Chuvas intensas e acumulados significativos causam prejuízos e mortes no Rio de Janeiro em abril de 2010 A partir da tarde e noite do dia 5 de abril de 2010 a cidade do Rio de Janeiro (RJ) começou a ser castigada por chuvas fortes, acompanhadas de ocasionais trovoadas e rajadas de vento que atingiram valores próximos aos 75 Km/h. As chuvas persistiram durante o dia seguinte (06/04), provocando grandes transtornos e impactos significativos na população. Em várias localidades da cidade os acumulados diários de chuva têm ultrapassado os 150 mm, valor que representa mais do valor esperado para o mês de abril. Este valor anômalo de chuva provocou danos matérias e inclusive perdas de vidas humanas. O evento meteorológico extremo foi provocado pela combinação de dois fatores meteorológicos principais: a aproximação e chegada de uma frente fria de moderada intensidade e a presença de uma massa de ar quente, úmida e instável. As chuvas mais fortes aconteceram antes da chegada do sistema frontal, situação conhecida com atividade pré-frontal. Neste caso particular do RJ, a frente fria deslocou-se diretamente do sul do continente chegando a Santa Catarina (SC) durante o dia 4. A partir desta data, o ar frio começou avançar um pouco mais rápido para norte devido à formação de um ciclone extratropical no oceano Atlântico. Este ciclone foi gerado mediante o avanço de um cavado na troposfera média e alta que favoreceu a incursão de ar mais frio nestes níveis atmosféricos. Assim, o ar ficou mais instável sobre grande parte de São Paulo (SP) e RJ favorecendo a intensificar as chuvas sobre estes Estados. Utilizando-se ferramentas operacionais objetivas elaboradas a partir das saídas dos modelos numéricos de previsão de tempo foi possível prognosticar, com antecedência, a referida condição adversa de tempo, sendo assim, foi possível elaborar avisos meteorológicos de chuva intensa e emiti-los à Defesa Civil Nacional 48 horas antes da ocorrência do evento. Análise Nota-se, na carta de superfície (Figura 01), a presença de um ciclone com pressão de 1007 hPa sobre o Atlântico, posicionado em torno de 33S/36W. Este sistema tem associado uma frente fria que atua, principalmente, sobre o Atlântico até o sul do RJ e sul de MG. A partir deste ponto ela continua penetrando por sobre o norte de SP, sul de GO, MT, norte de RO e leste do AC como frente estacionária. Este sistema frontal não foi tão intenso, no entanto, sua presença e interação com a massa quente, úmida e bastante instável, presente há dias sobre o Sudeste do Brasil, foi suficiente para desencadear atividade pré-frontal intensa e, após sua passagem, continuar advectando umidade e massa do oceano para o litoral dos Estados do RJ e de SP. Este padrão de vento sobre a faixa leste da Região Sudeste favoreceu a continuidade da instabilidade e das chuvas sobre estas áreas, mesmo com a circulação anticiclônica, na retaguarda do sistema frontal, estando relativamente perturbada podese observar o padrão de ventos do quadrante leste/sudeste atingindo a costa destes dois Estados. Figura 01 – Carta sinótica em superfície do dia 06/04/2010 às 00Z, elaborada pelo CPTEC/INPE. Na troposfera média (Figura 02) nota-se um padrão de circulação ciclônico e bastante baroclínico predominando sobre grande parte do centro-sul do Brasil. Este comportamento está associado à presença de um amplo cavado cujo eixo estende-se entre o norte da Argentina, sul do Paraguai, cruza a faixa centro-norte do RS prosseguindo pelo Atlântico adjacente. Este sistema, que pode ser observado tanto no campo de linha de corrente quanto no campo de altura de geopotencial, provoca bastante levantamento na coluna atmosférica intensificando, desta forma, a convergência de umidade e a convecção nas camadas mais baixas da troposfera sobre parte do Sudeste do país. O cavado neste nível ajuda a advectar uma massa de ar relativamente mais fria com temperaturas variando entre -6C e -9C, neste nível. A presença do sistema frontal, descrito anteriormente em superfície, e o comportamento dinâmico na camada média indicavam uma condição potencialmente favorável a ocorrência de tempo severo sobre algumas áreas do Brasil, especialmente sobre o Sudeste onde a massa quente e úmida encontrava-se mais intensa Figura 02 – Carta sinótica em 500 hPa do dia 06/04/2010 às 00Z, elaborada pelo CPTEC/INPE. Analisando a carta sinótica de altitude (Figura 03) nota-se a presença do cavado cujo eixo estende-se pelo sul do Paraguai, faixa norte do RS estendendo-se pelo Atlântico adjacente. Observa-se que este cavado é contornado pelo Jato Subtropical (linha vermelha), que se acopla ao Jato Polar Norte (linha laranja) sobre o Atlântico. Estes máximos de vento dão suporte dinâmico ao sistema frontal descrito em superfície. Nota-se, a norte da borda equatorial do Jato Subtropical, um padrão de escoamento bastante difluente sobre MS, SP, MG e parte do RJ. Este comportamento dinâmico gera divergência neste nível que, consequentemente, causa convecção nas camadas mais baixas da troposfera. Desta forma, o levantamento sobre estes Estados é fortalecido pelo comportamento descrito em altitude. Figura 03 – Carta sinótica em 250 hPa do dia 06/04/2010 às 00Z, elaborada pelo CPTEC/INPE. Na figura abaixo (Figura 04), pode-se avaliar que as temperaturas estavam relativamente elevadas sobre parte do Sudeste do Brasil. No horário das 00Z do dia 06 as temperaturas variavam entre 20C a 28C entre o sul de MG, Vale do Paraíba em SP e sobre o RJ. Desta forma, as temperaturas, relativamente mais elevadas neste nível, além de favorecer o levantamento, ao interagirem com temperaturas relativamente mais baixas, nos níveis mais altos, ajudam a elevar os índices de instabilidade sobre parte da Região Sudeste. Deixando a atmosfera potencialmente favorável a ocorrência de tormentas severas. O anticiclone pós frontal, indicado pelas linhas de pressão, indicavam um padrão de vento favorável a advecção de umidade e massa se deslocando do Atlântico para o leste de SP e também do RJ. Figura 04 – Campo de temperatura em 1000 hPa (colorido) e campo de pressão ao nível do mar no dia 06/05/2010 às 00Z. Observam-se na Figura 05, valores significativos de água precipitável, acima de 30 mm em grande parte de SP e, acima de 40 mm sobre MG e RJ. Os valores de temperatura do ponto de orvalho (Td) também se mantinham elevados variando entre 21C e 24C e ventos do quadrante sudeste sobre a faixa litorânea da Região Sudeste. Novamente observamos condições favoráveis a alimentação de forte instabilidade sobre parte dos Estados de SP, RJ e MG. Figura 05 – Campo de água precipitável em mm (colorido), campo de temperatura do ponto de orvalho (Td) e vento em 1000 hPa no dia 06/05/2010 às 00Z. O reflexo de todo o comportamento sinótico descrito, anteriormente, ao longo da coluna troposférica, seja com fatores dinâmicos quanto termodinâmicos resultaram na intensificação de alguns índices de instabilidades. Na Figura 06, nota-se que os valores de Sweat ficaram acima de 300 sobre grande parte do centro-leste do Estado de SP e sobre algumas áreas do centro-sul do RJ, inclusive sobre as capitais. Este índice está relacionado ao forte cisalhamento vertical do vento provocado pela intensa baroclinia observada sobre a Região e indica forte condição dinâmica e termodinâmica. Valores elevados, acima de 250, indicam condição favorável a ocorrência de tormentas, que podem ser severas acima de 300. Nota-se também, valores significativos de índice K, em torno de 35 sobre parte do RJ, do Vale do Paraíba em SP, sule leste de MG. Este índice está associado a fatores termodinâmicos (T850-T500) + Td850 – (T700-Td700), onde: T850 = Temperatura em 850 hPa (em Celsius) T500 = Temperatura em 500 hPa (em Celsius) Td850 = Temperatura do ponto de orvalho em 850 hPa (em Celsius) T700 = Temperatura em 700 hPa (em Celsius) Td700 = Temperatura em 700 hPa (em Celsius) Quanto maior este valor, maior será a instabilidade e a possibilidade para a formação de tormentas. Valores entre 20 a 25 já indicam a chance de formação de tempo severo, mesmo que de forma localizada. Figura 06 – Campo dos índices de instabilidade Sweat (colorido) e K (linhas) no dia 06/05/2010 às 00Z. Analisando todo o comportamento descrito anteriormente, pode-se inferir que as fortes chuvas e os acumulados significativos diários superiores a 100 mm, que ocorreram sobre parte do Sudeste do Brasil e que ocasionaram alagamentos, deslizamentos de terra, transtornos, prejuízos e, principalmente, a perda de vidas humanas, inclusive na capital Fluminense e cidades da região metropolitana, entre os dias 05 e 05 de abril de 2010, foram provocadas pela combinação de uma forte componente dinâmica interagindo com o intenso padrão termodinâmico presentes sobre esta parte do Brasil. Elaborado por Olivio Bahia do Sacramento Neto