0 FACULDADE DE PARÁ DE MINAS – FAPAM Curso de Direito Júnia de Faria A CONTRIBUIÇÃO DO PENSAMENTO DE IMMANUEL KANT PARA O DIREITO: O conceito e o conteúdo do direito na filosofia transcendental de Kant, em um paralelo entre indivíduo, a sociedade e o operador do direito imbuído de responsabilidade social. Pará de Minas 2013 1 Júnia de Faria A CONTRIBUIÇÃO DO PENSAMENTO DE IMMANUEL KANT PARA O DIREITO: O conceito e o conteúdo do direito na filosofia transcendental de Kant, em um paralelo entre indivíduo, a sociedade e o operador do direito imbuído de responsabilidade social. Monografia apresentada à Coordenação de Direito da Faculdade de Pará de Minas como requisito parcial para a conclusão do curso de Direito. Orientador: Geová Nepomuceno Mota Pará de Minas 2013 2 Júnia de Faria A CONTRIBUIÇÃO DO PENSAMENTO DE IMMANUEL KANT PARA O DIREITO: O conceito e o conteúdo do direito na filosofia transcendental de Kant, em um paralelo entre indivíduo, a sociedade e o operador do direito imbuído de responsabilidade social. Monografia apresentada à Coordenação de Direito da Faculdade de Pará de Minas como requisito parcial para a conclusão do curso de Direito. Orientador: Geová Nepomuceno Mota Aprovada em _____ / _____ / _____ __________________________________ Professor Mestre Geová Nepomuceno Mota __________________________________ Professor Especialista Ronaldo Galvão 3 Dedico este trabalho à minha doce Vitória, que mesmo com tenra idade soube, pacientemente, entender meus momentos de ausência. 4 Agradeço ao meu bom Deus por iluminar-me e conduzir os meus passos. Agradeço ao meu professor Geová que tanto me incentivou na realização deste e de tantos outros projetos. 5 (...) “devo proceder sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima, se torne princípio de uma lei universal”. Immanuel Kant, 1785 6 RESUMO A análise quanto ao ser humano e a sociedade é parte de um pressuposto fundamental. Por natureza, o ser humano é um ser social, significando que, necessariamente, precisa conviver uns com os outros. A despeito disso, destaca-se, como temática de estudo, a Moral, pressuposto para o Direito. Isto é, enfatizar o dualismo, razão e sensibilidade, abrangendo-se a supremacia da razão sobre os sentidos, característica fundamental do pensamento de Immanuel Kant. A sociedade é marcada por sua diversidade e pelos segmentos sociais que a estruturam. Por outro lado, a questão da convivência humana é um problema, uma vez que deve ser analisada sob aspectos que visem buscar fazer indivíduos, diferentes entre si, conviverem numa mesma ordem. A aplicabilidade da pura lei deve ser analisada de forma ampla, atentando a seus objetivos teleológicos, baseando-se no indivíduo como ponto fundamental de sua criação, já que ele dela vai se beneficiar ou por ela será reprimido. De maneira pretensiosa, o presente trabalho visará analisar as condições e possibilidades para uma moral com desejo universal que é um dos principais conceitos da filosofia de Immanuel Kant, isto é, uma lei de natureza humana que consiste em doar-se conforme os princípios vislumbrados para que os demais também sigam. Investigando as condições para que a análise do indivíduo transcenda a ampliação da massa social politicamente “incorreta”, diante da atenção ao fato de que, nos dias atuais, o indivíduo é constantemente transformado. Incorporando a ditadura social modificada por ele mesmo, o que o desvincula da autonomia que um dia recebeu, modificando-se para o bem ou para o mal, já que na concepção da lei moral, a vontade do indivíduo é inacabada haja vista que ele estará sujeito às vontades coletivas. É nesse sentido que se identificarão, através do presente estudo, os princípios e bases que possibilitaram uma maior aplicabilidade do Direito no campo das relações humanas e valorização do operador de Direito enquanto indivíduo imbuído de responsabilidade social, uma vez que detentor do conhecimento. Palavras-chave: moral. Indivíduo. Sociedade. Autonomia. Responsabilidade. 7 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 8 2 O DIREITO E A MORAL TRANSCEDENTAL EM KANT ..................................... 11 3 A SOCIEDADE COMO ELEMENTO DE NORMAS .............................................. 17 3.1 O processo de socialização e assimilação dos padrões ..................................... 19 3.2 Controle social e o Direito .................................................................................. 19 3.3 Direito e moral sob uma abordagem social ........................................................ 20 4 A CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE POR UM ÂNGULO DE NECESSIDADE, JUSTIÇA E INTERESSES INDIVIDUAIS ............................................................... 22 5 A RAZÃO E O CONHECIMENTO DO INDIVÍDUO COM ELEMENTOS DE DEVER E MORAL ................................................................................................................ 25 6 OPERADORES OU CONSTRUTORES DO DIREITO, O CONFUSO ESTEREÓTIPO E O QUE SE ESPERA DESSA DEFINIÇÃO ................................. 29 6.1 A disparidade social e o papel do operador do Direito ....................................... 31 6.2 A exterioridade da urbanidade e o princípio da dignidade humana .................... 32 7 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 34 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 36 8 1 INTRODUÇÃO Norteado pelos pensamentos e considerações de Immanuel Kant, o presente trabalho visa abordar, bem como analisar, as condições e possibilidades para uma moral com desejo universal no âmbito das relações humanas e o universo do Direito, examinando o essencial papel do operador do Direito neste plano. Estudar-se-á a moral individual, um dos principais conceitos da filosofia Kantiana, explorando-a como uma lei de natureza universal que consistirá em doarse conforme os princípios vislumbrados para que os demais também sigam. Kant buscará a resposta na raiz da questão, criticando a razão pela própria razão, o idealismo transcendental como forma de explicar algo aparentemente além do limite humano. Embasar-se-ão as decisões sob o aspecto de um ato moral, ou seja, a razão pura, que é a praticada por si mesma, já que na concepção da lei moral veremos que a vontade do indivíduo é inacabada haja vista que ele estará sujeito às vontades coletivas, mesmo sendo detentor da autonomia, princípio da dignidade da natureza humana e de toda a natureza raciocinante. Para o filósofo, ser livre é ser capaz de obedecer à razão, independente das inclinações da maioria, ou seja, a prática da liberdade independente da vontade em relação a toda outra lei que não seja a lei moral. Neste diapasão, o meio social deverá ser analisado, pois a sociedade tem papel fundamental para com a formação do indivíduo, uma vez que ela sempre perseguirá três características básicas, que são: finalidade, manifestação de conjuntos ordenados e poder social. Assim, falar-se-á na chamada separação do entendimento, ou seja, separar o entendimento entre os juízos de fatos e os juízos de valores, avaliando o meio social como é e porque é, já que as características básicas da sociedade são aspectos que também serão perseguidos de forma individual por boa parte dos homens. Então, só a partir daí surgirão as condições para se analisar os aspectos morais/subjetivos norteadores das ações coletivas e individuais. Destarte, buscar-se-ão condições para que a análise do indivíduo transcenda a ampliação da massa social politicamente “incorreta”, diante da atenção ao fato de que, nos dias atuais, o indivíduo é constantemente transformado, incorporando a 9 ditadura social modificada por ele mesmo, o que o desvinculará da autonomia que um dia recebeu, modificando-o para o bem ou para o mal. Utilizando-se desta vertente, Kant atribuirá que a instabilidade do homem se deve ao fato de ele não ousar pensar, seja sob aspectos covardes ou cômodos, subterfúgios estes de um indivíduo que se contenta em viver alienado¹. Assim, para o indivíduo em seu estado natural, seria bastante conveniente permanecer sob uma zona de conforto, uma vez que a coletividade, já instituída por ele, tomaria decisões em seu lugar. Neste sentido, a vertente orientadora de tal tema tem, por pano de fundo, a preocupação em humanizar o Direito, bem como atribuir ao operador de Direito esse papel. A atenção a essa reflexão também se justifica pelas múltiplas diferenças sociais que também são ligadas a múltiplos interesses, sendo que essa diversidade gerará uma disparidade de conflitos. Todavia, acentuar-se-á que, quando efetivamente ocorrer o reconhecimento dessas diferenças, por aqueles capazes de exercer com plenitude um mundo inteligível é que também ocorrerá o enlevo dessa problemática ao universo jurídico, onde o operador do Direito terá o papel de estimular razão alheia, buscando soluções mais justas e plausíveis para assentar o equilíbrio entre os indivíduos. Desta feita, procurar-se-á delinear o caminho tomado, buscando como referência a ética da responsabilidade, o que no presente tema gira em torno do papel do operador do Direito, que deve ser imbuído de responsabilidade social, já que é peça fundamental e essencial para a boa administração da justiça. A pretensão é demonstrar que é necessário o alcance de um conhecimento mais lapidado acerca das diferenças sociais para que juridicamente se consigam resolver as desavenças entre os vários blocos da sociedade sem que os direitos individuais sejam desrespeitados. __________________________ ¹O termo alienação é a tradução mais divulgada das três principais palavras alemãs empregadas por Marx para expressar a ideia de tornar-se estranho a si mesmo, não reconhecer-se em suas obras, desprender-se, distanciar-se, perder o controle. Podendo dizer que a alienação é a humilhação do indivíduo que entrega sua capacidade de pensar a outros. Para Marx e Engels, a alienação associase às condições materiais de vida e somente a transformação do processo de vida real, por meio da ação política, poderia extinguí-la. (QUINTANEIRO, BARBOSA e OLIVEIRA.2003) 10 Acredita-se que não apenas a formação, mas também a instrução jurídica precisam estar concentradas para persuadir os operadores do Direito a interpretá-la em consonância à realidade social, isto é, não ater-se apenas na dogmatizarão e no positivismo que cercam o universo jurídico, uma vez que tiveram a oportunidade de tornar-se militantes² do conhecimento. __________________________ ² Refere-se a superação da alienação, porquanto a busca e a posse do conhecimento. 11 2 O DIREITO E A MORAL TRANSCENDENTAL EM KANT O pensamento filosófico de Immanuel Kant³ influencia, de modo singular, o pensamento moderno e de maneira ímpar traz grandes contribuições para a ciência do Direito. Na visão dele, é preciso entender a complexidade das leis que disciplinam a ação do ser humano, uma vez que ele pertence a um universo instituído por todos e contraposto a sua condição natural, isto é, seus sentidos, sua natureza humana. No estudo da Metafísica dos Costumes, Kant levará a reflexão sobre os sentidos e os sentimentos, traçando, para tanto, definições de legalidade, moralidade e dever, internos ou externos, pressupostos imprescindíveis para desenvolver a compreensão do Direito. A vontade pura (boa vontade) é que dita a lei moral, livre das necessidades e inclinações sensíveis a que está submetido o homem. Trata-se da vontade considerada em si mesma, livre de quaisquer elementos externos, não se constituindo em meio ou instrumento para nada, mais sim em um fim em mesma. (KANT apud de PASCAL. 1990). É perceptível que, a cada dia, a real essência do ser humano vem perdendo sua definição, a essência que esse adere quando pratica sua razão e exercita sua liberdade. Isso ocorre, pois o mundo social é norteado de repreensão, e é este receio de ser atingido pela repreensão que impede com que muitos se arrisquem a pensar, exercitando seu estado de angústia, já que o sentido deste estado diz respeito àquele que poderá levar o homem ao ápice e à prática de seu conhecimento. Conhecimento este que, uma vez guiado pela razão, é capaz de estruturar uma ordem social. __________________________ ³ Immanuel Kant nasceu em Koenigsberg em 22 de abril de 1724, sendo que sua vida transcorreu quase que inteiramente em sua cidade natal. Ao que consta sua família era de poucas posses, tendo o autor herdado da mãe uma sólida educação moral e religiosa. No colégio recebeu marcante influência das crenças morais e religiosas do pietismo, um movimento de intensificação da fé, nascido na igreja luterana alemã do século XVII. A partir de 1740 estudou Filosofia na Universidade de Koenigsberg, curso que abrangia o estudo da filosofia propriamente dita e das ciências, estas as que mais atraiam o interesse do jovem Kant. Em 1747, com a morte do pai e antes mesmo de conquistar todos os graus acadêmicos, Kant viu-se obrigado a deixar a Universidade para ganhar a vida como professor particular, lecionando em diversas casas de famílias nobres da Prússia Oriental. Retornou à cidade natal em 1755, quando obteve junto à Universidade de Koenigsberg "habilitação" que lhe permitiu ser Docente Livre, ministrando cursos financiados pelos próprios estudantes por mais de quatorze anos. Posteriormente, tornou-se Professor Titular naquela Universidade, lecionando as mais diversas matérias: matemática, lógica, metafísica, física, pedagogia, direito natural e geografia. Somente renunciou ao magistério na Universidade de Koenigsberg em 1796, já abatido pela idade avançada. Faleceu em 12 de fevereiro de 1804. Publicou mais de oitenta trabalhos, traduzidos para as mais diversas línguas, a grande maioria ainda em vida. (CRISTÓVAM citando PASCAL .2011) 12 A ideia de liberdade e vontade do indivíduo são norteadores do pensamento de Kant. É nesta vertente que a razão do indivíduo não tem sido exercitada, por isso seus sentidos e sentimentos estão a cada dia mais aflorados. Em um mundo contemporâneo, importa apenas aquilo que lhe é conveniente. Isso levará a uma profusão de diferenças negativas. Assim, nem por respeito ou pelo contrato social instituído, o homem será capaz de mutuamente tolerar um ao outro. Embora vislumbre uma máxima universal, ele sequer será capaz de exercitá-la por si só. Como afirma Pinto, Domingues e Duarte (2002), para Kant esta é a proposta da análise do conceito supremo da moralidade, agir por dever, sendo que este também será a derivação da máxima noção do princípio da moralidade. [...] age como se a máxima de tua ação devesse se tornar por tua vontade em lei universal da natureza; formula do fim em si mesmo: [...] age de maneira a tratar a humanidade, tanto em tua pessoa quanto na pessoa de todos os outros, sempre ao mesmo tempo como fim, jamais como um mero meio, a fórmula da autonomia: [...] fazer tudo a partir da máxima de sua vontade, como uma vontade que pudesse ao mesmo tempo ter a si mesmo como objeto enquanto universalmente legislante; e, finalmente a fórmula do reino dos fins: [...] não praticar nenhuma ação senão de acordo com a máxima tal que também possa ser uma lei universal e, por conseguinte, apenas de tal maneira que a vontade possa se considerar ao mesmo tempo, através de sua máxima, como universalmente legisladora. (KANT apud de PINTO, DOMINGUES E DUARTE, 2002) No pensamento kantiano, a ideia de moral e justiça se relaciona profundamente com a liberdade e a vontade do homem. E são nestes pontos que poderão ser distinguidas as leis morais das naturais, uma vez que mesmo originárias de mundos dispersos estão ao mesmo tempo introduzidas dentro de um mesmo ser, a sensibilidade e a inteligência (razão) condicionando a ação humana. Para Kant, a condição basilar da moralidade é a autonomia da vontade ou da razão prática pura, são fundamentos da dignidade humana. Segundo Pascal. (1990) “a autonomia da vontade é a constituição da vontade, a qualidade de ser lei para si mesma, independente de como forem constituídos os objetos do querer”. É a máxima no pensamento de Kant que convence a ação do indivíduo, onde ele obedece a uma lei jurídica por dever, enquanto ação interna, brado de sentimentos, independe de inclinações ou interesses, pois segundo ele, o que tem força de lei é a vontade, uma vez que a razão é o instrumento da vontade. 13 A máxima, no pensamento kantiano, é o que condiciona a ação do indivíduo, é subjetiva, é a regra que o agente prescreve a si mesmo. É o princípio subjetivo que o sujeito se impõe como regra de ação (é o como quer agir). Ao contrário, o princípio do dever é o que a razão lhe prescreve em absoluto, por conseguinte objetivamente (é o como deve agir). (CRISTOVÁM apud de KANT, 2011) Salienta-se que a atividade moral aspira à máxima como fundamento. Os preceitos da moral obrigam a todos, sem considerações acerca das inclinações de cada um. Obrigam pelo fato de que todo homem é livre e dotado de uma razão prática. E essas leis da razão prescrevem a maneira como se deve agir, mas não têm relação com o mundo do ser, não surgem da observação do mundo. São prescritivas de um dever de ação, mesmo quando ninguém tenha agido conforme a prescrição. As leis morais são dadas a priori pela razão prática. (CRISTOVÁM apud de KANT, 2011) Para Kant, o Direito se justifica enquanto desígnio para a exteriorização da liberdade, onde primeiramente antes de visar a qualquer hipótese de segurança, ele se preocupará com a liberdade externa, ou seja, aquela proveniente da razão. A Crítica da Razão Prática dará continuidade às investigações de Kant, pois refere-se a uma estimulação e crítica acerca dos princípios da moral, onde ele analisa as condições de possibilidade para uma moral com desejo universal e apresenta mais uma vez o imperativo categórico, que é um dos principais conceitos de sua filosofia, ou seja, está ligada à moral individual, uma lei de natureza humana, como, por exemplo, fazer e tratar os outros como a si mesmo, consistindo em doarse conforme os princípios que se vislumbram que os demais também sigam. Desta feita, entende-se que, para Immanuel Kant, todas as decisões devem se embasar em um ato moral, ou seja, a razão pura é a prática por si mesmo. “A autonomia — diz o filósofo — é o princípio da dignidade da natureza humana e de toda a natureza raciocinante”. (KANT, 2005) A moral, conforme Kant "[...] nada mais é, do que a busca e fixação do princípio supremo da moralidade, o que constitui só por si no seu propósito uma tarefa completa e bem distinta de qualquer outra investigação moral" (KANT, 2005). Neste sentido, para Kant, a base principal da moral reside no poder supremo que a razão deve exercer sobre os sentidos. Já que os sentidos podem levar ao engano, uma vez que estariam embasados em questões peculiares, ou seja, questões possíveis mais incertas, enquanto a razão tem o papel de fornecer dados seguros e incontestáveis. 14 Isto posto, urge a compreensão de que para Kant a moral não deve se embasar nos sentidos e sentimentos, por mais honrosos que eles sejam, pois esses são decorrentes da condição humana, e se assim fossem não aconteceriam em procedência de uma ação moral, já que estes mesmos sentidos podem sofrer deveras transformações de acordo aos próprios instintos do indivíduo. Enquanto que a moral verdadeira deve cimentar-se sob o aspecto de uma moral objetiva e universal, sendo que é a partir daí que ela será legitimada. O termo transcendental para Kant refere-se a todo conhecimento que externa a própria razão, explicando conceitos e condições além dos limites e sentimentos naturais do homem. Em linhas gerais, é aquele conhecimento que proporciona condição basilar para que as coisas sejam objetos do conhecimento e não o conhecimento do objeto, assumindo sua própria essência: “Chamo transcendental a todo conhecimento que se ocupa, não propriamente com objetos, mas, em geral, com a nossa maneira de conhecer objetos, enquanto esta deve ser possível a priori”. (KANT, apud de PASCAL. 1990). A razão transcendental é uma razão que está acima do homem mesmo que ele tenha a sua própria razão. Pois, na concepção da lei moral, a vontade do indivíduo é inacabada haja vista que ele estará sujeito às vontades coletivas. Estabelecer os limites do conhecimento em face dos excessos do dogmatismo e do empirismo é a tarefa da crítica, que consiste no julgamento da razão, pelo tribunal da razão, uma vez que somente a razão pode julgar a si mesma (...). As condições de possibilidade da ciência são transcendentais, por estarem implícitas, não podendo ser deduzidas de um outro fato,caso em que haveria uma dedução ao infinito. O conhecimento transcendental é aquele que se dirige, portanto, não a matéria do conhecimento, mas às suas condições de possibilidade, que são a priori.(GOMES, 2004) A razão trabalha como legisladora da moral, já que todo ser humano é dotado de consciência e vontade. Muito embora, estejam sujeitos às leis coletivas por pertencer a um universo coletivo. Para Kant, o homem verdadeiramente livre é aquele capaz de obedecer à razão, independente dos impulsos de sua sensibilidade. Neste aspecto, Immanuel Kant tratou de buscar respostas às questões morais (imperativo categórico) em paralelo ao imperativo hipotético (Direito). Com isso, ele criticará a razão utilizando-se dela própria. Sobre a influência deste pensamento transcendental de Immanuel Kant Cristovám. (2011), brilhantemente expõe: 15 A influência do pensamento de Immanuel Kant é marcante por sua contribuição para uma nova concepção de justiça, ligada à noção de liberdade, aduzindo que o indivíduo é um ser livre e racional, que deve agir segundo um imperativo da razão, segundo as leis de liberdade. Por conseguinte, para que toda essa compreensão seja perfeitamente eficaz é necessário que o indivíduo se reconheça como seu próprio legislador. Pois, na concepção de Kant, a lei é a própria vontade do homem, uma vez norteada pela razão. Consequentemente, é por isso que quando se opera o Direito deve-o fazer em torno dos valores em que se acredita ou não, da mesma maneira, não incorporando à cultura ou ao individualismo único, já que o Direito enquanto valor abstrato nunca será exato, sendo um constante julgamento de valores. Assim, diante da observância fora do contexto moral, no direito é que nem tudo que passa no mundo jurídico será ditado por motivos de ordem moral, podendo ter conotações e/ou razões meramente técnicas de caráter jurídico. É cediço apenas que muitas relações amorais ou imorais realizam-se à sombra da lei, embora exista o desejo imprimível de que o Direito tutele só o lícito moral. Em Kant, a importante compreensão do Direito tem caráter exordial diante da necessária inovação apontada por ele no que se referem à teoria do conhecimento, seus objetivos e finalidades. Neste sentido, o pensador apresenta maior destaque ao idealismo, muito embora a realidade para ele seja necessariamente inserida no indivíduo, sendo que este terá a hipótese de ajustá-la uma vez detentor da virtude do conhecimento que terá sua prática impulsionada pela razão. Assim, mais uma vez acentua-se que a razão pura não interage com a sensibilidade, da mesma maneira que o indivíduo condiciona sua liberdade em dever e vontade. Por isso, dizer que o Direito adota o dever, enquanto a moral associa-se à vontade. Significando dizer que o Direito força apenas a ação (dever), não atuando imediatamente na vontade. No que se refere à supremacia da moralidade, Kant (2005) firma que “quando o objetivo de alguém não é somente expor o que é o direito, não é permissível e nem deveríamos representar aquela lei do direito como ela mesmo sendo o motivo da ação”. 16 Ainda, referindo à máxima universal do Direito, ele dispõe que: Qualquer ação é justa se for capaz de coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal, ou se na sua máxima a liberdade de escolha de cada um puder coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal. (KANT, 2005) Logo, Kant nos apresenta dupla base, isto é, a máxima de uma ação moral interna e a legitimação dessa mesma máxima através da prática que será impulsionada pela razão pura. Importa que o homem cumpra uma ação moral por um dever instituído por ele mesmo, fruto de seu mundo inteligível, maneira que ele mesmo criou para se autopreservar, muito embora seus anseios e desejos sejam contrapostos, pois aquele detentor da razão acreditará e exercerá sua máxima independentemente das inclinações e ditames coletivos. 17 3 A SOCIEDADE COMO ELEMENTO DE NORMAS A sociedade, uma vez analisada sob diversos ângulos, poderá receber diversas definições, seja por um grupo de pessoas com semelhanças étnicas, culturais, políticas e/ou religiosas ou apenas pessoas por com um objetivo comum. O naturalismo definido como a missão ou ato natural do ser humano em viver sob o poder da sociedade diz da necessidade natural do homem em conviver e sentir-se inserido socialmente. Assim, o homem, munido de um interesse próprio, resolve formar a sociedade atribuindo a ela uma autoridade, para que cada indivíduo possa a ela ceder, abrindo mão de sua liberdade natural em prol de um bem comum, na qual resolve submeter-se a um poder centralizado esperando como retorno viver em paz. Desta forma, a simples delimitação física como um território não pode ser por si só, capaz de definir uma sociedade, já que dentre aquele grupo de pessoas, integrante de tal delimitação, possam existir diferenças eficientes para afastar seu próprio conceito, uma vez implícito no significado de sociedade que seus membros compartilham interesses ou preocupações mútuas sobre um objetivo comum. Neste aspecto, cabe salientar a teoria sociológica de Émile Durkheim, que também recebeu influência da filosofia racionalista de Kant, quando frisou que o homem recebe progressivo aprimoramento quando é governado por uma força austera, consistente em racionalizar seus objetivos. Durkheim via uma consciência racional dos indivíduos, uma vez que a instituição da sociedade foi objetivada buscando atender a seus próprios interesses, levando-nos ao entendimento de que a instituição social não ocorreu mediante a força e sim por um objeto de empenho mútuo. Conforme afirma Quintaneiro (2003), a sociedade pode ser definida, segundo Durkheim, como a ciência “das instituições, da sua gênese e do seu funcionamento”, ou seja, de “toda crença, todo comportamento instituído pela coletividade”. Por isso, para ele, a coletividade não possuiu a mesma mentalidade de cada um de seus indivíduos, pois seus estados de consciências pertencem a um grupo de pessoas e não distintamente de cada pessoa. Na visão de Quintaneiro (2003), dispondo sobre os pensamentos de Durkheim “os fenômenos que constituem a sociedade têm sua origem na coletividade e não em cada um dos seus participantes”. 18 É nela que se devem buscar as explicações para os fatos sociais e não nas unidades que a compõem, porque as consciências particulares, unindo-se, agindo e reagindo umas sobre as outras, fundindo-se, dão origem a uma realidade nova que é a consciência da sociedade. (...) Uma coletividade tem as suas formas específicas de pensar e de sentir, às quais os seus membros se sujeitam, mas que diferem daquelas que eles praticariam se fossem abandonados a si mesmos. Jamais o indivíduo, por si só, poderia ter constituído o que quer que fosse que se assemelhasse à idéia dos deuses, aos mitos e aos dogmas das religiões, à idéia do dever e da disciplina moral etc. (DURKHEIM apud de QUINTANEIRO, 2003) Dessa origem social, dispôs Dalmo de Abreu Dalari. A vida em sociedade traz evidentes benefícios ao homem, mas, por outro lado, favorece a criação de uma série de limitações que em certos momentos e determinados lugares, são de tal modo numerosas e frequentes que chegam a afetar seriamente a própria liberdade humana.E, apesar disso, o homem continua vivendo em sociedade (...). Além disso, é importante considerar que a existência desse impulso associativo natural não elimina a participação da vontade humana. Consciente de que necessita da vida social, o homem a deseja e procura favorecê-la, o que não ocorre com os irracionais, que se agrupam por mero instinto e, em consequência, de maneira sempre uniforme, não havendo aperfeiçoamento. Em conclusão a sociedade é o produto da conjunção de um simples impulso associativo natural e da cooperação da vontade humana. (DALARI, 1998). Todavia, independentemente da forma de seu surgimento e classificação, denota-se que a sociedade sempre persegue três características básicas, que são: Finalidade, Manifestação de Conjuntos ordenados e Poder social, (DALARI, 1998) pressupostos que também são perseguidos pela maioria dos indivíduos. Dentro desse contexto, utilizando-se de um modo intuitivo, já que a sociedade é norteada de incertezas, é que ela criará normas editadas de maneira severa visando que contenha, neste ordenamento, a previsão de atos que possam colocar em risco seu equilíbrio. Entretanto, a dúvida é que se seria este ordenamento jurídico, por si só, eficiente para trazer respostas seguras e concretas que busquem garantir a solução dos problemas sociais, uma vez que o indivíduo, pressuposto basilar dela acaba submetendo-se a uma absurda exclusão. O que ao nosso vezo, constitui um dos maiores problemas a se enfrentar. Pois, se um dia, a sociedade foi instituída pela razão, esta, a cada dia, deixa de ser exercida uma vez que seus integrantes já nascem inseridos em um ordenamento desconhecido, e se desconhecido é imposto. Assim, compreende-se que não mais existe a predominância de uma instituição primeira ou de uma solidariedade social, mais sim de uma instituição ditada. 19 3.1 O processo de socialização e assimilação dos padrões Os padrões sociais são transmitidos pelo processo de socialização. Assim, pode-se dizer que toda sociedade cria formas de controle social para que ela própria exista. Algumas dessas formas não estão necessariamente descritas, o que faz com que o indivíduo em seu estado único seja moldado pela coletividade, acontecendo uma padronização dos comportamentos. Pode-se dizer de um processo que dura por toda uma vida; moldes que serão aplicados, trazendo características e pontos muito fortes que passam a fazer parte dos indivíduos. E são exatamente essas características, como os hábitos recebidos e as normas ensinadas, que trazem o ponto forte da socialização, ou seja, o indivíduo passa a agir de acordo com um conjunto de regras e normas recebidas ou não por sua própria razão. O núcleo familiar é o primeiro a estabelecer os padrões sociais. O processo de educação é fruto do meio social e este processo passa a fazer parte dos indivíduos, exercendo sobre ele o controle de pensamentos, a chamada consciência, aquela compreendida de valores aprendidos. A moral compõe a consciência coletiva, os conjuntos de crenças, hábitos, valores e sentimentos comuns à média dos membros da sociedade. Ela independe da vontade individual, pois seu objeto é coesão social, fazendo indivíduos diferentes viverem dentro de uma certa ordem. Assim, uma parte de cada indivíduo é composta de consciência coletiva e a outra parte de consciência individual, quer dizer, das particularidades, individualidades próprias de cada ser humano, que mesmo possuindo sua liberdade instintiva e sensível resolveu dela abrir mão para viver sob uma solidariedade social mecânica; solidariedade esta que nada tem a ver com caridade e sim com o fato automático de se organizarem e se suportarem como conjectura de sua própria sobrevivência. 3.2 Controle social e o Direito Toda sociedade cria maneiras de controlar seus indivíduos, o chamado controle social, seja ele informal ou formal. O primeiro derivado do processo de 20 socialização, cotidiano, rotineiro e o segundo sendo controle de normas formalizadas e codificadas, através de instituições que compõem o sistema jurídico. O Direito é símbolo visível da consciência coletiva de uma sociedade, reproduzindo os principais tipos de sociedade e a maneira de identificá-la. A despeito disso, o Direito penal na sociedade moderna é a representação imediata da consciência coletiva, ou seja, Direito repressivo que procura punir quem faz algo contrário à ordem social, pressupostos e valores fortes de uma sociedade. Quanto mais forte é a consciência coletiva de uma sociedade, mais forte será sua repressão. A coesão social está baseada no grau de consenso produzido entre os indivíduos, o que se pode chamar de solidariedade ou funcionalismo, elementos que formam sistemas para exercer funções que visem manter a harmonia social. 3.3 Direito e moral sob uma abordagem social O Direito pode ser visto como um fato social ou uma ciência. Também pode ser visto como justo, como uma faculdade ou poder. Por isso, o Direito pode ter muitas acepções, podendo ser entendido no sentido de lei e normas jurídicas que regularão condutas sociais, regras obrigatórias, uma vez existentes nas relações sociais. O Direito, como norma positiva, é aquele que possuiu regras vigentes em determinado lugar, enquanto que o Direito natural são aqueles conjuntos de regras superiores, sendo regras universais e consideradas como eternas. O Direito é que apresenta normas que regem as relações, tutelando os interesses gerais visando à satisfação da vontade social. Reale (2001) afirma que A Moral, em regra, dizem os adeptos dessa doutrina, é cumprida de maneira espontânea, mas como as violações são inevitáveis, é indispensável que se impeça, com mais vigor e rigor, a transgressão dos dispositivos que a comunidade considerar indispensável à paz social. Assim sendo, o Direito não é algo de diverso da Moral, mas é uma parte desta, armada de garantias específicas. A teoria do "mínimo ético" pode ser reproduzida através da imagem de dois círculos concêntricos, sendo o círculo maior o da Moral, e o círculo menor o do Direito. Haveria, portanto, um campo de ação comum a ambos, sendo o Direito envolvido pela Moral. Poderíamos dizer, de acordo com essa imagem, que "tudo o que é jurídico é moral, mas nem tudo o que é moral é jurídico". 21 Sobre o cumprimento das regras sociais, ainda dispõe Reale (2001): Se analisarmos os fatos que se passam em geral na sociedade ou os que nos cercam em nossa vida cotidiana, verificamos que regras sociais há que cumprirmos de maneira espontânea. Outras regras existem, todavia, que os homens só cumprem em determinadas ocasiões, porque a tal são coagidos. Há, pois uma distinção a fazer-se quanto ao cumprimento espontâneo e o obrigatório ou forçado das regras sociais. A qual dessas categorias pertencerá a Moral? Podemos dizer que a Moral é o mundo da conduta espontânea, do comportamento que encontra em si próprio a sua razão de existir. O ato moral implica a adesão do espírito ao conteúdo da regra. Só temos, na verdade, Moral autêntica quando o indivíduo, por um movimento espiritual espontâneo realiza o ato enunciado pela norma. Não é possível conceber-se o ato moral forçado, fruto da força ou da coação. Ninguém pode ser bom pela violência. Só é possível praticar o bem, no sentido próprio, quando ele nos atrai por aquilo que vale por si mesmo, e não pela interferência de terceiros, pela força que venha consagrar a utilidade ou a conveniência de uma atitude. Conquanto haja reparos a ser feitos à Ética de Kant, pelo seu excessivo formalismo, pretendendo rigorosamente que se cumpra "o dever pelo dever", não resta dúvida que ele vislumbrou uma verdade essencial quando pôs em evidência a espontaneidade do ato moral. Para Kant, o Direito é a materialização da liberdade externa, na qual os próprios homens, por um objetivo comum, constituíram a sociedade e delimitaram sua liberdade interna. Assim, seus atos de liberdade são atribuídos pela liberdade do outro, ou seja, a condição de ser livre ao optar por um dever, utilizando para isso sua razão. Por isso, para ele, a liberdade é um dever que enseja um postulado igualitário criado por seres dotados de razão, vinculando suas condições de escolher e optar pelo dever. Certo é que o Direito não representa todo o contexto moral, ele é apenas o mínimo obrigatório para a sobrevivência da sociedade. Assim, o direito nada mais é do que a moral coletiva imposta mediante a força e fiscalizada pelos preceitos éticos, ou seja, apenas aqueles considerados imprescindíveis para a manutenção da paz e da ordem social. Por isso, pode-se dizer que o Direito, muito embora instituído como forma de previsão dos atos dos indivíduos, sempre estará atrasado a estes, pois tudo aquilo que é criado também pode ser modificado, o que na ideia de Kant está ligado ao mundo inteligível do ser humano, já que em seu estado natural seus anseios seriam apenas repetições e instintos. Por isso dizer que o Direito é um constante julgamento de valores. 22 4 A CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE POR UM ÂNGULO DE NECESSIDADE, JUSTIÇA E INTERESSES INDIVIDUAIS Pela concepção de justiça como segurança social, dispôs a filosofia política de Hobbes. (1979), que a finalidade do direito é a garantia da paz social, por meio da instituição de um poder excelso, que emanará as normas jurídicas que regularão a convivência humana. Para este filósofo, os homens apenas serão livres e iguais em seu estado natural, já que para ele o homem adere um pacto para se autoproteger, renunciando a liberdade deste mesmo estado natural; escolhendo submeter-se a uma ditadura social, já que entre os indivíduos há um paralelo entre a liberdade individual e a coletiva, esta última ligada a seus interesses e sua segurança. Ato este, que o indivíduo propõe fundado apenas na razão humana, assim não encontrando respaldo algum em seu estado sensível. A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O que equivale a dizer: designar um homem ou uma assembleia de homens como representante de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns; todos submetendo assim suas vontades à vontade do representante, e suas decisões a sua decisão. Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em termos mais reverentes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa. Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz em seu próprio país, e ela ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do estado, a qual pode ser assim definida: Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar paz e a defesa comum. Àquele que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui poder soberano. Todos os restantes são súditos. Este poder soberano pode 23 ser adquirido de duas maneiras. Uma delas é a sarça natural, como quando um homem obriga seus filhos a submeterem-se, e a submeterem seus próprios filhos, a sua autoridade, na medida em que é capaz de destruí-los em caso de recusa. Ou como quando um homem sujeita através da guerra seus inimigos a sua vontade, concedendo-lhes a vida com essa condição. A outra é quando os homens concordam entre si em submeterem-se a um homem, ou a uma assembleia de homens, voluntariamente, com a esperança de serem protegidos por ele contra todos os outros. Este último pode ser chamado um Estado Político, ou um Estado por instituição. Ao primeiro pode chamar-se um Estado por aquisição. Vou em primeiro lugar referir-me ao Estado por instituição.. (HOBBES, 1979) Todavia pela ideia de sociedade no idealismo de Kant, Lima (2011) reflete que: Kant, adotando a teoria contratualista, admite a existência de dois estados, um da natureza e outro cívico, razão pela qual constrói sua teoria sobre essa proposição, explicando a transformação do primeiro estado no segundo. Até Kant, como foi visto, essa transformação era explicada de dois modos distintos: de um lado, Hobbes e Rousseau defendiam que a passagem para o estado cívico somente seria possível com a eliminação do estado natural, motivo pelo qual seria preciso abrir mão da liberdade em nome da segurança jurídica; lado outro, Montesquieu entendia que a liberdade somente surgiria com o advento do Estado. Quanto a Locke, contrariando Hobbes e Rousseau, não admitia que o estado cívico eliminasse o estado natural por completo, mas, ao eleger a conservação da ordem (segurança jurídica) como justificativa para a idéia de Estado, acabou por desaguar na teoria dos citados contratualista. (LIMA, 2011). Kant afasta a ideia hobbesiana de justiça como segurança social e a vincula à justiça de liberdade, pois para ele “é justa toda ação que por si, ou por máxima, não constituiu um obstáculo à conformidade da liberdade do arbítrio de todos com a liberdade de cada um segundo leis universais”. KANT. (2005). Visão sempre mais importante do que a sociedade, sendo que o Direito, as leis que governam uma sociedade são, em sua origem, convencionais. Em Kant, o caminho do estado da natureza individual humana para a sociedade assemelha-se ao pensamento de John Lock. A disposição do filósofo inglês que leva a compreensão de que a mente humana é uma espécie de "quadro em branco", onde será gravado diariamente o conhecimento, através das experiências e sensações. E, assim, cada indivíduo, ao consentir com os outros em formar um corpo político com um governo, coloca-se a si próprio sob a obrigação em relação a todos os outros membros dessa sociedade de se submeter à determinação da maioria e de aceitar suas decisões. Caso contrário, esse pacto original, pelo qual ele e os outros formam uma sociedade não significaria nada, e seria um pacto se ele permanecesse tão livre e tão sem obrigações, quanto se encontrava no estado de natureza. (REZENDE apud de LOCK, 2001). 24 Na concepção de Kant, a ideia de liberdade é a marca distintiva da sociedade, uma vez que a ideia de liberdade encerra um postulado de igualdade e liberdade como princípio que deve valer para todos. 25 5 A RAZÃO E O CONHECIMENTO DO INDIVÍDUO COM ELEMENTOS DE DEVER E MORAL Para KANT, a ação moralmente correta é aquela praticada por dever. Esta declaração determina a assimilação do conceito de dever, que por sua vez depende dos conceitos de boa vontade e lei moral, muito embora estes também sejam característicos do conceito de dever. Kant (2002) dispôs que “[...] neste mundo, e até também fora dele, nada é possível pensar que possa ser considerado como bom sem limitações a não ser uma só coisa: uma boa vontade”. Não obstante, nota-se que mesmo submetendo-se a um acordo coletivo que é levado pela razão, o pensamento do indivíduo é inovador, isto é, um individualismo metodológico, pois se algo existir é porque alguém quis que existisse. Então, se a sociedade existe é porque seus integrantes assim querem. Tudo parte do indivíduo e suas vontades, desejos e valores. Embora a sociedade seja instituída com elementos de dever moral, ela sempre será resultado do que os indivíduos fazem, seus próprios postulados de liberdade e autonomia. O indivíduo produz a sociedade com elementos de dever, e esta produz culturas que são transmitidas para todos, porém isso não impede que cada ser subjetive e incorpore de uma maneira única, transformando algo que era coletivo em individual. Na sociedade contemporânea, nem tudo que o indivíduo faz é com intenções, motivações de cunho moral, embora tudo precise de uma justificativa. Logo, só será possível explicar toda uma sociedade se também souber explicar cada um dos seus integrantes, seus anseios e desejos, indivíduos estes que a cada dia afastam-se da razão e aproximam-se de seus sentimentos. É esta a concepção de sociedade construída por Max Weber. Possui particularidade de funcionamento. O agente individual é a unidade da análise sociológica, a única entidade capaz de conferir significado as suas ações. Ao agir socialmente tendo em vista a validez de uma determinada ordem cujo sentido é compartilhado por aqueles que dela participam, ele o faz de acordo com os padrões que são específicos de tal ordem e, assim, articula em sua ação sentidos referenciados a esferas distintas.É nas ações e no sentido que o agente lhes confere que se atualiza a lógica de cada uma das esferas da vida em sociedade, e é a partir do contexto significante da ordem na qual uma ação individual está inserida que poderemos compreender sociologicamente seu 26 significado. Assim, “a forma pela qual a honra social é distribuída dentro de uma comunidade, entre grupos típicos pertencentes a ela pode ser chamada de ordem social” (QUINTANEIRO; BARBOSA, 2003) Nessa vertente, segundo Maria Ligia de Oliveira Barbosa, Weber identifica os elementos para elaborar seu conceito de classes. Falamos de uma classe quando: 1) é comum a um certo número de pessoas um componente causal específico de suas probabilidades de existência na medida em que 2) tal componente esteja representado exclusivamente por interesses lucrativos e de posse de bens 3) em condições determinadas pelo mercado (de bens ou de trabalho) (WEBER apud de QUINTANEIRO; BARBOSA, 2003) No modo de ver de Kant, as determinações morais são preceitos universais, e não buscam meramente, na norma, sua forma de agir, na medida em que são livres, afirmados pela razão. Afirma o filósofo que, “a razão ordena como cabe ao homem agir, mesmo que nenhum exemplo disso possa ser encontrado". (KANT, 2002). Por isso, Kant defendia a razão como base da moral. Partindo do princípio de que a identidade e o comportamento humano estão relacionados com a identificação no outro, ou seja, a ação das próprias pessoas influenciando um comportamento individual, tornando-se dessa forma o comportamento uma lei universal. Neste sentido, "Se a doutrina dos costumes fosse simplesmente a doutrina da felicidade, seria absurdo buscar princípios a priori para ela" (KANT, 2005). Por conseguinte, é preciso indicar quatro aspectos que podem caracterizar a moral de Kant. a) a razão é a faculdade de excelência dos seres humanos. Daí o forte racionalismo de Kant; b) os seres humanos devem ser tratados como um fim em si mesmo, nunca como um meio; c) Há valores absolutos, isto é, bons ou maus por si mesmos independentes das consequências que produzam; d) Uma ação é moral, somente, quando realizada pelo sentimento de dever. Para Kant, a ação moral terá de incorporar uma máxima universalizável e só a partir daí decidir se estará certo realizar uma ação particular, por isso Kant diz que deves perguntar se queres que a tua máxima se torne uma lei universal. Certo é que a sociedade sempre espera algo de cada cidadão, porém, é aquilo que cada ser humano espera de si mesmo que fará toda a diferença. Esse processo dura a vida toda e é um processo muito forte, pois passa a fazer parte do indivíduo, do que ele é, do que recebe e do que acredita. 27 A sociedade é composta por diversos gêneros de pessoas, cada qual com suas particularidades, sejam elas extravagantes ou limitadas. O ser humano deve ser analisado pelo que ele é e pelo que ele significa para a coletividade, já que ele deve ser considerado como o alicerce basilar do seu próprio Direito, ou seja, o real motivo para aplicabilidade de uma lei positiva. E é justamente a desordem das relações entre os homens que faz com que se viva em um mundo que a cada dia está mais exclusivo, egocêntrico e desproporcional, elevando-se a um grau mais extremado de interesses que mutuamente se alimentam. Evidente é que o Direito é uma das ciências que mais tem a contribuir para com a sociedade e para com os indivíduos que a integram. Desta maneira, analisar o indivíduo em seu plano de formação com o Direito é externar a análise social para melhor entendimento em relação ao ser humano e seus comportamentos perante toda uma coletividade, e isso cada dia levará a reflexão de um Direito mais humano e menos positivo. Imperioso se mostra que não existe reposta para a inquietação do ser humano, todavia, uma das respostas seria viver de forma ética, diferenciando o que é moral (imperativo categórico) do que é Direito (imperativo hipotético), fazendo uso da razão para tornar plausível tal inquietação. Partindo desta constatação, é que se impõe uma necessidade de se racionalizar, preocupando-se com o agir humano e com seu objeto de liberdade, não descartando uma maior preocupação para com sua natureza humana. Tal filosofia, pressuporá e requererá uma metafísica dos costumes, isto é, a ela mesma um dever de ter tal metafísica e todo ser humano também a tem dentro de si mesmo, ainda que em geral somente de uma forma obscura, pois sem princípios a priori como poderia ele crer que tem dentro de si mesmo uma lei universal (KANT, 2005). Por isso, na Crítica da faculdade de juízo, Kant (2002) declara que, “todas as representações dentro de nós, não importa se, de um ponto de vista objetivo, são meramente sensíveis ou totalmente intelectuais, ainda são subjetivamente associáveis à satisfação ou dor, por mais imperceptíveis que estas possam ser”. Destarte, é por isso que conhecimento do indivíduo possuiu uma comum profusão de partes empíricas (a posteriori), ou seja, o conhecimento reportado 28 através das observações e experiências, muito embora derivando de análises peculiares. Enquanto o conhecimento racional (a priori), proveniente de um mundo inteligível, uma vez que essencial, independe de experiência e constatações, pois fruto da inteligência daquele que pensa e escolhe agir ou não agir. Para Kant, o conhecimento provindo da razão é essencialmente verdadeiro, enquanto o conhecimento provindo das experiências é incerto, uma vez que impensável. Sendo certo que o conhecimento a priori melhor se complementará com o conhecimento a posteriori. Cumpre esclarecer que a razão dita os princípios a priori da atividade moral, isto é, ação por dever, o imperativo categórico que prescreve ao indivíduo o dever de agir sempre de modo que possa construir a máxima de sua ação em lei universal. Nesta esteira, a reflexão maior de Kant é sobre a possibilidade de um conhecimento que trará respostas não necessitando tão somente da experiência, mas de um desejo universalizável. 29 6 OPERADORES OU CONSTRUTORES DO DIREITO, O CONFUSO ESTEREÓTIPO E O QUE SE ESPERA DESSA DEFINIÇÃO Operador é aquele que executa operações técnicas definidas se dedicando a algum tipo de manipulação, aquele indivíduo encarregado de operar, de fazer funcionar máquinas, aparelhos, sistemas etc. [...], (HOUAISS, 2001). Neste conceito, tem-se que o operador do Direito deve ser todo aquele responsável pelo sistema jurídico, oferecendo-lhe ferramentas e respostas necessárias. Primeiramente, em aspecto contemporâneo, antes de qualquer análise mais abrangente, chama-se de operador do Direito aquele profissional graduado em Direito sem, contudo, conceituar o seu papel fundamental para o bom desenvolvimento e administração da justiça como pressuposto basilar da segurança social o que, inicialmente, nos remete a uma grande divergência nesta qualificação. Em síntese, primeiramente, pode-se dizer que o operador do Direito mais conhecido na compressão da carreira jurídica seria o advogado, aquele que após graduado em instituição regular de ensino por um período mínimo de cinco anos, submete-se a exame e após ser aprovado, será inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), conforme disposto no artigo 8º da Lei 8906/94. Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário: I - capacidade civil; II diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada; III - título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro; IV - aprovação em Exame de Ordem; V não exercer atividade incompatível com a advocacia; VI - idoneidade moral; VII - prestar compromisso perante o conselho. (BRASIL, 1994). Com isso, transformar-se-á, formalmente, em advogado, abrindo-se então hipóteses para efetivamente operar o Direito. Logo, nesta mesma conceituação teremos outros profissionais que atuam no campo jurídico, tais como, juízes, promotores de justiça, delegados, defensores, dentre tantos outros, recebem semelhante título, todavia, acolhendo-se na linha acadêmica mencionada alhures. Todavia, não se deve deixa influenciar por essa taxação quanto ao operador do Direito, pois o raciocínio base aqui é que só operará efetivamente o Direito, aquele que ousar a pensar o Direito. Só então, de fato e sentido é que poderia verdadeiramente aplicar, ou compreender, a expressão ora em debate. Assim, outra 30 conceitualização seria aforica, pois designaria supostamente os únicos e capazes de operar, ou noutro sentido, dirigir o Direito, o que não condiz com a total verdade. Certo é que pensar o Direito representa e demonstra a linha tênue que separa a noção de função social do Direito e de Direito como fim em si mesmo. Em outras palavras, que dizer de um profissional não meramente graduado, mais consciente de seu papel, uma vez que também é indivíduo integrante da sociedade, mesmo que algum momento esteja submerso nas atitudes individualistas do universo jurídico, este não será corrompido, pois uma vez detentor e praticante da razão militante possuirá o poder fundamental da razão. De tal sorte, operar o Direito não consiste no praticar da ciência dogmática apreendida nem tão pouco dos conteúdos transmitidos nos textos legais. A importância da operação do Direito se verifica, quando se pode empregar todo um conhecimento para uma efetiva construção, pois aquele que opera, já está fadado a operar algo instituído, mas aquele que constrói possui a responsabilidade de inovar. Assim, não basta que o Direito apenas estabeleça a ordem jurídica é preciso que ele, através de seus construtores, identifique o real significado dessa ordem. Desta feita, ressalta-se que a importância de se propagar uma ideia de plenitude reside na abrangência de fins e meios, isto é, na sua composição equilibrada, uma vez assimilando que o Direito constitui uma instituição eminentemente social. Os esforços empreendidos no engenho de uma sociedade é que proporcionam oportunidades equânimes de desenvolvimento para as pessoas, estejam elas em qualquer nível ou classe social, achando respaldo no princípio essencial da dignidade da pessoa humana, do bem comum, portanto, deve sempre ser suscetível de evolução. O Operador do Direito não deve vislumbrar apenas em ser um aplicador ou conhecedor das leis, uma vez que também se trata de um ser humano revestido de sensibilidade e razão. É esta razão que o auxiliará em seu papel no ajuste das leis e aos verdadeiros fins sociais que ela deve se dirigir, contribuindo para a convivência pacífica das pessoas em sociedade. Daí proverá a verdadeira segurança jurídica. É por isso que o primeiro passo é superar o aforismo criado em torno da expressão operador do Direito. E essa quebra de paradigma é fundamental para se construir na mente e na prática o modelo pelo qual se possa atingir a conscientização das pessoas sobre as leis vigentes e prerrogativas ínsitas aos 31 sujeitos de direitos e, numa dimensão segunda, a justa satisfação e conscientização das partes, isto é, de todos os atores de uma sociedade. A tarefa de refletir sobre o tema inserido é árdua em seu sentido de compreensão, todavia, vislumbrar a importância do estudo do direito e do profissional de direito para com uma sociedade, que é composta de diversas classes e indivíduos, cada qual com seus desejos e anseios e tarefa para aqueles que almejam fazer a diferença, utilizando como ferramenta para tal, o estudo do direito em seu sentido amplo. Características estas de construtores e não apenas operadores. Enfim, acentua-se a ideia de que todo aquele que é possuidor da oportunidade em se tornar militante do conhecimento e não um mero alienado social é também detentor da liberdade e da autonomia, pressupostos estes que arrastam a evolução e a mudança de alguém que se imbui de responsabilidade social. 6.1 A disparidade social e o papel do operador do Direito É notório que a sociedade vem sendo a cada dia marcada por diferentes segmentos, que muitas vezes tem ultrapassado os simples conflitos sociais, chegando à negação e à segregação do indivíduo, formas essas de violência e alienação moral. Em resposta a essa adversidade social, é que se exige daqueles que desempenham funções sociais que ampliem e apliquem seus conhecimentos acerca das singularidades que compõem a sociedade. A própria sociedade é um fenômeno e notadamente composta de pessoas com desejos e anseios, envolvendo questões diversas e polêmicas, tais como: política, religião, raça, poder econômico, dentre tantos outros. Isso trouxe ao operador do Direito uma maior responsabilidade social, tendo como principal argumento essas relações em conformidade à dignidade individual e coletiva, uma vez que a sociedade também pode ser considerada como um direito fundamental, uma vez que foi constituída pelo próprio indivíduo. O atual contexto não tem valorizado o indivíduo como um todo e sim a matéria que está composta nele como, por exemplo, o crescente processo da valorização econômica. A atenção nessa reflexão se justifica ao efeito de que a diversidade social também traz uma diversidade de interesses coletivos, o que por sua vez gera uma 32 disparidade de problemas sociais, sendo que apenas com aceitação dessas diferenças é que ocasionará sua possibilidade de concretização e transporte ao universo jurídico, onde o papel do operador do direito será efetivamente assentar o equilíbrio entre os indivíduos. 6.2 A exterioridade da urbanidade e o princípio da dignidade humana A cada dia tem ficado mais evidenciada a ausência habitual de urbanidade na sociedade, a qual além de acovardar os indivíduos gera relevante preocupação nesta mesma sociedade. Cediço é que essas características têm se disseminado de forma devastadora, tornando-se cada dia mais crescente. O verdadeiro operador do Direito deve estar alerta ao dever de urbanidade, independente que ele lhe seja recíproco, pois só assim terá alicerce para concretizar o efetivo exercício de suas relevantes funções, além de preservar a imagem da verdadeira justiça, contribuindo para que se concretize, acima de tudo, o basilar princípio da dignidade humana. Segundo Bastos (1997): Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Valores esses albergados pela Lei Maior com o escopo de dar sistematização ao documento constitucional, de servir como critério de interpretação e, sobretudo, expandir os seus valores, pulverizando-os sobre todo o universo jurídico. Ademais, esse princípio fundamental pode-se apresentar sobre dupla percepção conforme asseverou Morais (2002), que diz que: Em primeiro lugar prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação a outros indivíduos; ao passo que, em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Todavia, muito embora exista certa complexidade em definir a dignidade humana, certo será dizer que para cada indivíduo ela terá peculiar significado, uma vez que o conceito de dignidade sempre será amplo diante das características inerentes a cada pessoa e a sua real situação perante todo um contexto social. Acertado será, quando, apesar dessa dificuldade, esse mesmo princípio seja fidedignamente constituído em um mínimo a ser protegido, já que ele é manifestação peculiar que deve ser respeitada pelos demais. É isso que o contexto jurídico e seus operadores devem assegurar. 33 A dignidade Humana faz do indivíduo fundamento e fim de uma sociedade, e é nesse contexto que teremos uma identidade de sua definição. Como característica essencial da pessoa, a dignidade é um princípio que envolve todos os princípios relativos aos direitos e também aos deveres das pessoas e à posição do Estado perante elas. Na qualidade de princípio axiológico fundamental e limite transcendente do poder constituinte, ter-se-á que a dignidade humana como um metaprincípio. (MIRANDA, 2009). Portanto, a dignidade humana deve ser considerada muito mais do que um princípio constitucional norteador do ordenamento jurídico. É ela que deve assegurar toda uma atuação em torno da sociedade hodierna. Por isso, os operadores do Direito, especificamente, devem cumprir com excelência tudo aquilo que lhes é atribuído, com dedicação a real efetivação dos fins sociais e concretização da dignidade humana, uma vez sendo seres que devem militar o conhecimento e serem plenamente capazes de praticar a razão, em uma sociedade que a cada dia possui indivíduos mais sensíveis e menos racionais. 34 7 CONCLUSÃO Depois de percorrer parte do caminho da filosofia transcendental de Kant, trilhar na conceituação do Direito brasileiro é axiomática a necessidade de uma interpretação da sociedade e de suas transformações e anseios a partir de uma identificação da concreta e autêntica problemática social. Assim, obsecra-se do Direito, bem como de seus operadores uma atuação ativa e voltada em vencer os diversos bloqueios sociais originados pela fomentação das relações sociais, às quais, notadamente em virtude do processo de transformação social sobre o indivíduo edificou a complexidade das relações humanas. A esse efeito é que a sociedade atual, enquanto interligada, também se separa pelas divergentes e diferentes referências sociais, sejam elas de ordem econômica, religiosa, racial ou política. Contra isso, é fundamental que se demonstre a todos os atores dessa relação a sua real responsabilidade para que ocorra essa harmonização. Porém, no que se refere aos operadores do Direito, é imperioso que exista um dever de ordenar e interferir na implementação desta desejada realidade social, isso porque devem se considerar, bem como serem considerados militantes do conhecimento e detentores do fundamental papel de guiar o relacionamento humano pelos reais caminhos da dignidade. A tarefa de refletir sobre o tema inserido é deveras árdua em seu sentido de compreensão. Todavia, vislumbrar a importância do estudo do Direito e do profissional de Direito para com a sociedade, que é composta de diversas classes e indivíduos, cada qual com seus desejos e anseios, é tarefa para aqueles que, uma vez detentores dos pensamentos críticos e reflexivos, utilizem-nos em prol da inserção de que o respeito pela identidade peculiar do indivíduo é de extrema importância para a aplicabilidade e manutenção da ordem social. A forma objetiva de abordar a justificativa da ideia de sociedade no idealismo transcendental de Kant reside sob o conceito da justificativa de se viver em sociedade, passando pela compreensão filosófica em concluir como o indivíduo arrasta consigo a existência de uma coletividade, sobre aspectos e interesses ora comuns, ora divergentes. Sobrevindo momentos de ação moral, seus atos serão cumpridos por um dever e, outrora, serão cumpridos por uma consciência de dever. E, só a partir daí surgirá um verdadeiro ato moral. 35 Logo, todo aquele que é possuidor da oportunidade em se tornar militante do conhecimento e não apenas um alienado social, é também detentor da liberdade e da autonomia, pressupostos estes que arrastam a evolução e a mudança de todo um contexto, seja sob a dimensão social ou individual, uma vez que, independente de qual seja, deverá estar imbuído de responsabilidade social. O real é que o Direito também é um fenômeno social e, em razão disso, não será o único e suficiente recurso para sanar o problema da complexidade social, todavia, a pretensão é que os operadores do Direito aprendam a identificar que a mudança primeiramente provém sobre os olhos daqueles que a enxergam, e que se não é possível mudar todo um contexto, deve-se enxergá-lo sob outro ângulo, no intuito de caucionar uma efetiva e justa resposta aos conflitos que a junção de interesses traz e só assim procurar analisar e interpretar os fatos sociais e os seus atores. 36 REFERÊNCIAS ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTTINS, Maria Helena Pires. Introdução à Filosofia. 2. ed. ampl. e atual. São Paulo: Moderna, 1993. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito constitucional. 18. ed.ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,1997. BRASIL. Lei n. 8906 de 04 jul. 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Diário Oficial, Brasília, 04 jul. 1994. 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