23/07/2013 - Nevada Histórica no Sul do Brasil Entre os dias 22 e 23 de julho de 2013 a ocorrência de neve, fenômeno típico de latitudes extratropicais, foi registrada num grande número de municípios dos três Estados da Região Sul do Brasil. Em alguns lugares a neve é tão raramente registrada que o evento ocupou a primeira página de jornais. A capa do “Diário Catarinense” (Figura 1) mostra uma das mais impressionantes imagens que é da cidade de Florianópolis, que fica ao nível do mar, com a Serra do Tabuleiro, ao fundo, coberta por neve. Essa raridade de registro fotográfico ganhou destaque também em outros joronais: O Globo, Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo e em Zero Hora. Figura 1: Registro fotográfico da ocorrência de neve na Serra do Tabuleiro ao fundo da cidade de Florianópolis no dia 23 de julho de 2013. Fonte: Jornal “Diário Catarinense” Além da Serra do Tabuleiro, numa grande área do Estado de Santa Catarina houve registro de neve, em vários deles o acúmulo de neve foi significativo e causou prejuízos. O mapa da Figura 2 mostra os municípios com esse registro. Em alguns municípios houve relatos de mais de 30 cm de neve acumulada. Na cidade de Papanduva, no norte catarinense, houve prejuízos na agricultura e também em edificações, como por exemplo em telhados que não suportaram o peso da neve. Os prejuízos no município foram estimados pela prefeitura em 18 a 20 milhões (Fonte: g1.com.br). Figura 2: Municípios com registro de neve (94) no Estado de Santa Catarina. Fonte: EPAGRI-CIRAM. No Paraná, a chuva e depois a neve e a geada prejudicaram lavouras de trigo e café de acordo com o Departamento de Economia Rural do Paraná. Neste Estado a cidade de onde foram feitos os registros de nevada mais significativa foi Guarapuava. Abaixo uma foto da cidade coberta de branco. Figura 3: Foto da cidade de Guarapuava-PR. Fonte: Foto tirada por Ricardo Marin. A neve foi registrada também em Curitiba, capital paranaense, onde não havia registro oficial de neve desde 1975. A onda de frio também favoreceu registros históricos de temperatura. No Rio Grande do Sul, onde os registros de neve foram mais escassos, o destaque ficou por conta de temperaturas negativas como se pode notar na tabela abaixo. Destacam-se os valores negativos e também valores próximos de zero grau em Canoas que fica ao nível do mar. Tabela 1: Temperaturas mínimas mais baixas no Rio Grande do Sul no dia 24 de julho de 2013. Fonte: Metsul Meteorologia. A onda de frio também provocou registros históricos no Sudeste e no Norte do Brasil. Na capital paulista, a temperatura máxima de 8.7 ºC (Mirante de Santana- INMET) no dia 24 de julho foi a mais baixa da série histórica que teve início em 1961. Em Rio Branco-AC, de acordo com os dados do INMET, a última vez em que a temperatura foi menor, ou igual a 8°C em Rio Branco (como registrado no dia 24) foi em 07 e 08 de julho de 1989, ou seja, 24 anos antes. Na Região Centro-Oeste também houve registro de temperaturas muito baixas, inclusive com registro de chuva congelada na cidade de Paranhos-MS. A partir deste ponto faz-se uma análise da estrutura atmosférica peculiar que resultou no evento histórico. Inicia-se a análise pelo horário das 00:00Z do dia 23 de julho. Esse é o horário que mais se aproxima da maior parte dos eventos mais significativos de precipitação de neve entre o centro-norte catarinense e o centro-sul do Paraná. Figura 4: Análise sinótica da 00:00 GMT do dia 23 de julho de 2013. Na análise sinótica em superfície (Figura 4) nota-se a frente fria cruzando o continente, desde o Oceano Atlântico até o norte da Bolívia. O campo de pressão em superfície na mostra uma alta pressão pós-frontal ampla e continental de 1028 hPa, com valor máximo de 1032 hPa no noroeste da Argentina. Sobre a região atingida pela nevada entre SC e PR tem-se a isóbara de 1024 hPa (Figura 5), com ligeira curvatura ciclônica. Destaca-se a curvatura ciclônica da isóbara de 1020 hPa também sobre o Paraná, indicando a presença de um cavamento no campo de pressão naquela região. A espessura entre os níveis de 1000 e 500 hPa mostra valores em torno de 5520 mgp sobre a região de interesse, porém com forte gradiente, de forma que o mínimo é de 5280 mgp no oeste do RS. Na mesma região o vento a 10 metros se encontra de quadrante sul, com intensidade entre 5 e 10 kts. Figura 5: Análise da 00:00 GMT do dia 23 de julho de 2013 de pressão ao nível do mar (linhas amarelas), espessura 1000-500 hPa e barbelas de vento a 10m. Figura 6: Análise da 00:00 GMT do dia 23 de julho de 2013 no nível de 500 hPa das seguintes variáveis: altura geopotencial (linhas amarelas), temperatura (tracejado), omega e umidade relativa (sombreado). Na análise em níveis médios (Figura 6) nota-se que sobre a região onde nevou tem-se elevada umidade relativa, significativo levantamento (omega) e a temperatura entre -9 ºC e -12 ºC. Em altitude (Figura 7) nota-se a presença de um jato contornando um cavado com grande curvatura. Os máximos de vento do jato passam por sobre o norte do RS onde também nota-se divergência. Nota-se divergência também no norte de SC, onde também houve registro de queda significativa de neve. Outra característica que vale destacar é a inclinação do eixo do cavado para oeste que faz com que o jato, corrente acima do cavado, esteja com orientação bastante meridional sobre a Argentina. Essa orientação favorece a condução meridional do sistema. Figura 7: Análise da 00:00 GMT do dia 23 de julho de 2013 no nível de 250 hPa onde tem-se: isotacas (sombreado), barbelas de vento e divergência (sombreado – tons de verde). Quando analisa-se um evento de precipitação significativo não se pode deixar de analisar a instabilidade atmosférica. Dentre vários índices analisados para este evento, destaca-se o índice SWEAT que apresentou valores entre 270 e 300, o que indica condições favoráveis para tempo severo entre SC e o PR, conforme mostra a área sombreada em azul na Figura 8. Figura 8: Análise da 00:00 GMT do dia 23 de julho de 2013 dos índices K e SWEAT. Figura 9: Imagem de Radar com a intensidade da precipitação à 00:50 BRT (GMT -3) do dia 23 de julho de 2013. Fonte: SIMEPAR. A figura 9 mostra a intensidade da precipitação entre o norte catarinense e o Paraná em horário próximo das análises mostradas nas figuras anteriores. Nota-se um alinhamento da precipitação justamente sobre a área em que o índice SWEAT apresentou valores mais elevados. Figura 10: Campo atmosférico da análise da 00:00 GMT do dia 23 de julho de 2013 com as seguintes variáveis: umidade relativa média entre os níveis de 850 e 700 hPa (sombreado); isoterma de zero grau nos níveis de 850 hPa (vermelho) e 700 hPa (rosa); levantamento em 700 hPa (sobreado - *10^3). A figura 10 mostra que na mesma faixa onde, na figura 7 há elevados valores de índice SWEAT e na figura 8 há precipitação intensa, tem-se umidade acima de 90% entre os níveis de 850 e 700 hPa, combinados com significativos valores (-0.009 hPa/s) de levantamento no nível de 700 hPa. Além disso, as isotermas de zero grau em 700 e também de 850 hPa cruzam a mesma área. Percebe-se, portanto, uma clara combinação de umidade e levantamento de ar numa atmosfera bastante fria. As hodógrafas dos perfis atmosféricos no leste (Curitiba – Figura 11) e no oeste (Foz do Iguaçú – Figura 12) mostram forte cisalhamento do vento. Isso sugere que a instabilidade atmosférica (SWEAT) teve grande contribuição do jato em altos níveis. Figura 11: Sondagem atmosféricas da 00:00 GMT do dia 23 de julho de 2013 no aeroporto de Curitiba PR(SBCT). Fonte: MASTER-IAG-USP. Figura 12: Sondagem atmosféricas da 00:00 GMT do dia 23 de julho de 2013 no aeroporto de Foz do Iguaçú-PR (SBFI). Fonte: MASTER-IAG-USP. Outra característica que merece destaque é a diferença da profundidade do ar frio entre as duas sondagens. Enquanto em Curitiba (Figura 11) o ar frio havia penetrado de forma mais rasa até aproximadamente 800 hPa, em Foz do Iguaçú (Figura 12) a camada de inversão aparece mais para cima, em torno do nível de 700 hPa. Essa diferença ilustra bem a inclunação da superfície frontal sobre o Estado do Paraná e indica também que a parte mais fria do sistema está no interior do continente. Figura 13: Corte vertical de temperatura potencial equivalente (sobreado) e do vento (isotacas – kts contorno) da análise da 00:00 GMT do dia 23 de julho de 2013 entre Buenos Aires (esquerda – SABE) e Curitiba (direita – SBCT). Uma visão mais completa e abrangente do ar frio pode ser obtida com um corte vertical da temperatura potencial equivalente. Na figura 13 tem-se este corte entre a cidade de Buenos Aires (SABE) e Curitiba (SBCT). Em primeiro lugar destaca-se a inclinação da superfície frontal que sobre Curitiba se encontra em torno de 800 hPa (também identificado na sondagem da figura 11) e sobe em direção ao sul até uma significativa profundidade em torno de 300 hPa sobre Buenos Aires. Além da grande profundidade do ar frio, também se destacam os valores de temperatura potencial equivalente abaixo de 290 K até cerca de 700 hPa sobre uma grande extensão. Uma outra característica marcante da atmosfera na figura 13 é a presença de um jato com máximo de ventos maior que 150 kts localizado entre os níveis de 300 e 200 hPa. Além de intenso, o jato é também muito profundo de maneira que a isotaca de 70 kts que limita a borda do jato se estende até o nível de 700 hPa próximo a Curitiba. As análises da estrutura e dinâmica atmosférica aqui realizada evidencia um padrão de forte instabilidade atmosférica que favorece a convecção profunda devido ao intenso cisalhamento vertical do vento. Essa atmosfera instável também se apresenta muito fria e úmida, combinação essa que explica os registros históricos de neve em Santa Catarina e no Paraná. Elaborado pelo meteorologista Giovanni Dolif com apoio do Grupo de Previsão de Tempo (GPT) do CPTEC-INPE.