REFLEXÕES SOBRE A NECESSIDADE DO ENSINO DE FILOSOFIA DENTRO DO CONTEXTO ATUAL¹ RODRIGUES, Glademir dos Santos²; SIQUEIRA, Grégori Lopes²; GONÇALVES, Rita de Athayde³ ¹ Trabalho de Pesquisa _UNIFRA. ² Acadêmicos do Curso de Filosofia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil. ³ Professora do Curso de Filosofia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: [email protected]; [email protected] RESUMO O ensino de Filosofia na educação básica encontra muitas dificuldades. Entre os obstáculos estão à formação universitária deficiente dos professores, a desmotivação dos mesmos devido à desvalorização salarial e os equívocos e distorções que a disciplina sofre na prática, devido a profissionais de outras áreas ministrarem as aulas. Soma-se a esses aspectos o desinteresse dos alunos, que estão mais voltados a receber tudo pronto e preferem o lúdico, o agradável ao esforço que a Filosofia exige. Assim sendo, se questiona sobre o que fazer para melhorar a prática pedagógica e aceitação dessa disciplina no nível médio. Nesse estudo se objetiva refletir sobre questões como o valor do ensino de Filosofia para os adolescentes, a necessidade desta disciplina no currículo e na vida dos jovens, as possíveis ações e formas de ministrar as aulas. Considerandose que as dificuldades se devem, em grande parte, a abordagem metodológica inadequada ao ensino desse componente curricular, o presente texto analisa as soluções apontadas por alguns autores que tratam sobre o tema, para superar as dificuldades referentes ao ensino de Filosofia, por considerá-las eficientes para a superação dos obstáculos que impedem a qualidade do ensino em Filosofia no nível médio. Palavras-chave: Dificuldades; Ensino de Filosofia; Soluções. INTRODUÇÃO Este estudo se propõe a investigar sobre a temática do ensino de Filosofia no Ensino Médio e apresenta como objetivo refletir os diversos obstáculos que tem tornado deficiente a sua prática pedagógica no contexto atual, para verificar as possibilidades e alternativas que se apresentam para a melhoria e aceitação dessa disciplina no nível médio. Pretende-se com isso demonstrar o verdadeiro valor que a Filosofia possui no desenvolvimento intelectivo dos alunos. Nessa tarefa o professor tem papel fundamental, pois é o responsável pela condução dos alunos, levando-os à aquisição do saber e a apreensão filosófica e para tal precisa estar bem preparado. 1 Cabe aqui a investigação a respeito dos problemas que se constituem em obstáculos ao ensino de Filosofia na educação básica, bem como ressaltar a necessidade desta disciplina no currículo e na vida dos jovens e que ações se pode realizar para dar maior visibilidade sobre o valor da disciplina. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A disciplina de Filosofia durante muito tempo ficou ausente da grade curricular das escolas de nível médio no nosso país, o que gerou um descrédito e certo desinteresse geral pela mesma. Frente a esta situação, há muitas dificuldades com relação ao ensino de Filosofia no contexto atual e estes fatores contribuem para a desmotivação dos professores frente a sua tarefa de ministrar aulas de Filosofia na educação básica. Segundo Murcho (2002, p.9), um professor de Filosofia que procure fazer um bom trabalho enfrenta quatro obstáculos, a saber: uma formação universitária deficiente, colegas desmotivados, programas deficientes e estudantes desinteressados. Um dos obstáculos indicados que merece maior atenção é a formação universitária deficiente, sobre a qual ele descreve que “o professor de filosofia recém-formado descobre com espanto que o que estudou e aprendeu na faculdade é praticamente irrelevante na sua prática lectiva” (MURCHO, 2002, p.9). Ainda sobre este tema Murcho destaca que: Nas faculdades aprende-se a navegar à vela e sem bússola pelos comentadores dos filósofos mortos. Aprende-se a fazer comentários de textos, baseados em trocadilhos e paráfrases. Mas não se aprende filosofia. [...] Aprende-se a comentar, mas não a pensar. (2002, p.10) Aqui se encontra um grande empecilho que dificulta o futuro do docente de Filosofia, pois ele corre o risco de entrar no mercado de trabalho sem ter desenvolvido o filosofar, sem se deixar envolver pela própria práxis filosófica, tornando-se um mero transmissor de conteúdos, mas que não consegue levar o aluno à abstração e problematização necessárias para que se realize efetivamente o filosofar. Murcho (2002, p.10) chama a atenção para o perigo da aula de Filosofia se tornar em mera história da Filosofia e das ideias dos principais filósofos. O certo é que não está descartada a possibilidade de trazer a história e todos os elementos que constituíram o pensamento, mas o pressuposto é que, anteriormente, se faz necessário ensinar os alunos a filosofar para depois contextualizar a história. Sobre esta relação ainda, Gonçalves assim observa: O termo filósofo ultrapassa a idéia de domínio da História da Filosofia. Se os professores que atuam no nível médio não vêem necessidade de trabalhar a História da Filosofia como conteúdo neste componente curricular, há um 2 contra-senso nessa convicção, pois todos receberam e continuam recebendo a sua formação com ênfase em História da Filosofia. (2006, p.74) O ensino de Filosofia deve partir dos interesses e necessidades do lugar onde se realiza e do público a que se destina. A aula de Filosofia deve ser um espaço democrático no qual o importante não é o conteúdo, mas o exercício da discussão, do debate, da crítica e da problematização, ou do filosofar. Langón destaca que a aula de Filosofia deve quebrar paradigmas, mudar concepções, levar os alunos à construção argumentativa que deve ser instigada pelo professor: Cada aula de filosofia procura provocar uma sacudidela nos jovens, fazêlos “quebrar a cabeça”, derrubar suas certezas e provocar suas dúvidas, violar suas virgindades, fazê-los perder irrecuperavelmente inocências e canduras. Toda aula de filosofia exerce violência para provocar no outro um movimento. Um movimento rumo ao... imprevisível. Supõe esse querer (no sentido de vontade e no de amor) filosófico que por querer a sabedoria, a põe em questão, a põe constantemente em xeque, a rejeita, a obriga a mudar. (2003, p.95) Uma das características da Filosofia é seu caráter crítico, logo se ela não realizar este papel essencial, tornar-se-á uma disciplina cansativa e dispensável, pois apenas estará reproduzindo conhecimento e não o desenvolvendo. Outra dificuldade que impede o bom desempenho da disciplina é a desmotivação do professor devido a vários fatores, entre os quais está à desvalorização da profissão, a baixa remuneração, a falta de programas de formação continuada, o que lhe impede de preparar boas aulas, de se qualificar melhor e ter tranquilidade na sua profissão. Ao considerar a disciplina de Filosofia, a situação ainda é mais desestimulante, pois há uma resistência da sociedade em geral com relação à reflexão e construção do pensamento filosófico. Jaspers, ao pensar sobre a situação da Filosofia no mundo, expõe como a sociedade a percebe: [...] como se põe o mundo em relação com a filosofia? Há cátedras de filosofia nas universidades. Atualmente, representam uma posição embaraçosa. Por força da tradição, a filosofia é polidamente respeitada, mas, no fundo, objeto de desprezo. A opinião corrente é a de que a filosofia nada tem a dizer e carece de qualquer utilidade prática. É nomeada em público, mas - existirá realmente? (1993, p.138) Continuando sua reflexão sobre a Filosofia, o mesmo autor destaca que as pessoas não querem se comprometer em filosofar, e para negar a Filosofia fazem afirmações como: [...] a filosofia é demasiado complexa; não a compreendo; está além de meu alcance; não tenho vocação para ela; e, portanto, não me diz respeito. Ora, isso equivale a dizer: é inútil o interesse pelas questões fundamentais da 3 vida; cabe abster-se de pensar no plano geral para mergulhar, através de trabalho consciencioso, num capítulo qualquer de atividade prática ou intelectual; quanto ao resto, bastará ter “opiniões” e contentar-se com elas.[...] problema crucial é o seguinte: a filosofia aspira à verdade total, que o mundo não quer. A filosofia é, portanto, perturbadora da paz. (1993, p. 138). Nesse contexto surge outro problema referente ao ensino de Filosofia, a ideia distorcida de que para lecionar Filosofia, não há necessidade de formação específica, pois tudo é filosofia uma vez que todos os temas se prestam a discussão, assim sendo, qualquer formação poderia ensinar a disciplina. Atualmente se sabe que boa parte dos professores de Filosofia são oriundos de outras áreas de conhecimento, logo, não estão habilitados para tratar temas filosóficos e, de forma geral, não conseguem proporcionar a inserção dos alunos no processo de filosofar. A qualificação inadequada dos docentes de outras formações que trabalham com Filosofia, provoca equívocos e desvia a disciplina de seu objetivo, quando o professor utiliza a aula para tratar de temas não filosóficos, o que acaba por não favorecer o ensino de qualidade para os alunos. Com relação aos programas da disciplina, Murcho (2002) chama a atenção para o fato de que, geralmente, não contemplam a especificidade da disciplina, na medida em que são imprecisos. No Brasil há deficiência de programas sérios, que não caiam em ambiguidades e que favoreça o ensino excelente. Para que o ensino de qualidade ocorra, é preciso repensar a formação do professor: Diante do destaque mínimo dado à licenciatura pelas Diretrizes Curriculares para os Cursos de Filosofia, a formação inicial dos professores de Filosofia, embora tenha passado por modificações significativas a partir de 2002, precisa ser continuamente discutida para que a Filosofia no Ensino Médio não se torne uma disciplina acadêmica, desvinculada do contexto do adolescente, tratando de temas que não dizem respeito à vivência e ao cotidiano dos alunos e, através de metodologias inadequadas, ao nível do seu desenvolvimento intelectual [...]. (GONÇALVES, 2006, p.79) Porém somente a boa formação do professor não é suficiente para a qualidade do ensino filosófico. Um fator importante que da forma como é veiculado não contribui para a aquisição e desenvolvimento filosófico por parte dos adolescentes é o acesso e o excesso de informação presente no mundo atual, como a Internet, as redes sociais e os novos meios de comunicação. Isto parece ter desestimulado o processo de filosofar, pois os jovens e as crianças se prendem com muita facilidade a tais meios, voltados ao entretenimento e não ao exercício do pensamento. Este fato influencia todas as áreas de conhecimento, onde o ensino parece ter se tornado a obrigatoriedade de cumprir uma etapa, sem necessidade de aprofundamento, mais pela aquisição do diploma que a necessidade do saber. Assim sendo, 4 o educador deve pensar sobre novas modalidades de ensino para conseguir usar a seu favor as novas tecnologias da informação e comunicação, criando espaços de reflexão através dessas. Toda a situação descrita até aqui se reflete na desmotivação por parte dos estudantes. Parece que os adolescentes e os jovens de hoje tendem ao prazer e as coisas mais fáceis, preferem o lúdico a uma atividade que requer esforço. Isto, obviamente, acarreta um desprestígio pela Filosofia que por si só se faz exigente, devido a sua necessidade de abstração, de pensamento sobre a essência das coisas, e que está fora do costume das pessoas em geral. Não se pode generalizar, dizer que todos os professores e todos os alunos são desinteressados, mas importa aqui observarmos que vivemos uma época difícil, muitas situações são contrárias à reflexão e desestimulam a Filosofia e seu ensino. METODOLOGIA Esse estudo tem como pressuposto metodológico a abordagem qualitativa, desenvolvida através de pesquisa bibliográfica, na qual foram consultados autores que investigam o tema sobre o ensino de Filosofia no contexto atual, tratando-o como um problema filosófico, por acreditarem que o ensino desta disciplina somente será eficiente quando for tratado como tal. RESULTADOS Para que o ensino de filosofia proporcione ao educando o filosofar, se deve refletir sobre como contextualizar aquilo que necessita ser ministrado com a dinamicidade que cada aula precisar ter. Langon (2003, p.97-100) sugere três passos para serem desenvolvidos: a sensibilização, a avaliação e a reflexão, pois ele considera que a aula de Filosofia não se trata de “aprender o já sabido”, mas “aprender a ser humano”. Seguindo a mesma linha de raciocínio, se posiciona Gallo (2005, p.397) ao sugerir quatro passos para o ensino de Filosofia: a sensibilização, a problematização, a investigação e a conceituação. Na sensibilização se faz a pergunta por que é importante tratar determinados conteúdos em Filosofia, com a tarefa de despertar a atenção e interesse dos alunos para o tema proposto. Podem-se utilizar diversos meios como filme, música, crônica, poesia, videoclipe, cartaz, teatro, desenho, colagem painel. Sensibilizar o aluno para a reflexão sobre temas filosóficos visa levá-lo a reconhecer a necessidade de discutir questões essenciais à compreensão da sua realidade. Na problematização se pergunta o que o educando quer saber sobre a realidade estudada, ou qual é o problema que emerge do tema que está sendo pensado, deste modo 5 se transforma o tema em problema. Quanto mais completa a problematização, mais intensa será a busca por conceitos. A problematização pode ser feita por meio de montagem de cartazes, slides, discussões. Na investigação são apresentadas as diferentes teorias, as possíveis respostas, o que os filósofos falaram sobre o problema, confrontando pensamentos diferentes a fim de levar os alunos a tomarem uma posição frente ao assunto. Na conceituação o objetivo é uma conclusão sobre o assunto, mesmo que seja parcial, é a escolha da melhor resposta, do que tem de mais significativo e da construção do pensamento capaz de gerar um conceito. Estes passos sugeridos por Gallo orientam o professor de Filosofia a levar seus alunos ao processo reflexivo, a saber, o porquê das coisas, o modo como à ciência e todo o conhecimento acontecem, ou seja, deve levar o aluno a pensar e despertar a curiosidade na busca do saber, pois este é o papel da Filosofia no ensino, conforme descreve Navia: Com efeito, não há nenhuma outra instância onde se reflete sobre o fundamento e os limites do conhecimento, tratando de gerar critérios sobre a distinção entre conhecimento fundamentado e não fundamentado e de tirar o ‘obscurantismo’ e a ‘mistificação’ da ciência; não há outro âmbito onde se reflete sobre problemas éticos, estéticos, antropológicos, sóciohistóricos e culturais, procurando um antídoto contra o dogmatismo, o fanatismo e a intolerância. Uma instância, além disso, onde se desenvolvem as capacidades de argumentação e discussão de idéias explicitamente fundamentadas e com elucidações dos princípios e supostos implicados como modelo privilegiado de qualquer análise, elucidação e avaliação de um discurso que inclua princípios gerais. (2005, p.277-278) Segundo Murcho (2002, p.14), cada professor, juntamente com seus pares, deve iniciar uma revolução no seu dia-a-dia, a partir da decisão de se colocar a estudar, de buscar em livros introdutórios a ajuda necessária à tarefa de ensinar Filosofia. Deve ser o professor-filósofo, o professor-pesquisador para, desse modo, construir a docência de boa qualidade. CONCLUSÕES Ensinar Filosofia é uma tarefa bastante complexa. Porém não há duvida que a Filosofia seja essencial ao currículo e a vida dos adolescentes, pois o processo de desenvolvimento do pensamento racional, a capacidade de inferência, de crítica e problematização da realidade oferecida por essa disciplina é fundamental. Frente a inúmeras dificuldades encontradas atualmente no ensino de Filosofia, parece que a solução é tornar as aulas mais filosóficas, a partir do uso da metodologia acertada, onde o professor seja um conhecedor da realidade dos seus alunos, e saiba introduzir conteúdos que cause o interesse nos adolescentes e jovens. 6 REFERÊNCIAS GALLO, Sílvio. Filosofia na educação básica: uma propedêutica à paciência do conceito. In: RIBAS, Maria Alice Coelho. et al. (Org.) Filosofia e ensino: A Filosofia na escola. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005. GONÇALVES, Rita de Athayde. A Filosofia no nível médio: que paradigmas seguir para seu ensino? In: GONÇALVES, Rita de Athayde. et al. (Org.) Educação e Sociedade: perspectivas educacionais no século XXI. Santa Maria: UNIFRA, 2006. JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultura, 1993. LANGÓN, Maurício. Filosofia do ensino de Filosofia. In: GALLO, Sílvio. et al. (Org.) Filosofia do ensino de Filosofia. Petrópolis: Vozes, 2003. MURCHO, Desidério. A natureza da Filosofia e seu ensino. Lisboa: Plátano, 2002. NAVIA, Ricardo. O Ensino Médio de Filosofia nas presentes condições culturais e sociais de nossos países. In: RIBAS, Maria Alice. et al. (Org.) Filosofia e ensino: A Filosofia na escola. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005. 7