Excesso e Desvio na Execução Penal - PUC-SP

Propaganda
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP
Profº. Guilherme de Souza Nucci
Mestrando: Rafael Barone Zimmaro
Excesso e Desvio na Execução Penal: I) introdução; II)previsão legal;
III)definição dos institutos, IIIa) diferenciação por polaridade, IIIb)
diferenciação por natureza, IIIc) ausência de diferenciação; IV) do
procedimento e tratamento; V)propostas; VI) conclusões; X)
bibliografia.
I- Introdução:
Ainda na seara da execução penal, pretende o presente artigo
abordar questões relativas aos incidentes de excesso de desvio, previstos na
Lei de Execução Penal, que diante das incertezas de ordem procedimental e
material, são pouco utilizados pelos operadores de Direito.
II- Previsão Legal:
É certo assim como se faz na instrução, a execução também
assenta pilares no Princípio da Legalidade, de maneira que todos os atos que a
envolvam devem limitar-se aos comandos da sentença penal condenatória ou
de absolvição imprópria, observadas as disposições normativas que a
informam1.
Dessa feita, o ponto de partida para o desenvolvimento dos
apontamentos acerca dos incidentes de excesso e desvio na execução é o
ordenamento jurídico, que prevê os referidos institutos.
De maneira preliminar - logo na Exposição de Motivos nº
231/1963 da Lei de Execução Penal - o legislador previu a hipótese da
ocorrência de adversidades no curso da execução das penas, o que se mostra
1
MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. p.290. 7ª Ed. Ed. Saraiva
claro no texto do art. 168 da exposição, onde preceitua que todo o
procedimento está sujeito a desvio de rota.
Os artigos seguintes da Exposição de Motivos da LEP
vislumbram tênue definição destas situações adversas que a execução penal
estaria sujeita, sendo citadas no art. 169 como fenômenos aberrantes, e com
melhor conceito no art. 170, in litteris:
O excesso ou desvio de execução constituem na prática de
qualquer ato fora dos limites fixados pela sentença, por normas legais ou
regulamentares
No texto da Lei de Execução Penal, os incidentes de excesso e
desvio encontram-se previstos no art. 185, da seguinte forma:
Haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum ato
for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou
regulamentos
Percebe-se que a redação do dispositivo pouco esclarece
acerca dos referidos institutos e situações a que se destina. O esclarecimento
nos parece deveras abrangente, genérico e indefinido, conduzindo a muitas
incertezas sobre os tipos de ato que podem configurar excesso ou desvio.
Ausente também diferenciação entre os institutos. Talvez por
serem termos correlatos, assim como “quadrilha ou bando”?
Acentuando
ainda
mais
as
indefinições
dos
incidentes,
observamos aberrante lacuna em relação aos procedimentos de ordem
processual que os instrumentalizem, principalmente no tocante aos prazos.
O art. 186 da LEP como legitimados para suscitar o incidente, o
Ministério Público, o Conselho Penitenciário, o próprio sentenciado e qualquer
dos demais órgãos da execução penal - Juiz da Execução, Patronato,
Conselho da Comunidade e Departamentos Penitenciários.
Com fulcro apenas na letra, arrisca-se a singela conclusão de
que todos os atos que destoem da finalidade da execução penal podem ser
considerados excesso ou desvio. Para tanto, forçoso reconhecer como
finalidades da execução penal, aquelas elencadas pelo legislador nos arts. 1º e
3º: i) efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar
condições para a harmônica integração social do sentenciado e do condenado;
ii) garantir ao condenado e ao internado que a eles sejam assegurados todos
os direitos não atingidos pela sentença condenatória ou pela lei
Destarte, resta evidente que a pobreza do texto legal dá
margem aos mais díspares entendimentos, ilidindo a emersão de certezas.
III- Definição dos Institutos:
Não obstante ao quadro calamitoso resultante da paupérrima
Lei Penal, socorremo-nos dos conceitos emanados de uma ínfima parcela da
doutrina que faz menção a diferenciação, bem como, da jurisprudência
responsável pela aplicação prática dos institutos.
Como primeiro passo, faremos a diferenciação literal, ou seja,
aquela proveniente do sentido de cada uma das expressões, e assim temos
que excesso é a diferença para mais entre duas quantidades; excedente,
sobra; o que ultrapassa o legal, o habitual; desregramento; desmando; falta de
moderação; cúmulo; grau elevado; crueldades, violências, injurias graves. Já
desvio é a mudança de direção; perda do caminho, caminho errado, caminho
afastado; destino ou aplicação errada, indevida; afastamento do padrão ou uso
normal2. Partindo deste conceito, as diferenças nos parecem inegáveis.
Neste entendimento, a doutrina se subdivide em duas correntes,
as quais passaremos a explicar:
IIIa – Diferenciação por polaridade:
2
MICHAELIS, Moderno dicionário da Língua Portuguesa. Ed. Melhoramentos. p 917;
A primeira corrente entende pela diferenciação quanto aos
aspectos positivo ou negativo da adversidade, ao que damos o nome de
polaridade.
Neste contexto, o excesso abarcaria toda e qualquer situação
em que o sentenciado padece negativamente, alem dos limites legalmente
previstos, suportando tratamento mais rigoroso, dotado da incidência de maior
ônus e gravame.
Consoante definições doutrinárias desta corrente, todos os atos
praticados na execução das penas ou das medidas de segurança que forem
além do decidido na sentença ou acórdão configuram excesso3.
Aqui temos, de forma ilustrativa, a situação na qual o executado
submete-se, por exemplo, a regime mais rigoroso do que aquele a que tem
direito em razão do fixado em sentença ou em decisão que lhe concedera
progressão para regime menos rigoroso.
Nesta esteira temos o julgado:
Ademais, quando a execução penal extravasa as
balizas objetivas do título que a aparelha, por exemplo,
excedendo o limite fixado pela decisão judicial que concedeu ao
sentenciado o direito de progressão para regime menos
gravoso,
caracterizado
está
o
desvio
qualitativo
no
cumprimento da pena, possibilidade definida no artigo 185 da
Lei de Execução Penal, situação que, por si só, bem expõe os
contornos do constrangimento ilegal invocado. Nesse sentido,
entendendo que a manutenção do sentenciado em regime
prisional mais gravoso que o imposto na sentença ou acórdão
configura evidente excesso de execução, há sólido precedente
jurisdicional (RJDTACrimSP 61/165).
Em síntese, o excesso ocorre sempre que o sentenciado é
submetido a tratamento mais rigoroso do que o fixado na sentença ou
determinado pela lei4.
3MARCÃO,
Renato; obra citada
De outra forma, o desvio reserva-se às situações cuja
adversidade se demonstra favorável ao sentenciado, alem dos limites legais,
beneficiando-o inadequadamente.
Dessa feita, o desvio é a mudança no curso normal da
execução. Distingue-se do excesso na medida em que se revela favorável
qualitativamente ao executado, enquanto aquele sempre lhe será danoso5
Aqui temos de maneira ilustrativa o caso em que o agente,
condenado a cumprir pena em regime fechado, é mantido em regime mais
suave – ou recebe benefícios descabidos, como a saída temporária [fora das
hipóteses do art. 122 da LEP] ou além do prazo de 7 dias, ou autorizado a
realizar trabalho externo permite-se que vá sem escolta6
Assim é a jurisprudência:
Desvio, significando a princípio o afastamento da
direção ou da posição normal,
deve ser entendido, na
terminologia empregada pelo art. 185 da LEP, como a desatenção
fraudulenta aos limites da sentença ou da lei. Então, estará
configurado o desvio de execução quando o sentenciado
receber tratamento menos rigoroso do que o estabelecido
pela sentença ou pela lei, o que acontecerá, por exemplo, no
caso em que o agente, condenado a cumprir pena em regime
fechado, é mantido em regime mais suave - aberto ou semi-aberto
- ou recebe benefícios descabidos, como a saída temporária ou o
trabalho externo sem escolta. Nestas situações, a execução
ultrapassa, em indevido favorecimento do condenado, os limites
definidos pela sentença ou pela lei, caracterizando o desvio (VEC
– Exp. Avulso nº. 198356/2009)
4 /6 Haroldo
Caetano da Silva, Manual da Execução Penal, p.311 in Marcão, Renato. Curso de Execução
Penal, p. 291, 7 ed. Ed. Saraiva
5
MARCÃO, Renato; obra citada
Recurso
especial.
Penal
e
processo
penal.
Decisão que concedeu, mediante condições, a prisão domiciliaralbergue a todos os presos do regime aberto. Incidente por
desvio de execução. ato for praticado além dos limites fixados na
sentença, em normas legais ou regulamentos. 185 e 186, da LEP.
Cabimento. Evidente desvio de execução. Prisão domiciliaralbergue (REsp 2004/0058350-6 - Rel. José Arnaldo da Fonseca;
19.05.2005)
Do exposto, concluímos que a primeira corrente entende por
excesso as adversidades ocorridas na execução penal que se demonstrem
desfavoráveis ao condenado, enquanto o desvio resta contido em atos
favoráveis.
IIIb – Diferenciação por natureza:
A segunda corrente aqui exposta diz respeito à natureza da
adversidade ocorrida no curso da execução penal, diferenciando-se em
quantitativa e qualitativa.
A diferença quantitativa refere-se ao aspecto numérico relativo à
duração da pena, ou seja, todo e qualquer infortúnio relacionado ao prazo
estabelecido em sentença, para o cumprimento da pena é concebido sob a
óptica desta corrente como um excesso.
Segundo melhor doutrina, o excesso resguarda-se as situações
onde houver aplicação abusiva do previsto em lei7.
Destarte, para esta corrente, teríamos aqui situações em que os
prazo legais (estabelecidos pela lei e decisões jurídicas, em geral) são
extrapoladas, como por exemplo a situação do condenado, por ter cometido
7
/8 Nucci, Guilher de Souza, Leis Penais e Processuais Comentadas, Revista dos tribunais, 3ª Ed., 2008,
p.547.
alguma falta disciplinar, passa mais de trinta dias em isolamento, infringindo o
disposto no art. 58 da LEP8
Assim são os julgados que partilham desta concepção:
HABEAS CORPUS. EXCESSO OU ABUSO NA
EXECUÇÃO DA PENA.Pedido de elaboração de novo cálculo
da pena, levando em conta o período a maior, reconhecido para
a prescrição da pretensão executória e a data da prisão.
Descabimento.Ausência de comprovação por documento válido
de que a data da prisão seja diferente daquela contida na CES.
Nulidade da intimação da sentença, que reconheceu a
prescrição da pretensão executória. Matéria a ser deslindada
em recurso, quando do exame da tempestividade.Transferência
motivada. Inexistência de direito do apenado de retornar ao
antigo estabelecimento penal, de onde foi transferido por falta
disciplinar,
mesmo
estando
incluído
no
comportamento
"excelente".Ordem denegada. Unânime (HC 2008.059.08888 Rel. Antonio Carlos Amado, RJ /18.08.2009)
EMENTA:
HABEAS
CORPUS.
LIBERDADE
PROVISÓRIA EM EXECUÇÃO. PEDIDO DE LIVRAMENTO
CONDICIONAL NÃO FORMULADO EM PRIMEIRO GRAU.
PENA, CONTUDO, QUASE INTEGRALMENTE CUMPRIDA.
REQUISITO OBJETIVO ATENDIDO (ARTIGO 83, INCISO V,
DO
CÓDIGO
PENAL).
DIREITO
CONSTITUCIONAL
À
DECISÃO EM PRAZO RAZOÁVEL. ARTIGO 5º, INCISO
LXXVIII,
DA
CONSTITUIÇÃO
OBSERVÂNCIA
DO
DA
PRECEITO
REPÚBLICA.
CONSTITUCIONAL
NÃO
EM
RAZÃO DE DEFICIÊNCIA DO ESTADO. IMPOSSIBILIDADE
DE
TRANSFORMAR
EM
DEVIDO
O
INDEVIDO
FUNCIONAMENTO DA JUSTIÇA. AUSÊNCIA, PORÉM, DE
PROVAS
QUE
ATESTEM
O
ATENDIMENTO
DOS
REQUISITOS
SUBJETIVOS
PELO
APENADO.
RESTABELECIMENTO DA LIBERDADE DO PACIENTE, A
TÍTULO CAUTELAR, ATÉ QUE SEJA APRECIADO O PEDIDO
DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. Impetrante/paciente preso
desde 17 de janeiro de 2006 e condenado, no dia 11 de
setembro de 2006, à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de
reclusão, em regime fechado, em razão da prática do crime
definido no artigo 12 da revogada Lei 6.368/76. Habeas corpus
que visa o reconhecimento do direito ao livramento condicional,
não requerido em primeiro grau. Pena, contudo, quase
integralmente cumprida, uma vez que seu término está
previsto para o dia 16 de julho de 2009. Cumprimento do
requisito objetivo no dia 16 de maio de 2008. Evidente
excesso de execução. Dilação indevida. Inatividade da
Defesa técnica e do órgão jurisdicional. Direito subjetivo do
acusado de exigir que o Estado se organize de modo a prestar
a tutela jurisdicional com qualidade e sem dilações indevidas.
Responsabilidade
da
autoridade
judiciária
que
inclui
a
fiscalização dos atos processuais, evitando abusos e inércia por
parte da Defesa. Fato que fere a dignidade do acusado e que
configura situação jurídica inaceitável, especialmente à luz do
artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República. Omissão
que não se justifica, uma vez que o princípio da celeridade
processual deve ser observado e reinterpretado à luz da
epistemologia constitucional de proteção do preso, constituindo,
portanto, um direito subjetivo processual do condenado.
Ausência, contudo, de provas que atestem o atendimento dos
requisitos subjetivos pelo apenado. Restabelecimento da
liberdade do paciente, até que o Juízo da Execução aprecie o
pedido de livramento condicional, conforme precedentes desta
Câmara Criminal.ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. (HC
2009.059.03108, Rel. Geraldo Prado, RJ/28.05.2009)
De outro modo, toda e qualquer adversidade que resulte em
alteração qualitativa da pena, é entendido por esta corrente como desvio, pelo
qual consideram-se as situações em que se resulte destinação diversa da
finalidade da pena9.
Aqui temos, por exemplo a situação do sujeito colocado no
chamado “seguro”, na qual o condenado é privado do trabalho, embora deseje
participar das atividades, porque encontra em cela isolada, apenas para
garantir a sua incolumidade física, vez que se encontra ameaçado por outros
presos10.
Melhor elucidação trazem os julgados colacionados a seguir:
DECISÃO Cuida a hipótese dos autos de
Habeas-corpus
impetrado
pela
ilustrada
Advogada
Dra.
Fernanda Bravo Fernandes, inscrita na O.A.B. sob o n.°
155.813/RJ, em favor de GILMAR MACHADO ROSA, ora
paciente, que estaria sendo submetido a constrangimento ilegal
por parte do MM. Dr. Juiz a quo, uma vez que, até a data da
impetração deste remédio heróico o Paciente encontrava-se
acautelado em unidade prisional incompatível com o regime
determinado na sentença condenatória, ou seja, cumprindo
pena em regime mais gravoso, ocorrendo verdadeiro desvio
de execução. Impetração de fls. 02/12, com pedido liminar.
Acompanhando a petição inicial vieram os documentos de fls.
13/20. Despacho de fls.22, no sentido de que a liminar seria
apreciada após o advento das informações. Informações às fls.
24/25, informando que em 28/07/2009 foi expedido ofício à
Coordenação de Execução Penal da SEAP, determinando a
transferência do Apenado para unidade do sistema de regime
aberto. Parecer da douta Procuradoria Geral da Justiça às fls.
28. Decisão de fls.29, determinando a expedição de ofício ao
juízo a quo, com fito de se esclarecer se a transferência foi
9
NUCCI, Guilherme Souza, obra citada
NUCCI, Guilherme Souza, obra citada
10
efetivada. Informações complementares prestadas pelo E. Juiz
Titular da Vara de Execuções Penais às fls.31, afirmando que o
Paciente ingressou no regime aberto na data de 17/08/09. É o
relatório.Nos precisos termos do artigo 31, inciso VIII do
Regimento
Interno
deste
Tribunal
de
Justiça,
JULGO
PREJUDICADO o presente Writ, uma vez que consoante
informado às fls. 24/25 e 31 pelo juiz a quo, a transferência do
Apenado para unidade prisional compatível com o regime
prisional aberto se deu em 17 de agosto de 2009. Ora, nesses
termos, realmente sem objeto o presente mandamus.P.R.I. (HC
2009.059.04869, Rel. Murta Ribeiro , RJ/27.08.2009)
HABEAS-CORPUS. PACIENTE CONDENADO
A PENA EM REGIME SEMI-ABERTO, CUSTODIADO EM
PENITENCIÁRIA
DE
REGIME
FECHADO.
DESVIO
DE
EXECUÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DETERMINADA
A
TRANSFERÊNCIA
COMPATÍVEL
DO
COM
O
PACIENTE
REGIME
PARA
UNIDADE
SEMI-ABERTO.
Em
informações complementares, o Juízo da VEP esclareceu que
em 13/09/2006 determinou a expedição de mandado de
intimação,
para
o
efetivo
cumprimento
da
ordem
de
transferência, com urgência, após sobrevir ofício da Divisão de
Registro e Movimentação do Efetivo Carcerário (SEAP)
informando que o Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho
encontrava-se interditado temporariamente por obras, razão
pela qual o apenado estaria aguardando abertura de vaga para
sua transferência.Inexistência de constrangimento ilegal, pois a
VEP já está tomando as providências necessárias para a
transferência do paciente, entretanto, deve-se oficiar a VEP
para
que
fiscalize
a
concretização
da
referida
transferência.ORDEM DENEGADA.Leg: art. 331; 289, § 1º, nf/f
71, do Código Penal. (HC 2006.059.04831, Rel. Alexandre
Varela, RJ 17.10.2006)
Depreende-se, portanto, que para a segunda corrente, toda
situação que extrapolar limite temporal para cumprimento da pena será vista
como excesso sob o prisma quantitativo, restando ao desvio os demais
infortúnios que excedem ou impedem a execução da pena dentro dos moldes
qualitativos legalmente preestabelecidos, o que restaria em ofensa à
individualização da pena.
IIIc - Ausência de diferenciação:
Por derradeiro, verificamos que, na prática, a maior parte das
citações acerca de excesso e desvio não lhes imprimir diferenciação, tratandoos como termos correlatos, assim como se repete em relação ao emprego das
designações entre “quadrilha” e “bando”.
Assim temos os julgados:
Habeas Corpus. Transferência de presos da casa
de detenção para estabelecimento destinado a pessoas de alta
periculosidade. Cautela adotada em face das notícias correntes
na própria detenção. A eventual inobservância das normas do art.
41 da lei 7.210/84, enseja a instauração de incidente de excesso
ou desvio de execução, a ser suscitado perante o juízo
competente. Não é o Habeas Corpus via idônea para atender a
impetração do recorrente. Recurso Improvido (RHC 65393/SP –
Relator Carlos Madeira)
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO
DE JANEIROSEXTA CÂMARA CRIMINALHABEAS CORPUS N.º
2007.059.03581IMPETRANTE:
DRª.
IOLANDA
NUNES
CORDEIRO (OAB/RJ n°. 134.061) PACIENTE: MAURO JOSE
DA SILVA AUTORIDADE COATORA: JUIZ DE DIREITO DA
VARA
DE
EXECUÇÕES
PENAIS
(Ação
nº.2003/10367-8)
RELATOR: DES. ANTÔNIO CARLOS NASCIMENTO AMADO D
E C I S Ã O Trata-se de Habeas Corpus, impetrado pela Drª.
Iolanda Nunes Cordeiro, advogada, inscrita na OAB/Rio de
Janeiro sob o n.º 134.061, em favor de Mauro Jose da Silva,
apontando como autoridade coatora o Juiz de Direito da Vara de
Execuções Penais. Aduz que o paciente Mauro José da Silva
encontra-se em regime fechado, porém, perfazendo mais de dois
terços (2/3) do cumprimento da pena, o que configura desvio de
execução ou excesso. Faz jus a livramento condicional.
Determinei a juntada da decisão proferida no HC 2007/059.01898
que, liminarmente, julgou pedido idêntico improcedente, uma vez
que a inicial não se fez acompanhar sequer do cálculo da pena,
bem como do remanescente que deve ser calculado levando em
conta a suspensão do benefício.O presente pedido também
carece de explicitação porque ainda não consta o cálculo da pena
referente ao processo que resultou na suspensão do livramento
condicional.Desta forma, com fulcro no artigo 31, inciso VIII, do
Regimento Interno do Tribunal de Justiça deste Estado e artigo
648 do Código de Processo Penal, que discrimina os casos de
coação ilegal, o que inocorre na espécie, como se constata de
plano, julgo improcedente o pedido, determinando o arquivamento
do presente feito. Sem custas. Dê-se ciência. (Rio de Janeiro, 20
de junho de 2007 - DES. ANTÔNIO CARLOS NASCIMENTO
AMADO RELATOR)
Em que pese à ausência de diferenciação legal, cremos não
assistir razão tal posição, pois, conforme explanado, da própria raiz gramatical
de cada expressão se advém elevada disparidade, não havendo que se falar,
portanto, em termos correlatos.
Da descrição legal, percebe-se que o incidente, seja de excesso
ou desvio, é apenas um. Frise-se, o incidente é único e dá-se nos mesmos
moldes e formatos, independendo a qual deles se destina sanar.
Dessa feita, nota-se que a letra da lei menciona no art. 186 a
expressão “o incidente”, que por sua vez não significa serem excesso e desvio
correlatos, até mesmo porque, se assim o fossem, não necessitaria a descrição
de ambos os nomes na nomenclatura do título do capítulo II da LEP.
De tal sorte, prezamos pela adoção de qualquer dos critérios
diferenciadores acima ventilados, conferindo incentivo à proliferação de
discussões acerca de possíveis definições sobre os institutos.
IV – Do procedimento e tratamento:
Por analogia, sendo os instrumentos elencados sob o título de
incidente, acreditamos que o procedimento adotado deve equipara-se
processualmente ao incidente de falsidade, previsto no art. 145 do Código de
Processo Penal, segundo o qual: a impugnação é autuada em apartado,
estabelecendo prazo de 48 (quarenta e oito) horas para manifestação da parte
contrária, posterior ao qual, havendo necessidade, abre-se o tríduo – prazo
sucessivo de 3 (três) dias – a cada uma das partes para que apresentem suas
provas, seguindo conclusos ao juiz da vara das execuções criminais para
deliberação de diligências adicionais e decisão final.
Desta decisão, caberá agravo em exceção, sem efeito
suspensivo, consoante disciplina o art. 194 da LEP.
Não obstante, notamos ausente dispositivo que esclareça sobre
os desdobramentos posteriores ao reconhecimento do excesso ou desvio, pois
alem de cassar o ato, entendemos caber justa indenização ao padecente, nos
mesmos moldes previstos no art. 630 do Código de Processo Penal, aos casos
de erro judiciário.
Entendemos que não basta cessar o efeito danoso, cabendo,
portanto, recomposição do dano causado pelo Estado ao sujeito que encontrase sob sua tutela.
Neste sentido, convém mencionar o disposto no art. 5º, LXXV,
da Constituição Federal, impondo ao Estado o dever de indenizar o dano
causado por erro judiciário, bem como o prejuízo advindo da prisão excessiva,
gerando tempo além do fixado na sentença.11
V - Propostas:
Diante do quadro sugerimos, preliminarmente, a alteração do
texto legal visando conferir melhor definição a cada um dos institutos,
distinguindo-os, detalhando-os pormenorizadamente, como forma de fornecerlhes especificidade quanto às situações abarcadas por cada qual.
De tal sorte, cremos que o remédio adequado a combater o
estado letárgico em que atualmente se encontram estes incidentes é sua
inclusão, por meio da reforma processual, dentre os dispositivos do Código de
Processo Penal, descrevendo seus formatos, prazos e competências, visando
esclarecer e evidenciar sua utilização e importância na esfera das execuções
penais.
A nova redação aqui vislumbrada deve compor dispositivos
claros com relação ao tratamento posterior conferido aos atos rechaçados por
cada um dos institutos (se serão nulos ou anuláveis), bem como, que sinalizem
recomposição ao dano causado, os preceitos disciplinadores do erro judiciário,
ao qual é prevista justa indenização.
VI - Conclusão:
Dos presentes apontamentos, resta a certeza que os institutos
são mal redigidos e obscuros, impossibilitando saber ao certo a que se
destinam.
Pela doutrina tão pouco se esclarece sobre o alcance dos
institutos, todavia é valiosa fonte de emersão das correntes responsáveis por
conferir o critério diferenciador entre as figuras do excesso e do desvio.
11
NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, Revista dos Tribunais, 7ª Edição, 2008, p. 993
Da jurisprudência, encontramos as situações mais freqüentes
em que os incidentes são, ou deveriam ser utilizados: I) excesso de prazo no
cumprimento de pena; II) excesso ou permanência em regime diverso daquele
estabelecido em sentença; III) falta de adequação (positiva/negativa) do
estabelecimento
prisional
aos
moldes
impostos
na
sentença/lei;
IV)
impossibilidade quanto ao cumprimento de condição prevista em sentença
(atividade laborativa); e V) concessão de benefícios que extrapolem os limites
legais (saídas temporárias).
Destarte, concluímos que as incertezas, aliadas à ausência de
descrição procedimental - competência e o formato processual - torna os
incidentes de excesso e desvio praticamente esquecidos pelos operadores de
direito, suprindo-se pelo habeas corpus, o qual por sua vez tem se distanciado,
cada vez mais, de seu caráter subsidiário.
X - Bibliografia:
HAROLDO Caetano da Silva, Manual da Execução Penal, Campinas,
Bookseller, 2001
MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 7ª Ed., São Paulo, Ed. Saraiva
MICHAELIS, Moderno dicionário da Língua Portuguesa. Ed. Melhoramentos.
NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, Revista dos Tribunais,
7ª Edição, 2008
NUCCI, Guilherme de Souza, Leis Penais e Processuais Comentadas, Revista
dos tribunais, 3ª Ed., 2008
RJDTACrimSP 61/165
REsp 2004/0058350-6 - Rel. José Arnaldo da Fonseca; 19.05.2005
HC 2008.059.08888 - Rel. Antonio Carlos Amado, RJ /18.08.2009
HC 2009.059.03108, Rel. Geraldo Prado, Rj/28.05.2009
HC 2009.059.04869, Rel. Murta Ribeiro , RJ/27.08.2009
HC 2006.059.04831, Rel. Alexandre Varela, RJ 17.10.2006
RHC 65393/SP – Relator Carlos Madeira
Download