EDITORIAL Prezado(a) colega, Com a esperança de um ano de 2003, repleto de saúde e realizações em nossas vidas, iniciamos o 9º ano deste veículo de informação aos pediatras brasileiros. No primeiro número dos Correios da SBP (jan/fev/mar de 2003) trazemos um Documento Científico do Departamento de Cardiologia Parte I que nos proporciona uma visão bem prática de semiologia em cardiologia pediátrica e de interpretação do eletrocardiograma, fornecendo noções básicas desta especialidade para os pediatras. A parte II será publicada no 2º número deste ano e nos dará uma visão das Cardiopatias Congênitas mais freqüentes nos pacientes pediátricos. Mantivemos neste número uma diversidade de artigos comentados de interesse aos pediatras em geral, com artigos sobre: Dor abdominal recorrente na infância; Efeitos da cisaprida em recém-nascidos; Uso de corticosteróides nasais e crises de asma; Doença de Kawasaki baseada em evidências e Perigos do bebê conforto e dos assentos infantis para crianças menores de 1 ano. Espero que os colegas aproveitem este número e reitero os nossos votos de um feliz 2003. Antonio Carlos Partorino Editor dos Correios SBP ÍNDICE Cardiologia pediátrica: abordagem prática Parte 1: Fundamentos de semiologia em cardiologia pediátrica e de interpretação do eletrocardiograma Uso de corticosteróides nasais e necessidades de visita ao pronto atendimento por crises de asma Edmundo Clarindo Oliveira, Cleonice de Carvalho Coelho Mota . . . . . . . . . . . . . . . . 5 Anormalidades orgânicas na dor abdominal recorrente na infância Stördal K, Nygaard EA, Bentsen B Acta Pediatr 2001; 90:638-42 . . . . . . . . . . . . 10 Efeitos da cisaprida no intervalo QTc em recém-nascidos a termo Semana DS, Bernardini S, Louf S, Laurent- Atthalin B, Gouyon JB Arch Dis Fetal Neonatal 2001; 84:44-6 . . . . . . . . 14 Adams RJ, Fuhlbrigge AL, Finkelstein JA, Weiss ST J Allergy Clin Immunol 2002; 109:636-42. . . . . . . . 16 Doença de Kawasaki: avaliação diagnóstica, tratamento e propostas para pesquisas futuras baseadas em evidências Brogan PA, Bose A, Burger D, Shingadia D, Tulloh R, Michie C et al Arch Dis Child 2002; 86: 286-90. . . . . . . . . . 19 Traumatismo craniano em menores de um ano: os perigos do bebê conforto e dos assentos infantis para carro. Wickham T, Abrahamson E Arch Dis Child 2002;86: 168-9. . . . . . . . . 22 CORREIOS DA SBP - Diretor de publicações: Dr. Renato Soibelmann Procianoy - Coordenador do PRONAP: Dr. João Coriolano Rego Barros - Coordenador dos Correios: Dr. Antonio Carlos Pastorino - Coordenador Documentação Científica: Dr. Paulo de Jesus Hartmann Nader - Comitê Executivo: Dr. Claudio Leone, Dr. Clóvis Artur Almeida da Silva, Dra. Heloisa Helena de Souza Marques, Dra. Lúcia Ferro Bricks, Dra. Marta Miranda Leal, Dr. Mário Cícero Falcão, Dra. Luiza Helena Falleiros R. Carvalho, Dra. Valdenise Martins Laurindo Tuma Calil - PRONAP / SBP Programa Nacional de Educação Continuada em Pediatria Rua Augusta, 1939 - 5º andar - sala 53 Cerqueira César São Paulo SP CEP: 01413-000 Fone: (11) 3068-8595 Fax: (11) 3081-6892 E-mail: [email protected] Colaboraram neste número: Dr. Edmundo Clarindo Oliveira, Dra. Cleonice de Carvalho Coelho Mota, Dr. Mauro Batista de Morais, Dra. Vera Lucia Sdepanian, Dr. Ulysses Fagundes-Neto, Dra. Ana Paula Beltran M. Castro, Dr. Antonio Carlos Pastorino, Dr. Clovis Artur Almeida da Silva, Dra. Renata Dejtiar Waksman. Revisores deste número: Dr. Antonio Carlos Pastorino, Dra. Marta Miranda Leal. As opiniões expressas são da responsabilidade exclusiva dos autores e comentadores, não refletindo obrigatoriamente a posição da Sociedade Brasileira de Pediatria. Tire suas dúvidas, faça suas críticas e sugestões aos editores sobre os artigos aqui publicados, pelo e-mail: [email protected] Criação, Diagramação e Produção Gráfica: Atha Comunicação & Editora Rua Machado Bittencourt, 190 - 4o andar Conj. 410 Cep: 04044-000 São Paulo SP Tel: (11) 5087-9502 - Fax: (11) 5579-5308 E-mail: [email protected]. Ano 9 - Jan/Fev/Março/2003 3 DIRETORIA 2001/2003 PRESIDENTE: Lincoln Marcelo Silveira Freire 10 VICE-PRESIDENTE: Dioclécio Campos Júnior 20 VICE-PRESIDENTE: João Cândido de Souza Borges SECRETÁRIO GERAL: Eduardo da Silva Vaz 10 SECRETÁRIO: Vera Lúcia Queiroz Bomfim Pereira 20 SECRETÁRIO: Marisa Bicalho P. Rodrigues 30 SECRETÁRIO: Fernando Filizzola de Mattos 1O DIRETOR FINANCEIRO: Carlindo de Souza Machado e Silva Filho 2O DIRETOR FINANCEIRO: Ana Maria Seguro Meyge DIRETORIA DE PATRIMÔNIO: Mário José Ventura Marques COORDENADOR DO SELO: Claudio Leone COORDENADOR DE INFORMÁTICA: Eduardo Carlos Tavares CONSELHO ACADÊMICO: PRESIDENTE: Reinaldo Menezes Martins SECRETÁRIO: Nelson Grisard CONSELHO FISCAL: Raimunda Nazaré Monteiro Lustosa Sara Lopes Valentim Nilzete Liberato Bresolin ASSESSORIAS DA PRESIDÊNCIA: Pedro Celiny Ramos Garcia Fernando Antônio Santos Werneck Claudio Leone Luciana Rodrigues Silva Nelson de Carvalho Assis Barros Reinaldo Menezes Martins DIRETORIA DE QUALIFICAÇÃO RESIDÊNCIA E ESTÁGIO - PROGRAMAS: E CERTIFICAÇÃO PROFISSIONAL: COORDENADOR: Clóvis Francisco Constantino COORDENADOR DO CEXTEP: Hélcio Villaça Simões COORDENADOR DA ÁREA DE ATUAÇÃO: José Hugo Lins Pessoa COORDENADOR DA RECERTIFICAÇÃO: José Martins Filho DIRETOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS: Fernando José de Nóbrega COORDENADORES: MERCOSUL: Remaclo Fischer Júnior AAP: Conceição Aparecida de M. Segre IPA: Sérgio Augusto Cabral DIRETOR DOS DEPARTAMENTOS CIENTÍFICOS: Nelson Augusto Rosário Filho DIRETORIA DE CURSOS E EVENTOS: Dirceu Solé COORDENADOR DA REANIMAÇÃO NEONATAL: José Orleans da Costa COORDENADOR DA REANIMAÇÃO PEDIÁTRICA: Paulo Roberto Antonacci Carvalho COORDENADOR DOS SERÕES: Edmar de Azambuja Salles CENTRO DE TREINAMENTO EM SERVIÇOS: COORDENADOR: Mário Cícero Falcão COORDENADOR DOS CONGRESSOS E EVENTOS: Álvaro Machado Neto COORDENADOR DO CIRAPS: Maria Odete Esteves Hilário DIRETORIA DE ENSINO E PESQUISA: Lícia Maria Oliveira Moreira COORDENADORA DA GRADUAÇÃO: Rosana Fiorini Puccini RESIDÊNCIA E ESTÁGIO-CREDENCIAMENTO: COORDENADORA: Cleide Enoir P. Trindade 4 Ano 9 - Jan/Fev/Março/2003 Aloísio Prado Marra COORDENADOR DA PÓS - GRADUAÇÃO: Francisco José Penna COORDENADOR DA PESQUISA: Marco Antônio Barbieri DIRETORIA DE PUBLICAÇÕES DA SBP: DIRETOR DE PUBLICAÇÕES: Renato Soibelmann Procianoy DIRETOR DO JORNAL DE PEDIATRIA: Renato Soibelmann Procianoy COORDENADOR DO PRONAP: João Coriolano Rego Barros COORDENADOR DOS CORREIOS DA SBP: Antonio Carlos Pastorino DOCUMENTOS CIENTÍFICOS: COORDENADOR: Paulo de Jesus H. 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SEMIOLOGIA Átrio direito Átrio esquerdo 2a bulha Braço esquerdo Borda esternal direita Borda esternal esquerda Cardiopatia congênita cianótica Comunicação interventricular Débito cardíaco Direito-esquerdo Eletrocardiograma Estenose pulmonar Frequência cardíaca Insuficiência cardíaca Pressão arterial Pressão de artéria pulmonar Perna esquerda Radiografia Sobrecarga de átrio direito Sobrecarga de átrio esquerdo Sobrecarga bi-ventricular Sobrecarga de ventrículo direito Sobrecarga de ventrículo esquerdo Transposição dos grandes vasos da base Ventrículo direito Ventrículo esquerdo 1. INTRODUÇÃO O objetivo primordial desse documento, apresentado em dois módulos, é a abordagem das principais cardiopatias que ocorrem na infância, de forma prática e simplificada, e voltada ao Pediatra, isto é, dispensando um prévio conhecimento profundo de cardiologia. No primeiro módulo são apresentados fundamentos de semiologia em Cardiologia Pediátrica e de interpretação do eletrocardiograma. No próximo exemplar estaremos publicando uma sinopse das cardiopatias congênitas cianóticas, divididas de acordo com a condição fisiopatológica determinante de cada uma. A história clínica é importante para a formulação diagnóstica e, às vezes, pequenos detalhes são decisivos para um diagnóstico correto. Devemos começar a história caracterizando quem informa os dados, determinando o grau de convivência e de parentesco com a criança. (Algumas vezes a babá informa melhor do que a mãe). 2.1. Sinais e sintomas: Þ Insuficiência Cardíaca: cansaço durante mamadas ou durante outros esforços, associado ou não à sudorese; dificuldade em ganhar peso; infeções pulmonares de repetição; edema pulmonar, sistêmico até anasarca podem ocorrer em casos mais graves. Þ Cianose: quando central e bem evidente indica que a saturação sistêmica está abaixo de 80%. Þ Dor torácica: a origem cardíaca representa 5% dos casos; quando associada a esforço físico, síncope e cansaço deve ser investigada a etiologia cardíaca; quando a dor for localizada em um ponto específico, sem relação com esforço e de duração prolongada (acima de 30 minutos), provavelmente é de origem extracardíaca. Þ Palpitações Þ Sopro: um dos principais motivos da consulta cardiológica. sopro diastólico com frêmito, ou com sinais de crescimento da área cardíaca é patológico; sopros suaves, sem frêmito com pouca irradiação e sem sinais de aumento cardíaco são geralmente inocentes. No Quadro 1 estão descritas algumas características dos sopros inocentes. OBS: A época e a maneira do início dos sintomas é importante para o diagnóstico: o início súbito de sintomas sugere fechamento Ano 9 - Jan/Fev/Março/2003 5 Quadro 1: Características dos sopros inocentes Sopro sistólico pulmonar Localização Irradiação Timbre Duração Modificações 2° EIE Geralmente Rude Curto Aumenta com exercício e febre; diminui ou desaparece sem irradiação Sopro de Still com inspiração profunda Borda esternal Às vezes irradia Musical Curto esquerda (BEE) para o ápice vibratório Aumenta com febre e exercício; diminui ou desaparece com o ortostatismo, com a extensão do pescoço inferior e projeção do tórax para frente Sopro venoso cervical Área Fúrcula e região (hum venoso) supraclavicular cervical Suave Contínuo Aumenta com a rotação do pescoço para o lado oposto e com a posição sentada. Diminui com o decúbito, e cervical com a rotação do pescoço para o mesmo lado e com a compressão da veia jugular Sopro arterial Área supraclavicular supraclavicular Região cervical Rude agudo do canal arterial em doenças ducto-dependentes e arritmia; sintomas de insuficiência cardíaca (IC) iniciados após a primeira semana de vida e com piora progressiva sugerem lesão de shunt E-D. Os sintomas iniciam quando cai a resistência pulmonar e conseqüentemente diminui a pressão pulmonar; sintomas iniciados após um processo infeccioso devem sugerir a possibilidade de doenças inflamatórias como pericardite e miocardite. 2.2. Exame físico: Devemos avaliar o tamanho do coração, o débito cardíaco (DC), cianose, pressão arterial (PA), pressão pulmonar (PAP), importância dos sopros e sua etiologia. Þ Tamanho do coração Como o ventrículo direito (VD) é anterior e o ventrículo esquerdo(VE) é posterior: ictus desviado para dentro, associado com impulsões sistólicas em borda esternal, indica aumento de VD; ictus desviado para esquerda e para a região lateral do tórax indica aumento de VE. Þ Débito cardíaco (DC) Sinais de DC adequado: Criança tranqüila, com interesse por brinquedos, dormindo relaxada, mamando em um seio (segurando carinhosamente o outro). Pulso pedioso e da artéria temporal superficial amplos, associados à temperatura dos artelhos maior que do joelho e testa. Sinais de DC inadequado: Apatia, irritabilidade ou sonolência, desinteresse por brinquedos associado a pulso pedioso fraco e 6 Ano 9 - Jan/Fev/Março/2003 Curto Diminui com hiperextensão dos ombros e elevação do braço ipsilateral temperatura dos artelhos menor que joelho e testa, podendo apresentar extremidades frias com hipertermia central Þ baixo débito cardíaco ( ß DC). Nota: baixo DC indica emergência no tratamento. Þ Pressão arterial: deve ser medida com o maior manguito possível de modo a sobrar espaço para colocar o estetoscópio na região cubital. Em nossa experiência a principal causa de falsa hipertensão arterial é o uso de manguito pequeno. Þ Pressão pulmonar: o sinal mais importante é o aumento da intensidade da 2a bulha audível no segundo espaço intercostal esquerdo. Þ Sopros: Devemos caracterizá-los em: Sistólico: à sistólico irradiando da base do tórax para as carótidas, seguindo o fluxo da aorta Þ estenose aortica; à sistólico irradiando para ambos hemitóraxes, associado a aumento de VD Þ estenose pulmonar; à sistólico longo audível no ápice cardíaco, irradiando para a axila esquerda Þ insuficiência mitral; à sistólico longo, audível na borda esternal esquerda (BEE) baixa, que aumenta com a inspiração Þ insuficiência tricúspide; à sistólico longo, em BEE média e baixa, com irradiação para BED Þ CIV. Diastólico: à diastólico iniciado logo depois da B2 e associado a pulsos de amplitude aumentada Þ insuficiência aórtica; à diastólico com início após B2 e sinais de aumento de VD, sem alteração do pulso Þ insuficiência pulmonar; à mesodiastólico no ápice Þ estenose ou hiperfluxo mitral; à mesodiastólico em BEE baixa, com aumento na inspiração Þ estenose ou hiperfluxo tricúspide. Contínuo: à contínuo em BEE alta, associado com pulsos amplos Þ PCA; à contínuo em BED alta, com aumento na inspiração, e que desaparece quando se comprime a região lateral do pescoço, comprimindo a jugular Þ sopro inocente chamado de hum venoso. E à à à devemos classificá-los de 1 a 6: grau 4 a 6: quando associado a frêmito; grau 2 e 3: evidente e sem frêmito; grau 1: sopro discreto, difícil de auscultar. 3 . ELETROCARDIOGRAMA (ECG) O que o pediatra precisa saber? A interpretação do ECG tem sido considerada difícil para a maioria dos pediatras e um privilégio dos cardiologistas. Entretanto, o que se precisa realmente saber, e que resolverá mais de 90% da elaboração diagnóstica, é simples e acessível a todos. Se, em qualquer momento, você achar alguma coisa difícil, perdoe-nos, a culpa é nossa por não termos explicado bem. Se, por outro lado, você achar muito fácil e sentir vontade de ter alguns ECGs para interpretá-los, alcançamos o objetivo. O pediatra deve ser capaz de identificar o ritmo, calcular freqüência e eixo cardíaco e diagnosticar sobrecargas ventriculares e atriais. bradicardia sinusal: quando a FC está abaixo de 60 bpm. Você está familiarizado com as derivações cardíacas? Se você estiver parabéns, do contrário espere um pouco que faremos uma breve revisão quando falarmos do eixo cardíaco. Onda p positiva em DI e aVF Þ ritmo sinusal (RS) 3.2. Cálculo da freqüência cardíaca (FC) Inicialmente vamos ajudar um engenheiro a fazer um cálculo. Ele está construindo uma estrada de 1500 km e deseja colocar postes de 15 em 15km. Ele quer saber quantos postes precisa comprar. Basta dividir 1.500 por 15 e a resposta é 100 postes. Se você achou isso muito fácil, você já aprendeu calcular a FC. Vamos ver? O papel do ECG é milimetrado e dividido em quadrinhos de 1mm de lado e, comumente, a velocidade do papel é 25mm/s que, em 1 minuto, é igual a 1.500mm (já encontramos o 1.500). Cada batida cardíaca gera um complexo. Se medirmos a diferença entre as duas batidas (o mesmo que o intervalo entre os postes no exemplo do cálculo do engenheiro), saberemos quantos milímetros separa uma batida da outra, ou seja: 1.500 / intervalo das batidas = FC Exemplo: em um intervalo de batidas de 20mm teremos uma FC de 75 bpm. 3.1. Ritmo O ritmo nasce no nó sinusal, viaja pelos feixes internodais criando uma onda de despolarização atrial chamada onda P. Essa onda deve ser positiva em DI e aVF para que o ritmo seja chamado de ritmo sinusal. 3.3. Eixo cardíaco Por definição: taquicardia sinusal: quando a frequência cardíaca (FC) está acima de 100bpm. Agora vamos conversar um pouco sobre eixo cardíaco. Os eletrodos são colocados nos braços e pernas e com isso sabemos se o vetor cardíaco está apontando para Ano 9 - Jan/Fev/Março/2003 7 baixo, para cima, para direita e esquerda. Desse modo podemos combiná-los e localizá-los de acordo com o quadrante em que se encontram. DI: derivação na qual o eletrodo explorador é colocado no braço esquerdo (BE). Se o complexo é positivo significa que o vetor está apontando para o BE, ou seja, para a esquerda. Negativo em DI aponta para a direita. aVF: derivação com o eletrodo explorador na perna esquerda (PE). Positivo aponta para o pé, ou seja, para baixo; o contrário para cima. DI e aVF positivos: vetor para esquerda e para baixo, que é a posição normal do coração. localizá-lo no plano horizontal. Basta estudá-lo em V1 (derivação com o eletrodo colocado na borda esternal direita, ou seja, anterior). Se for positivo em V1, o vetor está para frente e o contrário, para traz. Em V6, o eletrodo é colocado na axila esquerda, e é posterior. 3.4. Diagnóstico de sobrecargas ventriculares e atriais Sobrecarga atrial: à o átrio esquerdo é horizontalizado e seu crescimento prolonga a duração da onda P, sobrecarga de átrio esquerdo (SAE) Þ onda P de duração > 2,5mm; à AD é vertical e seu aumento amplia a onda P, sobrecarga de átrio direito (SAD): Þ onda P de amplitude > 2,5mm. DI positivo aVF negativos: vetor para a esquerda e para cima ou seja desvio para a esquerda. Se você tem dificuldade para guardar essa diferença, pense numa pessoa direita, digna, que pode andar de cabeça erguida, ou seja, na sobrecarga de AD a onda p é verticalizada. Sobrecarga Ventricular: Agora para aumentar a sua compreensão do ECG, vamos conversar um pouco sobre SVD e SVE, passo fundamental para ajuda diagnóstica em muitas cardiopatias. DI negativo e aVF positivo: eixo para direita e para baixo (desvio para a direita). DI e aVF negativos: eixo para direita e para cima (desvio para direita máximo). Inicialmente vamos lembrar um pouco as mudanças na circulação pulmonar após nascimento. No útero a pressão VD é um pouco maior que a do VE em decorrência do pulmão não expandido e da aorta fetal estar conectada à placenta, estrutura esta de resistência baixa. Após o nascimento com a retirada da placenta e expansão pulmonar, inicia-se a queda da pressão em VD e aumento de VE. Entretanto isso acontece de forma gradual, de modo que para o diagnóstico de sobrecarga dos ventrículos devemos saber a idade da criança. Estávamos esquecendo de rever algumas definições: § Onda P: despolarização atrial § Onda q: toda primeira onda negativa do complexo § Onda R: qualquer onda positiva do complexo Concluindo, com estas duas derivações podemos localizar o eixo no plano frontal. E mais fácil ainda, 8 Ano 9 - Jan/Fev/Março/2003 § Onda S: toda onda negativa que não seja a primeira § Onda T: de repolarização ventricular (não pode ter menos que 3mm de amplitude e nem ser negativa em DI, aVL e V6). EXEMPLO 02: * Dr. Edmundo Clarindo Oliveira Presidente do Departamento de Cardiologia da SBP, Chefe do serviço de Cardiologia Pediátrica do Centro Geral de Pediatria/FHEMG, Chefe do serviço de Cardiologia Hospital Vera Cruz (Belo Horizonte - MG), Cardiologista da Faculdade de Medicina da UFMG. ** Dra. Cleonice de Carvalho Coelho Mota Secretária do Departamento de Cardiologia da SBP, Prof a Adjunta da Faculdade de Medicina da UFMG. Referências Bibliográficas Vamos enfim descrever os critérios para SVD, SVE e SBV (sobrecarga biventricular): à SVD : Onda R > 15mm no primeiro ano de vida e maior que 10mm após essa idade analisada em V1. Gayler GC, Ongley P, Nadas AS. Relation of systolic pressure in the right ventricle to the electrocardiogram. N Engl J Med 1958; 258:979-82. à SVD: Um dos sinais mais precoces é onda R>S associada à onda T positiva em V1 após 72 horas de vida. Katz LN, Wachtel H. The diphasic QRS type of electrocardiogram in congenital heart disease . Am Heart J 1937; 13:202-6. à SVE: Onda S de V1 + R de V6 maior que 45mm com onda R em DI e R em V6 maior que 13mm associada à onda T achatada. Keith JD. Congestive Heart Disease. IN: Keith JD, Rowe RD, Vlads P, cols. Heart disease in infancy and chidhood. 3rd ed. New York, Mac Millan, 1975. à SBV: Evidencias de forças acentuadas dos dois ventrículos que mostraremos nos exemplos. Liebmarn J, Plonsey R. Electrocardiography. In: Moss AJ, Adams FH, Emmanovilides CG, cols : Heart disease in infants, children and adolescents. Baltimore: Willians & Wilkins, 1977; pp 20-23. EXEMPLO 01: Nadas AS, Fyler DC. History, physical examination, routine tests. Pediatric cardiology, 3rd ed. Phyladelphia, WB Saunders, 1972. Rudolph AM. In: Congenital disease of the heart: Clinical physiological consideration. New York, Futura Publishing Company, 2001. Van Bergen FH. Comparison of indirect and direct methods of measuring arterial blood pressure. Circulation 1954: 10: 48. Wasserburgen RH. The normal and abnormal unipolar electrocardiogram in infants and children. Baltimore: Williams & Wilkins, 1963; pp 64-100. Ano 9 - Jan/Fev/Março/2003 9 GASTROENTEROLOGIA Anormalidades orgânicas na dor abdominal recorrente na infância. Organic abnormalities in recurrent abdominal pain in children Stördal K, Nygaard EA, Bentsen B Acta Pediatr 2001; 90:638-42 INTRODUÇÃO O objetivo do estudo foi pesquisar a freqüência de anormalidades orgânicas em crianças com dor abdominal recorrente, utilizando novos métodos diagnósticos em gastroenterologia pediátrica (pHmetria esofágica, teste do hidrogênio no ar expirado, endoscopia digestiva alta, sorologia para pesquisa de doença celíaca e infecção pelo Helicobacter pylori e endoscopia digestiva alta). Foram incluídos no estudo 44 pacientes (idade entre dois e quinze anos, mediana de oito anos, 26 do sexo feminino e 16 masculinos) consecutivamente atendidos no Departamento de Pediatria de um Hospital Distrital da Noruega, com quadro de dor abdominal recorrente, caracterizada pela ocorrência de pelo menos três episódios de dor abdominal, com intensidade suficiente para interferir nas atividades habituais do paciente, sendo a duração da queixa superior a três meses. RESULTADOS A duração média dos episódios dolorosos foi igual a 154 ± 222 minutos, a localização predominantemente periumbilical (n=17; 39%) ou epigástrica (n=19; 43%). Nenhum paciente apresentava dor em queimação, mas sim do tipo cólica ou contínua. Vômitos e/ou regurgitação foram queixas associadas em 18 (41%) pacientes. O exame físico revelou a presença de massa fecal palpável no quadrante inferior esquerdo do abdome em quatro pacientes. Os exames laboratoriais incluindo hemograma, eletrólitos, provas de atividade inflamatória e função hepática não mostraram anormalidades dignas de nota. Das 44 crianças, 34 completaram o teste do hidrogênio no ar expirado após ingestão de 1g/kg de peso 10 Ano 9 - Jan/Fev/Março/2003 de lactose. Dez pacientes não realizaram o teste por se recusarem a ingerir toda a lactose oferecida durante o teste, sendo que 3/34 (9%) apresentaram aumento na excreção de hidrogênio no ar expirado e sintomatologia de intolerância durante o teste. Conclusão sobre a relação entre a má absorção e intolerância à lactose com a dor não pode ser estabelecida porque estes três pacientes além de terem excluído a lactose da dieta realizaram tratamento para doença do refluxo gastroesofágico ou para gastrite nodular do antro. Na pHmetria esofágica, o parâmetro utilizado para a caracterização da doença do refluxo gastroesofágico foi o índice de refluxo (percentagem do tempo com pH no esôfago distal menor do que 4,0 em relação à duração total do exame). Índice de refluxo superior a cinco por cento foi observado em nove (vinte e oito por cento) dos 36 pacientes que realizaram o exame. Dos 44 pacientes, oito não realizaram a pHmetria porque apresentaram desaparecimento da dor abdominal enquanto aguardavam agendamento deste procedimento. Dos nove pacientes com refluxo, cinco apresentaram completo desaparecimento da dor e dois melhora parcial durante a realização do tratamento do refluxo. Endoscopia digestiva alta foi realizada em seis pacientes: um apresentou gastrite antral e cinco esofagite. Esofagite foi encontrada em dois pacientes com refluxo e em três com pHmetria normal. Portanto, esofagite e/ou doença do refluxo gastroesofágico foi o diagnóstico primário em doze crianças. A sorologia para H. pylori foi positiva em três pacientes. Os três foram submetidos a endoscopia e em um foi caracterizada gastrite nodular do antro gástrico com cultura positiva para a bactéria (paciente mencionado no parágrafo anterior). Os autores estabeleceram os seguintes diagnósticos nos 44 pacientes: 55% sem achados orgânicos, 16% constipação, 22% refluxo gastroesofágico ou esofagite, 2% gastrite nodular de antro e intolerância a lactose, 5% refluxo gastroesofágico e intolerância a lactose. Posteriormente, foi proposta outra classificação de dor abdominal recorrente, redistribuindo as crianças com esta queixa em três categorias: ¨ Orgânica (aproximadamente 5% dos casos); ¨ Psicogênica (10% dos casos) e ¨ Disfuncional (85% dos casos). DISCUSSÃO Na Discussão, os autores ressaltam que a alta freqüência de causas orgânicas para a dor abdominal crônica recorrente, poderia ter sido devida ao fato do grupo estudado ter sido referenciado aos especialistas por sua maior gravidade, uma vez que o grupo estudado, correspondia a cerca de um por cento dos prováveis casos de dor abdominal recorrente na área de cobertura do hospital onde foi realizado o estudo. No entanto, os autores insistem que este fator de tendenciosidade não justificaria plenamente os achados indicativos de alta freqüência de causas orgânicas em pacientes com dor abdominal recorrente. Procuram transmitir uma mensagem sobre a importância dos novos métodos diagnósticos em gastroenterologia pediátrica na abordagem do paciente com dor abdominal recorrente, mas reconhecem que a gênese desta entidade envolve a interação de múltiplos fatores. COMENTÁRIOS A dor abdominal crônica recorrente constitui um dos motivos mais freqüentes de consulta pediátrica e em gastroenterologia pediátrica na faixa etária correspondente aos escolares. A dor abdominal recorrente de natureza psicogênica, em geral, ocorre em adolescentes maiores de doze anos e constitui uma reação de conversão inconsciente, conseqüente a um conflito psicológico associado a fator precipitante familiar. A dor abdominal disfuncional, por sua vez, parece resultar de quatro fatores que interagem com intensidade variável, mas, estão presentes na maioria dos pacientes: 1. Distúrbio funcional constitucional da motilidade intestinal; 2. Estilo de vida e hábitos; 3. Fatores ambientais atuando como fontes de tensão e estresse; 4. Temperamento associado a habilidade de resposta ao estresse, a tensão e ao limiar de percepção dolorosa. A participação de fatores biológicos e psico-sociais fundamenta modelos biopsicosociais para explicar a dor abdominal crônica recorrente disfuncional. Recentemente, no que ficou conhecido como critério de Roma, formulou-se a proposta de classificar a dor abdominal crônica recorrente disfuncional em três subgrupos: Praticamente, todos os livros e artigos sobre dor abdominal crônica recorrente na criança, mencionam o clássico artigo de John Apley & Nora Naish, publicado em 1958, que define dor abdominal recorrente como a ocorrência de pelo menos três episódios de dor, com intensidade suficiente para interferir nas atividades habituais do paciente, com duração da queixa superior a três meses. ¨ Dor abdominal recorrente disfuncional propriamente dita; Pelo menos três episódios de dor devem ter ocorrido nos últimos doze meses. A partir desta observação, foi proposta a classificação da dor abdominal recorrente em duas categorias: não-orgânica ou psicogênica incluindo cerca de 95% dos pacientes e os demais 5% como a dor sendo secundária a causas orgânicas. Dispepsia foi definida como a presença de dor abdominal ou desconforto na região epigástrica, na ausência de outras anormalidades, inclusive na endoscopia digestiva alta, subdividindo-as em: dispepsia úlcera-símile, na qual a dor epigástrica é em queimação, e dispepsia por dismotilidade, que se mani- ¨ Dor abdominal recorrente associada com dispepsia funcional e ¨ Dor abdominal crônica recorrente com hábito intestinal anormal (síndrome do intestino irritável). Ano 9 - Jan/Fev/Março/2003 11 festa por saciedade precoce, empachamento gástrico e náuseas. Na prática, nem sempre é possível catalogar o paciente em cada uma destas categorias, podendo encontrar-se, também, pacientes com sintomatologia compatível com mais de uma destas subdivisões. Um grupo de trabalho, participante do Congresso Mundial de Gastroenterologia Pediátrica, realizado em 2000 ressaltou que os critérios diagnósticos para síndrome do intestino irritável e dispepsia funcional devem ser motivo de validação na população pediátrica. Em função de que estas classificações recentes ainda não foram divulgadas e testadas de maneira a serem consagradas, na prática, muitos diagnosticam dor abdominal recorrente disfuncional sem as subdivisões mencionadas acima. No artigo aqui abordado, a coleta dos dados foi realizada entre 1997 e 1998, portanto, antes destas publicações (5,6). Os autores selecionaram a casuística de acordo com o critério de Apley & Naish (1958). Entretanto, utilizaram investigação diagnóstica que consideramos excessiva, por incluir na primeira abordagem eletrólitos, enzimas hepáticas, IgE total, sorologia para doença celíaca e H.pylori, teste respiratório com a lactose e pHmetria esofágica. A endoscopia digestiva alta também parece ter sido indicada em excesso neste grupo de pacientes. Em nossa opinião, conforme a conduta que tradicionalmente adotamos, indicamos para um paciente com dor abdominal crônica recorrente, inicialmente, os seguintes exames: hemograma com velocidade de hemossedimentação, análise de urina e cultura, parasitológico de fezes e radiografia simples de abdome. Ultrassonografia de abdome também pode ser realizada(4). Após a avaliação inicial, oferecemos atenção ao paciente e à família, contemplando todas as facetas biopsicossocias que podem estar presentes na vida de cada paciente. Com este procedimento constata-se que uma parcela considerável dos pacientes apresenta desaparecimento ou atenuação da sintomatologia sem o uso de qualquer medicação. Este aspecto, do ponto de vista científico, dificulta o estabelecimento de relação causa-efeito entre uma determinada conduta e a recuperação do paciente (por exemplo, mudanças na dieta, prescrição de antiácido por duas semanas, entre outras). Assim, no artigo norueguês, pode ser questionada a relação de causalidade entre os diagnósticos orgânicos estabelecidos e a dor. 12 Ano 9 - Jan/Fev/Março/2003 Os próprios autores ressaltam a impossibilidade, na sua casuística, de responsabilizar a deficiência ontogenética de lactase como causa de dor abdominal recorrente, uma vez que, seus pacientes apresentavam, também, refluxo gastroesofágico, tendo recebido tratamento para as duas condições. No estudo norueguês, foi observado 7% de má absorção (teste do hidrogênio no ar expirado) e intolerância (sintomas durante o teste) à lactose. O que esperar aqui no Brasil, onde a deficiência ontogenética de lactase apresenta maior prevalência. Outro dado não compatível com nossa experiência foi a ocorrência de intolerância em todos os pacientes com má absorção de lactose, segundo o teste do hidrogênio no ar expirado. Em geral, sintomatologia de intolerância no teste ocorre apenas em uma parcela dos casos (cerca de 10%) com má absorção ontogenética a lactose. Outra surpresa no estudo de Stördal e col. foi o diagnóstico de doença de refluxo gastroesofágico e/ ou esofagite em 10 (22%) dos 44 pacientes estudados. Ressalta-se que nenhum apresentava dor em queimação ou retroesternal. Todos apresentaram melhora com o tratamento, sem recidivas. O percentual de refluxo segundo a pHmetria esofágica prolongada em crianças com dor abdominal recorrente foi maior do que em pacientes com manifestações clínicas compatíveis com refluxo gastroesofágico (vômitos, regurgitações, asma brônquica, fibrose cística). De acordo, com os exames realizados em nossa Disciplina, pHmetria anormal foi caracterizada em 23% dos pacientes com queixas específicas de doença do refluxo gastroesofágico, valor semelhante ao encontrado no artigo em questão em pacientes com dor abdominal crônica recorrente, que não é considerada um manifestação de doença do refluxo gastroesofágico. Outro aspecto refere-se à caracterização de infecção pelo H. pylori por sorologia, que foi motivo de indicação de endoscopia digestiva alta. Não existem estudos que mostrem associação epidemiológica entre dor abdominal crônica recorrente e infecção com H. pylori. Neste estudo norueguês três pacientes apresentaram sorologia positiva para H. pylori (6,8%) sendo que na endoscopia de um deles se encontrou gastrite nodular de antro. No Brasil, a infecção pelo H. pylori atinge cerca de 30% da população pediátrica. Provavelmente, metade destas crianças apresenta nodularidade no antro gástrico. Como conduzir estes pacientes? Erradicar o H. pylori provavelmente não relacionado com a sintomatologia passa a constituir uma alternativa muitas vezes não evitável. O mesmo pode ocorrer se a endoscopia for indicada em todas crianças com dor abdominal recorrente. Provavelmente, um em cada cinco apresentará nodularidade de antro gástrico associada à infecção pelo H. pylori, especialmente quando for baixo o nível sócio-econômico do paciente. Não deve ser esquecido que a infecção pelo H. pylori, até onde vai nosso conhecimento, não predispõem nem protege a criança de apresentar dor abdominal recorrente disfuncional, que depende da interação de outros fatores. Ao que tudo indica, o amplo protocolo diagnóstico adotado pelos autores, conduziram ao estabelecimento de inúmeros diagnósticos não obrigatoriamente relacionados à dor abdominal recorrente. Este aspecto, parece ter tido maior relevância em sua casuística no que se refere ao refluxo gastro-esofágico ou as crianças norueguesas, apresentam alguma predisposição especial a este tipo de distúrbio com apresentação clínica atípica. Vale lembrar que na própria casuística do artigo em questão, oito dos 44 pacientes não realizaram a pHmetria esofágica porque apresentaram desaparecimento da dor abdominal enquanto aguardavam agendamento para este procedimento diagnóstico. Para finalizar, é importante ressaltar que para este grupo heterogêneo de crianças com dor abdominal recorrente, a abordagem de cada paciente deve ser individualizada. Orientação da família e do paciente constitui a principal estratégia terapêutica. É importante o estabelecimento de um diagnóstico positivo (como por exemplo dor abdominal recorrente disfuncional), mesmo que não seja definitivo, em vez de informar simplesmente que todos os exames subsidiários básicos (hemograma, análise de fezes e urina, radiografia simples e ultra-som abdominal) resultaram normais, deixando a impressão que por não ter sido identificada uma causa orgânica, trata-se de distúrbio psicológico ou psiquiátrico. Deve ser enfatizado que a dor é real e não mera simulação da criança. É necessário, também, identificar e procurar neutralizar fatores de tensão e estresse, não permitir que o paciente falte na escola pela dor abdominal e evitar atitudes que constituam reforço para a dor. Para os pacientes que persistirem com dor abdominal recorrente após a aborda- gem clínica e laboratorial inicial, a indicação dos outros exames deverá ser feita de forma criteriosa e individualizada. Tradução e comentários Dr. Mauro Batista de Morais Dra. Vera Lucia Sdepanian Dr. Ulysses Fagundes Neto Referências Bibliográficas Apley J, Naish N. Recurrent abdominal pains: a field survey of 1000 school children. Arch Dis Child 1958; 33:165-70. Bode G, Rothenbacher D, Brenner H, Adler G. Helicobacter pylori and abdominal symptoms: a population-based study among preschool children in southern Germany. Pediatrics 1998; 101:634-7. Hyams J, Colletti R, Faure C, Gabriel-Martinez E, Maffei HVL, Morais MB, et al. Functional gastrointestinal disorders: Working group report of the first World Congress of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition. J Pediatr Gastroeneterol Nutr 2002;35:S110-S117. Macarthur C, Saunders N, Feldman W. Helicobacter pylori, gastroduodenal disease, and recurrent abdominal pain in children. JAMA 1995; 273:729-34. Morais MB. Dor abdominal recorrente. In: Carvalho ES, Carvalho WB. Terapêutica e prática pediátrica. São Paulo, Atheneu, 1996. p. 223-5. Olson A. 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