1 A Abordagem Construcionista no Processo de Ensinar e Aprender Cálculo Diferencial e Integral Morelatti, M. R. M., FCT/Unesp/Pres. Prudente – SP – Brasil Resumo—A aprendizagem de Cálculo Diferencial e Integral tem sido, ao longo dos anos, um problema para os alunos dos cursos universitários da área de Ciências Exatas. A metodologia usada pela maioria dos professores desta disciplina prioriza a aula expositiva, é centrada na fala do professor, e os conceitos são apresentados como verdades inquestionáveis, como algo pronto e acabado, sem a preocupação de torná-los significativos. Os alunos, após a aula, resolvem uma série de exercícios que, muitas vezes, não exigem criatividade, reflexão e novos conceitos. Estes alunos não são envolvidos afetivamente com a disciplina e muitas vezes questionam a importância desta dentro do curso por não entenderem seus objetivos. Isto ocorre, em geral, pelo fato do conteúdo ser trabalhado de forma descontextualizada. As novas tecnologias podem ser consideradas uma alternativa para superar tais dificuldades. No entanto, a questão que se apresenta é como utilizar os computadores para que a aprendizagem dos conceitos de Cálculo se dê de maneira mais significativa e contextualizada. O objetivo deste trabalho é levantar princípios para orientar o professor na construção de um ambiente construcionista de aprendizagem para a disciplina de Cálculo Diferencial e Integral I. Este ambiente é baseado no uso do computador em estratégias de resolução de problemas e no desenvolvimento de projetos, visando uma aprendizagem mais significativa dos conceitos envolvidos. Para atender este objetivo, foi desenvolvida e consolidada uma metodologia, junto com o professor da disciplina Cálculo Diferencial e Integral I, na qual o computador é utilizado para construir conhecimentos de Cálculo, por meio da vivência de atividades e de projetos de trabalho que enfatizam a compreensão dos conceitos. Para investigar o processo de criação deste ambiente constucionista e o impacto do mesmo na aprendizagem dos alunos, optamos por uma pesquisa qualitativa do tipo participante, com intervenção. Os resultados da investigação evidenciam que o ambiente de aprendizagem estabelecido possibilitou uma nova postura e prática docente; uma nova forma de aprender, possibilitando uma abordagem interdisciplinar, mais contextualizada, significativa e prazerosa para o aluno; uma nova maneira de trabalhar com os alunos; de contemplar o currículo; de avaliar a aprendizagem, enfim, de desenvolver o processo de ensino e aprendizagem em Cálculo Diferencial e Integral I. I. INTRODUÇÃO Vivemos hoje um profundo e acelerado processo de mudanças e transformações que têm nos desafiado a encontrar novas maneiras de pensar e agir em todas as áreas de atividade humana. A globalização e o desenvolvimento tecnológico nos faz cidadãos do mundo, altera valores e relações sociais, transforma verdades até então absolutas em relativas e traz grande complexidade e incertezas. A velocidade e o caráter permanente destas mudanças, e a quantidade de informações disponíveis demandam do homem, cada vez mais, uma nova postura e o desenvolvimento de habilidades para conviver e compreender a sociedade, chamada de sociedade do conhecimento (Valente, 1999). Para Papert (1994:5), a habilidade mais importante na determinação do padrão de vida de uma pessoa, hoje já se tornou a capacidade de aprender novas habilidades, de assimilar novos conceitos, de avaliar novas situações, de lidar com o inesperado. Neste sentido, as empresas estão procurando profissionais com formação mais ampla, que possam realizar várias atividades, que sejam críticos e criativos e que saibam pensar, refletir, trabalhar em grupo e tomar decisões. Assim, com a valorização do conhecimento, da criatividade e a exigência de novas habilidades e competências, torna-se urgente o repensar a educação, caracterizada como processo contínuo e permanente. Educar para esta sociedade significa dominar e transcender os recursos tecnológicos, desenvolver a capacidade de questionar, de analisar criticamente e tomar decisões, desenvolver competências para enfrentar situações inesperadas e desenvolver valores éticos e morais “permitindo ao cidadão harmonizar os conteúdos aprendidos na escola com a cultura de um mundo globalizado” (Brasil, 1999). Estas mudanças implicam novas formas de conceber a educação, pois o sentido da escola está na transformação da vida e da sociedade. Assim, de uma educação que enfatiza a transmissão de conteúdos, a instrução, o “empurrar” informações para os alunos, devemos mudar para uma educação que cria ambientes de aprendizagem em que o educando é agente ativo de seu processo de aprendizagem, “puxa” informações, processa e constrói seu conhecimento por meio da realização de atividades significativas e contextualizadas. Esta mudança aponta para um novo paradigma em educação que enfatiza a aprendizagem como processo de elaboração pessoal do conhecimento. O papel da universidade, historicamente assumido, de transmitir informações produzidas e sistematizadas pela humanidade, está em cheque. O professor, em geral, especialista na área, detém a informação que é transmitida aos alunos, de maneira hierarquizada e em ordem crescente 2 de complexidade, sem relacioná-la aos diferentes domínios do saber ou com a vida cotidiana. Ao estudante resta memorizar e reproduzir. A parte mais difícil - ser capaz de tomar as informações que lhe foram transmitidas, integrá-las e transformá-las em conhecimento próprio - não lhe é ensinado ou exigido. E ainda, fica na dependência de sua iniciativa preparar-se para quando sair da universidade, ser capaz de aplicar seus saberes em situações reais. A elaboração de conhecimentos, conceitos, procedimentos, atitudes pelo próprio aprendiz é deixada em segundo plano. O pensar, o criar, o elaborar e sistematizar o próprio conhecimento são negligenciados. Isto significa que o pensar, o inovar, o comprometer-se não são cuidados diretamente. A própria organização acadêmica nesta instituição revela o que é nela valorizado. O conhecimento é fragmentado em disciplinas justapostas, que muitas vezes não se comunicam e não se relacionam entre si. Os fatos e conceitos matemáticos são apresentados como verdades inquestionáveis, como algo pronto, acabado, sem a preocupação de torná-los significativos para o aluno. Para D’Ambrósio (1999:1), “o problema maior do ensino de ciências e matemática é o fato das mesmas serem apresentadas de forma desinteressante, obsoleta e inútil, e isso dói para o jovem”. E quando o aluno não se interessa, não vê significado e não se sente envolvido afetivamente, como pode se dar a aprendizagem? Em Cálculo Diferencial e Integral, que é disciplina básica e consta da matriz curricular de todo curso da área de Ciências Exatas das Universidades, pode ser observada esta problemática. Esta disciplina é conhecida por seu alto índice de reprovação e de evasão. Por esta razão, além de contar com pouca simpatia dos alunos, causa-lhes uma certa apreensão e expectativa negativa, predispondo-os ao insucesso. Nas salas de aula de Cálculo Diferencial e Integral, a metodologia usada pela maioria dos professores prioriza exclusivamente a aula expositiva, centrada na fala do professor, com conteúdos apresentados como prontos e incontestáveis. Os alunos, após a aula, resolvem mecanicamente uma série de exercícios que enfatizam as técnicas de resolução em vez de conceitos e estratégias de resolução. Estes alunos não são envolvidos afetivamente com a disciplina e muitas vezes questionam a importância desta dentro do curso por não entenderem seus objetivos. Isto ocorre, na maioria das vezes, pelo fato do conteúdo desta disciplina ser trabalhado de forma descontextualizada, sem relação com situações reais. As novas tecnologias podem se constituir uma alternativa para superar tais dificuldades. No Brasil, a utilização de computadores em Cálculo foi influenciada por artigos, livros e software produzidos no exterior, e se iniciou com experiências isoladas de professores de algumas universidades brasileiras. A maioria das experiências fica restrita aos professores e a um número reduzido de alunos de iniciação científica e de pósgraduação (Souza Jr., 2000:20). Observa-se nos últimos anos uma maior abertura para discussão deste tema em congressos específicos de Matemática e Educação Matemática. Atualmente, vários grupos ligados à universidades estão utilizando computadores para enfrentar a problemática da aprendizagem em Cálculo. Nestas experiências são utilizados softwares matemáticos tais como Mathematica, Maple, Derive, MPP, entre outros. Nenhum grupo utilizou uma linguagem de programação para desenvolver o processo ensino e aprendizagem de Cálculo Diferencial e Integral I, como pode-se notar nos relatos de experiências feitos por Souza Jr. (2000:20) e por Veiga e Ruas (1997). Nossa preocupação com a aprendizagem em matemática vai além da decisão do uso de tecnologia e da escolha do software a ser utilizado. Ela se foca em “como” o software está sendo utilizado no processo de ensinar e aprender matemática, na postura do professor e do aluno e no ambiente de aprendizagem. Para Piaget (1975), aprender ou não, gostar ou não da Matemática não é questão de vocação ou jeito. É antes de tudo, resultado da forma de ensinar, da metodologia de ensino adotada pelo professor. Seguindo esta trilha, neste trabalho propomos uma alternativa metodológica para o ensino de Cálculo Diferencial e Integral. Não pretendemos definir etapas, para serem seguidas como “receitas”, mas levantar princípios para uma metodologia que está centrada na utilização da abordagem construcionista no processo ensino e aprendizagem, o que significa não apenas a utilização de computadores neste processo, mas também o trabalho com projetos contextualizados e significativos, em que o aluno, ao utilizar os computadores para desenvolvêlos, possa construir conhecimentos sobre conceitos de Cálculo. II. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS A. A construção de significados Aprender implica atribuição de significados. Em sentido estrito do termo, um aluno pode aprender um conteúdo sem lhe atribuir o significado adequado. Isto é o que acontece quando a aprendizagem se dá por memorização. O aluno é capaz de repetir ou utilizar mecanicamente o conteúdo memorizado, sem entender o que está dizendo ou fazendo. No entanto, muitas vezes, o aluno é capaz de atribuir significados parciais ao que aprende. Pode não significar o mesmo para o professor, ou mesmo, não ter a mesma profundidade que o professor gostaria para aquilo que ensinou, nem mesmo ter as mesmas implicações. Assim, “a significância da aprendizagem não é uma questão de tudo ou nada e sim de grau” (Salvador, 1994:149). Dessa forma, Salvador (1994) sugere que, em vez de se propor aprendizagens significativas é mais adequado tentar que as aprendizagens que ocorrem em cada grau de escolaridade, sejam o mais significativas possíveis. Mas, qual o sentido de aprendizagem significativa ou construção de significados? Para Piaget, constrói-se significados quando se integra ou assimila o novo, aquilo que está sendo aprendido, aos esquemas que já se possui. E, é esta assimilação ao esquema prévio de compreensão que dá significado a um fenômeno. Tem-se assim uma acomodação, um enriquecimento dos esquemas prévios e estes, ao se modificarem, adquirem novas potencialidades, 3 possibilitando atribuir no futuro, novos significados. Para Ausubel (Santos, 1991), uma aprendizagem é significativa quando se é capaz de estabelecer relações “substantivas e não arbitrárias” entre o que já se sabe e o que se está aprendendo. A maior riqueza de significados atribuída ao que se está aprendendo vai depender da riqueza e complexidade das relações que foram estabelecidas. Daí a importância do conteúdo a ser ensinado fazer algum sentido para os alunos. O material de aprendizagem e o conteúdo a ser aprendido devem ser “potencialmente significativos” (Ausubel, Novak & Hanesian, 1980:34). E isto depende de duas condições, uma intrínseca ao conteúdo de aprendizagem e outra relativa ao aluno que vai aprendê-lo. Quanto ao conteúdo, ele deve ter um significado em si mesmo, deve ser estruturado e deve ser potencialmente significativo do ponto de vista lógico, pois dificilmente o aluno consegue atribuir um significado vago. Este significado lógico não depende somente da estrutura própria do conteúdo, mas também da maneira que o conteúdo é apresentado ao aluno. No entanto, não é suficiente que o conteúdo tenha um significado lógico. É necessário que ele tenha um significado psicológico, isto é, que o aluno possa inserí-lo nas redes de significados já construídas por ele. Daí a importância dada por Ausubel para o conhecimento prévio do aluno como fator decisivo no momento da aquisição de novos conhecimentos. Um outro aspecto é o valor funcional do conteúdo, isto é, que a aprendizagem seja útil e possa ser utilizada pelo aluno com relativa facilidade, gerando novos significados. Para uma aprendizagem significativa, não basta o significado lógico e psicológico do conteúdo. É necessário ainda uma atitude favorável do aluno que aprende. Depende da intencionalidade do aluno para que sejam realizadas maiores relações do novo com o que já se conhece, ou podese limitar a uma memorização. Novamente aqui a habilidade do professor em desafiar o aluno é crucial. O professor, com uma intervenção nesta direção, pode despertar o aluno para a realização destas relações. E, à medida que o aluno está construindo significados, ele está incrementando os esquemas já existentes, isto é, está aumentando sua capacidade de fazer novas relações em situações futuras. Tem-se assim, na aprendizagem significativa de Ausubel, uma ênfase não mais na aptidão intelectual do aluno, relacionada com o nível de desenvolvimento, mas na existência de conhecimentos prévios, que sejam pertinentes para a aprendizagem do novo, que dependem, em parte, da aptidão intelectual do aluno, mas sobretudo das experiências anteriores de aprendizagem tanto escolares como extra-escolares (Salvador, 1994:151). No entanto, construção de significados pressupõe o envolvimento do aluno como um todo, e não depende apenas dos seus conhecimentos prévios e de sua capacidade de estabelecer relações entre o novo e o que já se sabe. São elementos importantes na aprendizagem do aluno, a maneira com que o professor apresenta a atividade e sobretudo, a interpretação que o aluno faz da atividade em função de sua percepção da escola, do professor e de sua própria atuação, suas expectativas perante o ensino, sua motivação para aprender, suas crenças e atitudes, as estratégias de aprendizagem que é capaz de utilizar etc. O sentido e a interpretação que o aluno atribui ou tem de uma atividade não estão prontos e determinados. Este significado têm um caráter dinâmico pois vai se alterando no decorrer da aprendizagem, e não depende somente dos conhecimentos, habilidades, capacidades e experiências anteriores, mas das relações estabelecidas pelos próprios alunos e entre professor e alunos. Dependendo do clima estabelecido, das expectativas que são geradas durante o processo de ensino e aprendizagem que o aluno realiza aprendizagens com maior grau de significância. Enfim, os significados que o aluno constrói são o “resultado de uma complexa série de interações nas quais intervêm, no mínimo, três elementos: o próprio aluno, os conteúdos de aprendizagem e o professor” (Salvador, 1994:156). O aluno é o maior responsável por sua aprendizagem, uma vez que constrói seu conhecimento, atribuindo sentido e significado ao que está aprendendo, mas é o professor o responsável em orientar a construção em uma determinada direção, compartilhando significados, sentidos e intenções. B. Ensino e Aprendizagem por projetos de trabalho O termo “projeto” vem assumindo, ao longo dos anos, muitos significados e está, até mesmo, um pouco desgastado. Para Boutinet (1990), este termo quase sempre apresenta uma conotação positiva, sendo visto como naturalmente bom. Segundo este autor, para se compreender este conceito é necessário a elucidação dos significados subjacentes a ele. Dessa forma, faz-se necessário a explicitação de nosso entendimento de seu significado e em qual perspectiva o utilizamos na disciplina. O uso do projeto se deu em uma perspectiva de mudança, procurando vencer ou superar as barreiras impostas pelos limites disciplinares, de áreas, e pela estrutura segmentada da universidade, na qual cada professor se prende ao desenvolvimento e cumprimento de seu programa de ensino, não se preocupando com uma formação mais ampla do aluno, nem tampouco, como se darão as necessárias relações entre os conteúdos. E ainda, buscou-se, por meio dele, que o aluno fosse capaz de aprender a aprender, de realizar aprendizagem significativa por si só numa ampla gama de situações e circunstâncias, desenvolvendo autonomia para o aprender e assim adaptar-se às transformações da sociedade. Em um “pro-jeto” existe um movimento dinâmico e cíclico entre concepção e execução, que aparentemente estão em momentos distintos, contrastantes, mas que no desenvolvimento de um projeto são integrados, com um sentido de globalidade, pois aquele que pensa, também executa, reflete, depura e executa novamente. Não tem sentido executar um projeto de outra pessoa, nem tampouco conceber para outra pessoa o seu projeto. “Projetar é sempre projetar-se segundo uma lógica da pronominalização” (Boutinet, 1990:257). Cada projeto é uma leitura realizada de uma situação. Assim, cada um, ou cada grupo, tem uma visão ou entendimento da situação e propõe certa ação, com história, características e intenções que são específicas e próprias. Percebemos aqui o caráter idiossincrático do projeto, que pretende dar uma resposta a uma situação singular. 4 A singularidade da situação faz com que o projeto esteja inserido em um ambiente complexo, pois busca estabelecer conexões entre os fenômenos e questiona a idéia de uma versão única da realidade. Viver nesta situação significa enfrentar momentos de incertezas e inseguranças, compreendê-los para poder enfrentá-los e superá-los. A habilidade adquirida para gerir esta complexidade será requerida para se viver na sociedade atual. Para Hernández (1998), a finalidade dos projetos, em educação, é favorecer o ensino para a compreensão. Para este autor, um projeto poderia ser – em vez de deveria ser, pois ele vai sendo construído em cada contexto, “um percurso por um tema-problema que favorece a análise, a interpretação e a crítica” (Hernández, 1998:86). O tema pode surgir em sala, apresentado por um aluno ou sugerido pelo professor. O importante é que ele traga uma questão valiosa, que possa ser explorada. O trabalho com projetos pressupõe um ambiente em que predominam as atitudes de cooperação e de escuta. Um ambiente aberto, que possa ser explorado e modificado, que favoreça a troca, a parceria e o respeito pelos diferentes estilos de aprendizagem, uma vez que todos podem aprender, se encontrarem o lugar para isto. E a aprendizagem não fica restrita ao conhecimento sobre o tema, sobre os conceitos envolvidos. Ela envolve a percepção e o aprendizado sobre o outro, sobre atitudes e valores sociais, sobre todo o processo utilizado para dar forma a uma idéia. Este ambiente requer uma mudança de postura do professor, que tem agora o desafio de criar um ambiente para que o aluno atribua significados e construa conceitos. O caminho a percorrer não está estabelecido nem fixado a priori, pois cada percurso é singular e trabalha diferentes informações. A nova postura do professor é de aprendiz, de facilitador da aprendizagem. Aprendiz tanto sobre o tema, sobre as maneiras de abordar o tema, como sobre o processo de aprendizagem. Neste ambiente, muitas vezes o professor busca informações com outros professores. Esta atitude requer humildade, qualidade esta que exige “coragem, confiança em nós mesmos, respeito a nós mesmos e aos outros” (Freire, 1993:55). Ao se colocarem como “aprendizes”, muitas vezes, os professores se sentem vulneráveis, o que causa certa insegurança. No entanto, para Paulo Freire uma das expressões da humildade é a “segurança insegura, a certeza incerta” (Freire, 1993:56), que faz com que a verdade única do professor não seja imposta aos alunos. Em um ambiente tradicional esta situação quase nunca ocorre, pois o professor-especialista “direciona” a aprendizagem, não sai do já estabelecido e conhecido por ele, e é, muitas vezes, visto como única fonte para ampliar o horizonte de conhecimento. Os alunos aprendem de maneiras diferentes. A relação estabelecida em aula não deve ser unilateral e unívoca. Ela deve ser caracterizada pela pluralidade e “pela reinterpretação que cada estudante faz daquilo que, supostamentente, deva aprender” (Hernàndez, 1998:84). Com os projetos busca-se “potencializar os caminhos alternativos, as relações infreqüentes, os processos de aprendizagem individuais, porque deles aprende o grupo” (Hernàndez, 1998:84). Busca-se criar um ambiente para que todos os alunos possam encontrar, neste ambiente, um lugar onde possam aprender, que leve em conta o que cada um pode dar, respeitando a diversidade e as limitações individuais, onde cada aluno possa construir e reconstruir sua aprendizagem e transferí-la para outras situações. Portanto, trabalhar com projetos significa enfrentar a complexidade, favorecer a criação de estratégias de organização das informações, para transformar diferentes saberes em conhecimento. Significa também, respeitar o ritmo e o estilo de aprendizagem de cada aluno, favorecer a troca, as relações pessoais e parcerias; é ensinar por meio do fazer, e com isto, procurar ajudar o aluno a adquirir saberes e competências básicas para um cidadão autônomo e um profissional competente. É contribuir para uma melhor compreensão tanto de conteúdos quanto do meio, desenvolvendo a capacidade de adaptação às mudanças e despertar o desejo e o gosto de aprender e por seguir aprendendo ao longo de toda a vida. C. A Abordagem Construcionista Os computadores estão, cada dia mais, dentro das escolas. No entanto, isto não significa que estão ocorrendo mudanças significativas no processo de ensino e aprendizagem. O que se percebe, em muitas escolas e universidades, é que a presença do computador somente vem dar um “ar de modernidade” ao curso. Poucas alterações acontecem nas disciplinas e as práticas pedagógicas utilizadas são as mesmas. Esta perspectiva de uso de computadores em educação é muito freqüente pois não exige grandes mudanças dos professores e no currículo pois a metodologia utilizada é a mesma. Ao professor, basta que se familiarize com o novo recurso. Dessa forma, o computador pode ser utilizado para reforçar práticas pedagógicas tradicionais. Nesta abordagem, conhecida como instrucionista1, o computador é utilizado para transmitir informações e conteúdos mantendo o aluno passivo no processo de aprendizagem. O computador aqui está sendo uma “máquina de ensinar”. Por outro lado, o computador pode auxiliar a construção do conhecimento e a compreensão de uma ação. Existem software com mais, outros com menos recursos para facilitar esta compreensão (software aberto ou fechado). No entanto, a criação de um ambiente de aprendizagem que facilite a construção do conhecimento e o desenvolvimento de habilidades de pensar necessárias ao cidadão desta nova sociedade, não depende somente do software escolhido. O fator decisivo para o estabelecimento deste ambiente é o professor, sua ação, a metodologia utilizada e sua compreensão sobre educação. Nesse sentido, qual a contribuição dos computadores para a formação de um cidadão mais crítico, reflexivo e que seja capaz de viver e conviver nesta sociedade em constante transformação? Há necessidade de trabalhar de forma diferenciada com o 1 Termo utilizado por Valente para designar o que ele chamou de “informatização dos métodos tradicionais de ensino” (Valente, 1993: 32). 5 computador, dando ênfase à construção do conhecimento, de tal forma que o contato com o computador propicie ao aluno, a retomada dos passos do cientista no processo da descoberta. Portanto, o computador pode ser um potencializador das mudanças almejadas no processo educativo, se for entendido e utilizado como “ferramenta para promover a aprendizagem segundo uma proposta construcionista contextualizada” (Valente, 1997). O termo construcionismo foi utilizado por Seymour Papert, na década de oitenta, para descrever a construção do conhecimento por meio da realização de uma atividade no computador. Nesta ação, que originalmente utilizava a linguagem de programação Logo, o aprendiz realiza projetos, isto é, constrói algo de seu interesse no computador. O fato de estar realizando uma atividade do seu interesse faz com que o aprendiz se envolva afetivamente com a atividade, tornando-a mais significativa. Isto acontece quando a atividade é contextualizada, está vinculada à realidade do aprendiz. Para Papert, o aprendizado por meio do fazer, e o envolvimento afetivo com a atividade é o que diferencia um aprendizado construcionista da atividade construtivista de Piaget. Para Valente, a própria presença do computador em uma atividade de construção já distingue a maneira de construir o conhecimento descrita por Piaget e por Papert (Valente, 1993:33). Além das idéias de desenvolvimento e aprendizagem de Piaget, Papert estabeleceu relações com outros autores na criação da abordagem construcionista. Podemos dizer que Papert se inspirou nas idéias da aprendizagem por descoberta de Dewey, na visão de uma educação progressista e emancipadora de Paulo Freire e na importância dada a mediação, a intervenção do professor, bem como a influência do social e do cultural na aprendizagem do aluno, enfatizadas por Vygotsky (Almeida, 1996, 2000). A principal idéia utilizada nesta abordagem é a noção de concreto – a ação realizada pelo aluno na interação com o computador, favorecendo o desenvolvimento e a construção mental, que por sua vez gera outras ações concretas, num movimento dialético entre o abstrato e o concreto (Papert, 1985). Apesar do construcionismo estar relacionado, originalmente, com a linguagem de programação Logo, este termo já está sendo utilizado em ações com outros tipos de software, tais como planilhas eletrônicas, software de autoria, editores de texto etc. O termo se expandiu e hoje remete a uma abordagem pedagógica de utilização de computadores na educação. Ao contrário da abordagem tradicional, que o professor assume o papel de “transmissor” de informações e o aluno fica passivo no processo de aprendizagem, em um ambiente construcionista, o professor age como facilitador, mediador da aprendizagem do aluno, respeitando o ritmo e o estilo de cada um. Nesta abordagem, o aluno constrói o seu conhecimento sobre determinado assunto por meio da resolução de um problema ou desenvolvimento de um projeto significativo (do interesse do aluno) e contextualizado (vinculado à realidade do aluno), em um trabalho compartilhado e colaborativo. Quando o aluno resolve um problema por meio do computador, usando uma linguagem de programação, ele está metaforicamente “ensinando o computador” a resolver este problema. Ele inicia pensando na solução e representa no computador os conhecimentos e as estratégias que considera necessários à resolução do problema por meio da descrição de uma seqüência de comandos, ou seja, por meio de um programa que será executado pelo computador e este lhe fornecerá um resultado. Ao observar este resultado o aluno realiza uma reflexão sobre o que foi apresentado e se este não estiver de acordo com suas hipóteses, o aluno tem a possibilidade de re-pensar aquilo que foi realizado, depurando assim sua idéia inicial. O ciclo descriçãoexecução-reflexão-depuração (Valente, 1993:34) é uma seqüência de ações que procura descrever a interação entre aluno-computador na resolução de um problema. Concordamos com Valente que “tanto a representação da solução do problema como a sua depuração são muito difíceis de serem conseguidas através dos meios tradicionais de ensino” (Valente, 1993:11). O computador pode, dessa forma, ser um importante recurso para promover a aprendizagem. No entanto, o ciclo descrição-execução-reflexão-depuração não ocorre simplesmente colocando o aluno frente ao computador, pois o aprender não está restrito ao software mas, na interação professor-aluno-software. É difícil imaginar um processo educativo que não conte com a mediação relacional e cognitiva dos professores. Para poder contribuir no processo de construção do conhecimento, o professor deve compreender a idéia do aluno para poder intervir no momento certo, compreender o nível de desenvolvimento, ter um postura de mediador, de facilitador da aprendizagem, e para isto deve conhecer teorias educacionais que lhe dêem suporte para assumir esta mediação (Valente, 1996). Deve ter saberes tanto sobre o conteúdo, como conhecimento didático deste conteúdos. Deve desafiar, desequilibrar, incentivar, acolher, ser parceiro e ousar. Não será em uma aula tradicional que o professor conseguirá assumir este novo papel. Assim, não basta introduzir tecnologia nas disciplinas, a postura e a metodologia devem ser revistas. Enfim, uma abordagem educacional que utiliza o computador como ferramenta de aprendizagem na perspectiva construcionista pressupõe a resolução de problemas e/ou o desenvolvimento de projetos significativos e contextualizados pelos alunos. III. A EXPERIÊNCIA VIVENCIADA A. O Contexto A pesquisa foi realizada junto à disciplina Cálculo Diferencial e Integral I do curso de Estatística da Faculdade de Ciências e Tecnologia – FCT, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Unesp, campus de Presidente Prudente – SP, durante o ano letivo de 1999. Foram considerados sujeitos desta investigação, a professora e conseqüentemente, seus quarenta e um (41) alunos. Além da evasão, um dos problemas enfrentados pelo 6 curso de Estatística é o alto índice de reprovação nas disciplinas do primeiro ano. Até 1998, esta disciplina esteve caracterizada por uma metodologia tradicional, com aulas exclusivamente expositivas, teóricas ou de exercícios, e resolução, pelos alunos, de listas de exercícios dadas pelo professor. A avaliação, em geral, se restringia aos aspectos cognitivos, sem especificar seus conceitos ou procedimentos, que procurava, por meio de provas escritas que enfatizam técnicas de resolução, verificar os conhecimentos adquiridos. A aprovação dos alunos era verificada pela média aritmética das provas escritas (em geral quatro), que deveria ser maior ou igual a cinco (5) e freqüência mínima de 70%. Quanto ao perfil destes alunos, a maioria tem idade entre 17 e 22 anos, 70,7% cursou o ensino médio em escola pública, e apenas 19,5% fez cursinho pré-vestibular em escolas particulares. Em relação ao contato com computadores, a turma era bastante heterogênea. Dos 41 alunos envolvidos, 27% não tinham manuseado um computador antes do desenvolvimento desta pesquisa. Assim, um ambiente que favorecesse a troca e a parceria se tornou essencial para o envolvimento, participação, motivação e o desenvolvimento pessoal de cada aluno na disciplina. A professora possui vinte anos de experiência docente na mesma instituição e teve uma formação bastante tradicional. Sua postura sempre foi de uma professora séria, competente e compromissada com o trabalho docente, sendo por isto muito respeitada tanto pelos colegas do Departamento quanto pelos alunos. Sua ação pedagógica era pautada no ensino tradicional, com aulas expositivas e papéis bem definidos para aluno e professor, mantendo uma certa distância, o que acabava sempre inibindo uma maior aproximação do aluno. A mudança em relação à sua postura enquanto educadora, bem como em relação a sua prática docente se deu após seu envolvimento com um grupo de pesquisa em Informática na Educação, no qual realizou estudos e leituras sobre aprendizagem, sobre o papel social da educação e sobre a utilização de informática na educação. Quanto à sua postura frente aos alunos, acredita estar mais humana e informal, procurando estar mais próxima e acessível. Sente-se mais feliz com o tipo de relacionamento estabelecido com seus alunos, procurando ser mais amigável, escutá-los, enxergá-los e percebê-los como pessoas. Deixa claro, ainda, a mudança de atitude na sala de aula. De uma postura mais autoritária, que toma as decisões, tem procurado discutir e negociar as decisões com os alunos. A busca de soluções para os problemas da disciplina, a predisposição ao trabalho, a ousadia e busca pelo novo, muitas vezes incerto, e ainda, o momento vivido pela professora, caracterizado por um processo de mudanças, foram fatores decisivos para que ela aceitasse o desafio de estar participando desta pesquisa. Isto exigiu a superação de limites, o enfrentamento de questões estruturais da Universidade, o entendimento e busca de maior significação da Matemática utilizada pelos alunos do curso de Estatística para assim contribuirmos para a formação de um profissional mais crítico e reflexivo. B. A metodologia desenvolvida Primeiramente, aconteceu o contato com o professor da disciplina, e a realização de estudos, leituras e discussões dos aspectos que norteariam a construção e o desenvolvimento da metodologia. Num segundo momento, se deu a aplicação da metodologia junto aos alunos. Nesta fase, a observação se deu por meio do acompanhamento da construção do ambiente de aprendizagem na disciplina de Cálculo Diferencial e Integral I. O principal problema da disciplina Cálculo Diferencial e Integral I, levantado pela professora da mesma, era a compreensão e significação dos conceitos de limite, derivada e integral. Para a professora, isto era decorrente do não compreensão dos alunos do real significado destes conceitos e da importância dos mesmos para a formação. E ainda, pela forma que estes conteúdos eram abordados, ou mesmo, apresentados aos alunos. A partir desta indicação e constatação dos problemas da disciplina Cálculo Diferencial e Integral I, os temas trabalhados na pesquisa (funções, limites derivadas e integrais), assim como a elaboração das estratégias (resolução de problemas e desenvolvimentos de projetos) e das atividades, foram definidos e realizados junto com a professora da disciplina, objetivando um trabalho de investigação para a transformação. O primeiro passo dado por nós, pesquisadora e professora, foi estreitar as relações com os professores das disciplinas específicas do curso de Estatística. Este contato se deu em reuniões nas quais foram apresentadas e discutidas as idéias centrais da proposta de trabalho para a disciplina Cálculo Diferencial e Integral I. Estes momentos se caracterizaram pelo esforço de todos os docentes presentes em compreender a importância da construção de uma teia de relações e a necessidade da reflexão sobre o curso e sobre a disciplina. Foram apresentadas e discutidas algumas das principais dificuldades encontradas pelos alunos, no decorrer do curso, nas disciplinas específicas, dificuldades estas que os professores atribuíram a má formação dos conceitos de Cálculo. Esta reflexão nos levou a repensar o conteúdo programático da disciplina Cálculo Diferencial e Integral I, e alterá-lo, incluindo um tópico sobre integrais impróprias, atendendo assim a especificidade do curso de Estatística. Outro problema relatado pelos professores foi a dificuldade que os alunos têm em relacionar a teoria vista em aula com a prática, e ainda, dificuldades em fazer deduções e tomar decisões. Acreditamos que esta problemática advém fortemente da maneira pela qual as disciplinas são desenvolvidas, com conteúdos estanques e sem significado para o aluno. Todas estas questões nos levaram a pensar em fazer da aula um ambiente em que as atividades tenham um maior significado para o aluno, que desenvolvam suas habilidades e que possam enriquecer sua formação não somente profissional, mas sobretudo pessoal. Os encontros entre professores que lecionam no curso de Estatística, de áreas e especialidades diferentes, podem ser 7 caracterizados como momentos de construção, de fato, do projeto pedagógico do curso, uma vez que, apesar de já existir este projeto, não é efetivamente discutido, reconstruído ou ainda, re-significado regularmente pelos docentes. No entanto é um momento de uma magia e poder didático incomensurável, por possibilitar, potencializar, garantir visão filosófica, epistemológica e metodológica do fazer pedagógico; dá a razão de ser do saber. A partir destes encontros pudemos perceber o estabelecimento de um clima de cooperação, um diálogo mais aberto e um compromisso de todos em buscar uma melhor formação para os nossos alunos. No entanto, no decorrer das ações, a professora que mais se aproximou, se mostrou aberta, sempre pronta e disposta para enfrentar este desafio foi aquela que, na época, estava no papel de Coordenadora do Curso. A base da metodologia construída é o desenvolvimento, pelos alunos, de projetos significativos e contextualizados, atividades de construção e resolução de problemas utilizando o computador e a linguagem de programação Logo. No entanto, outras atividades concomitantes a estas foram desenvolvidas, e consideradas não menos importantes e significativas: momentos em sala de aula, resolução de exercícios, leituras e pesquisas realizadas na biblioteca ou pela Internet. A ênfase do trabalho desenvolvido, não está, no entanto, somente nos tipos de atividades planejadas, mas em como estas atividades foram desenvolvidas, ou seja, na dinâmica utilizada, na postura da professora ao abordar e discutir conteúdos da disciplina e no envolvimento dos alunos nas atividades. Esta proposta metodológica veio alterar a dinâmica estabelecida na disciplina, desde a criação do curso de Estatística, que era centrada em aulas expositivas. Assim, ao repensarmos esta disciplina automaticamente resignificamos e alteramos seu Plano de Ensino, que foi devidamente aprovado pelo Conselho de Curso e Conselho Departamental. Foram repensados e alterados neste plano os objetivos, a metodologia de ensino, o critério de avaliação e a distribuição da carga horária para aulas teóricas e práticas. Cabe esclarecer que, apesar do plano de ensino ter sido aprovado pelos Conselhos de Curso e Departamental, ele foi discutido, completado (definição dos instrumentos de avaliação e seus pesos, por exemplo, a realização ou não de provas escritas) e redefinido junto com os alunos nas duas primeiras aulas. Daí a importância destes momentos iniciais, quando nada é apresentado como pronto e acabado, pelo contrário, buscamos nestes momentos envolver, convidar os alunos a participarem, a se comprometerem e se responsabilizarem também pela disciplina e especificamente pelo processo de avaliação. Todo conteúdo foi tratado, inicialmente, por sua compreensão conceitual e por seu significado, em uma atividade no computador. Somente após esta compreensão, o mesmo foi formalizado. Nas atividades propostas para serem desenvolvidas fora da sala de aula (extra-classe), os alunos realizaram pesquisas, tanto em livros como na Internet para que, a partir da idéia inicial sobre o conteúdo, o mesmo fosse trabalho, compreendido, re-significado e formalizado. Buscando uma maior contextualização e significação da aprendizagem dos conceitos, é que foram desenvolvidos os projetos, ao longo do ano letivo, procurando abordar os principais tópicos envolvidos na disciplina. Cada conteúdo foi trabalhado segundo a dinâmica atividades no computador - atividades extra-classe momentos em sala de aula - projetos, num movimento cíclico. Desta forma, a cada semana, o aluno vivenciou todas esta atividades. Por exemplo, quando foi trabalho o tema funções, a primeira atividade realizada foi desenvolvida no computador – a partir de procedimentos realizados pelos alunos, que executava uma figura, foi colocado um problema: como obter a partir desta, figuras de tamanhos diferentes? Foi trabalhado o conceito de variáveis (na linguagem Logo) e compreendido o conceito de função (figura em função do tamanho dos lados). Após esta atividade, os alunos realizaram pesquisas em livros e pela Internet sobre o significado de funções no seu cotidiano e na vida das pessoas. A partir das pesquisas realizadas e dos significados atribuídos pelos os alunos, no momento em sala de aula foi discutido e formalizado (definição) o conceito de função. Nos projetos, os alunos escolheram o tema a ser trabalhado, buscaram e organizaram os dados e perceberam qual variável era independente e qual estava em função de outra. Na semana seguinte, continuando com o tema funções, o conteúdo trabalhado foi gráfico de funções. E, novamente foi trabalho segundo a dinâmica explicitada acima, ou seja, os alunos realizaram atividades no computador - atividades extraclasse - momentos em sala de aula – projetos, nas quais, a partir de seus conhecimentos prévios, vivenciaram situações de aprendizagem que permitiram construir conhecimentos sobre o conteúdo abordado de foram mais contextualizada e significativa. C. Os projetos desenvolvidos Ao se trabalhar com projetos contextualizados e que sejam significativos para os alunos, objetivamos uma formação mais global, procurando dar maior significado aos conceitos matemáticos e auxiliar no desenvolvimento de competências específicas ao estatístico. Dessa forma, buscamos ensinar estatística por meio de uma formação que privilegiasse o “fazer estatística” e compreender este fazer. O desenvolvimento dos projetos se deu ao longo do ano letivo e por meio deles foram discutidos os principais conteúdos da disciplina. Cada projeto foi desenvolvido por um grupo de, em média, quatro alunos. Estes alunos se agruparam de maneira espontânea e por afinidades sem restrições prévias para o estabelecimento dos grupos. Isto garantiu um bom entendimento e funcionamento dos mesmos. Além dos conceitos envolvidos em Cálculo (funções, limites, derivadas e integrais), os projetos desenvolvidos abordaram conceitos de Estatística, mais especificamente, conceitos de Estatística Descritiva e Probabilidade. 8 Todas as fases do desenvolvimento do projeto foram realizadas no computador – organização dos dados, construção do histograma, ajuste da curva e construção do seu gráfico, análise dos limites e derivadas, e compreensão de integrais como áreas e probabilidades. Não foram utilizados softwares estatísticos e/ou matemáticos para a construção dos gráficos e compreensão dos conceitos. As ações foram de construção e realizadas utilizando a linguagem de programação Logo. Os temas abordados nos projetos foram os seguintes: - peso de coelhos em uma granja; - tempo de vida de um fusível; - tempo entre chegadas sucessivas na fila de um banco; - demanda diária de arroz em um supermercado; - temperatura mensal média em Pres. Prudente – SP; - umidade relativa mensal em Pres. Prudente – SP; - ganho de peso na gravidez. Estes projetos envolveram dados de natureza crossseccional, dados longitudinais e séries temporais. Dados cross-seccional são aqueles coletados num mesmo momento, enquanto que séries temporais, são dados observados ao longo do tempo, considerando importante a ordem da informação. Os dados longitudinais são séries temporais coletados para diferentes indivíduos. Desta forma, o tratamento para cada tipo de dado é diferente. Nos projetos cujos dados eram do tipo cross-seccional (projetos sobre Peso de Coelhos, Tempo de Vida de um Fusível, Tempo entre Chegadas Sucessivas na Fila de um Banco e Demanda Diária de Arroz em um Supermercado), os alunos organizaram os dados em classes e construíram uma tabela com a distribuição da freqüência (Tabela 1) com que os dados apareceram. A partir desta tabela, os alunos construíram um procedimento que ao executá-lo apresentava o histograma – um gráfico de barras justapostas que representa a distribuição de freqüências. No histograma, os alunos construíram um gráfico de linha, chamado polígono de freqüências, unindo, por segmentos de reta, os pontos médios dos patamares dos retângulos do histograma (Fig. 1). Fig. 1 – Histograma e polígono de freqüências do projeto “Peso de Coelhos” construído pelos alunos na linguagem Logo. Por meio deste polígono, os alunos procuraram ajustar uma função que melhor representasse a distribuição dos dados. Fig. 2 – Gráfico construído pelos alunos, na linguagem Logo, da função x −5 2 − 0 .5 f ( x) = 100 0.25e 0.8 encontrada para modelar os dados do projeto “Peso de Coelhos”. Tabela 1 – Distribuição de Freqüências dos dados relativo ao projeto “Peso de Coelhos”. Para os projetos envolvendo séries temporais (projetos sobre a Temperatura Mensal Média e Umidade Relativa Mensal em Presidente Prudente – SP) os alunos calcularam as médias mensais e representaram graficamente estas médias em função do tempo. A partir destes dados “plotados” no gráfico, os alunos ajustaram uma curva que melhor representou o comportamento da média ao longo do tempo. No projeto envolvendo dados longitudinais (projeto Ganho de Peso na Gravidez – Fig. 4), para cada unidade experimental (neste caso, cada gestante) foram “plotados” os dados e construída uma curva. A partir de cada curva, os alunos analisaram o comportamento geral de todas as curvas, e ajustaram uma única função, que melhor representou o comportamento geral. 9 Para ajustar uma função que melhor representasse o comportamento dos dados de cada projeto, os alunos realizaram pesquisas na Internet e em livros, de Cálculo e de Estatística. Procuraram também especialistas - outros professores do curso de Estatística, Meteorologista etc. buscando melhor compreender os dados e saber mais sobre tipos de funções utilizadas pela Estatística. Fig. 3 – Gráfico da função f ( x) = 5 cos(x − 30) + 18 ajustada aos dados do projeto Temperatura Mensal Média em Pres. Prudente –SP. Fig.4 – Gráfico plotado pelos alunos do projeto Ganho de Peso na Gravidez, com as curvas das cinco gestantes estudadas e com a função ( f ( x) = 16.4 1 − e − 0.057 x ) 3 que representa o comportamento geral (tom mais escuro). Cada grupo obteve uma função diferente e a partir dela foram compreendidos os conceitos de limite – tendência e convergência; derivada – intervalos de crescimento e decrescimento, pontos de máximo e mínimo, concavidade e pontos de inflexão; e integral – áreas e probabilidades. Desta forma, a partir do estudo da função encontrada em cada projeto, os alunos puderam construir conceitos de Cálculo Diferencial e Integral I. IV. CONCLUSÃO O desejo de mudar e a insatisfação com a própria prática foram a chama da transformação. A professora de Cálculo Diferencial e Integral I, insatisfeita com os resultados obtidos nesta disciplina ao longo dos anos – reprovação, evasão e desinteresse dos alunos – estava pronta para mudar. E este é o primeiro passo para uma inovação. Mas qual o caminho? Como? O medo de mudar, de sair do conhecido, muitas vezes, paralisa as pessoas, não deixando que procurem algo novo e que ousem. Um caminho encontrado por nós, para promover uma aprendizagem de conceitos de Cálculo mais significativa e contextualizada, foi inicialmente uma mudança de foco no trabalho docente - do ensinar para o aprender. Este direcionamento requer novas práticas didáticas e uma nova postura do professor, que de transmissor de informações, deve se tornar o facilitador da aprendizagem do aluno, ter uma atitude interdisciplinar perante o conhecimento, uma atitude de pesquisa, ser considerado um ser “aprendente”. A constatação da necessidade de mudança e a compreensão do professor sobre sua realidade não oportunizam tais transformações. O apoio institucional, a estrutura física (laboratórios), o trabalho em parceria, o estudo e “tempo” para os professores se apropriarem das novas tecnologias são fundamentais para a realização de qualquer prática diferenciada. A partir de todas estas indicações fomos construindo uma metodologia de ensino e aprendizagem para ser utilizada na disciplina Cálculo Diferencial e Integral I, objetivando a criação de um ambiente construcionista de aprendizagem. Tal metodologia está baseada na utilização do computador para resolver problemas e desenvolver projetos significativos e contextualizados, do interesse dos alunos. Apresentamos a seguir os princípios que nortearam a construção desta metodologia, ou seja, os pressupostos para um trabalho construcionista, contextualizado e significativo em Cálculo Diferencial e Integral I. O professor deve ... - procurar trabalhar a partir daquilo que os alunos já sabem; - trabalhar a auto-estima do aluno e criar confiança em suas habilidades e potencialidades; - não banalizar as dificuldades dos alunos, prestar atenção a tudo, procurando perceber o que eles não compreendem; - realizar acordos, negociar, decidir junto com os alunos os objetivos, as ações, o critério e os instrumentos de avaliação; - ter claro que a resolução de problemas é fonte e critério para a elaboração do saber, constituindo um momento privilegiado em que o aluno constrói seu conhecimento, interagindo com outros alunos e com o professor; - ter claro que os conhecimentos não se empilham, não se acumulam, mas passam de um estágio de organização, de equilíbrio inicial à um estágio de desequilíbrio e daí para novo equilíbrio; que a ação é importante para a construção de conceitos; - ter claro que os conceitos matemáticos não estão isolados entre si e que a interação social entre elementos iguais é importante na aprendizagem; - ter claro que só existe aprendizagem quando o aluno 10 percebe que existe um problema para resolver e se põe a resolvê-lo; - ter claro que as produções do aluno são informações sobre seu estágio de conhecimento; - usar o computador, para construir conhecimentos, por meio de realização e construção de algo do interesse dos alunos; - ter uma postura interdisciplinar, por exemplo, ser generoso, humilde e predisposto para a troca e parceria; - desafiar, desequilibrar, incentivar, acolher, ser parceiro e ousar; - ter uma postura de mediador, de facilitador da aprendizagem; - não “dar respostas”, procurar incentivar os alunos a buscarem as soluções dos problemas; - dar “feedback” a todas as atividades desenvolvidas pelos alunos; - propiciar a exploração dos conceitos, “brincar”, vivenciar para somente depois formalizar; - fazer com que os alunos, ao desenvolverem suas atividades, realizem o ciclo descrição-execuçãoreflexão-depuração; - valorizar o erro, compreendendo-o como necessário, positivo e motivador para a aprendizagem; - usar a estratégia de projetos para desenvolver nos alunos atitudes de pesquisadores; - perceber os projetos de trabalho como forma de contextualização e significação da aprendizagem; - trabalhar com temas e projetos sugeridos pelos alunos (do interesse deles); - perceber a avaliação como um processo contínuo, de retroalimentação, integrado a aprendizagem, que permita o repensar e funcione como um elemento motivador e incentivador da aprendizagem. O sucesso de uma metodologia que utilize o computador para construir conceitos de Cálculo, de forma mais significativa necessita da articulação entre estes aspectos, respeitando à singularidade do ambiente trabalhado. Não pretendemos que a metodologia proposta seja utilizada como uma “receita”, mas que ela sirva como um referencial, uma possibilidade, sendo re-construída e resignificada pelo professor, partindo do contexto e da realidade de cada Curso e cada Universidade. Acreditamos que, por meio de atividades de resolução de problemas e do desenvolvimento de projetos significativos e contextualizados pelo computador, utilizando a linguagem Logo e a abordagem construcionista, pudemos atingir, ou melhor, “atacar” as dificuldades dos alunos, relatadas pela professora, quanto a aprendizagem em Cálculo I, que se refere a compreensão e significação dos conceitos de limite, derivada e integral. A compreensão de conceitos se deu inicialmente em situações de aprendizagens, nas quais, as atividades exigiam a participação ativa do aluno. Em geral, isto se deu por meio de uma atividade de resolução de problemas no computador, na qual o aluno pôde realizar o ciclo descrição-execuçãoreflexão-depuração. Ao descrever a solução de um problema para o computador, o aluno teve que articular saberes e estratégias já conhecidas e ainda, buscar novos conceitos e técnicas. Desta forma, os alunos puderam agir, expressar-se e desenvolver o seu próprio pensamento, dando um encaminhamento lógico às suas idéias, buscando soluções diferenciadas e criativas. A significação dos conceitos se deu por meio da realização dos projetos. Por meio deles houve uma contextualização dos conceitos trabalhados, na área específica dos alunos, em nosso caso, a Estatística. Os alunos puderam trabalhar com os conceitos de Cálculo no contexto de seu curso e isto proporcionou uma maior significação para a aprendizagem realizada. Em nenhum momento os alunos questionaram a razão da existência desta disciplina em seu Curso. Questionamento freqüente quando trabalhamos com uma abordagem tradicional. No desenvolvimento dos projetos, os alunos puderam buscar informações, organizar, argumentar, deduzir, induzir, esboçar gráficos, calcular limites, derivadas e integrais, descobrir, raciocinar e pensar por si mesmo. Além destas competências e habilidades trabalhadas, os projetos e as apresentações realizadas proporcionaram o desenvolvimento de outras exigidas ao cidadão da sociedade do conhecimento, tal como, falar em público, apresentar suas idéias de forma clara e organizada, fazer-se compreender, trabalhar em grupo, questionar, fazer relações e interpretar. O uso do computador com a linguagem Logo, na compreensão dos conceitos de Cálculo foi fundamental. Ele possibilitou o desenvolvimento de atividades de construção e por meio do registro realizado, o aluno pôde refletir e depurar suas ações e idéias. Possibilitou ainda a visualização de algumas propriedades que dificilmente o aluno conseguiria “enxergar” sem este recurso. Pudemos constatar, nesta pesquisa, a possibilidade de transformar o processo ensino e aprendizagem de Cálculo, não só pela introdução dos computadores, uma vez que estes podem ser utilizados para reproduzir práticas e reforçar os problemas desta disciplina, mas pelo uso deste recurso em uma perspectiva de mudança, tanto na prática utilizada pelo professor, quanto na relação entre professor-aluno, alunoaluno, aluno-conhecimento, no processo de avaliação, na valorização do fazer, do experimentar, em suma, uma alteração de toda a metodologia utilizada pelo professor transformando o ambiente e a dinâmica estabelecida ao longo da história, nesta disciplina. Esperamos que esta pesquisa sirva para uma reflexão dos professores de Matemática, em especial aos professores de Cálculo, para que eles vislumbrem um trabalho diferenciado, partindo do interesse dos alunos, que seja mais contextualizado e significativo, não perdendo de vista o cidadão que almejamos formar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] [2] [3] ALMEIDA, M. E. (1996). Informática e Educação: Diretrizes para uma Formação Reflexiva de Professores. Dissertação de Mestrado. PUC-SP. (195 p.) ALMEIDA, M. E. (2000). O Computador na Escola: contextualizando a formação de professores – praticar a teoria, refletir a prática. Tese de Doutorado. PUC-SP. (265 p.) AUSUBEL, D. P., NOVAK, J. D., & HANESIAN, H. (1980). Psicologia Educacional. 2ª edição. Rio de Janeiro: Interamericana. (527 p.) 11 [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10] [11] [12] [13] [14] [15] [16] [17] [18] [19] BRASIL. (1999). Proposta Pedagógica da Série: Um Olhar sobre a Escola. Programa Salto para o Futuro – Proinfo. Brasília: MEC. 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