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Regras e auto-regras no contexto terapêutico
andré luis jonas *
Resumo ● O presente trabalho procurou conceituar e contextualizar o conceito de r eg ra e de comportamento controlado por regras d entro da abordagem behaviorista radical, fazendo uma distinção do mesmo
em relação ao comportamento controlado pelas contingências, e p riorizand o os aspectos referentes às
instâncias de controle sobre o comportamento e sua utilização no processo terapêutico comportamental.
Palavras-chave ● reg ras, auto-regras, terapia comportamental.
Title ● Rules and self-rules in the therapeutic context
Abstract ● This paper aims at presenting a concept and a context for rules, as well as f or behaviors
controlled b y rules within the radical behaviorist approach, though a distinction between the latter and
behaviors controlled by conting encies, as well as through the priorit y to asp ects concerning instances of
control over behavior, and it use in the behaviorist therapeutic process.
Keywords ● rules, self-rules, behaviorist therapy.
De acordo com a análise behaviorista radical, todo
comportamento humano é modelado pelas contingências filogenéticas, ontogenéticas e culturais
(SKINNER, 1990).
Um ponto importante nessa análise é compreender que a epistemologia behaviorista radical exige
tanto a previsão como o controle do comportamento (HAYES , 1986; HAYES & B ROWNSTEIN , 1986;
S KINNER, 1953). Além disso, uma vez que o behaviorismo radical adota uma posição ambientalista
e funcionalista, as explicações do comportamento
remetem-se àqueles eventos ambientais diretamente manipuláveis. Estes eventos seriam adjutórios para tanto preve r como controlar o
comportamento (H AYES & BROWNSTEIN , 1986).
Esse pressuposto descarta completamente a
possibilidade de o comportamento ser causado
por eventos internos (no nível da psicologia, pois
podem existir causas fisiológicas). Skinner (1977,
1984) escreveu extensivamente sobre eventos
privados e os rejeitou como “causas” do comportamento. Isso não significa, contudo, que o behaviorismo radical negue a existência ou a importância
Data de recebimento: 11/12/2003.
Data de aceitação: 30/01/2004.
* Doutor em Psicologia (Uni versidade d e São Paulo), mest re
em Psicologia (Pontifícia Universidade Católica d e Campinas),
especialista em Psicologia Clínica, psicólogo clínico, p rofessor
do curso de Psicolo gia da USJT.
E-mail: [email protected].
dos eventos internos. Estes eventos são considerados como estímulos ou respostas que fazem
parte de uma cadeia entre eventos ambientais
externos e comportamentos públicos.
Essa ênfase na predição e controle tem como
preceito que, na visão behaviorista, todas as “causas”
são restritas às contingências ambientais. Em outras
palavras, o behaviorismo radical aceita que o único
caminho para se modificar o comportamento é
modificando-se as contingências em que ele ocorre,
quer alterando as ocasiões de ocorrência, a resposta
ou suas conseqüências.
No entanto, o indivíduo pode comportar-se
com maior eficiência quando ele é capaz de descrever seu comportamento e as variáveis das quais
ele é função. O seu repertório descritivo das contingências que controlam seu comportamento será
útil para si e também para os outros.
Skinner (1984) distinguiu o comportamento
controlado pelas conseqüências ambientais —
comportamento modelado pelas contingências —
do comportamento controlado pelas descrições
verbais das contingências — comportamento
controlado por regras.
O comportamento modelado pelas contingências é aquele controlado pelas contingências
de reforçamento para uma resposta específica.
O comportamento controlado por regras pode
até ser topograficamente idêntico ao comportamento controlado diretamente pelas contingências de reforçamento; contudo, uma vez que a
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resposta de seguir regra também é em parte
mantida por contingências sociais para o seguimento de regra (H AYES, B ROWNSTEIN , H AAS &
GREENW AY , 1986), os comportamentos são controlados por diferentes variáveis. Este é o ponto
fundamental para a distinção entre o comportamento modelado pelas contingências e o comportamento governado por regras.
De acordo com Skinner (1984, 1988), o comportamento governado por regras e o comportamento
modelado por contingências podem ter topografias similares, mas suas variáveis de controle são
distintas e, portanto, são operantes distintos.
Nesse sentido, o comportamento governado
por regras está mais sob controle de antecedentes
verbais do que das relações entre o responder e
suas conseqüências; ao contrário do comportamento modelado pelas contingências, que é diretamente controlado pelas relações entre respostas e
suas conseqüências imediatas (C ATANIA ET AL.,
1989; H AYES ET AL., 1989).
Mais especificamente, as distinções entre regra
e contingência em relação a seu efeito sobre o
comportamento podem ser assim explicitadas:
as contingências caracterizam-se por modelar o
comportamento, alterar a probabilidade de sua
ocorrência e por conferir-lhe um caráter pessoal
e exclusivo; contudo, elas não podem ser descritas
com precisão.
As regras caracterizam-se principalmente por
controlar a topografia da resposta, partem necessariamente de um conjunto de contingências, são
um objeto no ambiente e podem até gerar insensibilidade às contingências. O comportamento
governado por regras é usualmente público, transcende o indivíduo (no sentido de ser mantido pela
comunidade verbal) e não é exatamente igual ao
modelado pelas contingências.
De acordo com a formulação original feita por
Skinner (1984), uma regra funciona como um
estímulo discriminativo (SD), ou seja, um antecedente correlacionado com a disponibilidade de
reforçamento. Ela difere, contudo, de um simples
SD, no sentido em que é uma afirmação verbal
de uma relação contingencial entre o comportamento e o meio. Uma outra característica de
uma regra, quando encarada como um SD, é que
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ela só é eficiente em controlar o comportamento
dependendo das conseqüências para responder ou
não à regra.
Geralmente uma regra é um “atalho”, uma abreviação da descrição de uma contingência conhecida pela comunidade verbal, e, desta forma, pode
especificar apenas um aspecto de um dos termos
da tríplice contingência: o antecedente, a resposta
ou a conseqüência.
Em sua forma mais completa, uma regra pode
descrever o tempo, o local e outras condições
antecedentes apropriadas para o comportamento, a topografia, a freqüência, a duração —
e outros componentes de uma classe de respostas
—, o tipo, a quantidade, a qualidade e o esquema
das conseqüências (H AYES ET AL . , 1989).
Tal precisão, contudo, é rara, e a maioria das
regras são apenas descrições parciais das contingências, deixando ao indivíduo a tarefa de obter
os aspectos que faltam no ambiente e/ou em sua
história pessoal.
Hayes sugeriu que as regras podem ser vistas
como “estímulos verbais que descrevem contingências” (1987, p. 329). Neste sentido, uma característica importante da instrução é estabelecer
outras contingências, descrevendo as contingências naturais por meio de estímulos discriminativos verbais. Esta propriedade da instrução verbal
tem implicações cujo alcance é muito grande.
As instruções podem modificar o comportamento do ouvinte em situações em que as conseqüências naturais são por si mesmas ineficientes ou são
apenas eficazes em longo prazo.
Regras podem, contudo, ser correspondentes
ou discrepantes em relação às contingências por
ela descritas, sejam elas naturais ou arbitrárias.
Quando as regras correspondem às contingências, freqüentemente geram comportamento (ou
desempenho) de acordo com as contingências em
operação. Isto é, geram comportamento (ou desempenho) sensível às contingências.
Quando são discrepantes, as regras podem gerar
comportamento (ou desempenho) que apresenta
mais características de contingências passadas para
o comportamento de seguir regra do que de contingências atuais. Isto é, podem gerar comportamento (ou desempenho) insensível às contingências
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(B ARON & GALIZIO, 1983; C ATANIA , S HIMOFF &
MATTHEWS, 1989; HAYES, Z ETTLE & ROSENFARB, 1989).
Sendo assim, seria razoável supor também
que as experiências idiossincráticas no passado
(história de reforçamento) produzem diferenças
individuais tanto para muitas das conseqüências
naturais do comportamento, quanto para o comportamento de seguir regra.
Nesse sentido, se poderia até especular que
pessoas com padrões de respostas“rígidos” ou “neuróticos” possam ser bons seguidores de regras por
causa de sua história de punição por não seguir
regras (explícitas ou implícitas) que, no passado,
especificavam comportamentos corretos em uma
grande variedade de situações.
Isso aconteceria porque tais histórias poderiam
produzir uma tendência para responder a instruções apenas por terem esse caráter, em vez de um
padrão de comportamento para seguir regras por
causa de as conseqüências especificadas funcionarem como reforçadores (Z ETTLE & HAYES, 1982).
Dentro do contexto apresentado até agora, a
intervenção terapêutica pode ser considerada como
um tipo de comportamento verbal, mais especificamente, um conjunto de regras (no sentido de
as intervenções serem consideradas como descrições de contingências) que são apresentadas ao
cliente tendo em vista a alteração ou manutenção
de determinados comportamentos. Ou seja, ao
apresentar uma regra (descrição, intervenção) para
o cliente, o terapeuta está procurando estabelecer
elementos que levem o cliente a discriminar sob
que condições seu comportamento ocorre, seja
esse funcional ou disfuncional.
As intervenções do terapeuta (o controle do
comportamento por regras), contudo, são menos
eficientes do que o controle exercido diretamente
pelas contingências atuais e passadas de sua história de vida. Tal diferença entre as forças de ambos
os controles sobre o comportamento deve-se ao
fato de que, no primeiro caso (controle por regras),
o comportamento é instruído e, no segundo
(controle pelas contingências), ele é modelado
e, como tal, diretamente exposto a suas conseqüências reforçadoras.
Uma vez que as intervenções do terapeuta
têm como objetivo último levar o cliente à auto-
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observação e ao autoconhecimento (ser capaz de
descrever as contingências às quais responde e
influir nelas), o processo terapêutico ocorrerá por
meio de questões que, feitas pelo terapeuta (comunidade verbal), levariam o cliente a descrever seu
comportamento, sentimentos e a relacionar esses
comportamentos e sentimentos com o ambiente
(GUILHARDI, 1999).
Segundo Zettle (1990), as descrições verbais de
contingências que o cliente chega a fazer (com ajuda,
ou não, do terapeuta) subseqüentemente podem vir
a controlar o comportamento do próprio cliente.
Dessa forma, um passo importante na terapia
consiste em planejar contingências (intervenções,
estratégias, planos terapêuticos, etc.) que levem o
cliente a estabelecer uma correspondência entre
pensar, dizer e fazer. Quando o indivíduo segue as
próprias descrições verbais das contingências
(auto-regras), ele está mais bem preparado para
responder às exigências da seqüência pensamento-ação. Quando um cliente adquire comportamento de seguir regras e auto-regras, ele está mais
bem preparado para lidar com o mundo, “porque
ele mesmo pode, então, reagir mais eficazmente
no momento em que o comportamento modelado por contingências estiver enfraquecido”
(SKINNER , 1988, p. 159).
Clinicamente falando, contudo, podemos considerar que nem sempre o que o cliente diz descreve as reais contingências em operação. Uma vez
que o cliente está diretamente envolvido nas contingências, sua discriminação a respeito delas pode
ser parcial, equivocada ou até mesmo inexistir.
Nesse sentido, tanto as regras como as autoregras podem evitar que o cliente entre em contato
com a realidade. Isso acabaria por gerar um controle fraco das contingências sobre o comportamento do cliente, uma vez que ele estaria
preferencialmente respondendo a regras inadequadas, não entrando em contato direto com as
conseqüências de seu comportamento.
Sendo assim, o papel do processo terapêutico
deverá sempre ser o de facilitar que o cliente entre
em contato com as conseqüências de seu comportamento, pois “a separação entre o comportamento
e suas conseqüências naturais é, segundo Skinner,
alienação” (MICHELET TO & SÉRIO , 1993, p. 20).
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Portanto, o processo terapêutico deverá ser
sempre uma relação inseparável entre a prática ou
vivência (o cliente entra em contato real com as
conseqüências de seus atos) e a reflexão ou teoria
(o terapeuta auxilia o cliente a identificar as contingências às quais responde e a estabelecer novas
regras mais adaptativas e/ou funcionais).
Essa relação dinâmica envolvendo, portanto,
o conhecer as contingências às quais responde, o
estabelecimento de novas regras e suas conseqüências levará o cliente a entrar em contato com as
contingências que confirmarão ou não essas
“novas” regras e, sendo necessário, o levarão a uma
nova descrição das contingências em operação, a
um novo teste de realidade, e assim sucessivamente.
Para tanto, o terapeuta deve atuar em dois
níveis, em que “uma primeira possibilidade é a
manipulação direta das contingências, na qual
criam-se as contingências que modificam ou
influenciam o comportamento; e uma segunda,
que seria descre ver as contingências para o
cliente” (G UILHARDI, 1999).
Contudo, a mera descrição não basta. O que
fazemos ao descrever as contingências é permitir
ao cliente visualizar quais são os determinantes
de seu comportamento, tanto aqueles que o levam
a sofrer como aqueles que lhe trazem satisfação e
promovem seu desenvolvimento. O ponto crítico
é a estimulação para que essas contingências
sejam testadas no cotidiano. Quando o indivíduo
ouve uma descrição das contingências, está diante
de uma hipótese que o terapeuta levanta, mas
trata-se de uma hipótese que deverá ser testável.
Finalizando, o comportamento não é autodeterminado nem tem uma automanutenção; o
comportamento é determinado e mantido pelas
contingências ambientais, que são de natureza
física, química, biológica e principalmente comportamental. O comportamento é meio para produzir
mais comportamento. O segredo não está na verbalização (descrição) das contingências, “mas na possibilidade que a verbalização traz para que o indivíduo,
consciente do que pode estar determinando suas
ações, possa testar e, ao testar, comprovar ou refutar
a possibilidade de ser aquela contingência funcionalmente relevante; e, como conseqüência disso,
influenciar para modificá-la” (GUILHARDI, 1999).
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