o debate do serviço social brasileiro acerca do trabalho

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O DEBATE DO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO ACERCA DO TRABALHO
INFANTIL
Vanessa Juliana da Silva Santos*
INTRODUÇÃO: Com a promulgação da Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), sob o paradigma da “proteção integral”, crianças e adolescentes
passam a ser vistos como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, portadoras
de direitos, prioridade absoluta da família, da sociedade e do Estado. Conforme previsto
na CF de 1988, art. 227, e regulamentado pelo ECA, toda criança e adolescente tem
direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e
comunitária, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à profissionalização e à proteção
no trabalho. Visando sua garantia, no artigo 5º, o ECA adverte que
Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
punido na forma de lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais.
Todavia, passados 15 anos da promulgação da referida lei, um contingente significativo de
crianças e adolescentes brasileiros tem seus direitos fundamentais violados e é submetido a
variadas formas de violência, dentre as quais destaca-se a exploração da força de trabalho
infantil.
Operadores de políticas sociais básicas, de assistência social e especiais, os assistentes
sociais, vinculados a organizações governamentais e não-governamentais, têm se
deparado com esta realidade. Diante disto, visando o compromisso com a ampliação e
consolidação da cidadania, com a qualificação dos serviços e com o aprimoramento
*
Assistente Social, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política – UFSC e
Professora do Curso de Serviço Social da UFSC.
intelectual, o serviço social brasileiro tem ampliado sua presença nos estudos acerca
destas questões, bem como, do ser e fazer profissional frente às diversas expressões da
questão social, às contradições que permeiam a vida em sociedade, entre outros. Grande
parte destes estudos tem sido socializada nos eventos promovidos pela categoria.
É sobre esta produção que pretendemos abordar no decorrer do texto, objetivando
realizar um levantamento do debate do Serviço Social brasileiro sobre o trabalho
infantil.
METODOLOGIA: Elegemos como marco histórico a promulgação da Lei 8.069/90 –
Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe sobre a proteção integral da criança e
do adolescente, e da Lei 8.742/93 – Lei Orgânica da Assistência Social, que objetiva,
dentre outros, a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice.
Desta forma, foram mapeadas as comunicações publicadas nos VIII, IX, X e XI
Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais, realizados após a promulgação das
referidas leis.
Na atualidade, o CBAS constitui-se o mais importante fórum da categoria. Organizado
pelo conjunto CFESS/CRESS, ABEPSS/ENESSO1, tem por objetivo propiciar o
aprofundamento ético-político, teórico-metodológico e técnico-operativo do Serviço
Social, oportunizando a qualificação, a troca de experiências e o aprendizado coletivo.
A fim de viabilizar o levantamento junto aos anais dos referidos congressos, foram
estabelecidos critérios de inclusão: trabalhos inscritos no eixo “educação, infância e
juventude” ou outros eixos, cujo conteúdo, no primeiro caso, e os títulos, nos primeiro e
segundo casos, trouxessem os termos “criança e trabalho”, “trabalho infantil” ou
similares, e o tema gerador da discussão fosse o “trabalho infantil”.
RESULTADOS: O emprego da força de trabalho da criança é uma prática social
verificada desde as sociedades primitivas. Todavia, naquela época, o trabalho da criança
era entendido como elemento de sociabilidade e exercido de acordo com sua condição
1
Conselho Federal de Serviço Social/Conselhos Regionais de Serviço Social/Associação Brasileira de
Ensino e Pesquisa em Serviço Social/Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social.
de pessoa em desenvolvimento. Foi na modernidade, desde a primeira metade do século
XIX - com o advento da grande indústria - visando à obtenção de maior produtividade e
lucratividade, que o emprego da força de trabalho de crianças foi amplamente difundido.
Desde então, o trabalho da criança transformou-se numa das mais cruéis expressões da
questão social.
O filme “Daens: um grito de justiça” é revelador desta situação. Narra a história verídica
de um padre que se engaja nas lutas operárias do final do século XIX, na cidade de
Aalst, na Bélgica. Como outras cidades européias da época, Aalst enfrentava a crise de
superpopulação urbana, proliferação da miséria, fome, criminalidade e prostituição. A
abordagem do modo de produção instituído nas grandes cidades pelo capitalismo
industrial, sobretudo nas fábricas de produção têxtil, revela as condições precárias a que
eram submetidas mulheres e crianças, com jornada de trabalho superiores a quatorze
horas, chegando a dezesseis horas por dia, sem direito a descanso, com péssimas
condições de higiene e segurança, baixa e quase inexistente remuneração, além das
mutilações e mortes (principalmente de crianças) em função da fome, cansaço e falta de
segurança das máquinas.
A realidade acima exposta não era exclusiva da Europa e do século XIX. No Brasil,
adentrou os séculos XX e XXI, embora desde as últimas décadas do século XX se
observe a elaboração de legislações dos direitos da criança e do adolescente, entendidos
como sujeitos portadores de direitos, vetando o trabalho de crianças e de adolescentes
menores de 16 anos.2
Hoje em dia, devido aos mecanismos legais de proteção, não é muito comum a presença
de crianças e adolescentes incapazes para o trabalho nas grandes fábricas e conjuntos
industriais. Isto não quer dizer que estejam livres da exploração da sua força de trabalho.
Grande parte das fábricas e indústrias adotou o chamado “trabalho em domicílio”, ou
seja, os trabalhadores produzem suas cotas em suas próprias casas e a exploração da
2
A Constituição Federal de 1988, art. 7º, XXXIII, por meio da emenda constitucional nº 20, de 1998,
proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e qualquer trabalho a
menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
força de trabalho infantil se dá pelos próprios familiares. No campo também se observa
a exploração da força de trabalho infantil por familiares ou não, agricultores, produtores
para as pequenas, médias e grandes indústrias. Olarias e carvoarias também são grandes
exploradoras da força de trabalho infantil, expondo a criança e o adolescente ao trabalho
pesado, ao calor dos fornos, à fuligem do carvão, acarretando sérios problemas de saúde.
Nas grandes cidades, crianças das mais variadas idades trabalham como engraxates,
vendedores ambulantes, carregadores de mercadorias, lavadores de carros, limpadores
de pára-brisas, além disso, a prostituição infantil figura como uma das faces mais cruéis
do trabalho infantil.
De um modo geral, a história da exploração do “trabalho infantil” está diretamente
ligada ao modo de produção capitalista e à infância empobrecida. São crianças oriundas
de famílias de baixo poder aquisitivo, cujos membros, porventura, estejam
desempregados ou exercendo atividades no chamado “mercado informal”. São famílias
para as quais as políticas sociais têm se mostrado insuficientes dado o acirramento das
desigualdades sociais e a fragilidade do sistema de proteção social brasileiro, cunhado
pela seletividade, focalização e residualidade.
O debate sobre o trabalho infantil tem sido fomentado por diversas categorias
profissionais. Interessa-nos, por ora, a discussão do Serviço Social acerca desta
temática. De acordo com os procedimentos descritos na “metodologia”, identificamos
04 trabalhos no VIII CBAS, 03 no IX CBAS, 12 no X CBAS e 17 no XI CBAS.
Quanto ao conteúdo, 08 (22,8%) versaram sobre o cotidiano de crianças e adolescentes
em situação de “trabalho infantil”, sendo 01 sobre a exploração sexual comercial de
crianças e adolescentes; 06 (17,1%) sobre a categoria “trabalho infantil” (ensaios
teóricos); 08 (22,8%) sobre atenção/proteção às crianças em situação de “trabalho
infantil”, sendo 01 sobre atenção a crianças e adolescentes em situação de exploração
sexual comercial; e 13 (37,1%) sobre assessoria, monitoramento e avaliação do
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil-PETI.
Os autores são unânimes na compreensão do “trabalho infantil” associado ao exercício
de atividades desqualificadas, às situações de exploração, à exclusão dos direitos
básicos, à baixa escolarização, à defasagem do processo de aprendizagem, à evasão
escolar, ao analfabetismo, enfim, algo que suprime o direito da criança e do adolescente
ao pleno desenvolvimento físico, psíquico, moral e social.
CONCLUSÕES: Crianças e adolescentes constituem o público alvo das políticas
sociais, locus privilegiado de atuação dos assistentes sociais. Os trabalhos apresentados
sobre este grupo nos VIII (33 comunicações), IX (53 comunicações), X (80
comunicações)
e
XI
(92
comunicações)
CBASs
cresceram
quantitativa
e
qualitativamente, demonstrando que, cada vez mais, o Serviço Social brasileiro tem
posto em pauta as questões afetas à criança e ao adolescente.
Este levantamento aponta lacunas que demandam maior atenção da categoria no que diz
respeito às expressões do “trabalho infantil” doméstico, no meio rural, e à exploração
sexual comercial de crianças e adolescentes.
A discussão sobre o trabalho infantil, pelo Serviço Social, mostra-se fundamental no
processo de identificação das contradições que permeiam a vida em sociedade e para a
apreensão da cotidianidade de meninos e meninas que têm sua infância roubada pela
inserção precoce no mercado de trabalho. É imprescindível dar “um passo à frente” no
que tange à realização destes estudos, ultrapassar a “simples descrição” do cotidiano,
ou, de programas de atenção, dando centralidade ao “trabalho infantil” enquanto
expressão da questão social, que deve ser discutida, analisada, enfrentada (com
propostas concretas) e erradicada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de
outubro de 1988. 16 ed., atualizada e ampliada – São Paulo: Saraiva, 1997.
BRASIL. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14
de julho de 1990.
CFESS/ABEPSS/ENESSO. Anais do VIII Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais.
Bahia, 1995.
CFESS/ABEPSS/ENESSO. Anais do IX Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais.
Goiânia, 1998.
CFESS/ABEPSS/ENESSO. Anais do X Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais.
Rio de Janeiro, 2001.
CFESS/ABEPSS/ENESSO. Anais do XI Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais.
Fortaleza, 2004.
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