Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP Profº. Guilherme de Souza Nucci Mestrando: Rafael Barone Zimmaro Excesso e Desvio na Execução Penal: I) introdução; II)previsão legal; III)definição dos institutos, IIIa) diferenciação por polaridade, IIIb) diferenciação por natureza, IIIc) ausência de diferenciação; IV) do procedimento e tratamento; V)propostas; VI) conclusões; X) bibliografia. I- Introdução: Ainda na seara da execução penal, pretende o presente artigo abordar questões relativas aos incidentes de excesso de desvio, previstos na Lei de Execução Penal, que diante das incertezas de ordem procedimental e material, são pouco utilizados pelos operadores de Direito. II- Previsão Legal: É certo assim como se faz na instrução, a execução também assenta pilares no Princípio da Legalidade, de maneira que todos os atos que a envolvam devem limitar-se aos comandos da sentença penal condenatória ou de absolvição imprópria, observadas as disposições normativas que a informam1. Dessa feita, o ponto de partida para o desenvolvimento dos apontamentos acerca dos incidentes de excesso e desvio na execução é o ordenamento jurídico, que prevê os referidos institutos. De maneira preliminar - logo na Exposição de Motivos nº 231/1963 da Lei de Execução Penal - o legislador previu a hipótese da ocorrência de adversidades no curso da execução das penas, o que se mostra 1 MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. p.290. 7ª Ed. Ed. Saraiva claro no texto do art. 168 da exposição, onde preceitua que todo o procedimento está sujeito a desvio de rota. Os artigos seguintes da Exposição de Motivos da LEP vislumbram tênue definição destas situações adversas que a execução penal estaria sujeita, sendo citadas no art. 169 como fenômenos aberrantes, e com melhor conceito no art. 170, in litteris: O excesso ou desvio de execução constituem na prática de qualquer ato fora dos limites fixados pela sentença, por normas legais ou regulamentares No texto da Lei de Execução Penal, os incidentes de excesso e desvio encontram-se previstos no art. 185, da seguinte forma: Haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentos Percebe-se que a redação do dispositivo pouco esclarece acerca dos referidos institutos e situações a que se destina. O esclarecimento nos parece deveras abrangente, genérico e indefinido, conduzindo a muitas incertezas sobre os tipos de ato que podem configurar excesso ou desvio. Ausente também diferenciação entre os institutos. Talvez por serem termos correlatos, assim como “quadrilha ou bando”? Acentuando ainda mais as indefinições dos incidentes, observamos aberrante lacuna em relação aos procedimentos de ordem processual que os instrumentalizem, principalmente no tocante aos prazos. O art. 186 da LEP como legitimados para suscitar o incidente, o Ministério Público, o Conselho Penitenciário, o próprio sentenciado e qualquer dos demais órgãos da execução penal - Juiz da Execução, Patronato, Conselho da Comunidade e Departamentos Penitenciários. Com fulcro apenas na letra, arrisca-se a singela conclusão de que todos os atos que destoem da finalidade da execução penal podem ser considerados excesso ou desvio. Para tanto, forçoso reconhecer como finalidades da execução penal, aquelas elencadas pelo legislador nos arts. 1º e 3º: i) efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do sentenciado e do condenado; ii) garantir ao condenado e ao internado que a eles sejam assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença condenatória ou pela lei Destarte, resta evidente que a pobreza do texto legal dá margem aos mais díspares entendimentos, ilidindo a emersão de certezas. III- Definição dos Institutos: Não obstante ao quadro calamitoso resultante da paupérrima Lei Penal, socorremo-nos dos conceitos emanados de uma ínfima parcela da doutrina que faz menção a diferenciação, bem como, da jurisprudência responsável pela aplicação prática dos institutos. Como primeiro passo, faremos a diferenciação literal, ou seja, aquela proveniente do sentido de cada uma das expressões, e assim temos que excesso é a diferença para mais entre duas quantidades; excedente, sobra; o que ultrapassa o legal, o habitual; desregramento; desmando; falta de moderação; cúmulo; grau elevado; crueldades, violências, injurias graves. Já desvio é a mudança de direção; perda do caminho, caminho errado, caminho afastado; destino ou aplicação errada, indevida; afastamento do padrão ou uso normal2. Partindo deste conceito, as diferenças nos parecem inegáveis. Neste entendimento, a doutrina se subdivide em duas correntes, as quais passaremos a explicar: IIIa – Diferenciação por polaridade: 2 MICHAELIS, Moderno dicionário da Língua Portuguesa. Ed. Melhoramentos. p 917; A primeira corrente entende pela diferenciação quanto aos aspectos positivo ou negativo da adversidade, ao que damos o nome de polaridade. Neste contexto, o excesso abarcaria toda e qualquer situação em que o sentenciado padece negativamente, alem dos limites legalmente previstos, suportando tratamento mais rigoroso, dotado da incidência de maior ônus e gravame. Consoante definições doutrinárias desta corrente, todos os atos praticados na execução das penas ou das medidas de segurança que forem além do decidido na sentença ou acórdão configuram excesso3. Aqui temos, de forma ilustrativa, a situação na qual o executado submete-se, por exemplo, a regime mais rigoroso do que aquele a que tem direito em razão do fixado em sentença ou em decisão que lhe concedera progressão para regime menos rigoroso. Nesta esteira temos o julgado: Ademais, quando a execução penal extravasa as balizas objetivas do título que a aparelha, por exemplo, excedendo o limite fixado pela decisão judicial que concedeu ao sentenciado o direito de progressão para regime menos gravoso, caracterizado está o desvio qualitativo no cumprimento da pena, possibilidade definida no artigo 185 da Lei de Execução Penal, situação que, por si só, bem expõe os contornos do constrangimento ilegal invocado. Nesse sentido, entendendo que a manutenção do sentenciado em regime prisional mais gravoso que o imposto na sentença ou acórdão configura evidente excesso de execução, há sólido precedente jurisdicional (RJDTACrimSP 61/165). Em síntese, o excesso ocorre sempre que o sentenciado é submetido a tratamento mais rigoroso do que o fixado na sentença ou determinado pela lei4. 3MARCÃO, Renato; obra citada De outra forma, o desvio reserva-se às situações cuja adversidade se demonstra favorável ao sentenciado, alem dos limites legais, beneficiando-o inadequadamente. Dessa feita, o desvio é a mudança no curso normal da execução. Distingue-se do excesso na medida em que se revela favorável qualitativamente ao executado, enquanto aquele sempre lhe será danoso5 Aqui temos de maneira ilustrativa o caso em que o agente, condenado a cumprir pena em regime fechado, é mantido em regime mais suave – ou recebe benefícios descabidos, como a saída temporária [fora das hipóteses do art. 122 da LEP] ou além do prazo de 7 dias, ou autorizado a realizar trabalho externo permite-se que vá sem escolta6 Assim é a jurisprudência: Desvio, significando a princípio o afastamento da direção ou da posição normal, deve ser entendido, na terminologia empregada pelo art. 185 da LEP, como a desatenção fraudulenta aos limites da sentença ou da lei. Então, estará configurado o desvio de execução quando o sentenciado receber tratamento menos rigoroso do que o estabelecido pela sentença ou pela lei, o que acontecerá, por exemplo, no caso em que o agente, condenado a cumprir pena em regime fechado, é mantido em regime mais suave - aberto ou semi-aberto - ou recebe benefícios descabidos, como a saída temporária ou o trabalho externo sem escolta. Nestas situações, a execução ultrapassa, em indevido favorecimento do condenado, os limites definidos pela sentença ou pela lei, caracterizando o desvio (VEC – Exp. Avulso nº. 198356/2009) 4 /6 Haroldo Caetano da Silva, Manual da Execução Penal, p.311 in Marcão, Renato. Curso de Execução Penal, p. 291, 7 ed. Ed. Saraiva 5 MARCÃO, Renato; obra citada Recurso especial. Penal e processo penal. Decisão que concedeu, mediante condições, a prisão domiciliaralbergue a todos os presos do regime aberto. Incidente por desvio de execução. ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentos. 185 e 186, da LEP. Cabimento. Evidente desvio de execução. Prisão domiciliaralbergue (REsp 2004/0058350-6 - Rel. José Arnaldo da Fonseca; 19.05.2005) Do exposto, concluímos que a primeira corrente entende por excesso as adversidades ocorridas na execução penal que se demonstrem desfavoráveis ao condenado, enquanto o desvio resta contido em atos favoráveis. IIIb – Diferenciação por natureza: A segunda corrente aqui exposta diz respeito à natureza da adversidade ocorrida no curso da execução penal, diferenciando-se em quantitativa e qualitativa. A diferença quantitativa refere-se ao aspecto numérico relativo à duração da pena, ou seja, todo e qualquer infortúnio relacionado ao prazo estabelecido em sentença, para o cumprimento da pena é concebido sob a óptica desta corrente como um excesso. Segundo melhor doutrina, o excesso resguarda-se as situações onde houver aplicação abusiva do previsto em lei7. Destarte, para esta corrente, teríamos aqui situações em que os prazo legais (estabelecidos pela lei e decisões jurídicas, em geral) são extrapoladas, como por exemplo a situação do condenado, por ter cometido 7 /8 Nucci, Guilher de Souza, Leis Penais e Processuais Comentadas, Revista dos tribunais, 3ª Ed., 2008, p.547. alguma falta disciplinar, passa mais de trinta dias em isolamento, infringindo o disposto no art. 58 da LEP8 Assim são os julgados que partilham desta concepção: HABEAS CORPUS. EXCESSO OU ABUSO NA EXECUÇÃO DA PENA.Pedido de elaboração de novo cálculo da pena, levando em conta o período a maior, reconhecido para a prescrição da pretensão executória e a data da prisão. Descabimento.Ausência de comprovação por documento válido de que a data da prisão seja diferente daquela contida na CES. Nulidade da intimação da sentença, que reconheceu a prescrição da pretensão executória. Matéria a ser deslindada em recurso, quando do exame da tempestividade.Transferência motivada. Inexistência de direito do apenado de retornar ao antigo estabelecimento penal, de onde foi transferido por falta disciplinar, mesmo estando incluído no comportamento "excelente".Ordem denegada. Unânime (HC 2008.059.08888 Rel. Antonio Carlos Amado, RJ /18.08.2009) EMENTA: HABEAS CORPUS. LIBERDADE PROVISÓRIA EM EXECUÇÃO. PEDIDO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL NÃO FORMULADO EM PRIMEIRO GRAU. PENA, CONTUDO, QUASE INTEGRALMENTE CUMPRIDA. REQUISITO OBJETIVO ATENDIDO (ARTIGO 83, INCISO V, DO CÓDIGO PENAL). DIREITO CONSTITUCIONAL À DECISÃO EM PRAZO RAZOÁVEL. ARTIGO 5º, INCISO LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO OBSERVÂNCIA DO DA PRECEITO REPÚBLICA. CONSTITUCIONAL NÃO EM RAZÃO DE DEFICIÊNCIA DO ESTADO. IMPOSSIBILIDADE DE TRANSFORMAR EM DEVIDO O INDEVIDO FUNCIONAMENTO DA JUSTIÇA. AUSÊNCIA, PORÉM, DE PROVAS QUE ATESTEM O ATENDIMENTO DOS REQUISITOS SUBJETIVOS PELO APENADO. RESTABELECIMENTO DA LIBERDADE DO PACIENTE, A TÍTULO CAUTELAR, ATÉ QUE SEJA APRECIADO O PEDIDO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. Impetrante/paciente preso desde 17 de janeiro de 2006 e condenado, no dia 11 de setembro de 2006, à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime fechado, em razão da prática do crime definido no artigo 12 da revogada Lei 6.368/76. Habeas corpus que visa o reconhecimento do direito ao livramento condicional, não requerido em primeiro grau. Pena, contudo, quase integralmente cumprida, uma vez que seu término está previsto para o dia 16 de julho de 2009. Cumprimento do requisito objetivo no dia 16 de maio de 2008. Evidente excesso de execução. Dilação indevida. Inatividade da Defesa técnica e do órgão jurisdicional. Direito subjetivo do acusado de exigir que o Estado se organize de modo a prestar a tutela jurisdicional com qualidade e sem dilações indevidas. Responsabilidade da autoridade judiciária que inclui a fiscalização dos atos processuais, evitando abusos e inércia por parte da Defesa. Fato que fere a dignidade do acusado e que configura situação jurídica inaceitável, especialmente à luz do artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República. Omissão que não se justifica, uma vez que o princípio da celeridade processual deve ser observado e reinterpretado à luz da epistemologia constitucional de proteção do preso, constituindo, portanto, um direito subjetivo processual do condenado. Ausência, contudo, de provas que atestem o atendimento dos requisitos subjetivos pelo apenado. Restabelecimento da liberdade do paciente, até que o Juízo da Execução aprecie o pedido de livramento condicional, conforme precedentes desta Câmara Criminal.ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. (HC 2009.059.03108, Rel. Geraldo Prado, RJ/28.05.2009) De outro modo, toda e qualquer adversidade que resulte em alteração qualitativa da pena, é entendido por esta corrente como desvio, pelo qual consideram-se as situações em que se resulte destinação diversa da finalidade da pena9. Aqui temos, por exemplo a situação do sujeito colocado no chamado “seguro”, na qual o condenado é privado do trabalho, embora deseje participar das atividades, porque encontra em cela isolada, apenas para garantir a sua incolumidade física, vez que se encontra ameaçado por outros presos10. Melhor elucidação trazem os julgados colacionados a seguir: DECISÃO Cuida a hipótese dos autos de Habeas-corpus impetrado pela ilustrada Advogada Dra. Fernanda Bravo Fernandes, inscrita na O.A.B. sob o n.° 155.813/RJ, em favor de GILMAR MACHADO ROSA, ora paciente, que estaria sendo submetido a constrangimento ilegal por parte do MM. Dr. Juiz a quo, uma vez que, até a data da impetração deste remédio heróico o Paciente encontrava-se acautelado em unidade prisional incompatível com o regime determinado na sentença condenatória, ou seja, cumprindo pena em regime mais gravoso, ocorrendo verdadeiro desvio de execução. Impetração de fls. 02/12, com pedido liminar. Acompanhando a petição inicial vieram os documentos de fls. 13/20. Despacho de fls.22, no sentido de que a liminar seria apreciada após o advento das informações. Informações às fls. 24/25, informando que em 28/07/2009 foi expedido ofício à Coordenação de Execução Penal da SEAP, determinando a transferência do Apenado para unidade do sistema de regime aberto. Parecer da douta Procuradoria Geral da Justiça às fls. 28. Decisão de fls.29, determinando a expedição de ofício ao juízo a quo, com fito de se esclarecer se a transferência foi 9 NUCCI, Guilherme Souza, obra citada NUCCI, Guilherme Souza, obra citada 10 efetivada. Informações complementares prestadas pelo E. Juiz Titular da Vara de Execuções Penais às fls.31, afirmando que o Paciente ingressou no regime aberto na data de 17/08/09. É o relatório.Nos precisos termos do artigo 31, inciso VIII do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça, JULGO PREJUDICADO o presente Writ, uma vez que consoante informado às fls. 24/25 e 31 pelo juiz a quo, a transferência do Apenado para unidade prisional compatível com o regime prisional aberto se deu em 17 de agosto de 2009. Ora, nesses termos, realmente sem objeto o presente mandamus.P.R.I. (HC 2009.059.04869, Rel. Murta Ribeiro , RJ/27.08.2009) HABEAS-CORPUS. PACIENTE CONDENADO A PENA EM REGIME SEMI-ABERTO, CUSTODIADO EM PENITENCIÁRIA DE REGIME FECHADO. DESVIO DE EXECUÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DETERMINADA A TRANSFERÊNCIA COMPATÍVEL DO COM O PACIENTE REGIME PARA UNIDADE SEMI-ABERTO. Em informações complementares, o Juízo da VEP esclareceu que em 13/09/2006 determinou a expedição de mandado de intimação, para o efetivo cumprimento da ordem de transferência, com urgência, após sobrevir ofício da Divisão de Registro e Movimentação do Efetivo Carcerário (SEAP) informando que o Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho encontrava-se interditado temporariamente por obras, razão pela qual o apenado estaria aguardando abertura de vaga para sua transferência.Inexistência de constrangimento ilegal, pois a VEP já está tomando as providências necessárias para a transferência do paciente, entretanto, deve-se oficiar a VEP para que fiscalize a concretização da referida transferência.ORDEM DENEGADA.Leg: art. 331; 289, § 1º, nf/f 71, do Código Penal. (HC 2006.059.04831, Rel. Alexandre Varela, RJ 17.10.2006) Depreende-se, portanto, que para a segunda corrente, toda situação que extrapolar limite temporal para cumprimento da pena será vista como excesso sob o prisma quantitativo, restando ao desvio os demais infortúnios que excedem ou impedem a execução da pena dentro dos moldes qualitativos legalmente preestabelecidos, o que restaria em ofensa à individualização da pena. IIIc - Ausência de diferenciação: Por derradeiro, verificamos que, na prática, a maior parte das citações acerca de excesso e desvio não lhes imprimir diferenciação, tratandoos como termos correlatos, assim como se repete em relação ao emprego das designações entre “quadrilha” e “bando”. Assim temos os julgados: Habeas Corpus. Transferência de presos da casa de detenção para estabelecimento destinado a pessoas de alta periculosidade. Cautela adotada em face das notícias correntes na própria detenção. A eventual inobservância das normas do art. 41 da lei 7.210/84, enseja a instauração de incidente de excesso ou desvio de execução, a ser suscitado perante o juízo competente. Não é o Habeas Corpus via idônea para atender a impetração do recorrente. Recurso Improvido (RHC 65393/SP – Relator Carlos Madeira) TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIROSEXTA CÂMARA CRIMINALHABEAS CORPUS N.º 2007.059.03581IMPETRANTE: DRª. IOLANDA NUNES CORDEIRO (OAB/RJ n°. 134.061) PACIENTE: MAURO JOSE DA SILVA AUTORIDADE COATORA: JUIZ DE DIREITO DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS (Ação nº.2003/10367-8) RELATOR: DES. ANTÔNIO CARLOS NASCIMENTO AMADO D E C I S Ã O Trata-se de Habeas Corpus, impetrado pela Drª. Iolanda Nunes Cordeiro, advogada, inscrita na OAB/Rio de Janeiro sob o n.º 134.061, em favor de Mauro Jose da Silva, apontando como autoridade coatora o Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais. Aduz que o paciente Mauro José da Silva encontra-se em regime fechado, porém, perfazendo mais de dois terços (2/3) do cumprimento da pena, o que configura desvio de execução ou excesso. Faz jus a livramento condicional. Determinei a juntada da decisão proferida no HC 2007/059.01898 que, liminarmente, julgou pedido idêntico improcedente, uma vez que a inicial não se fez acompanhar sequer do cálculo da pena, bem como do remanescente que deve ser calculado levando em conta a suspensão do benefício.O presente pedido também carece de explicitação porque ainda não consta o cálculo da pena referente ao processo que resultou na suspensão do livramento condicional.Desta forma, com fulcro no artigo 31, inciso VIII, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça deste Estado e artigo 648 do Código de Processo Penal, que discrimina os casos de coação ilegal, o que inocorre na espécie, como se constata de plano, julgo improcedente o pedido, determinando o arquivamento do presente feito. Sem custas. Dê-se ciência. (Rio de Janeiro, 20 de junho de 2007 - DES. ANTÔNIO CARLOS NASCIMENTO AMADO RELATOR) Em que pese à ausência de diferenciação legal, cremos não assistir razão tal posição, pois, conforme explanado, da própria raiz gramatical de cada expressão se advém elevada disparidade, não havendo que se falar, portanto, em termos correlatos. Da descrição legal, percebe-se que o incidente, seja de excesso ou desvio, é apenas um. Frise-se, o incidente é único e dá-se nos mesmos moldes e formatos, independendo a qual deles se destina sanar. Dessa feita, nota-se que a letra da lei menciona no art. 186 a expressão “o incidente”, que por sua vez não significa serem excesso e desvio correlatos, até mesmo porque, se assim o fossem, não necessitaria a descrição de ambos os nomes na nomenclatura do título do capítulo II da LEP. De tal sorte, prezamos pela adoção de qualquer dos critérios diferenciadores acima ventilados, conferindo incentivo à proliferação de discussões acerca de possíveis definições sobre os institutos. IV – Do procedimento e tratamento: Por analogia, sendo os instrumentos elencados sob o título de incidente, acreditamos que o procedimento adotado deve equipara-se processualmente ao incidente de falsidade, previsto no art. 145 do Código de Processo Penal, segundo o qual: a impugnação é autuada em apartado, estabelecendo prazo de 48 (quarenta e oito) horas para manifestação da parte contrária, posterior ao qual, havendo necessidade, abre-se o tríduo – prazo sucessivo de 3 (três) dias – a cada uma das partes para que apresentem suas provas, seguindo conclusos ao juiz da vara das execuções criminais para deliberação de diligências adicionais e decisão final. Desta decisão, caberá agravo em exceção, sem efeito suspensivo, consoante disciplina o art. 194 da LEP. Não obstante, notamos ausente dispositivo que esclareça sobre os desdobramentos posteriores ao reconhecimento do excesso ou desvio, pois alem de cassar o ato, entendemos caber justa indenização ao padecente, nos mesmos moldes previstos no art. 630 do Código de Processo Penal, aos casos de erro judiciário. Entendemos que não basta cessar o efeito danoso, cabendo, portanto, recomposição do dano causado pelo Estado ao sujeito que encontrase sob sua tutela. Neste sentido, convém mencionar o disposto no art. 5º, LXXV, da Constituição Federal, impondo ao Estado o dever de indenizar o dano causado por erro judiciário, bem como o prejuízo advindo da prisão excessiva, gerando tempo além do fixado na sentença.11 V - Propostas: Diante do quadro sugerimos, preliminarmente, a alteração do texto legal visando conferir melhor definição a cada um dos institutos, distinguindo-os, detalhando-os pormenorizadamente, como forma de fornecerlhes especificidade quanto às situações abarcadas por cada qual. De tal sorte, cremos que o remédio adequado a combater o estado letárgico em que atualmente se encontram estes incidentes é sua inclusão, por meio da reforma processual, dentre os dispositivos do Código de Processo Penal, descrevendo seus formatos, prazos e competências, visando esclarecer e evidenciar sua utilização e importância na esfera das execuções penais. A nova redação aqui vislumbrada deve compor dispositivos claros com relação ao tratamento posterior conferido aos atos rechaçados por cada um dos institutos (se serão nulos ou anuláveis), bem como, que sinalizem recomposição ao dano causado, os preceitos disciplinadores do erro judiciário, ao qual é prevista justa indenização. VI - Conclusão: Dos presentes apontamentos, resta a certeza que os institutos são mal redigidos e obscuros, impossibilitando saber ao certo a que se destinam. Pela doutrina tão pouco se esclarece sobre o alcance dos institutos, todavia é valiosa fonte de emersão das correntes responsáveis por conferir o critério diferenciador entre as figuras do excesso e do desvio. 11 NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, Revista dos Tribunais, 7ª Edição, 2008, p. 993 Da jurisprudência, encontramos as situações mais freqüentes em que os incidentes são, ou deveriam ser utilizados: I) excesso de prazo no cumprimento de pena; II) excesso ou permanência em regime diverso daquele estabelecido em sentença; III) falta de adequação (positiva/negativa) do estabelecimento prisional aos moldes impostos na sentença/lei; IV) impossibilidade quanto ao cumprimento de condição prevista em sentença (atividade laborativa); e V) concessão de benefícios que extrapolem os limites legais (saídas temporárias). Destarte, concluímos que as incertezas, aliadas à ausência de descrição procedimental - competência e o formato processual - torna os incidentes de excesso e desvio praticamente esquecidos pelos operadores de direito, suprindo-se pelo habeas corpus, o qual por sua vez tem se distanciado, cada vez mais, de seu caráter subsidiário. X - Bibliografia: HAROLDO Caetano da Silva, Manual da Execução Penal, Campinas, Bookseller, 2001 MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 7ª Ed., São Paulo, Ed. Saraiva MICHAELIS, Moderno dicionário da Língua Portuguesa. Ed. Melhoramentos. NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, Revista dos Tribunais, 7ª Edição, 2008 NUCCI, Guilherme de Souza, Leis Penais e Processuais Comentadas, Revista dos tribunais, 3ª Ed., 2008 RJDTACrimSP 61/165 REsp 2004/0058350-6 - Rel. José Arnaldo da Fonseca; 19.05.2005 HC 2008.059.08888 - Rel. Antonio Carlos Amado, RJ /18.08.2009 HC 2009.059.03108, Rel. Geraldo Prado, Rj/28.05.2009 HC 2009.059.04869, Rel. Murta Ribeiro , RJ/27.08.2009 HC 2006.059.04831, Rel. Alexandre Varela, RJ 17.10.2006 RHC 65393/SP – Relator Carlos Madeira