico chamou de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) o espaço
entre aquilo que a criança é capaz de realizar sozinha e o que pode realizar com a ajuda de
outro. Dessa forma, é extremamente importante agrupar os alunos, de forma bem planejada,
para que possam confrontar ideias, oferecer e receber informações e, dessa feita, evoluir em
sua aprendizagem até atingir o nível de maturação do conhecimento.
Os agrupamentos não devem ser feitos aleatoriamente. É importante juntar crianças
com hipóteses diferentes, todavia próximas entre si. Uma criança com hipótese de escrita
silábica sem valor sonoro convencional pode, perfeitamente, trabalhar junto com outra com
hipótese silábica com valor sonoro, por exemplo, para que, de fato, haja ajuda mútua.
Crianças com hipóteses muito distantes podem acabar reproduzindo o papel do professor dos
métodos tradicionais: alguém que sabe mais transmitindo conhecimento para aquele que sabe
menos. Pode, ainda, acontecer a falta de companheirismo, de cumplicidade e de
produtividade. Há que se considerar, também, as características pessoais dos sujeitos, pois, às
vezes, os níveis de conhecimentos permitem um trabalho em conjunto, mas as crianças não
conseguem interagir entre si, como foi o caso da primeira aluna citada neste trabalho (figuras
1 e 2).
O êxito do trabalho com agrupamentos produtivos depende, também, das atividades
propostas. Elas devem ter como princípio metodológico a estratégia de resolução de
problemas. Assim, há sempre um desafio, um problema para ser resolvido, mas possível de
ser realizado. Daí a importância de se conhecer bem as hipóteses de escrita das crianças, bem
como seu percurso no decorrer do processo de ensino e aprendizagem. Só dessa maneira, o
professor é capaz de planejar adequadamente as intervenções para os diferentes grupos.
O Caderno 2 (ACRE, 2008, p. 38), destaca que uma proposta de atividade se
configura numa boa situação de aprendizagem quando:
 As crianças precisam pôr em jogo tudo que sabem e pensam sobre o conteúdo
em torno do qual o professor organizou a tarefa;
 As crianças têm problemas a resolver e decisões a tomar em função do que se
propõem a produzir;
 O conteúdo trabalhado mantém suas características de objeto sociocultural real
sem transformar-se em objeto escolar vazio de significado social;
 A organização da tarefa pelo professor garante a máxima circulação de
informação possível.
Como vimos, as hipóteses de escrita mostram que as crianças possuem
conhecimentos diferentes acerca do funcionamento do sistema de escrita. Por isso, devem
receber propostas de atividades que provoquem um conflito cognitivo e que desestabilizem
seus saberes previamente existentes.
Crianças que ainda não entenderam a relação entre a fala e a escrita, agrupadas com
aquelas que já têm essa compreensão, precisam participar de muitas situações de leitura em
que seja feito um “ajuste” entre o falado e o escrito. Assim, ela irá compreender que o que se
fala está escrito e está escrito não aleatoriamente, mas, sim, na ordem em que se fala. Além
disso, precisam ser desafiadas a “ler” e “escrever”, ainda que não convencionalmente, sempre
justificando suas escolhas para o professor. Atividades utilizando textos já conhecidos de
memória, listas e o próprio nome são muito eficazes nesta fase.
Crianças que já compreenderam a relação entre fala e escrita, mas não entenderam a
natureza dessa relação, interagindo com aquelas que já entenderam isso, precisam, também,
participar de situações como as descritas acima, além de realizarem atividades que coloquem
em questão os aspectos quantitativos e qualitativos da escrita, pensando no seu valor sonoro
convencional. O alfabeto móvel é um excelente recurso nessa fase.
Quando as crianças já compreenderam o funcionamento do sistema de escrita, ainda
que recentemente, o professor precisa planejar situações de ensino e aprendizagem que as
permitam refletir sobre as convenções ortográficas e a separação entre as palavras
(segmentação). É interessante que estejam agrupadas com alunos que dão soluções diferentes
para os problemas. Precisam, ainda, participar de momentos de leitura, de conteúdos
parcialmente conhecidos, para que consigam realizar essa leitura e sintam-se motivados e
seguros a ler cada vez mais.
Vale salientar que, quando os alunos estão realizando atividades em agrupamentos,
deve-se disponibilizar apenas “uma folhinha” para a dupla, para que, realmente, haja a
interação entre eles. Caso contrário, corre-se o risco de haver uma proximidade física e
nenhuma troca de informações, de conhecimentos. Essa troca de saberes é o principal objetivo
do trabalho com os agrupamentos. Além do mais, o professor precisa definir os papéis de
cada um na realização das atividades.
Assim como há atividades apropriadas para serem feitas com as crianças agrupadas,
há, também, atividades que podem ser realizadas com a turma toda, como a produção oral
com destino escrito, em que o professor é o escriba. Com essa atividade, todos aprendem,
mesmo que seja em aspectos diferentes. Além da produção textual, é importante oferecer à
turma materiais impressos de boa qualidade, de diversos gêneros textuais para que possam se
familiarizar com o universo da escrita e aprender a interagir com esses materiais. Ouvir a
leitura do professor também se faz necessário no processo de alfabetização, já que este se
constitui como um “modelo” a ser seguido pelos alunos. Enfim, são possibilidades que
tendem favorecer a aprendizagem da leitura e da escrita nas classes de alfabetização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como podemos perceber, no decorrer deste trabalho, a grande questão foi a mudança
de visão do processo de ensino e aprendizagem: a preocupação com o “como se aprende” e
não com o “como se ensina”. Isso suscitou uma nova concepção de sujeito que passou a ser
visto como um ser ativo, protagonista do seu processo de aprendizagem. Nessa perspectiva, as
contribuições do trabalho das pesquisadoras Emília Ferreiro e de Ana Teberosky são
inúmeras.
Considerando que o aprendiz é um ser que já possui conhecimentos antes mesmo de
frequentar a escola, é possível realizar o procedimento de sondagem para saber o que já sabe e
pensa sobre a escrita. A partir de então, o professor pode realizar uma prática que favoreça a
interação entre os alunos: os agrupamentos produtivos, que permitem a circulação de
informação entre os sujeitos.
O trabalho com os agrupamentos é, de fato, produtivo quando realizado de forma
planejada, atendendo aos critérios discutidos neste artigo. Os progressos alcançados na
aprendizagem dos alunos são visíveis em pouco tempo, pois são momentos em que
confrontam pontos de vista, trocam informações que contribuem para a construção de seus
esquemas cognitivos. O fato de agrupar os alunos para realizarem a tarefa em colaboração não
diminui as responsabilidades do professor, pelo contrário, este deve conhecer bem todas as
crianças, para que possa fazer as intervenções adequadas que as ajude a refletir sobre o
funcionamento do sistema de escrita e avançar em seus conhecimentos.
REFERÊNCIAS
ACRE. Secretaria de Estado de Educação do Acre. Caderno 2: Para organizar o trabalho
pedagógico no ciclo inicial (1º e 2º anos do Ensino Fundamental). Rio Branco – AC: SEE,
2008.
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial,
2003.
BRAGGIO, Silvia Lucia Bigonjal. Leitura e Alfabetização: da concepção mecanicista à
sociopsicolinguística. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
BRASIL. Ministério da Educação. Programa de formação de professores alfabetizadores:
Módulo I. Brasília: MEC/SEF, 2001.
CARVALHO, Marlene. Alfabetizar e letrar: um diálogo entre a teoria e a prática.
Petrópolis: Vozes, 2005.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre Alfabetização. 26. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
FERREIRO, Emília & TEBEROSKY, Ana. A psicogênese da língua escrita. Porto Alegre:
Artmed, 1999.
VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
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