SEMINÁRIO 2 – HIPERTENSÃO ARTERIAL Por Carolina Isidoro A pressão arterial é a força exercida pelo sangue sobre as paredes dos vasos. O debito cardíaco e a resistência periférica são dois dos vários determinantes da PA. O DC é o volume sistólico x FC; o volume sistólico é determinado pela contratilidade do miocárdio e tamanho do compartimento vascular. Já a resistência periférica depende das alterações funcionais e anatômicas dos vasos. PA = DC x RVP Clinicamente, a hipertensão pode ser definida como o nível de PA no qual a instituição da terapia reduz as morbidades e mortalidade relacionadas com a pressão arterial. Os critérios clínicos atuais para definir hipertensão geralmente baseiam-se na média de duas ou mais aferições da pressão na posição sentada durante duas consultas ambulatoriais (duas aferoções em cada consulta) ou mais. O risco de doença cardiovascular dobra para cada aumento de 20mmHg na pressão sistólica e 10mmHg na pressão diastólica. A pressão arterial tende a ser mais alta nas primeiras horas da manhã, logo após o despertar, do que em outras horas do dia. O IAM e o AVC são mais freqüentes nas primeiras horas da manhã. As PA noturnas geralmente são 10 a 20% mais baixas dos que as pressões arteriais do dia, e uma “queda” da PA noturna atenuada está associada a um aumento do risco de doença cardiovascular. Aproximadamente 15% a 20% dos pacientes com hipertensão do estágio 1 com base nas pressões aferidas no consultório apresentam a hipertensão do jaleco branco. Em casa, durante as atividades habituais, os níveis pressóricos desses indivíduos estão dentro da normalidade, mas o estresse proporcionado pela visita ao médico faz com que a pressão esteja elevada nas consultas. Para eliminar essa hipótese é necessário fazer um mapa da PA. Volume intravascular O sódio é predominantemente um íon extracelular, sendo um determinante primário do volume líquido do meio extracel. Quando a ingestão da NaCl excede a capacidade do rim de excretar sódio, o volume vascular inicialmente se expande e o DC aumenta. Entretanto, muitos leitos vasculares são capazes de auto-regular o fluxo sangüíneo através do aumento da resistência, logo aumentando a PA. Sendo assim, ao aumentar o volume vascular inicialmente a PA aumenta devido ao aumento do DC, mas em seguida o DC volta ao normal e a PA alta ocorre devido ao aumento da RVP. À medida que a pressão aumenta em resposta a uma alta ingestão de NaCl, a excreção urinária de sódio aumenta, e o equilíbrio de sódio é mantido à custa de um aumento da PA. O mecanismo para este fenômeno “pressão-natriurese” pode envolver um aumento sutil da taxa de filtração glomerular, redução da reabsorção tubular e fatores hormonais, como secreção de peptídeo natriurético atrial. A hipertensão dependente de NaCl pode ser conseqüência da redução da capacidade renal de excretar sódio gerando aumento da volemia ou aumento da produção de mineralocorticóides. Sistema nervoso autônomo Os reflexos adrenérgicos modulam a PA durante curto prazo, e a função adrenérgica em harmonia com os fatores hormonais e com a volemia regulam a PA a longo prazo. 1 Existem os receptores α, mais ativados pela norepinefrina, e os receptores β, mais ativados pela epinefrina. Os receptores α1 estão presentes no músculo liso e promovem vasoconstrição enquanto o α2 é responsável pelo feedback negativo inibindo a liberação de mais catecolaminas. O subtipo β1 promove aumento do DC através do aumento da contratilidade do miocárdio e também pela liberação de renina e o subtipo β2 é responsável por bronco e vasodilatação. Esses receptores podem sofrer upregulation ou down-regulation. Barorreceptores presentes no seio carotídeo e no arco aórtico aumentam a freqüência de disparo quando há aumento da PA, e o efeito geral é uma redução do fluxo simpático, resultando em reduções da PA e FC. Este é um mecanismo primário para o tamponamento rápido das oscilações agudas da PA. O feocromocitoma é o exemplo mais obvio de hipertensão relacionado com aumento da produção de catecolaminas. Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona (SRAA) O SRAA contribui para manutenção da PA através das propriedades vasoconstritoras da angiotensina II e das propriedades retentoras de sal da aldosterona. A maior parte da renina na circulação é sintetizada no segmento da arteríola aferente renal (células justaglomerulares) que se encontra ao lado do glomérulo e um grupo de células sensoriais localizadas na extremidade distal da alça de Henle, a mácula densa. Há três estímulos primários para secreção de renina: transporte reduzido de NaCl no ramo ascendente espesso da alça de Henle, redução da pressa ou estiramento na arteríola aferente renal e estimulação do sistema nervoso simpático das células secretoras de renina e via adenorreceptores β1. Alguns fatores hormonais também atuam nessa liberação, a angiotensina II, por exemplo, faz um feedback negativo inibindo a secreção de renina. A renina ativa cliva o angiotensinogênio em angiotensina I e uma enzima de conversão, localizada principalmente na circulação pulmonar, converte a angiotensina I em angiotensina II. A mesma enzima de conversão cliva muitos outros peptídeos inativando o vasodilatador bradicinina. Agindo primariamente através dos receptores AT1, a angiotensina II é substância pressora potente, o fator trófico primário para secreção de aldosterona e um potente estimulador do crescimento do músculo liso vascular e do miócito. O receptor do tipo AT2 é amplamente distribuído no rim e apresenta efeitos opostos ao AT1. O receptor AT2 induz à vasodilatação, excreção de sódio bem como inibição do crescimento celular e formação da matriz. A síntese de aldosterona é dependente de potássio, podendo ser inibida em pacientes com depleção de potássio. Embora as secreções de ACTH também estimulem a secreção de aldosterona, o ACTH é um fator trófico pouco importante na regulação crônica da aldosterona. A aldosterona é um mineralocorticóide potente que aumenta a reabsorção de sódio na superfície apical das células principais do ducto coletor cortical renal. A neutralidade elétrica é mantida pelas trocas com íons H+ e K+. Consequentemente, o aumento da secreção de aldosterona pode promover hipocalemia e alcalose. Os tumores secretores de renina (carcinoma de Wilms/hemangiopericitomas benignos do aparelho justaglomerular) são exemplos claros de HAS dependente de renina. Por outro lado, o aldosteronismo primário é um exemplo de HAS mediada pela secreção exagerada de aldosterona. 2 Mecanismos Vasculares O raio do vaso sanguíneo e a complacência das artérias de resistência são importantes determinantes da PA. A resistência ao fluxo varia inversamente de acordo com a quarta potencia do raio e, desse modo, pequenas alterações da luz do vaso aumentam a resistência de maneira significativa. Não se sabe se as anormalidades vasculares são causa ou conseqüência da HAS. TÉCNICA CORRETA PARA AFERIÇÃO DA PA Primeiro, lembrar que o esfigmanômetro deve ser calibrado anualmente e que o manguito deve ter tamanho apropriado para o braço do paciente. A pressão deve ser aferida com o paciente em repouso, em um lugar tranqüilo com o doente sentado, preferencialmente, com o braço esticado ao nível do coração e apoiado em alguma superfície e com a palma da mão voltada para cima. A pressão pode ser aferida também com o paciente deitado no leito e também pode ser medida em pé, importante também para pesquisa de hipotensão ortostática. Primeiro, deve ser realizada a aferição a pelo método palpatório e isso é feito para evitar que ocorra uma subestimação da pressão, pois o profissional pode insuflar o manguito até uma pressão inferior à pressão sistólica do paciente e pode cair no hiato auscultatório. Em seguida, o manguito deve ser insuflado 30mmHg acima da pressão sistólica detectada pelo método palpatório. Fases de Korotkoff: fase I (aparecimento dos sons); fase II (batimentos com murmúrios); fase III (murmúrio desaparece, batimento mais audível); fase IV (abafamento dos sons) e fase V (desaparecimento dos sons). PAM = PAD + (PAS – PAD) / 3 PAD PAS CLASSIFICAÇÃO < 80 < 120 Ótima 80-84 85-89 90-99 120-129 130-139 140-159 Normal limítrofe Limítrofe HAS leve (estágio1) 100-109 160-179 HAS moderada (estágio 2) >109 >179 HAS grave (estágio 3) ANAMNSE E EXAME FÍSICO DO HIPERTENSO Já na identificação do paciente é preciso dar atenção à idade e verificar se ele é muito jovem para desenvolver HAS (< 30 anos) o que nos levar a pensar em uma hipertensão secundária ou se está muito velho (> 55 anos). Nesse caso deve considerar se a pessoa vai frequentemente ao médico, afere sua pressão e nunca foi constatada pressão elevada. Outra coisa importante da identificação é a raça, visto que negros tem tendência a apresentarem hipertensão e, comumente, é de mais difícil tratamento. Lembrar que a HAS frequentemente é uma doença assintomática, mas o doente pode aparecer com queixa de cefaléia comum em crises hipertensivas. A cefaléia costuma ser pulsátil localizada na região occipital e surgindo ao amanhecer. Os sintomas também podem ser decorrentes de lesão de órgão-alvo como sintomas de ICC (dispnéia, edema, ortopnéia), sintomas de síndrome coronariana aguda etc. É importante questionar se o paciente já foi diagnosticado como HAS e se fez uso de algum medicamento. Também questionar sobre doenças prévias que podem estar relacionadas com HAS (AVC, IAM, Diabetes), sobre se há história de HAS entre os 3 familiares e sobre hábitos de vida (dieta rica em lipídios? Tabagismo? Sedentarismo? Fatores de estresse? Profissão?). No exame físico devemos avaliar a pressão nos MMSS e nos MMII (coarctação da aorta, por exemplo, só eleva pressão no MMSS que passa a ser maior que a pressão no MMII) e analisar se a pressão de pulso é convergente ou divergente, além disso examinar a presença de edemas (pode ser decorrente de lesões em órgão-alvo), amplitude e freqüência dos pulsos, observar se as estão endurecidas, procurar sinais de aterosclerose (xatelasmas), verificar presença de sopros abdominais para afastar hipótese de estenose da artéria renal, verificar o precórdio, a presença de bulhas acessórias (B4, principalmente), ictus cordis deslocado devido à hipertrofia, pesquisar presença de sopros de regurgitação mitral e aórtica (dilatação de VE / dilatação aórtica) e buscar sinais de doenças endócrinas como Cushing que podem causar hipertensão secundária. Cabe lembrar que o IMC do paciente deve ser calculado assim como a circunferência da cintura e a relação cintura/quadril, pois a obesidade é um fator de risco tanto para HAS quanto para apnéia do sono que pode gerar HAS secundária. Cálculo do índice tornozelo-braquial (ITB), lembrando que a PA nos MMII costuma ser até 20mmHg maior que a PA dos MMSS. A relação ITB normal deve estar acima de 0,9. Na obstrução leve o ITB fica de 0,7 a 0,9, na obstrução moderada vai de 0,4 a 0,7 e na obstrução grave até 0,4. Risco estratificado HIPERTENSÃO SECUNDÁRIA & HIPERTENSÃO ESSENCIAL 80% a 95% dos pacientes hipertensos apresentam a hipertensão essencial, enquanto 5% a 20% dos pacientes hipertensos apresentam um distúrbio subjacente que causa a hipertensão, chamada, nesse caso, de hipertensão secundária. A hipertensão essencial é uma doença conseqüente de interações entre fatores ambientais e genéticos e sua prevalência aumenta com a idade. Provavelmente, há fisiopatologias diferentes que expliquem a HAS em cada paciente. Naqueles com HAS estabelecida, a RVP costuma ser mais alta e o DC normal ou reduzido. 10% a 15 % dos pacientes hipertensos apresentam a atividade da renina plasmática aumentada e nesses acredita-se que a pressão alta é decorrente da vasoconstrição. Naqueles com atividade da renina normal, a pressão alta pode ser devido a uma maior volemia. Deve-se desconfiar de hipertensão secundária quando o paciente é muito jovem (menor que 30 anos) e/ou apresenta outras queixas que não podem ser atribuídas ao aumento da pressão, ou ainda, apresentam hipertensão refratária. Os pacientes com mais de 55 anos que se tornam hipertensos de maneira rápida e inesperada também devem ser pesquisados para hipertensão secundária. As principais causas de hipertensão secundária são doenças do parênquima renal (rim policístico, tumores renais secretores de renina, hidronefrose), doença renovascular (estenose da artéria renal), distúrbios endócrinos (feocromocitoma, aldosteronismo primário, síndrome de Cushing, deficiência de 4 enzimas adrenais, acromegalia) e medicamentos (altas doses de estrogênio, ciclosporina, inibidores da MOA). Praticamente todas as doenças do parênquima renal podem causar hipertensão, sendo as doenças glomerulares causam aumento da pressão mais significativo do que as doenças intersticiais, como a pielonefrite. Para afastar causas renais pode ser pedido um EAS e avaliação da proteinúria. Na hipertensão renovascular, a isquemia renal leva ativação do SRAA e retenção de líquido que gera o aumento da pressão. Essa isquemia renal é causada pela estenose da artéria renal, que pode ser de origem aterosclerótica (pacientes mais idosos) ou pode ser causada por uma displasia fibromuscular, em geral, nos mais jovens. A coarctação da aorta é uma causa de hipertensão em crianças em adultos jovens. Nesses casos a pressão dos MMII é inferior a dos MMSS. O aldosteronismo primário provoca aumento da pressão devido à produção exacerbada de aldosterona o que gera supressão na secreção de renina. Nos pacientes com esse distúrbio a dosagem de K+ pode ser de grande utilidade, já que a hipocalemia é comum nessas doenças. A hipocalemia também pode estar presente em paciente que usam diuréticos de alça. Na síndrome de Cushing a pressão elevada é explicada pelo excesso de cortisol que tem um efeito mineralocorticóide potente por estar em grande quantidade. Lembrar que os glicorticóides exógenos podem gerar essa síndrome. O doente apresenta características típicas de Cushing ao exame físico, como a face em lua cheia, as estrias violáceas e a giba de búfalo. No feocromocitoma a hipertensão está relacionada com o aumento das catecolaminas que estimulam a vasoconstrição e a secreção de renina. Os pacientes apresentam outros sinais de superativação adrenérgica como sudorese e palidez. Exames laboratoriais: exame de urina apara avaliação de albuminúria, uréia, creatinina; análise do sódio, potássio e cálcio séricos; função tireoidiana se houver exame físico compatível; glicemia de jejum; lipidograma; hematócrito e ECG. A repetição dos exames pode ser feita depois do início com a terapia anti-hipertensiva e depois anualmente ou mais frequentemente se for clinicamente indicado. Outros exames podem ser pedidos caso haja desconfiança de uma causa secundária. HIPERTENSÃO ACELERADA & MALIGNA 5 Existe uma forma de hipertensão chamada de maligna e outra de acelerada. É mais comum em negros e em pacientes que já tenham doença renal. O modelo patológico é a necrose fibrinóide do vaso. Nessa HAS os níveis tensionais sobem muito rápido e isso gera lesão em vários órgãos-alvo sendo os mais comuns a doença renal, IC diastólica ou sistólica e encefalopatia hipertensiva. Isso ocorre tão rápido que o endotélio pode deixar de ser liso e ficando rugoso e as hemácias vão sofrer hemólise intravascular pela disfunção endotelial (anemia hemolítica microangiopática). O fundo de olho que faz o diagnóstico final com hemorragia, exsudato e papiledema (refletindo a pressão intracraniana elevada). A diferença entre a hipertensão maligna e a acelerada está justamente no fundo de olho, pois o papiledema só está presente na forma maligna. O cérebro apresenta capacidade de auto-regular o fluxo sanguíneo. Esse sistema pode falhar quando a PA está muito acima do normal o que gera vasodilatação e hiperperfusão. Os sintomas são cefaléia, vômitos em jato e náuseas, além de alterações neurológicas focais e alterações do estado mental caracterizando a encefalopatia hipertensiva. HAS ACELERADA = aumento importante da PA + hemorragias e exsudatos. HAS MALIGNA = PA diastólica > 120 a 140 + Papiledema COMPLICAÇÕES DA HAS Cardiopatia hipertensiva: resultado de alterações estruturais e funcionais que levam à hipertrofia do VE, disfunção diastólica, ICC, anormalidades do fluxo causadas por DAC aterosclerótica bem como arritmias cardíacas. Inicialmente a disfunção é diastólica e, desse modo, a fração de ejeção não se altera. Essa disfunção é explicada pelo aumento hipertrófico de VE, porém com a progressão da doença o ventrículo pode sofrer sobrecarga de volume e torna-se dilatado o que ocasiona disfunção sistólica. A HAS também pode gerar lesão endotelial devido ao fluxo turbilhonado o que é um grande fator de risco para aterosclerose podendo causar doença coronariana. Cérebro: as alterações cerebrais podem ser decorrentes de doença vascular (ateroma nas artérias cerebrais) que podem culminar em um AVE ou encefalopatia hipertensiva presente nos casos de hipertensão maligna. Rins: as lesões vasculares ateroscleróticas no rim atingem as arteríolas préglomerulares, resultando em alterações isquêmicas no glomérulo. As lesões glomerulares provocam proteinúria que só pode ser detectada, inicialmente, pela microalbuminúria. Doença vascular periférica: claudicação intermitente é um sintoma típico em pacientes hipertensos com DAP. É caracterizada por dor na panturrilha ou nas nádegas ao caminhar e a dor é aliviada com repouso. TERAPIA NÃO-FARMACOLÓGICA Visa modificações no estilo de vida do paciente, eliminando os fatores de risco que são passiveis a modificações. Isso diminui o risco de evolução para lesões de órgãoalvo. Dentre as medidas que devem ser adotadas, destacam-se: Redução do peso (IMC < 25) com emprego de dieta e atividade física. Redução dietética do sal (< 6 g NaCl / dia) Dieta com baixo teor de gorduras, principalmente saturada. Moderação do consumo de álcool Atividade física regular do tipo aeróbica, como caminhadas. 6 INSUFICIÊNCIA CARDÍACA Trata-se da incapacidade do coração de bombear sangue suficiente para os demais órgãos que podem sofrer hipóxia e, ao mesmo tempo, o sangue que não é bombeado acaba congestionando os pulmões e a circulação venosa. A isquemia renal ativa o SRAA que promove a reabsorção de água, aumentando a volemia, o que inicialmente é vantajoso (lei de Frank-Starling aumenta contratilidade), mas com o decorrer do tempo essa reabsorção é grande demais o que acaba determinando o extravasamento para periferia formando edemas. A IC é um distúrbio progressivo que se inicia quando um evento-índice lesa o músculo cardíaco o que gera diminuição da capacidade de contração dos miócitos. Na maioria das vezes os pacientes permanecem assintomáticos até que haja disfunção de VE. Os mecanismos compensatórios talvez sejam responsáveis por esse período assintomático. Esses mecanismos consistem na ativação do SRAA e do sistema adrenérgico o que gera retenção de sódio e conseqüentemente de água e aumento da contratilidade miocárdica. Além disso, há liberação de moléculas vasodilatadoras como ANP e BNP, PG’s e óxido nítrico que reduzem a vasoconstrição periférica excessiva. Porém, com o tempo esse mecanismo compensatório chega a falência. As catecolaminas aumentam a FC o que aumenta o consumo de O2 pelo miocárdio e reduz tempo diastólico o que modifica a oferta de oxigênio, podendo gerar lesões nos miócitos. Além disso, a angiotensina II junto com a adrenalina e noradrenalina promove grande vasoconstrição. Ocorre lesão mitocondrial e conseqüente formação de O3 que é um potente agente destruídos no organismo. Há um remodelamento cardíaco com hipertrofia dos miócitos, perda dos mesmos em razão de apoptose, necrose e morte autofágica. Os miócitos apresentam redução na sua capacidade contrátil e também ocorrem mudanças na MEC. CLASSIFICAÇÃO Há várias formas de classificar as insuficiências cardíacas, dentre elas: Disfunção diastólica x Disfunção sistólica: na IC diastólica há dificuldade de relaxamento dos miócitos, já que esse é um processo dependente de ATP. Nos processos isquêmicos, por exemplo, o que se observa primeiro é a disfunção diastólica. Como o coração não relaxa adequadamente o seu enchimento é comprometido. Na disfunção sistólica o que está comprometido é o poder de contração do miocárdio gerando, ao final, redução do DC. A IC diastólica ocorre na HAS, na hipertrofia de VE e na estenose aórtica. Nesses casos ocorre uma sobrecarga pressórica no ventrículo o que gera uma hipertrofia concêntrica. O coração perde sua complacência e suas câmaras se tornam menores. Ao exame físico há ictus propulsivo, B4, sopro sistólico de ejeção e o paciente se queixa sintomas relacionados à congestão pulmonar. A IC sistólica ocorre na insuficiência mitral e aórtica, no IAM prévio e na miocardiopatia dilatada. Nesses casos há sobrecarga de volume o que promove uma dilatação do miocárdio. Ao exame físico há presença de B3, ictus deslocado, sopros de regurgitação, área cardíaca aumentada e queixas de congestão sistêmica e pulmonar. IC aguda x IC crônica: a IC aguda é aquele de surgimento súbito decorrente de um IAM, por exemplo. A IC crônica é aquela que se instala lentamente, como no paciente com HAS que não faz tratamento regular. IC de alto débito x IC de baixo débito: na IC de alto débito o sangue que chega à periferia é insuficiente não porque o coração é incapaz de bombear sangue, mas sim porque a demanda do organismo excede a capacidade cardíaca. São exemplos a tireotoxicose, o beribéri e as anemias. O paciente encontra-se com taquicardia, pulso amplo e PA divergente. Na IC de baixo débito o coração é incapaz de suprir às 7 necessidades do organismo porque existe um problema na bomba como ocorre no IAM, nas miocardiopatias, na HAS. IC anterógrada x IC retrógrada: na IC anterógrada há deficiência de bombear sangue para periferia, ou seja, deficiência de contração miocárdica. A fração de ejeção cai e os órgãos são mal perfundidos o que causa sintomas como fadiga, cansaço aos esforços, caquexia e lipotímia, relacionados à isquemia. Na IC retrógrada a dificuldade é no enchimento do coração. O volume de sangue que chega ao coração é superior a sua capacidade, o que causa “retorno” desse sangue provocando sintomas congestivos como edema, turgência jugular e derrame pleural. IVE x IVD: insuficiências isoladas de VD são mais raras e estão associadas à cor pulmonale, ou seja, uma doença pulmonar como DPOC ou hipertensão pulmonar, que sobrecarreguem o coração. Na IVD há congestão sistêmica com turgência jugular, refluxo hepatojugular, edema de MMII, hepatomegalia dolorosa, anasarca etc. Na IVE há presença de sintomas pulmonares decorrentes do edema agudo de pulmão, como dispnéia aos esforços, tosse, DPN, ortopnéia etc. CAUSAS DE ICC IAM, HAS, doença orovalvar, cardiomiopatias dilatadas, miocardites, pericardite constritiva, tamponamento cardíaco, deformidades congênitas (CIA, CIV, PCA), tireotoxicose, beribéri, anemia crônica, doenças infiltrativas (amiloidose, sarcoidose), doenças de armazenamento (hemocromatose), doença de chagas, gestacional, cardiomiopatia alcoólica, arritmias etc. New York heart association • Classe I: sem limitação ou apenas com esforços grandes, > 6-7 MET – carregar peso, esquiar, basquete, tênis, handball etc. • Classe II: limitações a esforços moderados; consegue atividades de 4-5 a 6-7 MET – jardinagem, sexo, ir ao mercado etc. • Classe III: limitações mesmo a pequenas tarefas diárias, mas consegue tarefas 2 a 4-5 MET – tomar banho, cozinhar, andar no jardim. • Classe IV: sintomas em repouso ou com mínimo esforço. TRATAMENTO Em pacientes assintomáticos deve ser recomendado tratamento para os fatores de risco (terapia não-farmacológica) e uso de inibidores da ECA e β-bloqueadores, sendo este último usado somente em casos em que existe uma alteração estrutural do coração. No paciente sintomático já deve ser considerado a hipótese de realização de cirurgia de revascularização, caso a causa seja isquêmica. Enfim, deve se buscar a causa e procurar tratá-la. Podemos usar digoxina para aumentar a contratilidade cardíaca e diuréticos de alça. EDEMA AGUDO DE PULMÃO O volume de líquidos que se acumula no interstício pulmonar depende do equilíbrio entre as forças hidrostáticas e oncóticas dentro dos capilares pulmonares e ns tecidos circundantes. Nos indivíduos saudáveis, as junções estreitas do endotélio capilar são impermeáveis às proteínas e os canais linfáticos removem pequenas quantidades de proteínas que possam ter extravasado. Desse modo, é difícil ocorrer um EAP em um paciente com uma hipoalbuminemia por uma cirrose ou síndrome nefrótica, por exemplo. 8 O EAP pode ser cardiogênico ou não cardiogênico. Quando não cardiogênico, as principais causas são trauma de tórax, aspiração, pneumonia, embolia pulmonar, altitudes elevadas, neurogênico etc. Quando cardiogênico pode ser hipertensivo ou não-hipertensivo. O edema cardiogênico é decorrente do aumento da pressão venosa pulmonar que altera o equilíbrio das forças entre os capilares e o interstício. O líquido sai para o interstício, e nos casos mais graves, os alvéolos também ficam repletos de líquido. Os sintomas de EAP cardiogênico são ortopnéia, DPN, aumento da FR e tosse com uma secreção rosada, fluida e espumosa. Ao exame físico pode ser encontrado B3, turgência jugular, edema periférico, sopros, ritmo de galope, enfim, características de sobrecarga cardíaca com crepitações em ambas as bases pulmonares. O paciente pode apresentar historia prévia de IAM, arritmias, lesão orovalvar ou angina. No EAP não cardiogênico as pressões hidrostáticas estão normais. O edema se forma devido à lesão do revestimento dos capilares pulmonares que passa a permitir a passagem de proteínas e macromoléculas, aumentando a pressão oncótica do interstício pulmonar e consequentemente puxando água. Portanto, a diferenciação do edema cardiogênico para o não cardiogênico é feita através da história do paciente (relatos de doença cardíaca prévia), do exame físico (sinais de comprometimento cardíaco = origem cardiogênica) e lembrar que o EAP cardiogênico melhora com suporte ventilatório enquanto o outro não. Terapêutica: EAP hipertensivo é tratado diminuindo a pressão com Nitroprussiato de sódio que é um potente vasodilatador, reduzindo rapidamente a resistência vascular. No caso do EAP cardiogênico não-hipertensivo é recomendado uso de diurético venoso, oxigênio e dobutamina. CARDIOMIOPATIAS As cardiomiopatias são um grupo de doenças que afetam primariamente o miocárdio e não resultam de uma lesão valvar ou anormalidade congênita. São dois tipos fundamentais: a doença do músculo cardíaco que envolve o miocárdio cuja causa é desconhecida e a doença que afeta o miocárdio e é de causa conhecida ou associada a alguma síndrome sistêmica. O miócito lesado pode responder de três formas: 1) Dilatando-se: dificuldade de contração promovendo IC sistólica. 2) Restringindo-se: fibrose ou infiltração do miócito faz com que ele perca a capacidade de relaxar causando uma disfunção diastólica. 3) Hipertrofia-se: envolve preferencialmente o septo e causa um crescimento concêntrico. Cardiomiopatia dilatada: uma importante causa de IC sistólica. Nessa doença a função sistólica de VE e/ou VD encontra-se alterada o leva à dilatação progressiva. Os sintomas de IC aparecem algum tempo depois, meses ou até anos. Pode ser causada por agentes tóxicos, metabólicos ou infecciosos ou pode ser uma conseqüência tardia da miocardite viral. Em geral, a doença se torna clinicamente aparente na 3ª a 4ª década de vida. A sintomatologia é igual a da insuficiência cardíaca. Ao exame físico há cardiomegalia com ictus desviado, B3 e B4 e pode haver sopros de IM e/ou IT. Cardiomiopatia alcoólica: pode ser aguda ou crônica. É uma causa de cardiomiopatia dilatada e se o paciente largar o consumo de álcool a doença pode ser reversível dependendo do estágio em que ela se encontra. 9 Cardiopatia chagásica: a doença de Chagas é causada pelo protozoário Trypanossoma cruzi e é transmitida pelo vetor, o barbeiro produzindo uma miocardite extensa que tipicamente se evidencia anos após a infecção inicial. Ocorre dilatação das câmaras cardíacas, fibrose e adelgaçamento da parede ventricular com formação de aneurisma de ponta. Essa área da ponta cardíaca é uma região de estase e pode ocorrer a formação de trombos murais que se embolizam resultando em eventos isquêmicos. Além disso, o sistema de condução também é afetado. Freqüentemente, encontramos nesses pacientes bloqueio de ramo direito e hemibloqueio anterior esquerdo. Cardiomiopatia restritiva: as paredes ventriculares são extremamente rígidas o que dificulta o enchimento do coração provocando uma disfunção diastólica. As principais causas são amiloidose, sarcoidose, esclerodermia, hemocromatose, fibrose endomiocárdica, dentre outras. A incapacidade de enchimento ventricular limita o DC e aumenta a pressão de enchimento. Os pacientes em razão da redução do DC apresentam fadiga e também apresentam sintomas de congestão sistêmica, como fígado aumentado, doloroso e pulsátil, edema de MMII e ascite. Durante a inspiração, a diferença de pressão entre o tórax e o abdome faz com que o sangue se mova em direção ao tórax, no entanto, como o coração está incapaz de se dilatar na diástole, o enchimento fica comprometido e esse sangue escapa para as veias jugulares caracterizando o sinal de Kussmaul (↑ da pressão venosa na jugular durante a inspiração). Cardiomiopatia hipertrófica: caracteriza-se pela hipertrofia de VE sem uma causa evidente, como HAS ou estenose aórtica. É uma hipertrofia assimétrica que acomete preferencialmente o septo IV e isso provoca o estreitamento da área subaórtica causando o que chamamos de estenose subaórtica. A alteração fisiopatológica característica é a disfunção diastólica. Enquanto na hipertrofia de VE causada por HAS ou estenose aórtica o aumento costuma ser simétrico, na CMPH o aumento é quase sempre assimétrico. Muitos pacientes são assintomáticos e, infelizmente, o primeiro sintoma pode ser a morte súbita que ocorre, em geral, durante a realização de atividade física. Essa é a principal causa de morte em jovens atletas. Os sintomas são dispnéia (aumento da pressão nos capilares pulmonares), síncope (redução do DC) e angina (aumenta demanda de O2 pelo miocárdio e a pressão de compressão sobre as coronárias aumenta, dificultando a perfusão). No exame físico encontramos um ictus cordis propulsivo e presença de B4. Além disso, há presença de um sopro sistólico de ejeção. O sopro se inicia depois de um intervalo após B1 e é melhor auscultado no foco aórtico. Esse sopro apresenta comportamento dinâmico. Quando o retorno venoso aumenta, o VE se dilata, afastando o septo hipertrofiado da região subaórtica e conseqüentemente reduzindo o sopro. Já quando o retorno venoso é menor, o VE fica mais vazio o septo hipertrofiado obstrui mais a região subaórtica e, desse modo, o sopro é mais intenso. Portanto, paciente deitado ou em cócoras apresenta redução do sopro enquanto a manobra de Valsava intensifica o sopro. Além disso, a manobra handgrip também reduz o sopro. Miocardites: é a inflamação cardíaca resultante de um processo infeccioso complicado por reações auto-imune. A maioria das miocardites agudas clinicamente significativas é causada por viroses, especialmente pelos vírus Coxsackie B, adenovírus, vírus da hepatite C e HIV. A forma aguda pode ser resolvida ou pode evoluir para forma crônica. 10 Os pacientes com miocardite podem relatar quadro febril prévio, podendo apresentar rinofaringite ou amigdalite viral. As manifestações clínicas variam desde o espectro assintomático até o quadro fulminante com arritmias e uma IC aguda e grave, em alguns pacientes a miocardite pode simular uma síndrome coronariana aguda com dor torácica, alterações no ECG e elevações da troponina. Para diferenciar basta se basear na história do paciente e se for necessário a realização de uma ressonância. Lembrar que as miocardites são raras e acometem pessoas jovens. Ao exame físico pode ser encontrada B1 hipofonética, presença de B3 e sopro de regurgitação mitral. 11