VALVOPLASTIA MITRAL PERCUTÂNEA Rio de Janeiro - RJ Paulo Eduardo Kyburz*, Paulo Sergio de Oliveira**, Marta Labrunie*, Norival Romão*, Sergio Leandro*, Waldyr Malheiros*, Marcelo Lemos*, André Pessanha* , Clara Wecksler***, Maria da Conceição Alves*, Marcio Macri* Introdução: A doença reumática é responsável por aproximadamente 30% das internações hospitalares de origem cardiovascular. Apesar das medidas profiláticas, no Brasil ela ocupa o 12o lugar em incidência, segundo Timerman 1. Em nosso país, os gastos com a doença reumática cardíaca representam um dos maiores custos para o sistema de Previdência, pois tolhe o trabalho a indivíduos muito jovens e ocasiona múltiplas internações hospitalares e cirurgias cardíacas, que correspondem a aproximadamente 30% das cirurgias realizadas no país. A valvoplastia mitral percutânea (VMP) com balão surgiu como uma boa alternativa para o tratamento da estenose mitral sintomática, como demonstrado por Charanjit & cols 2. A experiência cirúrgica com técnicas para comissurotomia mitral tanto aberta como fechada, usando valvulótomos ou simplesmente os dedos para separar as comissuras fundidas, deu início ao desenvolvimento das técnicas percutâneas com a dilatação mecânica da valva mitral, conforme as publicações de Cutler e Beck 3, Bayley e cols 4, e Harken e cols 5, desde 1920. No início da década de 60, Brockenbrought e cols 6 e, em 1966, Rashkind e cols 7 descreveram, respectivamente, a técnica de cateterização transeptal das cavidades esquerdas e a septostomia interatrial com balão. Em 1982, Kam e cols 8 descreveram, pela primeira vez, o uso de balão para o tratamento da estenose pulmonar em crianças. Pepine e cols 9 reportaram, no mesmo ano, a realização de valvoplastia pulmonar percutânea num paciente adulto. Em 1982, Inoue e cols 10 introduziram um novo cateter balão para VMP e, em 1984, publicaram seus primeiros resultados 11.. Em 1985, Lock e cols 12 aplicaram a técnica do balão único em 8 crianças e adolescentes com estenose mitral sintomática. Palácios e cols 13 e Mckay e cols 14, em 1986, utilizaram a técnica do balão para o tratamento de estenose mitral calcificada em pacientes idosos, com sucesso. Nesse mesmo ano, Al Zaibag e cols 15 publicaram os primeiros casos de valvoplastia mitral com duplo balão. Em 1987, Peixoto 16 publicou os primeiros 6 casos de valvoplastia mitral percutânea e, em 1994, Peixoto e cols 17 publicaram os resultados de uma série maior de casos. Em 1986, Babic e cols 18 publicaram uma técnica diferente para valvoplastia mitral, realizada de forma retrógrada, através da aorta. Essa técnica não teve muito sucesso e foi abandonada. Uma importante contribuição foi a avaliação ecocardiográfica da morfologia da válvula mitral, descrita por Wilkins e cols 19. Nesse processo, são avaliadas quatro características morfológicas da válvula mitral: mobilidade dos folhetos, espessamento dos folhetos, calcificação valvar e aparelho sub-valvar. São atribuídos valores de 0 a 4 para cada uma dessas características, perfazendo um total de até 16 pontos. Material e Método Foram submetidos à valvoplastia mitral percutânea 213 pacientes, sendo 3 pela técnica de Inoue, 5 pela técnica do duplo balão Multitrack e 205 pela técnica do balão único Balt. Os pacientes, após avaliação clínica, foram submetidos ao procedimento de punção da artéria femoral esquerda e da veia femoral direita. Foram introduzidos os cateteres de Cournand, até o capilar pulmonar, e o cateter pig-tail, até o ventrículo esquerdo, para se obter as medidas de pressão. Foram colhidas amostras de sangue em artéria pulmonar e aorta, antes e após o procedimento, para os cálculos de débito cardíaco pelo método de Fick. Após o posicionamento do cateter pig-tail junto à válvula aórtica, introduz-se a bainha de Mullins até a veia cava superior, e, em seu interior, coloca-se a agulha de Brockenbrough. O conjunto é recuado até o septo interatrial e se realiza a punção transeptal, atingindo assim o átrio esquerdo. Só então são administradas 5000 UI de heparina. Nesse momento, as técnicas se diferenciam. Na técnica de Inoue, introduzse, inicialmente, o guia no átrio esquerdo e faz-se a dilatação do septo interatrial com o bastão. Introduz-se, então, o cateter balão de Inoue, que é posicionado no ventrículo esquerdo, e com sua insuflação e tração, dilata-se a válvula mitral. Na técnica do duplo balão Multitrack ou na do balão único Balt, coloca-se o cateter de Berman no átrio esquerdo, insufla-se o pequeno balão e penetra-se no ventrículo esquerdo, introduzindo então o guia extra-stiff 0,035’’. Através do guia, introduz-se o balão Balt, quando pela técnica do balão único, ou os 2 balões, quando pela técnica Multitrack, e, então, são feitas as insuflações para abertura da válvula mitral. Após a abertura da válvula mitral, realizam-se as medidas de pressão para análise do resultado. Faz-se uma injeção de contraste no ventrículo esquerdo para avaliação da competência da válvula mitral. * Médico do Serviço Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras ** Chefe do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras *** Chefe do Departamento de Doenças Orovalvares do Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras Dos 213 pacientes submetidos à VMP, 88,3% eram do sexo feminino e 4 estavam grávidas. A idade média foi 36±11 anos de idade. Nenhum paciente apresentava doença coronária associada. Uma fração de 8% já havia sido submetida à comissurotomia mitral cirúrgica prévia e 9,1%, à valvoplastia mitral percutânea prévia. Ao eletrocardiograma, antes do procedimento, 93,9% apresentavam ritmo sinusal. A classificação dos pacientes quanto à classe funcional, de acordo com a New York Heart Association, encontra-se na tabela 1: O escore ecocardiográfico demonstrou um valor médio para a característica espessamento de 2,33±0,51 pontos; para calcificação de 1,47±0,68; para mobilidade de 2,15±0,49; e para o aparelho sub-valvar de 2,00±0,67 pontos. Esses valores mostram que o espessamento e a mobilidade valvar diminuídos foram os achados mais freqüentes. Em dois pacientes, iniciamos o procedimento pela técnica do balão Balt e, por dificuldades técnicas, passamos para a do Multitrack. Em um paciente, iniciamos pela técnica Multitrack e passamos para o balão Balt, também por dificuldades técnicas. Resultados: Obtivemos sucesso em 95,8% dos pacientes. Uma paciente apresentou insuficiência mitral severa após o procedimento percutâneo e foi encaminhada para cirurgia de troca da válvula. Devido a acidente na cirurgia, foi a óbito na sala de operação. A área mitral média pré-procedimento, medida pela ecocardiografia, foi de 0,85±0,17cm2. O gradiente médio entre o átrio esquerdo e o ventrículo esquerdo foi de 14,6±8,0mmHg e o gradiente telediastólico de 17,7±6,5mmHg. Os valores hemodinâmicos pré e pós procedimento. Discussão Indubitavelmente, a valvoplastia mitral percutânea foi um avanço no tratamento da estenose mitral. Num país como o nosso, que tem um elevado número de pacientes com estenose mitral e dispõe de poucos recursos para a área da saúde, temos uma preocupação em tentar diminuir os custos de procedimentos dispendiosos como a VMP. No nosso serviço, demonstramos que a técnica do balão único Balt é 10 vezes mais barata que a técnica de Inoue. Na evolução a longo prazo, observamos uma grande melhora clínica dos pacientes, caracterizada pela mudança da classe funcional, pois 70,4% estavam em classe funcional III/IV antes do procedimento e, após a VMP, apenas 5,6% se encontrvam na classe funcional III e nenhum na classe IV. Esse dado evidencia a efetividade do método. A técnica com o balão Balt apresenta, a nosso ver, duas limitações. Devemos evitar utilizá-la em pacientes idosos pela fragilidade da parede do ventrículo esquerdo, que se torna mais susceptível de perfuração, e nos pacientes que apresentam cavidade ventricular esquerda de menor volume, o que dificulta a introdução do balão. Nesses dois casos, preferimos a técnica de Inoue. Quase um terço dos nossos pacientes (28%) apresentavam escore de Wilkins-Block acima de 8, sendo portanto desfavoráveis para a VMP e, mesmo assim, os resultados foram excelentes. Como complicações, tivemos 3 casos de regurgitação mitral severa, correspondendo a 1,4%, que é o índice esperado nesse procedimento. Desses 3 pacientes, um foi operado de urgência e faleceu num acidente cirúrgico. Os outros dois foram operados com sucesso. O pseudoaneurisma de artéria femoral, que ocorreu num dos casos, foi solucionado apenas com compressão da artéria femoral. BIBLIOGRAFIA 1-Timerman A, Guglielmi L, Kalil J. Febre reumática – Conhecimento atual da etiopatogenia. Manual de Cardiologia. Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo. 2000; 61: 265 2-Charanjit SR, Nishmura RA, Holmes DJ. Percutaneous balloon valvuloplasty: The lerning curve. Am Heart J 1991;122(6): 1750-1756 3- Cutler EC, Beck CS. The present status of the surgical procedures in chronic valvular disease of the heart. Arch Surg 18;403: 1929 4-Bailey CP. The surgical treatment of mitral stenosis (mitral commissurotomy) Dis Chest 15;377:1949 5- Harken DE,, Ellis LB, Ware PF, Norman Lr. The surgical treatment of mitral stenosis: I. Valvuloplasty. N Engl Med 239;801:1948 6- Brockenbrough EC, BraUNWALD e. a new technique for left ventricular angiocardiography and transeptal left heart catheterization. Am J Cardiol 6;991:1960 7-Rashkind WJ, Miller WW. Creation of a atrial septal defect without thoracotomy: A palliative approuch to complete transposition of the great vessels. JAMA 196;991: 1966 8-Kam JS, White RI, Michel SE, Gardner TJ. Percutaneous balloon valvulplastya new method for treating congenital pulmonary valve stenosis. N Engl J Med 1982; 307: 540-2 9-Pepine CJ, Gessner JH, Feldman RL. Percutaneous balloon valvuloplasty for pulmonary valve stenosis in adult. Am J Cardiol 1988; 50: 1442 10-Inoue K, Nakamura T, Kitamura F, Myamamoto N. Nonoperative mitral commissurotomy by a new ballon catheter (abstr) Jpn Circ J 1982; 46: 877 11-Inoue K, Owaki T, Nakamura T, Kitamura F, Miyamoto N. Clinical application of transvenous mitral comissurotomy by a new ballon catheter. J Thorac Cardiovasc Surg 1984; 87: 394-402 12-Lock JE, Khalilulhah M, Shrivasta S, Bahl V, Klane JF. Percutaneous catheter commissurotomy in rheumatic mitral valve stenosis. N Engl J Med 1985;313: 15151518 13-Palacios I, Lock JE, Klane JF, Block PC. Percutaneous transvenous balloon valvotomy in patient with severe calcified mitral stenosis. J Am Coll Cardiol 1986; 7: 1416-1419 14-Mckay RG, Lock JE, Klane JF, Safian RD., Aroesty JM. Percutaneous mitral vavoplasty in adult patient with calcified rheumatic mitral stenosis. J Am Coll Cardiol 1986; 7: 1410-1415. 15-Al Zaibag M, Kasab JA, Ribeiro PA, Fagih MR. Percutaneous double balloon valvotomy for rheumatic mitral valve stenosis. Lancet 1986; 1: 757-761 16-Peixoto ES. Valvoplastia mitral por via transeptal. Uma nova técnica de tratamento da estenose mitral. Ars Curandi Cardio 1987;9: 9-10 17-Peixoto ES, Oliveira OS, Neto MS, Villela RA, Labrunie P. Valvoplastia mitral percutänea por balão. Resultados imediatos e complicações. Revista SOCERJ 1994; vol VII, n. 2 18-Babic VV, Pejcic P, Djurisic Z, Vicinic M, Grukococ SM. Percutaneous trasnsarterial balloon valvoplasty for mitral valve stenosis. Am J Cardio 1986; 57: 1101-1004 19-Wilkins GT, Weyman AE, Abascal VM, Block PC, Palácios IF. Percutaneous mitral valvotomy- An analysis of echocardiography variables related to outcome and mechanism of dilatation. Br Heart J 1988; 60: 299. ANEXO: Não faz parte do artigo: BALLOON CATHETER SELECTION The catheter selection guidelines are based on the balloon RS derived from patient height, transthoracic echocardiographic findings of the mitral valve, and fluoroscopic presence of valvular calcification (Table I). Balloon Reference Size (RS) The RS is calculated according to this simple formula [1,4]: patient height (in cm) is rounded to the nearest zero and divided by 10, and 10 is added to the ratio to yield the RS (in mm); e.g., if height = 147 cm, then RS = 150/10 + 10 = 25 mm. Table 1. Reference Size and Catheter Selection Reference Size (RS) (mm) Height (cm) (rounded to the nearest 0) x 1/10 plus 10 e.g., height = 147 cm RS = 150 x 1/10 + 10 = 25 mm Catheter Selection Based on Patient Height/Valvular status Valvular status Pliable Calcified/SL Balloon catheter RS-matched (e.g., PTMC-26 for RS = 25 mm) Under-sized (One size < RS-matched; e.g., PTMC-24 for RS = 25 mm) SL = presence of severe subvalvular lesions Catheter Selection In patients with pliable, noncalcified valves, as determined by echocardiography, a catheter with a nominal balloon size at least that of the RS (an RS-matched catheter) is used. In contrast, in patients at high risk for creating severe mitral regurgitation (valvular calcification [3] and/or severe subvalvular lesions [3, 6,7]), a balloon catheter one size smaller than an RS-match is selected. Therefore, in the above example with an RS of 25 mm, a PTMC-26 catheter would be selected for a pliable, noncalcified valve, and a PTMC-24 catheter for a calcified valve and/or a valve with severe subvalvular disease.