Bloqueio sinoatrial: modalidade incomum de bradicardia

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ELETROCARDIOGRAMA
Bloqueio sinoatrial: modalidade
incomum de bradicardia
Antonio Américo FriedmannI
Serviço de Eletrocardiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP)
Mulher de 52 anos de idade com queixa de tontura procurou atendimento médico ambulatorial. Ao exame físico
apresentava pulso com frequência cardíaca (FC) = 60 bpm e
pressão arterial (PA) 120 x 80 mmHg. Após alguns instantes,
durante a ausculta cardíaca, o ritmo cardíaco se tornou irregular e a FC diminuiu, auscultando-se períodos com FC =
30 bpm. Foi realizado eletrocardiograma (ECG) que revelou
ritmo sinusal com FC = 60, ondas P, complexos QRS e ondas T
normais. O traçado longo de D2 (Figura 1) evidenciou ritmo
sinusal com FC = 60 bpm, alternado com períodos de bradicardia sinusal e FC = 30 bpm. Ocasionalmente verificavam-se
falhas isoladas com duração (2 s) igual ao dobro do ciclo sinusal normal (1 s). Os médicos atendentes suspeitaram de
bradiarritmia sinusal consequente a doença do nó sinusal,
mas estranharam a variação brusca da frequência cardíaca.
A tontura foi atribuída a pré-síncope decorrente da bradicardia. A paciente foi encaminhada para o grupo de arritmias
com indicação de marcapasso cardíaco artificial.
DISCUSSÃO
O ECG apresentado mostra períodos de bradicardia e pausas ou falhas não precedidas de onda P. Devido à relação de
multiplicidade entre a duração da falha e a do ciclo normal
(2:1) e também entre a FC do ritmo sinusal (60 bpm) e a FC
da bradicardia (30 bpm), conclui-se que há bloqueio sinoatrial
(BSA). Se a duração dessas pausas é sempre o dobro da duração do ciclo normal, esta coincidência indica que, no meio da
pausa, o nó sinusal se despolarizou, mas o estímulo não alcançou nem átrios nem ventrículos (Figura 2). No caso da bradicardia, um estímulo sinusal é bloqueado e o seguinte conduz,
mas a frequência sinusal permanece constante (60 bpm).
Bloqueio sinoatrial é, portanto, o distúrbio de condução do
estímulo do nó sinusal para os átrios e ventrículos, diagnosticado no ECG pela ocorrência de pausas cuja duração em geral
é o dobro do intervalo RR normal e não precedidas de onda P.1
O nó sinusal é composto por dois grupos principais de células: células marcapasso (células P), que produzem o estímulo elétrico, localizadas no núcleo ou região central, e células
transicionais (células T) na camada periférica, responsáveis
pela transmissão do impulso para o átrio direito. Como o
estímulo elétrico produzido pelas células P é bloqueado na
periferia, o BSA é também denominado de bloqueio de saída
do nó sinusal.2
Distúrbios dromótropos podem ocorrer em qualquer parte do sistema específico de condução do coração: na conexão
sinoatrial, nos tratos internodais, na junção atrioventricular
(AV) e nos ramos do feixe de His e seus prolongamentos. Estes
distúrbios de condução são também denominados bloqueios,
denominação nem sempre apropriada, porque muitas vezes
não há interrupção do impulso elétrico, mas apenas alentecimento na velocidade de condução.
Professor livre-docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
I
Endereço para correspondência:
Clínica Geral do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Prof. Milton de Arruda Martins) — Prédio dos
Ambulatórios — Serviço de Eletrocardiologia
Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 155
São Paulo (SP) — CEP 05403-000
Tel. (11) 2661-7146 — Fax. (11) 2661-8239
E-mail: [email protected]
Fonte de fomento: nenhuma declarada — Conflito de interesses: nenhum declarado
Entrada: 24 de agosto de 2015 — Última modificação: 24 de agosto de 2015 — Aceite: 26 de agosto de 2015
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Figura 1. Ritmo sinusal com frequência sinoatrial (FC) = 60 bpm, alternado com períodos de bradicardia sinusal e FC = 30 bpm.
Na terceira linha, observa-se, entre o quinto e o sexto complexo, uma falha de 2 s (50 mm), que corresponde ao dobro do ciclo
normal de 1 s (25 mm).
Figura 2. Diagrama de Lewis. No bloqueio sinoatrial, alguns impulsos sinusais (S) são bloqueados antes de atingir o átrio (A).
Apesar das falhas de estimulação dos átrios e ventrículos, a frequência sinusal permanece constante.
Os distúrbios dromótropos podem se manifestar como
atraso na condução (primeiro grau), bloqueios intermitentes
(segundo grau) ou bloqueio completo (terceiro grau). Os bloqueios do segundo grau apresentam duas variedades: tipo I
( fenômeno de Wenckebach) e tipo II (tudo ou nada).
O bloqueio sinoatrial de primeiro grau é impossível de ser
diagnosticado pelo ECG porque o impulso sinusal não é visível. O de terceiro grau também não é diagnosticável porque é
indistinguível da parada sinusal. Assim, só podemos diagnosticar o BSA de segundo grau.
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À semelhança do bloqueio AV de segundo grau, o BSA
pode também ser classificado em tipo I e tipo II. No tipo II,
mais comum, as falhas são geralmente o dobro ou múltiplas,
dos intervalos PP do ritmo sinusal de base. O BSA tipo I é
mais difícil de ser diagnosticado porque a dificuldade de condução é progressiva, devido ao fenômeno de Wenckebach,
e só pode ser visualizada objetivamente pelo diagrama de
Lewis. No ECG, os intervalos PP diminuem progressivamente
até ocorrer uma falha.3
O BSA costuma ser confundido com bradiarritmias sinusais, como a arritmia sinusal e a parada sinusal.
CONCLUSÃO
O bloqueio sinoatrial é uma disfunção do nó sinusal causadora de pausas e bradicardia, diagnosticada pelo eletrocardiograma. O reconhecimento dessa bradiarritmia é relevante
para o tratamento.
REFERÊNCIAS
1. Friedmann AA, Grindler J, Oliveira CAR. Pausas no ritmo
cardíaco. In: Friedmann AA, Grindler J, Oliveira CAR, Fonseca
AJ, editores. Diagnóstico diferencial no eletrocardiograma. 2a
edição. São Paulo: Manole; 2011. p. 237-48.
2. Friedmann AA, Grindler J. Bradiarritmias. In: Friedmann AA,
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Diagn Tratamento. 2015;20(4):146-8.
editor. Eletrocardiograma em 7 aulas: temas avançados e outros
métodos. São Paulo: Manole; 2010. p. 81-94.
3. Friedmann AA, Grindler J, Oliveira CAR, Fonseca AJ. O
paradoxo do bloqueio sinoatrial [The paradox of blocking
sinoatrial]. Diagn Tratamento. 2007;12(3):131-3.
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