Evento extremo de chuva no dia 06 de abril de 2012

Propaganda
Evento extremo de chuva no dia 06 de abril de 2012 em Teresópolis-RJ
Entre o final da tarde e início da noite de sexta-feira do dia 06/04/2012, chuvas torrenciais
atingiram algumas localidades da Região Serrana do Rio de Janeiro, atingindo principalmente o
município de Teresópolis, onde cinco pessoas morreram em decorrência de deslizamentos de
terras. Houve rápida elevação das cotas dos rios na região, provocando transbordamento e
alagamentos em várias partes de Teresópolis e Nova Friburgo. De acordo com a estação de
Comari (INEA), localizada em Teresópolis, choveu cerca de 230 mm em quatro horas, enquanto
que a estação automática do INMET aferiu 245 mm. Fazendo uma comparação com outros
eventos meteorológicos extremos, no episódio do dia 12 de janeiro de 2011, quando houve a
maior catástrofe natural da história do Brasil, com mais de 800 mortes, a estação automática
(INMET) de Nova Friburgo registrou 182,8 mm em 24 horas. Já no caso do dia 2 de abril de
1978, o acumulado de chuva diário na estação convencional de Teresópolis, desativada em
1980, chegou a 220 mm. Portanto, os volumes de chuva observados no presente evento já
superam os anteriores, podendo ser considerada a maior quantidade de chuva registrada na
história da região serrana do RJ. As Figura 1 e 2 mostram o acumulado de chuva e os
alagamentos no município de Teresópolis, respectivamente.
Figura 1: Acumulado de chuva observado na estação de Comari, em Teresópoli-RJ. Fonte: INEA
Figura 2: Alagamentos em Teresópolis-RJ na noite do dia 06/04/2011
A sequência de imagens de satélite (Figura 3) mostra o desenvolvimento das nuvens
convectivas sobre Sudeste, atingindo os estados do RJ e MG, com temporais isolados,
incluindo a capital Belo Horizonte, que teve registro de granizo e árvores derrubadas em razão
das fortes rajadas de vento. Nota-se a presença de nuvens bastante carregadas sobre a região
serrana do RJ, com topos de temperaturas entre -60C e -70C, indicativo do intenso
desenvolvimento vertical.
Figura 3: Imagens do satélite GOES-12 no canal infravermelho (realçada), referente às 16Z,
17Z, 18:30Z, 20Z, 21Z e 22Z do dia 06/04/2012.
Para entendermos a causa das chuvas extremas no RJ é interessante analisar o ambiente
sinótico. Na carta de superfície (Figura 4a) observa-se uma frente fria no Atlântico, com um
cavado prolongando-se em direção ao estado do RJ. Embora este sistema tenha tido um
deslocamento oceânico, sua presença intensificou a convergência de umidade sobre áreas do
estado fluminense. A carta de 850 hPa (Figura 4b) mostra isso, com um cavado estendendo-se
até o estado de MG. Em nível médio (Figura 4c), observa-se o cavado frontal sobre o oceano,
enquanto que em 250 hPa (Figura 4d) aparece um forte escoamento difluente entre o RJ e
MG.
(a)
(b)
(c)
(d)
Figura 4: Cartas sinóticas de (a) superfície, (b) 850 hPa, (c) 500 hPa e (d) 250 hPa da 00Z do dia
07/04/12, elaboradas pelo Grupo de Previsão de Tempo do CPTEC/INPE.
A Figura 5a mostra a presença de uma massa de ar muito úmida em superfície, com
temperatura do ponto de orvalho em torno de 24C entre o RJ, norte de SP e centro-sul de MG.
Na Figura ao lado é possível notar nitidamente a convergência dos ventos direcionada entre o
Atlântico e o RJ, associada com o sistema frontal sobre o oceano. O escoamento perpendicular
a costa do RJ permitiu o contínuo fluxo de umidade do oceano para o interior do estado.
(a)
(b)
Figura 5: Análise do modelo GFS das 18Z do dia 06/04/12. (a) Temperatura do ponto de
orvalho em 1000 hPa (linha preta) e água precipitável (até 60); (a) Espessura em 1000-850 hPa
(linha tracejada), vento e convergência de umidade em 1000 hPa.
Para complementar esta avaliação, é interessante analisarmos o grau de instabilidade
atmosférica, deteminado a partir da análise de índices, baseados no perfil vertical da
temperatura e umidade. Inicialmente, nota-se uma ampla área com valores em torno de -4 de
lifted (Figura 6a) sobre parte do Sudeste, inclusive com valores inferiores a -6 sobre o centro
de MG. O índice K(Figura 6b), que cresce com o aumento do gradiente vertical de
temperatura, associado também com o conteúdo de umidade na camada mais baixa, esteve
elevado e próximo a 40 entre a região serrana do RJ e MG. O Total Totals (Figura 6c) esteve
acima de 45 nas áreas atingidas, que também indica instabilidade associada à taxa vertical de
temperatura. Por último, percebe-se valores elevados de CAPE (Figura 6d), variando entre
2000 e 2500 J/kg, energia suficiente para desencadear intensos movimentos verticais
ascedentes.
(a)
(b)
(c)
(d)
Figura 6: Análise do modelo GFS das 18Z do dia 06/04/12. (a) umidade relativa média na
camada 850/500 hPa (sombreado) e lifted (contorno); (b) sweat (sombreado) e K (contorno);
(c) VT (sombreado), CT (contorno), TT>45 (branco), TT>50 (vermelho); CAPE (sombreado) e
CINS (contorno).
Figura 7: Campo de pressão (linha preta) da 00Z do dia 07/04/12 e acumulado de precipitação
(sobreado) entre 12Z dos dias 06 e 07/04/12.
Para finalizar, a Figura 7 apresenta o acumulado de precipitação previsto por diferentes
modelos numéricos, regionais e globais, com 24 horas de antecedência. Nota-se que nenhum
deles previa volumes significativos de chuva para a região atingida, mostrando valores
inferiores a 30 mm. Esse resultado mostra mais um exemplo da limitação da previsão
numérica de tempo, já que os modelos se mostraram incapazes em demonstrar, através do
campo de chuva, indicativos da possibilidade de um evento extremo de chuva.
Do ponto de vista operacional, a previsão desse tipo de evento ainda representa um desafio
enorme para a meteorologia e de grande importância para os tomadores de ações preventivas
à população, como a Defesa Civil. O uso de modelos numéricos, aliado à experiência do
meteorologista previsor, permitiu que fosse enviado com antecendência um aviso
meteorológico para chuva forte, porém somente com a utilização de radares, redes mais
densas de observações e maior conhecimento das condições locais, permitirão reduzir os
danos causados por este tipo de evento. Neste caso, a orografia singular da região foi
determinante para o enorme volume de chuva, uma vez que reforçou o mecanismo de
levantamento na região.
Elaborado pelo Meteorologista Henri Rossi Pinheiro
Grupo de Previsão de Tempo do CPTEC/INPE
Download