trading eletrônico e o mercado de capitais

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TRADING ELETRÔNICO E
O MERCADO DE CAPITAIS
AUTOR: OTTO EDUARDO FONSECA LOBO
GRADUAÇÃO
2014.2
Sumário
Trading Eletrônico e o Mercado de Capitais
1. ROTEIRO DO CURSO .......................................................................................................................................... 4
1.1 Visão Geral .............................................................................................................................. 4
1.2 Objetivos Gerais ...................................................................................................................... 4
1.3 Metodologia ............................................................................................................................ 4
1.4 Desafios e Dificuldades ............................................................................................................ 5
1.5 Métodos de Avaliação .............................................................................................................. 5
1.6 Atividades Complementares .................................................................................................... 5
2. AULA 1: A ATUAÇÃO DOS ADVOGADOS NA CRIAÇÃO DE RIQUEZAS ................................................................................. 6
A) Ementário de Temas.................................................................................................................. 6
B) Material de Leitura ................................................................................................................... 6
C) Roteiro de Aula ........................................................................................................................ 6
D) Bibliografia Complementar .................................................................................................... 11
E) Glossário ................................................................................................................................. 11
3. AULA 2: AUTO-REGULAÇÃO ............................................................................................................................... 12
Introdução ................................................................................................................................... 12
A Legislação Brasileira ................................................................................................................. 12
Estrutura Regulatória................................................................................................................... 13
Vantagens e Desvantagens da Estrutura Regulatória ..................................................................... 14
Providências Adotadas para Melhorar a Estrutura Regulatória...................................................... 15
Concept Release Concerning Self-Regulation .............................................................................. 16
Consulta Pública — Edital de Audiência Pública SDM Nº 05/13 ............................................... 27
4. AULA 3: OS VALORES MOBILIÁRIOS .................................................................................................................... 38
5. AULA 4: OS MERCADOS NORTEAMERICANO E EUROPEU E A MELHOR EXECUÇÃO ............................................................. 42
O Mercado de Capitais nos Estado Unidos .................................................................................. 42
O Mercado de Capitais na Europa ............................................................................................... 45
6. AULA 5: AS OPORTUNIDADES PARA O BRASIL ........................................................................................................ 51
A Melhor Execução e o Desafio para o Brasil ............................................................................... 52
7. AULA 6: ILICITUDES ADMINISTRATIVAS E PENAIS NO AMBITO DO MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO ............................... 55
1. Introdução ............................................................................................................................... 55
2. O Ilícito Penal. Manipulação do mercado, criação de condições artificiais,
operações fraudulentas e práticas não equitativas — Art. 27-C da Lei 6.385/1976. ......... 56
3. O Ilícito Administrativo. ......................................................................................................... 61
4. O Termo de Compromisso. ..................................................................................................... 63
8. AULAS 7 E 8: A CVM E OS CASOS DE ALIENAÇÃO DE CONTROLE NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS ............................................. 68
A) Ementário de Temas................................................................................................................ 68
B) Material de Leitura ................................................................................................................. 68
C) Roteiro de Aula ...................................................................................................................... 68
Conclusão ................................................................................................................................... 74
Conclusão ................................................................................................................................... 75
Conclusão ................................................................................................................................... 76
D) Texto de Apoio ....................................................................................................................... 77
9. AULAS 9 E 10: OFERTA PÚBLICA DE AQUISIÇÃO DE AÇÕES ......................................................................................... 80
A) Ementário de Temas................................................................................................................ 80
B) Material de Leitura ................................................................................................................. 80
C) Roteiro de Aula ...................................................................................................................... 80
D) Leitura complementar ............................................................................................................ 92
10. AULA 11: POISON PILLS ................................................................................................................................. 95
A) Ementário de Temas................................................................................................................ 95
B) Material de Leitura ................................................................................................................. 95
C) Roteiro de Aula ...................................................................................................................... 95
D) Textos Complementares ......................................................................................................... 99
E) Glossário ............................................................................................................................... 108
11. AULA 12: TAKEOVER PANEL ........................................................................................................................... 109
A) Ementário de Temas.............................................................................................................. 109
B) Material de Leitura ............................................................................................................... 109
C) Roteiro de Aula .................................................................................................................... 109
D) Bibliografia........................................................................................................................... 113
12. AULAS 13 E 14: GOVERNAÇA CORPORATIVA, OS INTERESSES FUNDAMENTAIS E AS QUESTÕES ÉTICAS. ............................. 115
A) Ementário de Temas.............................................................................................................. 115
B) Material de Leitura ............................................................................................................... 115
C) Roteiro de Aula .................................................................................................................... 115
D) Textos de Apoio.................................................................................................................... 121
E) Estudo de Casos .................................................................................................................... 138
F) Glossário ............................................................................................................................... 140
G) Questões de Concurso .......................................................................................................... 141
13. AULA 15: OPERAÇÕES DE REORGANIZAÇÕES SOCIETÁRIA: ASPECTOS TRIBUTÁRIOS .................................................... 142
A) Ementário de Temas.............................................................................................................. 142
B) Material de Leitura ............................................................................................................... 142
C) Roteiro de Aula .................................................................................................................... 142
D) Textos de Apoio.................................................................................................................... 154
Contextualização ....................................................................................................................... 154
14. AULA 16: O USO DOS FUNDOS DE INVESTIMENTOS EM PARTICIPAÇÕES FIP ............................................................... 164
A) Ementário de Temas.............................................................................................................. 164
B) Material de Leitura ............................................................................................................... 164
C) Roteiro de Aula .................................................................................................................... 164
D) Textos de Apoio.................................................................................................................... 166
E) Caso...................................................................................................................................... 172
F) Glossário ............................................................................................................................... 172
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
1. ROTEIRO DO CURSO
1.1 VISÃO GERAL
Sejam bem-vindos ao ATC de Trading Eletrônico e o Mercado de Capitais.
Propõe-se à análise e aplicação das seguintes leis e regulamentos a casos
concretos de mercado de capitais e direito societário: Lei das S.A., Código
Civil, Instruções da CVM e regulamentos do Conselho Monetário Nacional
e portarias do Ministério da Fazenda.
1.2 OBJETIVOS GERAIS
O advogado que pretende trabalhar com mercado de capitais e direito societário necessita ter uma visão multidisciplinar do direito e, principalmente,
compreender as questões mais relevantes. A ênfase é buscar o equilíbrio entre
a teoria e a prática. Portanto, nesta disciplina o aluno irá analisar e discutir
questões conceituais e práticas destes temas, através de estudo de casos, análise e discussão de textos, memorandos, contratos e documentos típicos de
mercado de capitais e direito societário.1
Ainda, com relação à parte específica de mercado de capitais, é importante
que os alunos reconheçam a relevância da discussão da regulação e autoregulação e suas consequências.
1.3 METODOLOGIA
O material didático menciona o roteiro de cada aula, com indicação dos
textos para leitura, os casos práticos a serem estudados e outras questões relevantes. Serão também apresentados textos de leitura complementares.
As primeiras aulas serão importantes para firmar os conceitos básicos da
matéria. Propõe-se também trabalhar em diversos casos e contratos que serão
a espinha dorsal de parte do curso.
Serão apresentadas questões praticas e teóricas na maioria das aulas.
Ademais, o curso poderá contar com atividades complementares, como a
realização de palestras com professores e profissionais convidados, projeção
de filmes e documentários, e apresentação de seminários pelos alunos.
1
Especiais agradecimentos ao Marcelo
Trindade Matos de Andrade, Paula Lígia
Oliveira Dias, Carolina Ferraz Barbosa
Ferreira e Guilherme Torres Bandeira de
Mello que auxiliaram, de forma efetiva,
na elaboração de diversos capítulos da
presente apostila.
FGV DIREITO RIO
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
1.4 DESAFIOS E DIFICULDADES
Os principais desafios serão identificar e analisar as questões relacionadas
ao mercado de capitaios e o direito societário e aplicar os conhecimentos teóricos, incluindo as leis, instruções, pareceres de orientação aos casos concretos
e aos contratos e documentos a serem elaborados em situações trazidas por
operações de mercado de capitais e direito societárias.
1.5 MÉTODOS DE AVALIAÇÃO
Serão realizadas avaliações baseadas em atividades em sala de aula ou em
trabalhos sobre temas específicos a serem indicados pelo professor.
1.6 ATIVIDADES COMPLEMENTARES
Dependendo do andamento do curso, poderão ser propostas atividades
adicionais.
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
2. AULA 1: A ATUAÇÃO DOS ADVOGADOS NA CRIAÇÃO DE RIQUEZAS
A) EMENTÁRIO DE TEMAS
A função dos advogados de negócios na economia. Noções de agente deficitário e agente superavitário. O mercado financeiro e suas divisões. Diferenciações entre o mercado de capitais e o resto do mercado financeiro.
B) MATERIAL DE LEITURA
Eizirik, Nelson; Gaal, Ariadna B.; Parente, Flávia; Henriques, Marcus de
Freitas. Mercado de Capitais — regime jurídico. 2. ed. revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar: 2008. p. 1-8.
YAZBEK, Otavio. Regulação do mercado financeiro e de capitais. 2. ed. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 126-127.
PEDREIRA, coordenado por Alfredo Lamy Filho; José Luiz Bulhões. Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 215-218.
C) ROTEIRO DE AULA
Inicia-se este curso com uma análise sobre o necessário reconhecimento da
função fundamental exercida pelos advogados no desenvolvimento da economia e distribuição de justiça.
Atualmente, os economistas concordam em uníssono quanto à importância da propriedade para o aprimoramento do capital humano, ao contrário
do que afirmava a doutrina comunista surgida no século XIX. Em outras
palavras, a existência da propriedade é uma arma eficiente que pode ser usada
na busca do bem-estar social, pois ela incentiva muito mais a produtividade
do que o sistema centralizador comunista, pois através da propriedade pode
ser realizada a distribuição de riqueza.2
Quando atribuímos a importância da propriedade na busca do bem-estar
social, somos logo levados a investigar a sua origem: o sistema jurídico, que é
aquele que impõe à sociedade o respeito à sua existência.
2
Neste sentido, o artigo seminal de Ronald Coase, “The Problem of Social
Cost”, publicado em 1961, sugeriu que
direitos de propriedade bem definidos poderiam superar os problemas
das externalidades. Desde que os custos de transação se aproximassem de
zero, acordos mutuamente benéficos
regulariam quem arcaria com o custo
da externalidade. Coase, Ronald, “The
Problem of Social Cost”, The Journal of
Law and Economics. Vol.3, No.1 (1960).
Essa edição foi publicada em 1961.
FGV DIREITO RIO
6
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Law and Economics
A partir disso, foi dado início ao intercâmbio de informações entre a área
econômica e a jurídica, com vistas ao aperfeiçoamento das teorias de ambas
as áreas de estudo. Neste sentido, foi criada a doutrina Law and Economics,
amplamente explorada pela doutrina norte-americana3, com reflexos notáveis
nas decisões judiciais norte-americanas, e que no Brasil ganhou o nome de
Análise Econômica do Direito. A partir dessas análises, procura-se aplicar a
solução mais eficiente economicamente ao litígio em questão.4
Mas a conexão entre direito e economia não se encerra nesta seara. Ainda,
e mais importante para este curso, percebeu-se recentemente o papel fundamental do advogado societário no aprimoramento do bem-estar social, na
medida em que sua atividade reduz os custos transacionais.
Os custos transacionais são aqueles custos que surgem na realização de
uma transação econômica, além do preço da coisa em si. Por exemplo, a taxa
de comissão que se deve pagar ao corretor quando se compra uma ação.
Oliver Williamson, professor de Yale, especialista em custos de transação, demonstrou em seu trabalho5 que a redução dos custos de transação é uma função
essencial na economia, que é em grande parte desenvolvida no âmbito jurídico.
Aperfeiçoando esta ideia, o Professor Ronald Gilson da Stanford Law
School denominou os advogados de negócios como “engenheiros de custo de
transações”6. A frase demonstra uma parte importante da utilidade especial
que os advogados de negócios trazem aos seus clientes.
Este artigo fundamental do professor Ronald Gilson reconhece que as
estruturas organizacionais e transacionais criadas pelos advogados podem ser
compreendidas como mecanismos que economizam em informação, barganha e custos agenciais7.
Sem dúvidas, os custos de transação que os advogados de negócios ajudam
a reduzir envolvem as despesas correntes de negociação, documentação e a
efetivação de transações — por exemplo, a burocracia do registro de documentos perante órgãos públicos. Mas a atuação advocatícia não se encerra
neste âmbito. A sua contribuição vital para o bem-estar humano, enquanto
busca o bem-estar do cliente, é a criação de novas soluções para problemas
que são percebidos nas transações. Nesta atividade criativa, os advogados de
negócios permitem que seus clientes assumam formas adicionais ou novas de
riscos, e assim são exercidas novas atividades criadoras de riqueza.
Deste modo, Gilson enxerga o papel exercido pelos advogados de negócios
como engenheiros de custos de transação, cuja função é agir como intermediários organizacionais, projetando eficientes estruturas de custo de transação
através das quais eles desenvolvem suas atividades produtivas.
É importante chamar atenção à importância pública desta atividade. A
continuação do desenvolvimento dos mercados de capitais no Brasil, assim
3
Por exemplo, Anthony Kronman, ex-reitor da Yale Law School, escreveu
que “the intellectual movement that
has had the greatest influence on American academic law in the past quarter-century [of the 20th Century]” is law
and economics. Anthony T. Kronman,
The Lost Lawyer 166 (1993).
4
Exemplo é o caso Boomer v. Atlantic
Cement Company, Inc., em que a Court
of Appeals of New York não condenou o
réu a pagar indenização ao autor, pois
o efeito econômico de tal obrigação
levaria o réu à falência, prejudicando
centenas de empregados do réu.
5
Oliver E. Williamson (1981). “The
Economics of Organization: The Transaction Cost Approach”. The American
Journal of Sociology 87 (3): 548—577.
6
Gilson, Ronald J., Lawyers as Transaction Cost Engineers (August 1997).
Disponível em: http://ssrn.com/abstract=11418 acessado em 14 de maio
de 2012.
7
Agência, na tradução livre do termo
Agency, na verdade é o princípio do comitente e comissário, previsto no nosso
direito civil.
FGV DIREITO RIO
7
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
como dos empréstimos bancários e investimentos privados, é uma medida
significativa nas mãos dos advogados de negócios do país. Os seus esforços
para projetar e realizar transações inovadoras aos seus clientes e para ajudar
na construção da infra-estrutura moderna institucional de uma economia de
mercado para o Brasil traz tanto benefícios privados como públicos.8
Por um longo tempo, os advogados de negócios têm oferecido essa função
aos seus clientes. Nos dias de hoje, a complexidade do mundo do direito e das
finanças crescentemente requer que os advogados de negócios efetivamente
tenham amplo conhecimento, se não forem experts, em conceitos de corporate finance, exercendo uma interdisciplinaridade entre a economia e o direito.
Noções econômicas sobre o mercado financeiro
O estudo da tecnologia e regulamentação dos mercados de capitais exige,
previamente, uma introdução econômica sobre o funcionamento dos mercados.
Dois conceitos são essenciais à compreensão dos mercados: poupança e investimento. Os economistas classicamente conceituam como ato de poupança a abstenção de consumo, enquanto o ato de investimento seria a utilização
de recursos poupados para a produção de um bem de capital.
A partir da poupança e investimento, criou-se uma classificação dos agentes econômicos que atuam na economia capitalista. Agentes superavitários
são aqueles que possuem um nível de renda superior aos seus gastos, ou seja,
possuem recursos financeiros poupados, pois escolhem por poupar mais do
que investir. Já os agentes deficitários são os que possuem um nível de gastos
superior ao da renda, ou seja, necessitam de recursos para realizarem investimentos, pois decidem por investir mais do que poupar.9
O mercado financeiro tem como objeto a canalização da poupança para o
investimento, ou seja, a transferência dos recursos dos setores superavitários para
os deficitários. O denominado Sistema Financeiro Nacional, regulado pela Lei nº
4.595/1964, é o conjunto de instituições responsáveis pela captação de recursos
financeiros, pela distribuição e circulação de valores e regulação dos processos10.
Dentro do mercado financeiro se situam diferentes tipos de mercados, que
lidam com formas específicas de transferência de recursos daqueles que os
têm para aqueles que precisam deles. São eles o mercado de crédito, o mercado monetário, o mercado cambial e o mercado de capitais.
Para explicação do âmbito de atuação de cada um destes mercados, nos
valemos da explicação de Valdir Lameira sobre o tema:
“O mercado de crédito é onde se operam, a curto ou médio prazos, os
recursos que se destinam ao financiamento de consumo e capital de giro para
empresas e indivíduos, através, principalmente, de bancos comerciais.
8
Vella, Beatriz Franco, Daniel Kalansky,
Bianca Soares e Rodrigo V. International
Business Transactions with Brazil. Juris
Publishing, Inc. 2008.
9
Eizirik, Nelson; Gaal, Ariadna B.;
Parente, Flávia; Henriques, Marcus de
Freitas. Mercado de Capitais — regime
jurídico. 2. ed. revisada e atualizada.
Rio de Janeiro: Renovar: 2008. p. 2.
10
Fernando Carvalho explica o funcionamento do sistema financeiro:
“Sistemas financeiros permitem que
aqueles que acumulam ou herdam
recursos, mas que não tem capacidade
ou desejo de empregá-los produtivamente, possam transferi-los para os
que se dispõem a empreender, a inovar,
a contribuir para o desenvolvimento
das atividades produtivas. Relações financeiras servem assim para alavancar o desenvolvimento econômico,
permitindo uma alocação de recursos
muito mais eficiente do que aquela que
resultaria previamente.” CARVALHO,
Fernando J. Cardim de, et al. Economia
monetária e financeira: teoria e prática.
Rio de Janeiro: Campus, 2000. pg. 237.
FGV DIREITO RIO
8
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
No mercado de câmbio se realizam operações que carecem de conversão
de moedas para a sua concretização. São, em geral, operações de curto prazo
[...]. As instituições financeiras que operam nesse mercado são os bancos comerciais e as corretoras de câmbio e valores mobiliários.
O mercado monetário permite ao governo federal controlar, através de
operações com vencimento no mesmo dia (curtíssimo prazo), os meios de
pagamento (depósitos à vista em bancos comerciais + papel moeda em poder do público), valendo-se basicamente de lançar títulos de dívida pública
(União, Estados ou Municípios) resgatáveis e com taxas de juros atraentes
para os aplicadores. [...]
O mercado de capitais é onde se concentram operações de longo prazo, ou
de prazo indeterminado, com o objetivo de financiamento de um complexo
industrial, da compra de máquinas e equipamentos, ou obtenção de sócios
ou parcerias, para a capitalização de empresas já existentes no mercado ou
que estejam se constituindo.
Também ocorrem nesses mercados processos de alongamento do perfil da
dívida de uma empresa, através da troca de dívidas de vencimento a longo
prazo, ou a antecipação de fluxos de caixa futuros, descontados a valor presente, em processos conhecidos como securitização”11
Cabe lembrar que a divisão sistemática do mercado financeiro não é absoluta, já que o mercado é dinâmico e surgem incessantemente instrumentos
complexos que visam cumprir novas finalidades, cuja classificação num modelo rígido se torna dúbia.12
No mercado financeiro, as transações são realizadas por meio de uma intermediação profissional entre os agentes deficitários e os superavitários. As
instituições financeiras, que são entidades especializadas autorizadas administrativamente a funcionar no mercado financeiro, organizam a transferência
de recursos de forma peculiar, em decorrência da fungibilidade dos bens que
intermedeiam. Elas captam recursos junto aos superavitários, com a finalidade de repassá-los, como empréstimos, aos deficitários. Mas, ao emprestar os
recursos, elas agem como se os recursos emprestados fossem próprios — ou
seja, atuam em nome próprio. O agente superavitário não tem uma relação
direta com o superavitário.
Muitas vezes, o agente superavitário pretende emprestar seu recurso por
curto prazo, enquanto o deficitário necessita do empréstimo do recurso por
um longo prazo. A instituição financeira soluciona este problema, pois tem
o papel de compatibilizar os prazos pretendidos por cada um dos agentes,
permitindo que aquele que lhe empresta o recurso o saque à vista, e exigindo
a dívida daquele a quem emprestou o dinheiro só depois de certo prazo.
As instituições financeiras são essenciais para o funcionamento da economia, pois transmitem uma segurança de capacidade patrimonial. Quando
esta confiança está abalada, podem acontecer as chamadas “corridas bancá-
11
LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de
Capitais. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2000. p. 8-9.
12
YAZBEK, Otavio. Regulação do mercado financeiro e de capitais. 2. ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2009. p. 128.
FGV DIREITO RIO
9
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
rias”, em que os superavitários em massa sacam seus recursos que estavam
depositados na instituição financeira.13
As instituições financeiras, ao realizar esse serviço de intermediação, compatibilização de prazos e assunção de riscos, recebem uma remuneração, denominada spread, que consiste na diferença entre a taxa de juros pagos na
captação dos recursos e os juros cobrados no momento de repasse ao agente
deficitário.
No entanto, o mercado de capitais se diferencia dessa estrutura adotada
pelo resto do mercado financeiro. No mercado de capitais, a relação de financiamento se estabelece diretamente entre o agente superavitário e o agente
deficitário. Existe uma instituição que realiza a intermediação entre os agentes, mas que não age em nome próprio; apenas participa da transação, como
um interveniente que presta o serviço de aproximação entre as partes. Isto faz
com que a remuneração de tais instituições seja menor do que a remuneração
das instituições financeiras típicas, tornando a transação menos custosa para
o agente deficitário.
No mercado de capitais, em contraste com o resto do mercado financeiro,
a segurança das operações financeiras não reside na saúde patrimonial de
uma instituição financeira, mas sim na criação de fundos de garantia, da regulamentação das condutas adotadas pelos agentes econômicos, entre outros
mecanismos.
Como a função da instituição financeira no mercado de capitais é apenas
de aproximação, sem substituição das partes, não é ela quem compatibiliza
os prazos diversos desejados por cada um dos agentes. Esta função é então
exercida pelo mercado secundário, cuja liquidez permite que haja compra e
venda de ativos a qualquer momento desejado pelo agente.14
Em comparação ao restante do mercado financeiro, o mercado de capitais
é mais atraente tanto aos subscritores de ações como às companhias que se
financiam através da emissão de valores mobiliários que serão negociados
no mercado de capitais. A título de exemplo, trazemos uma breve análise
dos mestres Bulhões Pedreira e Lamy Filho sobre a dinâmica das ações nas
sociedades:
“Do ângulo das empresas, os recursos obtidos na subscrição das ações são,
sem dúvida, menos onerosos, dado que não supõem pagamento de juros e não
têm prazo de resgate, ou melhor, não são exigíveis pelo subscritor.
Do ângulo do subscritor, trata-se de aplicação financeira na medida de suas
posses, ou de seus propósitos, sem outros riscos que não os do investimento, do
qual espera resultados positivos, com a possibilidade de recuar, retirar-se mediante alienação no momento que lhe parecer conveniente.”15
13
Um exemplo é a afirmação de economistas sobre a crise da Grécia em 20112012, de que o maior risco que a Grécia
correu durante sua crise econômica foi
o de crise bancária. Com a ameaça de o
país sair da zona do euro, o dinheiro poderia se desvalorizar ao ser convertido
em moeda local, o que amedrontaria
os gregos que tinham suas economias
depositadas em bancos gregos. Por
exemplo, a economista Miriam Leitão,
em artigo publicado em 25 de maio de
2012, afirmou que o pior risco à economia grega era a corrida bancária. Disponível em: http://oglobo.globo.com/
economia/miriam/posts/2012/05/25/
corrida-bancaria-maior-risco-enfrentado-hoje-pela-grecia-447137.asp,
acessado em 01/07/2012
14
Otavio Yazbek, minoritariamente,
diverge de tal análise sobre o mercado de capitais, argumentando que ela
deixa de considerar atividades como as
atividades securitárias e as operações
com derivativos, que funcionam de forma diversa. YAZBEK, Otavio. Regulação
do mercado financeiro e de capitais.
2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p.
126-127.
15
PEDREIRA, coordenado por Alfredo
Lamy Filho; José Luiz Bulhões. Direito
das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 218.
FGV DIREITO RIO
10
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
D) BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de Capitais. 1. ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2000. p. 8-9
E) GLOSSÁRIO
Ato de investir: é a utilização de recursos poupados para a produção de
um bem de capital.
Ato de poupar: é a abstenção de consumo, que resulta na sobra de recursos.
Agente deficitário: é aquele que investe mais recursos do que poupa recursos.
Agente superavitário: é aquele que deseja poupar mais recursos do que
investi-los.
FGV DIREITO RIO
11
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
3. AULA 2: AUTO-REGULAÇÃO
INTRODUÇÃO
Assim como as bases do nosso direito societário foram inspiradas em algum nível pelo Corporate Law do direito norte-americano, diferente não foi
quanto à estrutura de regulação do mercado.
O sistema brasileiro de auto-regulação conferido às bolsas de valores usou
como referência o Securities Exchange Act de 1934 dos Estados Unidos. Este
“act” estatuiu poderes regulatórios às bolsas de valores, que passaram a vigorar como obrigação imposta por lei. Com a intenção de garantir que as
funções reguladoras desempenhadas pelas bolsas atendessem ao interesse público, foi delegada a supervisão dos feitos à Securities Exchange Comission
(SEC). De modo semelhante, observou-se implantar um sistema de autoregulação igualmente para as operação de derivativos e mercados futuros com
o Commodity Exchange Act, e a superveniente delegação da supervisão de
seus atos à Commodity Futures Trading Commision (CFTC).
As razões cruciais que fizeram com que o Congresso norte-americano adotasse o sistema de auto-regulação com supervisão governamental foram, primeiramente, o temor da burocracia governamental, e também a constatação
de maior eficácia no controle regulatório independente das bolsas.
Por adotar uma forma federalista de Estado, os Estados Unidos diferem do
sistema brasileiro na medida em que os cinqüenta Estados da Federação e o
Distrito de Columbia competem entre si em termos de negócios entre outros
aspectos. No entanto, a lógica da auto-regulação que se pretende demonstrar
neste capítulo permanece a mesma.
A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
A legislação vigente no ordenamento brasileiro sobre o assunto, encontrase na Lei nº 6385/76, essencialmente em seu artigo 17, com redação dada
pela Lei 10.303/11:
Art. 17. As Bolsas de Valores, as Bolsas de Mercadorias e Futuros, as entidades
do mercado de balcão organizado e as entidades de compensação e liquidação
de operações com valores mobiliários terão autonomia administrativa, financeira
e patrimonial, operando sob a supervisão da Comissão de Valores Mobiliários.
§ 1o Às Bolsas de Valores, às Bolsas de Mercadorias e Futuros, às entidades
do mercado de balcão organizado e às entidades de compensação e liquidação de
FGV DIREITO RIO
12
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
operações com valores mobiliários incumbe, como órgãos auxiliares da Comissão de Valores Mobiliários, fiscalizar os respectivos membros e as operações com
valores mobiliários nelas realizadas.
Como se vê, no ordenamento há disposição de que as bolsas, na condição
de órgãos auxiliares da CVM, deverão fiscalizar os respectivos membros e as
operações com valores mobiliários nelas realizadas. Esta competência conferida às bolsas está sujeita à supervisão da Comissão de Valores Mobiliários
(CVM).
Trata-se de um modelo de dupla-fiscalização que dita a regulação e a fiscalização das operações do mercado financeiro e das corretoras. Primeiro a fiscalização é delegada às bolsas, e à CVM só caberia fiscalizar o proceder deste
poder regulatório, já que a Comissão de Valores Mobiliários, na condição de
autarquia federal, deverá defender o interesse público.
As bolsas não poderão ser limitadas ou substituídas em seus atos de autoregulação pela CVM, já que não consta dispositivo que a permita expressamente na lei nº 6385/76. Esta questão da auto-regulação do mercado de
capitais que era anteriormente pautada em princípios ganhou o patamar de
imposição legal pela CVM.16
ESTRUTURA REGULATÓRIA
Congresso
Conselho Monetário
Nacional
Comissão de Valores Mobiliários CVM
Banco Central
Entidades Auto-reguladoras
* 1 — Congresso — Constituição e Leis; 2 — Conselho Monetário Nacional — Resoluções;
3 — Comissão de Valores Mobiliários — Instruções/Deliberações;
4 — Banco Central — Circulares e Cartas Circulares;
16
COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS
(CVM), Órgão Regulador e a Experiência Auto Regulatória, maio. 2001,
disponível em www.cvm.gov.br/port/
public/publ/PalestraAuto-regulação.
ppt, acessado em 06.08.2007 Apud
EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de
Freitas. Mercado de capitais — regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.
2011, p. 213.
FGV DIREITO RIO
13
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Desse modo, em paralelo à posição regulatória estatal (CVM, Banco Central, Conselho Monetário), constata-se a posição auto-regulatória desempenhada pelas Bolsas, que surgem:
1
2
Por Exigência legal (os ditames básicos desta disciplina encontramse pautados na Instrução da CVM nº 461, de 23 de outubro de
2007);
Voluntária (Auto-regulação voluntária em complemento à regulação estatal — ANBID)17
VANTAGENS E DESVANTAGENS DA ESTRUTURA REGULATÓRIA
Acerca das vantagens e desvantagens desse sistema de Auto-regulação desempenhado pelas bolsas, muito se discute sobre a sua eficácia.
Vem sendo consolidada a opinião de que o sistema de auto-regulação seria
o mais eficaz no controle das atividades desenvolvidas pelas instituições intermediárias no mercado de valores mobiliários.
A doutrina inclina-se no sentido de conferir maior eficácia às normas internas no âmbito regulatório, as quais os membros das bolsas de valores obedecem voluntariamente, do que as normas oriundas do Poder Público. Essa
constatação decorre do fato de as normas auto-reguladoras se originarem de
experiências concretas dos próprios “Market Players”, ocasionando a produção de normas flexíveis (condizente com as realidades do mercado) e uma
mais fácil adequação às mudanças das circunstâncias do mercado. A própria
participação dos membros do mercado na disciplina das suas atividades, por
si só, já confere maior eficácia à regulação. Nesse sentido, é pertinente a citação de uma passagem do “The Yale Law Journal”, que observa:
“As a competitive legal market supplants a monopolist federal agency in the
fashioning of regulation, it would produce rules more aligned with the preferences of investors, whose decisions drive the capital market”18
Além disso, acredita-se que se essa fosse uma delegação governamental,
não haveria o mesmo grau de eficácia e nos depararíamos com uma situação
de burocracia exacerbada.
Por outro lado, alegam-se como pontos negativos acerca do sistema de
auto-regulação, principalmente, a possibilidade de haver conflito de interesses entre a atividade regulatória desempenhada pelas bolsas e as operações
comerciais desempenhadas pelos integrantes do mercado e pelas próprias
bolsas. Desta situação pode-se destacar:
17
A second off-cited virtue of self-regulation is that the professional body
will have a special knowledge of what
regulated parties will see as reasonable in terms of obligations. This allows
standards to be set in a realistic manner
— one that produces ‘identification’
with the rules and higher levels of
voluntary compliance than is possible
with outside driven rules. Misjudging
levels of rules accountability leads, say
proponents of self-regulation, to low
levels of voluntary compliance, high
state enforcement costs and inefficient
controls”. BALDWIN, ROBERT; HUTTER,
BRIDGET e ROTHSTEIN, HENRY. Risk
Regulation, Management and Compliance — A report to the BRI Inquiry,
p. 39. The London School of Economics
and Political Science.
18
ROMANO, Roberta, “Empowering
Investors: A Market Approach to Securities Regulation” (1998). Faculty
Scholarship Series. Paper 1914. http://
digitalcommons.laws.yale.edu/fss_papers/1914
FGV DIREITO RIO
14
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
1
2
3
Pressão dos membros associados da bolsa para que a fiscalização seja
feita de forma menos rigorosa, para beneficiar seus negócios;
Conflito entre os interesses das bolsas e os interesses particulares das
corretoras;
A função regulatória das bolsas, enquanto órgão auxiliar do poder
público, pode conflitar com a própria bolsa como entidade de direito privado.
Além dessas situações supramencionadas de conflito de interesses, pode ser
sustentada a posição de que em um contexto de globalização e o conseqüente
encurtamento das distâncias, também somada à competição dos mercados19,
ensejaria um fluxo migratório dos investidores para bolsas off-shore diante
de algum impeditivo ou incompatibilidade com os serviços auto-regulatórios
desempenhados pelas Bolsas, fazendo com que as bolsas percam negócios e
lucros em razão de sua função regulatória. Neste sentido, bem elucidou Nelson Eizirik:
“A crescente competição em escala internacional entre as bolsas pode agravar
tal conflito, na medida em que os investidores e as corretoras passaram a ter
maior flexibilidade para, a qualquer momento, re-direcionar seus negócios para
outras bolsas, aumentando, assim, os riscos de determinada bolsa vir a perder
negócios caso, no exercício de sua função regulatória, venha a tomar medidas
contrárias aos interesses de seus clientes.20
PROVIDÊNCIAS ADOTADAS PARA MELHORAR A ESTRUTURA REGULATÓRIA
Apesar de todos os reflexos negativos de se ter uma auto-regulação exercida pelas bolsas, esta competência condicionada à supervisão da CVM ainda
parece a melhor e mais eficaz estrutura de fiscalização dos mercados.
Todavia, busca-se o aperfeiçoamento do sistema regulatório dos mercados
para fins de redução dos casos de conflito de interesses supracitados, e, ainda, para promover a independência dos responsáveis pela implementação da
atividade auto-regulatória. Nesse sentido, as bolsas têm adotado basicamente
três medidas:
1
2
3
“Desmutualização”
Separação das competências Comerciais e Regulatórias
Escolha de membros independentes para integração nos Conselhos
de Administração.
19
Fleckner, Andreas M., Stock Exchange at the Crossroads. Fordham Law
Review, Article, 2005 page 2541: “ with
increased competition caused by deregulation, technological advances, and
globalization, the organization of stock
exchanges is at a crossroads.”
20
EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.;
PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus
de Freitas. Mercado de capitais — regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.
2011, p. 216.
FGV DIREITO RIO
15
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
CONCEPT RELEASE CONCERNING SELF-REGULATION
SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION
17 CFR PART 240
Release No. 34-50700; File No. S7-40-04
RIN 3235-AJ36
CONCEPT RELEASE CONCERNING SELF-REGULATION
AGENCY: Securities and Exchange Commission.
ACTION: Concept release; Request for comment.
SUMMARY: The Securities and Exchange Commission (“Commission” or “SEC”) is publishing this concept release and seeking
public comment on a range of issues related to the self-regulatory
system of the securities industry. This release discusses the foundations of the self-regulatory system and new considerations that the
Commission and the industry are facing. In addition, this release
describes certain enhancements that could be made to the current
system that could improve its operation and also discusses a variety
of other potential approaches to securities industry regulation.
DATES: Mar. 8, 2005.
I. Introduction
Self-regulation is a key component of U.S. securities industry
regulation. All broker-dealers are required to be members of a self-regulatory organization (“SRO”), which sets standards, conducts
examinations, and enforces rules regarding its members.1 Most, but
not all, SROs also operate and regulate markets or clearing services.2 Inherent in self-regulation is the conflict of interest that exists
when an organization both serves the commercial interests of and
regulates its members or users.
The Securities Exchange Act of 1934 (“Exchange Act”),3 the
Maloney Act of 1938 (“Maloney Act”),4 and the Exchange Act
Amendments of 1975 (“1975 Amendments”),5 reflect Congress’
determination to rely on self-regulation as a fundamental component of U.S. market and broker-dealer regulation, despite this
inherent conflict of interest. Congress favored self-regulation for
a variety of reasons. A key reason was that the cost of effectively
regulating the inner-workings of the securities industry at the federal level was viewed as cost prohibitive and inefficient.6 In addition, the complexity of securities trading practices made it desirable
for SRO regulatory staff to be intimately involved with SRO rulemaking and enforcement.7 Moreover, the SROs could set standards
that exceeded those imposed by the Commission, such as just and
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16
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
equitable principles of trade and detailed proscriptive business conduct standards.8 In short, Congress determined that the securities
industry self-regulatory system would provide a workable balance
between federal and industry regulation.9
Since the self-regulatory system was incorporated into the federal securities laws, the Commission has reexamined it periodically.10 While steps have been taken over time to redress perceived
shortcomings, the SRO structure has been repeatedly reaffirmed
both by Congress and the Commission.11 In recent years, changes
in the markets and in the ownership structure of SROs have generated questions about the fairness and efficiency of the current SRO
structure.12 The increased dispersion of order flow across multiple
markets has produced questions of comparable regulation by SROs
and the effectiveness of cross-market supervision.13 The increased
competition among markets for listings and trading volume has applied pressure on SRO regulatory efforts and sources of funding.14
Moreover, the advent of for-profit, shareholder-owned SROs has
introduced potential new conflicts of interest and issues of regulatory incentives.15 In addition, recent failings or perceived failings with respect to SROs fulfilling their self-regulatory obligations
have sparked public debate as to the efficacy of the SRO system in
general.16
For these reasons, the Commission is publishing this release to
discuss and solicit comments on the role and operation of SROs in
today’s markets. This release examines a number of issues concerning securities industry self-regulation, including: (1) the inherent
conflicts of interest between an SRO’s regulatory obligations and
the interests of its members, its market operations, its listed issuers,
and, in the case of a demutualized SRO, its shareholders; (2) the
costs and inefficiencies of the multiple SRO model; (3) the challenges of surveillance across markets by multiple SROs; and (4)
the manner in which SROs generate revenue and how SROs fund
regulatory operations. Finally, this release examines and seeks comment on certain enhancements to the current system and a number
of regulatory approaches or legislative initiatives that could be considered by the Commission to address concerns with the current
SRO model.
II. Foundations of Self-Regulation
Securities industry self-regulation has a long tradition in the
U.S. securities markets. In its earliest years, the nascent U.S. securities industry was subject loosely to state laws and, in 1792, the
New York broker community negotiated the historic Buttonwood
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17
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Agreement to form the first organized stock market in New York.17
As the NYSE and other stock exchanges developed, trading conventions became formalized as exchange rules. In 1817, the NYSE’s
Constitution was adopted and the NYSE subsequently adopted a
range of rules governing its members and listed companies, including member financial responsibility rules and listed company registration and financial reporting rules.18 In 1820, a detailed set of
NYSE By-Laws was adopted.19
Federal regulation of exchanges, and their formal recognition
as self-regulatory organizations, followed a number of significant
events, including the stock market crash of 1929 and the evidence of NYSE investigatory failures related to market manipulation
highlighted at the 1934 Pecora Hearings.20 In Section 6 of the Exchange Act, Congress recognized the regulatory role of exchanges,
and required all existing securities exchanges, including the NYSE,
to register with the Commission and to function as self-regulatory
organizations.21
The stock market crash of 1929 also severely damaged the public reputation of over-the-counter (“OTC”) securities dealers. In
1933, in an effort to improve their collective image, OTC dealers formed the Investment Bankers Code Committee (“IBCC”),
which promulgated industry best practices.22 In 1936, the IBCC
was succeeded, by the Investment Bankers Conference (“IBC”), a
prominent group of investment banks formed to act as a national,
voluntary industry organization.23
After experience with the IBCC and the IBC, the Commission
and leaders of the investment banking community generally agreed
that an industry association needed official legal status in order to
effectively carry out the task of self-regulating the OTC market.24
Ultimately, in 1938, the Maloney Act amended the Exchange Act
by adding a new Section 15A and establishing the concept of registered national securities association SROs.25 To date, the NASD
and the NFA26 are the only registered national securities associations.
In enacting these provisions, Congress concluded that self-regulation of both the exchange markets and the OTC market was
a mutually beneficial balance between government and securities
industry interests.27 Through establishment of self-regulation, the
securities industry was supervised by an organization familiar with
the nuances of securities industry operations. In addition, industry participants preferred the less invasive regulation by their peers
to direct government regulation and the government benefited by
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18
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
being able to leverage its resources through its oversight of self-regulatory organizations.28 Moreover, the SROs had the ability to
set proscriptive standards relating to just and equitable principles
of trade and detailed business conduct standards.29 In enacting the
Maloney Act in 1938, Congress stated that an approach to securities regulation relying solely on government regulation “would involve a pronounced expansion of the organization of the Securities
and Exchange Commission; the multiplication of branch offices; a
large increase in the expenditure of public funds; an increase in the
problem of avoiding the evils of bureaucracy; and a minute, detailed, and rigid regulation of business conduct by law.”30
The legislative history of the 1975 Amendments noted that, rather than adopt this purely governmental approach, Congress determined that it was “distinctly preferable” to rely on “cooperative
regulation, in which the task will be largely performed by representative organizations of investment bankers, dealers, and brokers,
with the Government exercising appropriate supervision in the public interest, and exercising supplementary powers of direct regulation.”31 Similarly, in 1975, Congress stated that a principal reason
for retaining a self-regulatory regime was the “sheer ineffectiveness
of attempting to assure [regulation] directly through the government on a wide scale,” and that, although the SROs had not always
performed their role up to expectations, self-regulation generally
was considered to have worked well and “should be preserved and
strengthened.”32
The Commission has periodically examined the self-regulatory
system and the extent to which SROs have successfully fulfilled
their statutory obligations.33 Such analysis has sometimes resulted
in SROs making changes to their structures or regulatory programs. For example, after problems surfaced regarding the floor operations of Amex specialists, the Commission sponsored the sweeping 1961-1963 Special Study.34 The Special Study concluded that
SROs have a natural tendency to protect member firms and that
SRO regulatory operations appear to falter without the “pointed
stimuli” of vigilant Commission oversight.35 Among other conclusions, the Special Study found a need for a reduction in the amount
of control that exchange floor members exercised over exchange
regulatory operations and governance.36 Moreover, the study called
for a general strengthening of SRO governance.37
Another example of past analysis was the Commission’s Division
of Market Regulation review of the structure and costs of the SRO
system in the Market 2000 Report, which was published by the
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19
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Commission in 1994. The Market 2000 Report noted the impact
that increasing intermarket competition and duplicative SRO rules
were having on the self-regulatory system.38 In addition, the report
discussed the extent to which costs to support the SRO system were
being fairly allocated across the markets.39 The report also examined
the desirability of reallocating the regulatory and market functions
of SROs and the possibility of the Commission assuming a greater
role with respect to the functions carried out by the SROs.40 While
the opinion advanced in the Market 2000 Report was that such
changes were unlikely to improve the existing SRO system, it did
not foreclose the possibility of reconsidering this position in the
future in light of changed circumstances.41
Another example of past Commission analysis on this issue
was in 1996 when the Commission instituted administrative proceedings against the NASD with respect to OTC market maker
pricing collusion.42 At the same time, the Commission issued the
21(a) Report regarding the NASD and Nasdaq. In the 21(a) Report, issued pursuant to Section 21(a) of the Exchange Act, the
Commission discussed at length a range of issues concerning the
efficacy of the self-regulatory system and the potential problems
associated with inherent SRO conflicts.43 Of particular concern,
in this case, was the lack of independence of the NASD regulatory
staff from Nasdaq’s market operations.44
In sum, while Congress and the Commission have criticized and
modified the SRO system in the past, it has not been radically revised or dismantled since its establishment. Rather, it is generally
considered that the SRO system has functioned effectively and has
served government, industry, and investors well.45 Notwithstanding
this positive record, because of new considerations in our markets,
the Commission believes it is an appropriate time to reexamine and
solicit public comment on the efficacy of the system overall.
III. New Considerations
In recent years, the U.S. markets have experienced increasingly
vigorous competition. The effect of this development is that markets
operated by SROs have faced increased competition from foreign
trading markets and from electronic communications networks
(“ECNs”) that have shifted significant amounts of market share
away from the primary markets, especially with respect to Nasdaq
securities. For example, the NYSE and Amex historically dominated trading in their listed securities, and market makers dominated
trading in Nasdaq stocks. Today, however, in the Nasdaq market,
automated market centers (such as Nasdaq’s order collector, aggre-
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20
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
gator, and execution system, SuperMontage, the Archipelago exchange (“ArcaEx”), and the INET ECN) have captured more than
50% of share volume.46 For Amex-listed stocks (for which approximately 39% of share volume now is represented by two extremely
active exchange-traded funds (“ETFs”) — the QQQ and SPDR),
Amex now handles approximately 21% of the volume, with the
remaining balance split among Arca-Ex, INET, and others.47 The
NYSE has managed to retain approximately 80% of the volume
in its listed stocks, but other market centers are raising the level of
competition and reducing the NYSE’s share of trading.48 Moreover, the NYSE and Amex have sought to add automated facilities
that are integrated with and complement their traditional exchange
floors.49 In the listed options markets, the proliferation of multiple
trading of options and the entry of two new electronic exchanges
has raised the tempo of competition among these markets and redistributed their market share.50
This heightened competition has benefited trading markets by
spurring innovation in trading systems and responsiveness to customers.51 It has also driven down costs, including fees charged by the
trading markets.52 At the same time, this competition places greater strains on the self-regulatory system.53 Some industry observers
have posited that trading previously covered by one market’s rules
may move to another market in search of lower regulatory standards.54 Others have argued that trading across markets may be subject to inconsistent rules across several markets.55 Some have voiced
concerns about falling market share inducing SROs to reduce the
rigor of their member and market supervision programs.56 Also,
concerns have been raised about SROs favoring key participants in
their markets to encourage those key participants to remain active
in their markets or to attract other users.57 Shifts in market share
can undermine revenues supporting an SRO’s regulatory functions,
without reducing the SRO’s responsibility for supervision of its
members trading across markets.58 Shifts in trading to multiple markets also increase concerns about potential gaps in the surveillance
of intermarket trading.59
Other considerations also may alter the delicate balance of the
SRO system. The conversion of some SROs to publicly traded, for
profit status may increase the actual or perceived conflicts inherent in the SRO model.60 Likewise, numerous recent SRO failings
related to governance, member oversight and trading supervision
raise significant concerns about the efficacy of the self-regulatory
model.61 Finally, in response to the recently proposed Regulation
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21
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
NMS (“Reg NMS”),62 commenters raised serious questions about
the level of market data fees, which are an important component
of SRO revenues and the funding of self-regulation.63 The Commission believes that it is an appropriate time to issue a concept
release to examine and solicit public comment on the extent to
which recent developments in our markets warrant changes to the
current system.
IV. Current SRO System Attributes
This discussion focuses on the following distinctive attributes of
the existing SRO system and explores how recent market changes
have impacted them: (1) the inherent conflicts of interest between
SRO regulatory operations and members, market operations, issuers, and shareholders; (2) the costs and inefficiencies of multiple
SROs, arising from multiple SRO rulebooks, inspection regimes,
and staff; (3) the challenges of surveillance of cross market trading
by multiple SROs; and (4) the funding SROs have available for
regulatory operations and the manner in which SROs allocate revenue to regulatory operations.
1
15 U.S.C. 78o15(b)(8)
Analysis in this release focuses primarily on one registered national securities association SRO,
the National Association of Securities Dealers (“NASD”) (including its subsidiary, the Nasdaq Stock Market (“Nasdaq”)), and
those registered national securities exchange SROs that operate
equity or options markets, the American Stock Exchange (“Amex”),
the Boston Stock Exchange (“BSE”), the Chicago Board Options
Exchange (“CBOE”), the Chicago Stock Exchange (“CHX”), the
International Securities Exchange (“ISE”), the National Stock Exchange (“NSX”) the New York Stock Exchange (“NYSE”), the
Pacific Exchange (“PCX”), and the Philadelphia Stock Exchange
(“Phlx”). Unless otherwise specifically noted, discussion in this release does not necessarily relate to other registered SROs, including
the National Futures Association (“NFA”), the Municipal Securities Rulemaking Board (“MSRB”), the registered clearing agencies,
and notice registered national securities exchanges.
3
15 U.S.C. 78a et seq.
4
Pub. L. 75-719, 52 Stat. 1070 (1938) (codified as amended
at 15 U.S.C. § 78o, authorizing the U.S. Securities and Exchange
Commission to register national securities associations).
5
Pub. L. 29, 89 Stat. 97 (1975).
2
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22
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
6
See generally S. Rep. No. 1455, 73d Cong., 2d Sess. (1934);
H.R. Doc. No. 1383, 73d Cong., 2d Sess. (1934); S. Rep. No.
1455, 73d Cong., 2d Sess. (1934).
7
Id.
8
Id.
9
Id.
10
See e.g., 1961-1963 Special Study of Securities Markets. Securities and Exchange Commission, Report of Special Study of
Securities Markets, (“Special Study”), H.R. Doc. No. 95, 88th
Cong., 1st Sess. (1963) and Market 2000: An Examination of Current Equity Market Developments, Division of Market Regulation,
U.S. Securities and Exchange Commission (January 1994) (“Market 2000 Report”).
11
See e.g., Id.; infra notes 30-31.
12
See generally infra Section IV.
13
Id.
14
Id.
15
Id.
16
Id.
17
Robert Sobel, The Big Board, A History of the New York Stock Market 14-27 (The Free Press 1965). The agreement generally
bound its signors to give preference to each other when buying and
selling. Id.
18
Id. at 30-31.
19
Id. at 38-40.
20
Joel Seligman, The Transformation of Wall Street: A History
of the Securities and Exchange Commission and Modern Corporate
Finance at 1-38 (Aspen Pub. N.Y. 3rd ed. 2003).
21
Exchange Act Section 6, 15 U.S.C. 78f.
22
Seligman at 183-85.
23
The IBC, however, proved to be imperfect, because only seventeen hundred of the nation’s six thousand securities dealers ultimately joined. While the Commission realized that this voluntary
organization was not effectively regulating the OTC market, it also
determined that direct Commission regulation of the OTC market
was not practicable. See Seligman at 183-85. While not speaking
for the whole Commission, one early Commissioner compared the
prospect of regulating the OTC market to building a structure out
of sand because “there is no cohesive force to hold it together, no
organization with which [the Commission] could build, as authoritatively representing a substantial element in the over-the-counter business.” Id.
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23
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
24
Id.
Exchange Act Section 15A, 15 U.S.C. 78o-3
26
NFA is a national securities association registered for the
limited purpose of regulating the activities of members who are
registered as brokers or dealers in security futures products under
Section 15(b)(11) of the Exchange Act, 15 U.S.C. 78o(b)(11).
27
See supra notes 6-9.
28
Id.
29
Market 2000 Report at VI-6.
30
S. Rep. No. 1455, 75th Cong., 3d Sess. I.B.4. (1938).; H.R.
Rep. No. 2307, 75th Cong., 3d Sess. I.B.4. (1938) (duplicate text
quoted in both reports).
31
S. Rep. No. 94-75, 94th Cong., 1st Sess. 7, II (1975).
32
Id.
33
See e.g., supra note 10. In addition, the Commission speaks implicitly and explicitly to self-regulatory concepts in virtually
every SRO rule that is noticed for public comment and approved
through the Commission Rule 19b-4 rulefiling process. SEC Rule
19b-4, 17 CFR 240.19b-4.
34
Specialist domination of the Amex resulted in a series of scandals in the late 1950s involving market manipulations. In 1961,
the Commission launched an investigation into the trading practices of two Amex specialists in particular. This investigation was ultimately broadened into the Special Study. See Seligman at 281-86.
35
See generally Seligman at 299-348.
36
Id.
37
Id. Congress recognized that self-regulators may not always
be as diligent as desired, and, indeed, may use self-regulation as a
device to avoid regulation altogether. Nonetheless, Congress also
was of the view that members of the securities industry could bring
down to bear on the problems of regulation a degree of expertise
and, in many circumstances, expedition not expected of a necessarily more remote governmental agency. Special Study at 693-697.
38
See Market 2000 Report at III-1.
39
Id. at III-3.
40
Id. at III-5-7.
41
Id. at III-10. See also infra Section IV.
42
See In the Matter of National Association of Securities Dealers, Inc.; SEC Release No. 34-37538, August 8, 1996; Administrative Proceeding File No. 3-9056 (“21(a) Administrative Order”). See also Report and Appendix to Report Pursuant to Section
21(a) of the Securities Exchange Act of 1934 Regarding the NASD
25
FGV DIREITO RIO
24
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
and The Nasdaq Stock Market (August 8, 1996) and Securities Exchange Act Release No. 37538 (August 8, 1996) (“21(a) Report”).
The undertakings were included in the SEC Order (“21(a) Report
Undertakings”).
43
See 21(a) Administrative Order Section III; 21(a) Report at
40-47.
44
See 21(a) Administrative Order Section III; 21(a) Report at
52-54.
45
See e.g., supra note 10.
46
The figure is based on Nasdaq/UTP Plan market data (as of
September 2004).
47
The figure is based on Network B, CTS Activity market data
(as of September 2004).
48
The figure is based on Network A, CTS Activity market
data (as of September 2004). See also e.g., Ivy Schmerken, Will the
NYSE’s Specialist Probe Open the Listed Market to ECNs?, Wall Street
+ Technology, July 1, 2003, at 18; Robert Sales, The Big Picture —
ECN Evolution, Wall Street + Technology, February 1, 2003, at 6.
49
See Securities Exchange Act Release Nos. 50173 (August 10,
2004), 69 FR 50407 (August 16, 2004) (notice of proposed rule
change proposing improvements to NYSE’s existing automatic
execution facility, NYSE Direct+®); and 49921 (June 25, 2004),
69 FR 40690 (July 6, 2004) (approval of proposed rule change
by Amex to enhance its Auto-Ex technology for exchange-traded
funds and Nasdaq stocks traded on the exchange).
50
In August 1999, 32% of equity options were traded on more
than one exchange. By September 2000, that number had risen to
45%. Over the same period, the percentage of aggregate option
volume traded on only one exchange fell from 60% to 15%. See
Exchange Act Release No. 43085 (July 28, 2000), 65 FR 47918
(August 4, 2000) (proposing to extend Exchange Act Rule 11Ac11 to options). According to the Options Clearing Corporation,
by September 2003, 98.3% of equity options classes traded on
more than one exchange. As of December 2003, the market shares
held by options exchanges were 31.3% by the CBOE, 27.0% by
the ISE, 19.8% by the Amex, 12.4% by the Phlx, and 9.5% by
the PCX. Options Clearing Corporation, 2003 Annual Report 1
(2004). By June of 2004, the ISE’s market share was 33.6%, the
CBOE’s was 26.0%, the Amex’s was 18.6%, the Phlx’s was 11.6%,
the PCX’s was 8.4%, and the BSE Boston Options Exchange
(“BOX”) facility’s was 1.8%. Will Acworth, Electronic Trading
FGV DIREITO RIO
25
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Sweeps Options Industry, Futures Industry Magazine, September/
October 2004 (citing Futures Industry Association statistics).
51
See generally infra Section IV.
52
Id.
53
Id.
54
Id.
55
Id.
56
Id.
57
Id.
58
Id.
59
Id.
60
Id.
61
See In the Matter of Chicago Stock Exchange, Securities Exchange Act Release No. 48566 (September 30, 2003). See also In
the Matter of Bear Wagner Specialists LLC, Securities Exchange Act
Release No. 49498 (March 30, 2004); In the Matter of Fleet Specialist, Inc., Securities Exchange Act Release No. 49499 (March 30,
2004); In the Matter of LaBranche & Co. LLC, Securities Exchange
Act Release No. 49500 (March 30, 2004); In the Matter of Spear,
Leeds & Kellogg Specialists LLC, Securities Exchange Act Release
No. 49501 (March 30, 2004); In the Matter of Van der Moolen
Specialists USA, LLC, Securities Exchange Act Release No. 49502
(March 30, 2004). See In the Matter of SIG Specialists, Inc., Securities Exchange Act Release No. 50076 (July 26, 2004) and In the
Matter of Performance Specialist Group LLC, Securities Exchange
Act Release No. 50075 (July 26, 2004). See also Securities Exchange Act Release No. 48946 (December 17, 2003), 68 FR 74678
(December 24, 2003) (approving NYSE proposal to restructure
NYSE corporate governance structure).
62
See Exchange Act Release No. 49325 (February 26, 2004),
69 FR 11126 (March 9, 2004) (noticing proposed rulemaking for
comment); Exchange Act Release No. 49749 (May 20, 2003), 69
FR 30142 (May 26, 2004) (extending comment period and seeking additional comments).
63
See infra Section IV.
FGV DIREITO RIO
26
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
CONSULTA PÚBLICA — EDITAL DE AUDIÊNCIA PÚBLICA SDM Nº 05/13
EDITAL DE AUDIÊNCIA PÚBLICA SDM Nº 05/13
Prazo: 12 de agosto de 2013
Objeto: Convite para apresentação de manifestações sobre as opções regulatórias relacionadas à identificação, à mitigação, ao gerenciamento de riscos
decorrentes da fragmentação de liquidez e de dados e à possível mudança na
estrutura de autorregulação, tendo em vista a hipótese de concorrência entre
plataformas de negociação.
1. Objetivo da Consulta
A introdução no Brasil de concorrência entre ambientes de negociação de
ações não envolve apenas o eventual ingresso de novos prestadores de serviços, mas também a adequação do arcabouço regulatório hoje existente para
lidar com os novos desafios daí decorrentes.
Assim, a CVM está avaliando algumas opções regulatórias relacionadas à
identificação, mitigação e gerenciamento de riscos que podem advir da fragmentação de liquidez e de dados, além da possibilidade de mudanças na atual
estrutura de autorregulação.
O objetivo desta consulta é coletar, junto aos participantes do mercado e
às partes interessadas, reflexões fundamentadas, dados, informações e estudos relacionados aos tópicos acima mencionados, para que a CVM siga na
sua avaliação sobre questões conceituais de maneira mais informada. Dada
a natureza dessa consulta, a CVM não irá elaborar relatório para avaliar as
manifestações recebidas.
2. Introdução
No final de 2011, a CVM comunicou ao mercado que a empresa internacional de consultoria Oxera Consulting Ltd. (Oxera) entregaria à Autarquia
um estudo econômico sobre eficiência do mercado acionário brasileiro.
O referido estudo, denominado “Quais seriam os custos e benefícios para
mudar a estrutura competitiva do mercado para serviços de negociação e pós-negociação no Brasil?” 1, analisou questões ligadas à estrutura do mercado
brasileiro de ações, tendo em vista as tendências observadas em outros países,
como a de concorrência entre diferentes ambientes de negociação nas transações com ações.
FGV DIREITO RIO
27
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
1 “What would be the costs and benefits of changing the competitive
structure of the market for trading and post-trading services in Brazil”. 2
Além da análise sobre a eventual necessidade de adoção de medidas adicionais pela CVM para promover a eficiência do mercado acionário brasileiro
no que diz respeito à sua estrutura, sob a ótica dos benefícios econômicos
líquidos, foi solicitado à Oxera que abordasse algumas questões inerentes a
um cenário de múltiplos ambientes de negociação, tais como a fragmentação
da liquidez, os custos decorrentes de novas infraestruturas necessárias para a
difusão de informações e para a efetiva supervisão dos mercados e eventuais
questões de acesso para participantes.
Em junho de 2012, ao receber os resultados do estudo da Oxera, a CVM
realizou uma reunião de seu Colegiado com participantes do mercado diretamente interessados e afetados para discutir as implicações de um cenário de
concorrência nos serviços de negociação e pós-negociação.
A reunião, que também foi transmitida por webcast21, tinha por base as
conclusões e recomendações do estudo e foi uma primeira interação da CVM
com participantes do mercado com a finalidade de coletar subsídios para o
início de uma análise mais aprofundada da matéria.
Além das opções regulatórias sobre a infraestrutura de pós-negociação, a
Oxera, em suas conclusões, recomendou que a CVM iniciasse estudos sobre
o desenvolvimento de uma estrutura regulatória capaz de assegurar o bom
funcionamento do mercado em caso de existência de múltiplos ambientes
de negociação. Nesse sentido, a CVM vem se organizando para abordar esses
outros aspectos.
A análise e a preparação da CVM, segundo as conclusões do estudo, seriam necessárias mesmo antes da chegada da concorrência, ainda que as novas
regras não fossem implementadas até a efetiva entrada de um concorrente.
Parte desses aspectos diz respeito à mitigação de riscos que a eventual introdução de concorrência pode trazer. Com base em arcabouço teórico, em
estudos empíricos e nas experiências internacionais, a consultoria destacou
que a introdução da concorrência poderá beneficiar o mercado e a sociedade
brasileira. No entanto, ela também poderá representar desafios ao cumprimento, pela CVM, de seu mandato de assegurar proteção contínua aos investidores, formação eficiente de preços e integridade do mercado.
Os riscos decorrem particularmente das fragmentações de liquidez e de
dados, bem como de dificuldades para a supervisão de múltiplos ambientes
de negociação. 3
21
As apresentações e os debates estão
disponibilizados no Canal Educacional
da CVM no Youtube (www.youtube.
com/cvmeducacional).
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28
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Para mitigar esses riscos, o estudo recomenda: a) o desenvolvimento de
um regime de melhor execução (best execution); b) a consolidação de dados
de todos os ambientes de negociação concorrentes por meio de uma solução
como a da chamada “fita consolidada” (consolidated tape); e c) mudanças
na estrutura de autorregulação e de autorregulamentação, como por exemplo, a incorporação, pela CVM, de algumas atividades hoje exercidas pela
estrutura de autorregulação da única bolsa em funcionamento no país.
Em função de existirem modelos diferentes para o tratamento dos pontos
anteriormente mencionados, a CVM deseja, por meio dessa consulta pública, convidar os participantes do mercado e outras partes interessadas a
apresentarem reflexões fundamentadas, dados, informações, evidências e estudos para que a Autarquia possa avaliar os modelos conceitualmente mais
apropriados ao nosso mercado.
A CVM entende que a análise desses diferentes modelos é crítica, pois é
necessária uma solução que não aumente o nível de risco existente na presente estrutura de mercado.
As respostas dos participantes devem levar em consideração a negociação
de uma mesma ação somente em bolsas ou somente em mercados de balcão organizado. Isso porque, no presente momento, a CVM optou por uma
abordagem mais gradual, em que se mantém o marco regulatório atual, que
apenas permite a concorrência entre bolsas ou entre mercados de balcão organizado para as transações com ações.
A introdução simultânea de uma nova estrutura regulatória e de concorrência entre os dois diferentes tipos de mercado (bolsa e mercado de balcão
organizado) poderia trazer novos riscos, de difícil identificação neste momento — as discussões sobre o regime de melhor execução e sobre a fita consolidada, por exemplo, envolveriam complexidades muito maiores, caso sejam
mantidas as soluções hoje adotadas.
O Edital detalha a seguir os principais pontos para os quais a CVM pretende receber subsídios dos participantes, e formula perguntas específicas que
devem nortear as manifestações a serem encaminhadas.
3. Melhor execução no interesse dos clientes (best execution)
A existência de um regime de best execution busca mitigar conflitos de
interesses que possam surgir na execução de ordens dos clientes pelos intermediários, assegurando que as ordens serão executadas no melhor interesse
dos clientes e nas melhores condições para estes, mesmo existindo mais 4 de
um sistema de negociação e uma eventual divergência, ainda que temporária,
entre os preços praticados em cada sistema.
O regime de best execution não é novidade no Brasil. Os arts. 19 e 20 da
Instrução CVM nº 505, de 27 de setembro de 20113, que trata de normas e
FGV DIREITO RIO
29
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
procedimentos a serem observados nas operações realizadas com valores mobiliários em mercados regulamentados, já preveem que as ordens dos clientes
devem ser executadas no seu melhor interesse, incorporando algumas das
feições típicas das regras de best execution que vigoram em outros mercados. negociação não sejam fechadas automaticamente com o melhor preço
disponível entre todos os ambientes, então os intermediários (bem como os
investidores finais) incorrerão em maiores custos para localizar o melhor preço disponível, podendo a concorrência (que representa, a rigor, uma fragmentação de volume) levar à fragmentação de liquidez para aqueles que não
tiverem acesso a todos os ambientes.
No entanto, com base na experiência internacional, o estudo da consultoria Oxera apontou que, em outros países, foram necessários ajustes nas normas de best execution quando da passagem do cenário de uma única bolsa
para o de múltiplas bolsas.
Quando os valores mobiliários são negociados apenas em uma bolsa,
questões de “como, onde, quando e a que preço” os intermediários devem
executar as ordens são resolvidas de maneira relativamente simples. Contudo,
na hipótese de coexistência de diversos ambientes, as normas tendem a ser
mais complexas e a demanda para o regulador garantir o seu cumprimento
torna-se muito maior.
Além de assegurar a melhor execução para o cliente, o desenho do regime
de best execution está intimamente relacionado ao grau de fragmentação de
liquidez de um mercado4. A fragmentação de liquidez pode ser mitigada,
caso os investidores tenham acesso à liquidez dos diferentes ambientes de negociação, por meio de um regime de best execution que conduza à execução
de suas ordens considerando todos os ambientes de negociação. Dessa forma,
indiretamente, o investidor estará acessando a liquidez geral do mercado e
não apenas a liquidez isolada de um único ambiente, com efeitos sobre a
formação eficiente de preços.
Embora haja diversos pontos em comum entre os diferentes regimes de
best execution, reguladores de outros países adotaram modelos bastante diversificados, com variados graus de abrangência de pessoas cobertas, cadeias
de responsabilidades e fatores/critérios para definição de best execution.
Além disso, existem diferenças no nível de detalhamento sobre a política de
best execution dos intermediários e dos reportes aos clientes sobre a observância das regras.
3.1 Fatores e critérios do regime de best execution 5
O art. 19 da Instrução CVM nº 505, de 2011, dispõe que o intermediário
deve executar as ordens nas condições indicadas pelo cliente ou, na falta de
indicação, nas melhores condições que o mercado permita.
FGV DIREITO RIO
30
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Além disso, o parágrafo único deste artigo determina que para aferir as
melhores condições para a execução de ordens, o intermediário deve levar em
conta o preço, o custo, a rapidez, a probabilidade de execução e liquidação,
o volume, a natureza e qualquer outra consideração relevante para execução
da ordem. Esses seriam, no presente contexto os “fatores” para a melhor execução.
Nos Estados Unidos, o regime de melhor execução leva em consideração
vários fatores, porém, na prática, o preço do ativo é o fator preponderante
na maioria das transações, em função do disposto na Rule 611 do National
Market System (NMS), conhecida como Order Protection Rule. O regime
criado por essa norma, como se verá adiante, acaba por fazer que um ambiente de negociação roteie uma ordem para outro ambiente, caso neste último
haja uma oferta melhor.
Na Europa, o regime de melhor execução é definido como a obtenção do
melhor resultado possível em termos de preço, velocidade e probabilidade de
execução e de liquidação. Também são considerados, o tamanho e a natureza
da ordem. Os diversos fatores passíveis de consideração quando do cumprimento de uma ordem devem ser julgados segundo determinados critérios,
tendo em vista a produção do melhor resultado.
Perguntas:
(i) Quais seriam os fatores a serem levados em conta em uma regra de best
execution, considerando a existência de diversas bolsas concorrentes? Por
quê?
(ii) Seria desejável o estabelecimento de critérios/parâmetros para a verificação do cumprimento da execução das ordens? Caso positivo, quais poderiam ser esses critérios/parâmetros? Por quê? Caso negativo, por que não seria
apropriada a definição de critérios/parâmetros?
3.2 Diferenciação de fatores por perfil do investidor
Certas jurisdições optaram por estabelecer fatores diferenciados para verificação do best execution, conforme o perfil do investidor. Na Austrália, por
exemplo, o fator total consideration (incluindo preço do ativo, custos de
execução e outros custos pagos a terceiros envolvidos na transação) foi considerado 6 apropriado para investidores de varejo, enquanto que, para investidores profissionais, outros fatores podem ser utilizados pelos intermediários.
Adicionalmente, em várias jurisdições, certos investidores não estão, ou
podem optar por não estar, cobertos pela política de best execution do intermediário. Por exemplo, alguns investidores que apenas utilizam a infraestrutura do intermediário, operando diretamente nos ambientes de negociação,
FGV DIREITO RIO
31
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
podem ser excetuados, pelos intermediários, de sua política de best execution.
Perguntas:
(i) Seria oportuno a CVM adotar diferentes fatores de best execution,
tendo em vista que diferentes perfis de investidores podem ter estratégias
distintas de negociação? Por exemplo, investidores de varejo, institucionais,
aqueles que operam por meio de acesso direto ao mercado (DMA) ou ainda
os investidores de alta frequência (HFT)?
(ii) Em caso afirmativo, indicar quais os fatores e os critérios mais apropriados para cada perfil de investidor ou tipo de ordem e as razões para tal?
3.3 Conexão e roteamento de ordens
Best execution, em um cenário de múltiplas bolsas, implica a conexão
dos intermediários com os diversos ambientes de negociação e a utilização de
ferramentas para roteamento das ordens recebidas, de acordo com as especificações que melhor atendam ao interesse do investidor.
Nos Estados Unidos, em certa medida, a obrigação de best execution
foi estendida para os próprios ambientes de negociação por meio do Order
Protection Rule. Essa norma proíbe um ambiente de negociação de executar
uma ordem em seu mercado, caso haja uma cotação mais favorável em outro
ambiente de negociação. Em função disso, há o roteamento de ordens pelos
próprios ambientes de negociação.
Perguntas:
(i) A adoção de um regime de best execution, em cenário de concorrência
entre bolsas, implicaria em mudanças relevantes nos sistemas ou procedimentos dos intermediários? 7
(ii) Quais seriam os desafios para os intermediários se conectarem aos diversos ambientes e realizarem o roteamento de ordens, por exemplo, em relação a custos e estrutura tecnológica? Nas respostas, é desejável a descrição das
mudanças necessárias e, se possível, estimativas de custos.
(iii) Seria apropriado estabelecer previsões para os administradores de mercado no sentido de estarem também sujeitos ao regime de best execution,
nos moldes da Order Protection Rule? Quais seriam os desafios e benefícios
dessa opção?
(iv) Fornecer quaisquer comentários adicionais sobre o regime de best
execution e mecanismos de mitigação do risco de fragmentação de liquidez
que julgar relevantes.
4. Consolidação dos dados de pré-negociação e pós-negociação
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32
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
No cenário de múltiplas bolsas ou de múltiplos mercados de balcão organizado, a fragmentação de dados ocorre naturalmente, uma vez que cada
ambiente de negociação terá os seus próprios dados sobre as ofertas e as negociações executadas.
O acesso aos dados pré-negociação e pós-negociação são importantes para
os participantes do mercado obterem uma visão acurada sobre as condições
que afetam a sua atuação e determinam a tomada de suas decisões. A International Organization of Securities Commissions (IOSCO) considera tais
dados centrais para a equidade e a eficiência do mercado, e em especial na
promoção de liquidez e qualidade da formação dos preços5.22
Em cenário de múltiplos mercados, o acesso aos dados fragmentados de
cada um dos ambientes de negociação não é suficiente e o acesso aos dados
consolidados pode revelar-se caro ou a sua consolidação requerer muito tempo. Segundo o estudo da Oxera, o custo de acessar informações consolidadas
“pode ser proibitivo para alguns participantes do mercado, especialmente investidores de varejo ou fundos menores”.
São várias as razões que podem causar o encarecimento do acesso a informações consolidadas. A consolidação por conta própria, por exemplo, requer
a implementação e manutenção de sistemas próprios que capturem e processem as informações de cada ambiente de negociação. Por outro lado, quando
ela é deixada a cargo de provedores de informações, estes podem vincular a
venda desse serviço à contratação de outros serviços prestados. 8
Para ambientes de negociação multilaterais, a Instrução CVM nº 461,
de 23 de outubro de 2007, já requer a transparência pré-negociação e pós-negociação para cada um dos ambientes, não existindo, contudo, nenhuma
disposição visando à consolidação dos dados de diferentes ambientes de negociação.
Segundo a Oxera, inicialmente a consolidação de dados foi deixada para
os próprios participantes do mercado nos Estados Unidos, na Europa e no
Canadá. Porém, mais recentemente, foi introduzida nos Estados Unidos e
no Canadá uma estrutura centralizada de consolidação, enquanto que, na
Europa, a consolidação de dados é oferecida por vendors ou realizada pelo
próprio participante.
Em consulta pública de 2010, a Australian Securities and Investments
Commission (ASIC) sugeriu 3 (três) opções para a consolidação de dados: a)
por múltiplos vendors aprovados pela ASIC; b) por um único consolidador
por meio de processo licitatório; e c) por uma entidade governamental ou da
indústria com caráter de utilidade pública.
A ASIC manifestou clara preferência pelas 2 primeiras alternativas, em
que o(s) consolidador(es) necessariamente ofereceria(m) a fita consolidada
22
5 Transparency and market fragmentation, pg 3, Technical Committee of
IOSCO, Nov 2001.
FGV DIREITO RIO
33
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
(pré e pós-negociação) como produto separado do restante dos serviços por
ele(s) oferecidos. Após a consulta pública, a ASIC decidiu-se pela primeira
alternativa, ou seja, pela prestação do serviço por agentes privados, em regime
de concorrência, sujeitos, porém, a autorização específica.
No caso da Austrália, ademais, a fita consolidada, independentemente de
quem fosse(m) o(s) consolidador(es), seria utilizada pela ASIC como referência para o cumprimento de regime de best execution e para propósitos de
monitoramento e supervisão de mercado.
Perguntas:
(i) Qual seria a melhor forma de implementar a fita consolidada no Brasil?
Um único ou diversos consolidadores? Por quê?
(ii) No caso de uma única entidade funcionar como consolidador central,
como essa entidade poderia ser estabelecida? No caso dos consolidadores serem os vendors, quais deveriam ser os requisitos mínimos para o seu reconhecimento pela CVM?
(iii) Haveria alguma questão de ordem operacional que deveria ser avaliada sob a perspectiva dos usuários e sob a perspectiva do(s) consolidador(es)
reconhecido(s) pela CVM, considerando a desvinculação do serviço de fornecimento de informações consolidadas de outros serviços prestados? 9
(iv) Quais seriam os custos relevantes para o(s) consolidador(es)? Favor
apresentar estimativas.
(v) Administradores de mercado deveriam poder cobrar pelo fornecimento de dados sobre cotações e ordens executadas ao(s) consolidador(es)?
(vi) Administradores de mercado deveriam poder exercer o papel de consolidadores?
(vii) Fornecer quaisquer comentários adicionais sobre fita consolidada e
consolidadores que julgar relevantes.
5. Supervisão, autorregulação e normatização
De acordo com a Oxera, as atividades de supervisão de mercado, de autorregulação e mesmo de normatização efetuadas pelos autorreguladores (administradores de mercado) tendem a ser repensadas em função da introdução
de concorrência.
Em suas conclusões, a consultoria afirma que a experiência dos mercados
internacionais sugere que mudanças nessas estruturas devem ser analisadas
pela CVM, uma vez que o elevado grau de autorregulação existente hoje pode
não ser apropriado, considerando o cenário de diversas bolsas concorrentes.
Em relação à supervisão, a introdução de concorrência pode trazer diversas implicações, entre elas a demanda por sistemas de informação e pessoal
com qualificação diferente da situação em que há uma única bolsa operando.
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
A supervisão torna-se mais complexa, uma vez que passa a haver dispersão
de negociações em diferentes ambientes e a visão e a atuação dos autorreguladores na estrutura atual, por mais diligentes que eles sejam, tendem a ser
também fragmentadas.
Do lado da regulamentação, com o objetivo de coordenar diversos mercados, a experiência internacional também mostrou a necessidade de o regulador tomar para si a tarefa de harmonização e uniformização de regras que
anteriormente, inclusive pelo seu grau de detalhamento, eram definidas pela
única plataforma de negociação existente (ainda que sujeitas à aprovação prévia do regulador), a fim de manter a eficiência e integridade dos mercados,
evitar a concorrência predatória e mitigar riscos sistêmicos.
A Instrução CVM nº 461, de 2007, editada no contexto da desmutualização da Bovespa, BM&F e Cetip, representou um grande avanço no arcabouço regulatório vigente, ao disciplinar de forma completa 10 e abrangente
a constituição, organização e funcionamentos das bolsas e dos mercados de
balcão organizados.
No Edital de audiência pública nº 06/2007, que resultou na Instrução
CVM nº 461, de 2007, a CVM destacou “o esforço feito para que a minuta
não adentrasse em detalhes muito específicos da matéria que se propõe a
regular, procurando-se, ao invés, o alinhamento com uma postura baseada
em princípios... Essa abordagem baseada em princípios, entretanto, não foi
perseguida com um fim em si mesmo, tendo sido deixada de lado ocasionalmente, em benefício daquilo que, neste primeiro momento, nos tenha
parecido melhor ao funcionamento dos mercados...”
Dentro desse contexto, por exemplo, os arts. 15 e 17 da Instrução CVM
nº 461, de 2007, atribuíram à entidade administradora de mercados a definição das regras de funcionamento dos mercados por ela administrados e a
determinação das regras de admissão e permanência das pessoas autorizadas
a negociar, bem como as normas de conduta aplicáveis a elas, procurando-se,
o menos possível, estabelecer regras mais objetivas.
Por sua vez, o art. 42 determinou que cada entidade administradora deveria manter o seu departamento de autorregulação. A esse departamento
caberia, entre outros, fiscalizar as operações realizadas nos mercados administrados pela entidade, fiscalizar as pessoas autorizadas a operar, de forma
direta e ampla, podendo, no exercício das suas atividades, exigir dessas pessoas informações necessárias ao exercício de sua competência (por exemplo,
auditorias), e conduzir processos administrativos disciplinares para apurar as
infrações das normas que lhe incumbe fiscalizar.
FGV DIREITO RIO
35
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Na época, o debate sobre autorregulação se deu no contexto de conflito de
interesses entre as atividades de uma bolsa que vise ao lucro e as atividades de
autorregulação dessa mesma bolsa.
No Edital de audiência pública referido anteriormente, a CVM expôs a
sua convicção nas atividades de autorregulação do mercado pelos administradores de mercado de bolsa ou balcão organizado. O Edital afirmou que
“uma regulação que imponha a independência, o financiamento adequado
e a atuação efetiva da autorregulação, aliada aos riscos impostos ao mercado
no caso de falhas de autorregulação (inclusive, no extremo, de cassação da
autorização para funcionar), constituem incentivos adequados para que os
administradores de mercados e os sócios das sociedades que explorem esses
mercados atuem de maneira adequada no exercício de suas funções autorreguladoras, sempre sob a supervisão atenta do regulador”.
O debate daquela época foi superado pela prática e pelo aprendizado desses anos, e não obstante os avanços que obtivemos no Brasil, o estudo da
Oxera traz uma reflexão de diferente natureza sobre o modelo de autorregulação adotado pela CVM. Isto é, a reflexão oportuna nesse momento diz
respeito à 11 extensão da eficácia e às limitações da autorregulação exercida
individualmente por cada administrador de mercado, na hipótese de haver
diversas bolsas concorrentes.
Perguntas:
(i) Quais seriam os aspectos positivos ou negativos da estrutura atual de
autorregulação, em existindo diversas bolsas concorrentes?
(ii) Considerando a hipótese de diversas bolsas concorrentes, a estrutura
atual de autorregulação seria adequada?
Caso a resposta seja afirmativa:
(ii.a) Apresente razões, considerando as preocupações mencionadas anteriormente. Considerando a hipótese de várias bolsas, a constituição de múltiplos departamentos de autorregulação afetaria as suas atividades? Como?
Considerando o ambiente de múltiplos mercados, quais seriam os pontos
mais relevantes que necessitariam de atuação integrada entre os autorreguladores, bem como entre os departamentos de autorregulação? Como a autorregulação de cada entidade do mercado poderia se organizar conjuntamente,
de forma a continuar exercendo o papel de auxiliar da CVM na supervisão
do mercado como um todo?
Caso a resposta seja negativa:
(ii.b) Qual seria a estrutura mais adequada? Fundamente a resposta. No
caso de indicar a centralização de algumas atividades hoje sob um único
autorregulador, que salvaguardas precisariam ser consideradas? A estrutura
proposta implicaria custos adicionais para a sua atividade? A organização da
FGV DIREITO RIO
36
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
estrutura proposta implicaria em que tipos custos de implantação e manutenção? Como eles deveriam e poderiam ser financiados?
(iii) Fornecer quaisquer comentários adicionais sobre estrutura de autorregulação que julgar relevantes.
6. Encaminhamento de sugestões e comentários
As respostas e comentários devem ser encaminhados, por escrito, até o dia
12 de agosto de 2013 à Superintendência de Desenvolvimento de Mercado,
preferencialmente pelo endereço eletrônico 12 [email protected]
ou para a Rua Sete de Setembro, 111, 23º andar, Rio de Janeiro — RJ, CEP
20050-901.
Após o envio dos comentários ao endereço eletrônico especificado acima,
o participante receberá uma mensagem de confirmação gerada automaticamente pelo sistema.
As menções a outras normas, nacionais ou internacionais, devem identificar número da regra e do dispositivo correspondente.
As respostas e comentários que não estejam acompanhadas de fundamentação, dados e evidências ou que claramente não tenham relação com o objeto proposto não serão considerados nesta audiência.
As respostas e comentários recebidos pela CVM serão considerados públicos e disponibilizados na íntegra, após o término do prazo da audiência
pública, na página da CVM na rede mundial de computadores.
Rio de Janeiro, 13 de junho de 2013.
Original assinado por
ANTONIO CARLOS BERWANGER
Superintendente de Desenvolvimento de Mercado
Em Exercício
Original assinado por
LEONARDO P. GOMES PEREIRA
Presidente
FGV DIREITO RIO
37
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
4. AULA 3: OS VALORES MOBILIÁRIOS
O “valor mobiliário” é um termo chave dentro da Lei nº 6.385, de 7 de
dezembro de 1976. Se um determinado título for considerado valor mobiliário, sua emissão e negociação públicas passam a estar sujeitas às normas e a
fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários.
Antes da Lei 6.385, que criou a Comissão dos Valores Mobiliários, as operações envolvendo valores mobiliários eram regulados pelo Banco Central do
Brasil, na forma da Lei 4.728 de 1975. No entanto, para que se defina quais
operações devem ser reguladas, é necessário que se defina primeiramente o
que é um valor mobiliário. A lei 4.728 não definia o que era um valor mobiliário. Mas, como este mercado era ainda incipiente no Brasil, isto não chegou
a causar grandes problemas.
Na promulgação da Lei 6.385/76, com vistas a demarcar a competência
da Comissão de Valores Mobiliários de forma a evitar conflitos de competência com o Banco Central, o legislador brasileiro pela primeira vez definiu
o que eram valores mobiliários. Para tal fim, usou da técnica europeia de
definição dos valores mobiliários, fixando uma lista exaustiva dos valores mobiliários. Ainda, foi conferido ao Conselho Monetário Nacional competência
para alterar esta lista, atribuindo assim flexibilidade ao sistema.
Ou seja, os valores mobiliários eram apenas aqueles taxativamente listados em lei; todos os outros ativos financeiros seriam regulados pelo Banco
Central. Assim, seriam evitados conflitos de competência entre os órgãos reguladores, e haveria previsibilidade no mercado, para que este pudesse se
desenvolver com segurança. No entanto, a opção por uma lista fechada errou
por não estabelecer uma definição legal devia ser ampla, capaz de se adequar
às constantes inovações e mutações do mercado de forma rápida.
Dando-se conta desta deficiência do mercado, o governo federal editou a
Medida Provisória nº 1.637, de 8 de janeiro de 1998, posteriormente transformada na Lei 10.198 de 14 de fevereiro de 2001, que procurou estabelecer
um conceito amplo de “valor mobiliário”, apto a abarcar praticamente todas
as hipóteses de captação em massa da poupança popular.
A medida provisória buscou adotar a técnica americana de definição de
valores mobiliários. Nos Estados Unidos, o Securities Act e o Securities and
Exchange Act de 1933 criaram a Securities and Exchange Comission, equivalente americana à Comissão de Valores Mobiliários brasileira, e estabeleceram
a sua competência. A competência de tal órgão seria a regulamentação e fiscalização de operações que envolvessem os valores mobiliários (securities)23.
Dentre outros, os valores mobiliários envolveriam os chamados investment
contracts, cuja definição não foi estabelecida pelo legislador.
Como a legislação americana não definiu o que são investment contracts,
coube à Suprema Corte Americana fazê-lo. No clássico caso SEC v. W. J.
23
SEC. 2. (a) DEFINITIONS.—When
used in this title, unless the context
otherwise requires— (1) The term ‘‘security’’ means any note, stock, treasury
stock, security future, security-based
swap, bond, debenture, evidence of
indebtedness, certificate of interest
or participation in any profit-sharing
agreement, collateral-trust certificate,
preorganization certificate or subscription, transferable share, investment
contract, voting-trust certificate,
certificate of deposit for a security,
fractional undivided interest in oil, gas,
or other mineral rights, any put, call,
straddle, option, or privilege on any security, certificate of deposit, or group or
index of securities (including any interest therein or based on the value thereof), or any put, call, straddle, option,
or privilege entered into on a national
securities exchange relating to foreign
currency, or, in general, any interest or
instrument commonly known as a ‘‘security’’, or any certificate of interest or
participation in, temporary or interim
certificate for, receipt for, guarantee
of, or warrant or right to subscribe to or
purchase, any of the foregoing.
FGV DIREITO RIO
38
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Howey Company, estabeleceu-se qual seria esta definição. O caso tratava-se
de uma companhia que vendia lotes de terra para plantio, por meio de um
contrato em que o comprador não só adquiria a propriedade sobre o lote de
terra, mas também contratava uma prestadora de serviços que se encarregaria
do plantio em tais lotes. Conforme o entendimento da Suprema Corte Americana, a definição de contrato de investimento seria:
“For purposes of the Securities Act, an investment contract (undefined by
the Act) means a contract, transaction, or scheme whereby a person invests
his money in a common enterprise and is led to expect profits solely from
the efforts of the promoter or a third party, it being immaterial whether the
shares in the enterprise are evidenced by formal certificates or by nominal
interests in the physical assets employed in the enterprise.”24
Esta definição de contratos de investimento acabou por se confundir com
o próprio conceito de valor mobiliário.
Segundo o art. 1º da Medida Provisória 1.637/98, “constituem valores
mobiliários quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo que gerem direito de participação, de parceria ou remuneração, inclusive resultante
da prestação de serviços, cujos rendimentos advém do esforço do empreendedor ou de terceiros”.
Com a promulgação da Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001, este
conceito foi incorporado ao art. 2º da Lei nº 6.385/76, cujo caput passou a
vigorar com a seguinte redação:
“Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:
I — as ações, debêntures e bônus de subscrição;
II — os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;
III — os certificados de depósito de valores mobiliários;
IV — as cédulas de debêntures;
V — as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de
clubes de investimento em quaisquer ativos;
VI — as notas comerciais;
VII — os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos
subjacentes sejam valores mobiliários;
VIII — outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e
IX — quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria
ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.” (grifo nosso)
Diante de tal redação, percebe-se que o legislador brasileiro buscou oferecer uma lista dos valores mobiliários mais comumente negociados, de forma
a garantir previsibilidade e segurança jurídica. Mas, além disso, de forma
24
U.S. Supreme Court. SEC v. Howey
Co., 328 U.S. 293 (1946). Securities
and Exchange Commission v. Howey
Co. No. 843 Argued May 2, 1946 Decided May 27, 1946 328 U.S. 293.
FGV DIREITO RIO
39
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
a corrigir a deficiência da lei em se adaptar à dinamicidade do mercado de
valores mobiliários, o legislador inseriu no inciso IX do mesmo artigo um
conceito amplo, notadamente inspirado no conceito americano de valor mobiliário, que poderia abranger outros tipos de valores mobiliários que se fizessem necessários.25
Conforme o pensamento da Suprema Corte Americana, a inserção do
contrato de investimento dentre os valores mobiliários é extremamente vantajosa:
“It embodies a flexible, rather than a static, principle, one that is capable
of adaptation to meet the countless and variable schemes devised by those
who seek the use of the money of others on the promise of profits.”
No entanto, mesmo diante de tal definição, ainda surgem divergências doutrinárias quanto à caracterização de um instrumento como valor mobiliário.
O Diretor Marcos Barbosa Pinto, da Comissão dos Valores Mobiliários,
analisa o conceito de valores mobiliários, constante no inciso IX do artigo 2º
da lei 6.385, de modo a fazer um esforço interpretativo para estabelecer os
elementos dos valores mobiliários, que seriam os seguintes:26
O agente superavitário deve entregar sua poupança com o intuito de fazer
um investimento; o instrumento pode ser um título ou contrato, ou seja, é
irrelevante a sua natureza; o investimento deve ser coletivo, isto é, vários investidores devem realizar um investimento em comum; o investimento deve
ser dar direito a alguma forma de remuneração, cujo conceito é interpretado
de maneira ampla; a remuneração deve ter origem nos esforços do empreendedor ou de terceiros que não o investidor; e os títulos ou contratos devem
ser objeto de oferta pública.
Já o doutrinador Nelson Eizrik se aprofunda no conceito determinado
pela lei para aferir que os elementos dos valores mobiliários são os seguintes:
“(a) a sua caracterização como modalidade de investimento coletivo, isto
é, o fato de ser destinado a circular em massa, perante uma pluralidade de
investidores;
(b) o fornecimento de recursos, em dinheiro ou outros bens suscetíveis de avaliação econômica, por parte do investidor para o emissor do título ou contrato;
(c) a gestão dos recursos por parte de terceiros, não controlando o investidor o negócio no qual seus recursos foram empregados;
(d) o fato de tratar-se de um empreendimento comum, cujo sucesso é almejado tanto pelo investidor quanto pelo gestor, havendo entre ambos uma
comunhão de interesses econômicos interligados juridicamente;
(e) a expectativa do investidor em participar diretamente dos lucros resultantes do empreendimento comum gerido pelo empreendedor ou por terceiros, e
(f ) a circunstância de o investidor partilhar os riscos do empreendimento
no qual ele deseja participar, que são diversos dos riscos meramente comerciais ou de crédito.”27
25
Neste mesmo sentido, Nelson Eizirik:
“A vantagem da adoção desta acepção
mais ampla de valores mobiliários,
ao invés de mera enumeração, é que,
assim, evitar-se-á a reformulação periódica da legislação sobre mercado de
capitais. O alargamento do conceito de
valores mobiliários tem o condão de incluir as situações futuras em que serão
ofertados novos produtos ao investidor,
tendo sido, por via de conseqüência,
aumentado o âmbito de atuação e fiscalização da CVM.” Eizirik, Nelson; Gaal,
Ariadna B.; Parente, Flávia; Henriques,
Marcus de Freitas. Mercado de Capitais — regime jurídico. 3.ed. revista e
ampliada. — Rio de Janeiro: Renovar,
2011. p. 57.
26
Processo CVM Nº RJ2007/11.593.
27
Eizirik , Nelson. A polêmica sobre
a cédula de crédito bancário. Valor
Econômico, 25/02/2008, Legislação &
Tributos, p. E2
FGV DIREITO RIO
40
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Percebe-se nítida a divergência entre os doutos, em especial quanto aos três
últimos requisitos elencados por Nelson Eizirik. Isto continua causando uma
insegurança jurídica na caracterização de um título como valor mobiliário.
Um exemplo notório desta divergência se dá quanto à caracterização ou
não das Cédulas de Crédito Bancário (CCBs) como valores mobiliários. No
âmbito do julgamento do PROCESSO CVM Nº RJ2007/11.593, o colegiado de Diretores da CVM entendeu que as CCBs seriam valores mobiliários,
com certas restrições, incidindo, portanto a fiscalização da CVM sobre as
ofertas públicas que envolvessem as CCBs. Já a posição de Nelson Eizirik é
contrária à caracterização de tais títulos como valores mobiliários, pois neles
não se percebe o interesse da instituição financeira no sucesso do empreendimento do tomador do empréstimo.28
Considerando a rotação constante dos Diretores da autarquia e a notória
divergência entre os diversos doutrinadores societários, percebe-se que a conceituação dos valores mobiliários continua sendo matéria de controvérsia que
causa visível insegurança jurídica.
28
Idem.
FGV DIREITO RIO
41
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
5. AULA 4: OS MERCADOS NORTEAMERICANO E EUROPEU E A
MELHOR EXECUÇÃO
O MERCADO DE CAPITAIS NOS ESTADO UNIDOS
Os Estados Unidos da América (“EUA”) mantiveram por muitos anos um
grande número de bolsas em funcionamento em um cenário mundial muito
menos globalizado, integrado e automatizado do que o mundo atual. Antes de 2007, com a implementação da Regulamentação do National Market
System (“NMS”) pela comissão de valores mobiliários americana, a SEC, os
intermediários, ou seja, as corretoras, podiam escolher para quais das mais de
dez bolsas norte-americanas iriam rotear as ordens enviadas por seus clientes,
fosse na bolsa em que as ações estivessem listadas, nas bolsas regionais, nos
sistemas alternativos de negociação ou até mesmo para formadores de mercado nos mercados de balcão. Mesmo que o mercado norte-americano sempre
tenha sido integrado, a conexão era falha e realizada muitas vezes através de
conectividade voluntária privada. Com isso, a concorrência entre as plataformas de negociação trazia uma voluptuosa fragmentação de liquidez nos
diversos locais de negociação.
A solução encontrada pelos EUA foi a implementação das regras 610 e
611 da NMS no ordenamento americano. A primeira obriga os intermediários a cumprirem a regra da Melhor Execução e, assim, executarem a compra
e venda das ordens recebidas por seus clientes no melhor preço do mercado,
e a segunda, conhecida como Regra de Proteção da Ordem (Order Protection
Rule), obriga os próprios ambientes de negociação a rotearem a ordem enviada pelo cliente para o mercado em que se verifique a cotação mais favorável
do ativo.
O doutrinador norte-americano Hans R. Stoll explica a Regra de Proteção
da Ordem na sua obra Eletronic Trading in Stock Markets, Journal of Economic
Perspectives:
A Regra da Proteção da Ordem faz com que um mercado que receba
uma ordem a repasse a qualquer outro mercado que tenha melhores
preços considerando tais preços automatizados e de acesso imediato
(Securities and Exchange Commission, 2005). Ou seja, a regra proíbe
o mercado receptor da ordem de ignorar (trading through) uma melhor cotação num mercado “A” para transacionar por uma pior cotação
num mercado “B”. Cotações que não estão imediatamente acessíveis
não são protegidas pela regra.29
Para o autor, de uma forma geral, a obrigação de os ambientes de negociação também estarem sujeitos à lógica da Melhor Execução, nos moldes
29
Tradução independente.
FGV DIREITO RIO
42
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
da Norma 611, é reforçar a aplicabilidade da proteção das transações com o
melhor preço para os vendedores e compradores de valores mobiliários, mesmo que os intermediários venham a falhar na aplicação da Melhor Execução.
Com pertinente atenção ao mercado, o legislador norte-americano entendeu que a ausência de critérios precisos para a definição mais acertada sobre
as normas de Melhor Execução cria incerteza jurídica e deixa muita margem
para interpretação duvidosa, devendo se atentar a um único e critério: o preço dos ativos. O regime da Melhor Execução busca diminuir os conflitos de
interessem que venham a surgir na execução de ordens enviadas pelos clientes
para as corretoras, assegurando que as ordens serão executadas nas melhores
condições e no melhor interesse do cliente, mesmo que por ventura haja mais
de um sistema de negociação.
Com efeito, as plataformas de negociação de ativos necessitaram aprimorar seus sistemas para manter e garantir o cumprimento de políticas e procedimentos razoavelmente projetados para a prevenção de erros na negociação
de ativos nas bolsas cuja cotação dos ativos esteja protegida pela NMS.
Como já anteriormente mencionado, o fator mais relevante na execução
de ativos nas plataformas de negociação de valores mobiliários dos Estados
Unidos é o preço do ativo mais favorável para o cliente. Entretanto, a Regra de Proteção da Ordem por si só faz com que o mercado seja limitado à
quantidade de ações no melhor preço. Por exemplo, se na Bolsa A existem 10
ativos a R$ 1,00 e na Bolsa B existem 100 a R$ 1,10, de acordo com a Regra,
o intermediário, diante de uma ordem de compra de 100 ações, somente
poderá executar a ordem para 10 ações.
Neste sentido, a NMS programou uma exceção à Regra de Proteção da
Ordem, a chamada Varredura de Ordens entre os Mercados (Intermarket
Sweep Order — ISO) elencada na norma 611(b) da NMS. Esta exceção permite com que o mercado de destino da ordem execute a quantidade de ações
que tiver no melhor preço e encaminhe automaticamente o restante da ordem para os demais mercados. Exemplificando, quando na Bolsa A existem
10 ativos a R$ 1,00 e na Bolsa B existem 100 a R$ 1,10, o intermediário,
diante de uma ordem de compra de 100 ações, deverá executar 10 ativos na
Bolsa A por R$ 1,00 e encaminhar a ordem de compra de 90 ativos na Bolsa
B por R$ 1,10.
A Diligência Razoável da Melhor Execução
No mercado americano, o Financial Industry Regulatory Agency (“FINRA”), entidade reguladora independente do mercado de valores norte-americano, veio a incorporar algumas das regras observadas no mercado na Norma
2320 da antiga entidade reguladora National of Securities Dealers (“NASD”),
FGV DIREITO RIO
43
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
consolidando-as na forma das Normas 5310 e 6438. Estas previsões normativas estabelecem os requisitos gerais para das regras da Melhor Execução no
mercado. É na Norma 5310(a) que podemos encontrar a obrigação legal de
que os intermediários deverão utilizar uma diligência razoável (“Reasonable
Diligence”) para garantir que o melhor mercado para determinado valor mobiliário e sua execução (compra/venda) seja escolhido, assegurando que o melhor preço obtido na negociação seja o mais favorável possível para o cliente,
dadas as condições predominantes do mercado.
A experiência dos Estados Unidos, em concordância com a legislação regulatória do FINRA, identifica cinco parâmetros como determinantes para
avaliar se um intermediário utilizou diligência razoável:
i. A característica do mercado para o valor mobiliário transacionado;
ii. O tamanho e tipo de transação;
iii. O número de mercados verificados;
iv. O acesso às cotações; e
v. Os termos e condições da ordem e conforme comunicados à firma.
A partir destes parâmetros, a SEC incorporou à estrutura normativa do
mercado financeiro diversas regras para proteger os investidores e assegurar a
transparência e prestação de contas aos investidores. A SEC explica:
As regras da SEC, com o objetivo de melhorar a transparência pública de ordens e práticas de roteamento, determinam que todos os
administradores de mercado que transacionam no NMS devem realizar mensalmente uma prestação eletrônica de informações básicas
em relação à qualidade das execuções sob uma perspectiva ação-ação,
incluindo de que maneira as ordens de mercado de diferentes tamanho são executadas em relação às cotações públicas. Essas medidas de
transparência devem também informar sobre intervalos efetivos — os
intervalos de preço pagos por investidores cujas ordens são roteadas
para um determinado administrador de mercado. Além disso, os administradores de mercado precisam informar até que ponto eles proporcionam execuções por preços melhores que as cotações públicas para
investidores usando limite de ordens.
Essas regras também dizem que corretores que roteiam ordens em
nome dos clientes devem informá-los a cada quadrimestre a identidade dos administradores de mercado para os quais enviam uma significante porcentagem das ordens. Além disso, os corretores precisam
responder aos pedidos dos seus clientes interessados em entender para
onde suas ordens individuais foram roteadas para execução nos últimos 6 meses. 30
30
Tradução independente. Texto original em http://www.sec.gov/investor/
pubs/tradexec.htm
FGV DIREITO RIO
44
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Invariavelmente, a fiscalização e as exigências para a verificação do cumprimento da execução das ordens são fundamentais para uma eventual responsabilização da corretora ou da plataforma de negociação, com a possibilidade, inclusive, de aplicação de multa aos infratores da regra.
A Consolidação dos Dados Pré-Negociação e Pós— Negociação
Em um cenário como o dos Estados Unidos, onde diversas bolsas atuam
concomitantemente, a fragmentação de dados no mercado é natural, uma
vez que cada ambiente possui ativos listados e realiza suas próprias operações.
Tal fato poderia não ser um problema quando havia apenas uma bolsa nos
EUA, a NYSE, em 1792. Contudo, com a expansão natural do mercado de
valores, um mecanismo de acesso aos dados e participantes do mercado das
diferentes plataformas de negociação, a fim de se obter uma visão apurada
das cotações e informações de cada plataforma, foi necessário. É a chamada
Consolidação de Dados, ou Fita Consolidada (Consolidated Tape), a qual foi
inserida no ordenamento do mercado de valores pela SEC em 1975 para que
o mercado fosse fortalecido e se mostrasse mais eficiente e transparente.
A partir da Consolidação de Dados os participantes do mercado poderiam
ter acesso às informações consolidadas de todas as plataformas, bem como
aos preços dos ativos e as operações. Frisa-se que a Consolidação de Dados
norte-americana exibe somente os melhores preços de compra e venda dos
ativos e que os investidores que desejam obter dados mais completos sobre os
ativos devem buscá-los diretamente em cada plataforma de negociação.
O MERCADO DE CAPITAIS NA EUROPA
A União Européia é uma união de países localizados principalmente no
continente europeu, que buscam, em conjunto, desenvolver econômica, política e socialmente o seu espaço, por meio de uma série de acordos e leis
aplicáveis a todos os Estados-membros. No âmbito econômico, os países atuam em conjunto com o objetivo de implementar um mercado de capitais
integralizado.
Para harmonizar a regulação do mercado de capitais no âmbito da intermediação financeira, a comunidade européia aprovou a Diretiva Sobre Mercados de Instrumentos Financeiros. A MIFID define a tomada de medidas
em benefício da organização e funcionamento das empresas de investimento
e em prol das transações fora de fronteiras e harmonização dos mercados de
capitais da Europa. Além disso, também estabelece os poderes e obrigações
das autoridades nacionais competentes que fiscalizam as operações nos merFGV DIREITO RIO
45
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
cados regulados e obriga aos intermediários financeiros a adotarem políticas
e procedimentos que lhes permitam identificar a categoria do cliente que
estão lidando e o instrumento financeiro. Seu objetivo principal é integrar o
mercado e promover uma competitividade e eficiência entre as plataformas
de negociação dos diferentes e diversos mercados do espaço europeu.
Até a implantação da MIFID em 2007, o mercado de capitais era regido
pela antiga Diretiva dos Serviços de Investimentos (“DSI”), em vigência desde em 10 de maio de 1993. A DSI reproduzia as Condutas Internacionais dos
Princípios Empresários (International Conduct of Business Principles) e obrigava que as normas que transpusessem os seus princípios fossem aplicadas de
acordo com a condição profissional do cliente a quem se prestava o serviço
e suas necessidades específicas. A partir de então, as entidades reguladoras, à
época reunidas no FESCO (Fórum of European Securities Commissions), iniciaram um projeto de harmonização das normas de conduta e, em paralelo,
um projeto para definir parâmetros de diferenciação dos clientes, que seguiu
para análise e aprovação em 2002 pela CERS (Committee of European Securities Regulators), entidade que veio a substituir a FESCO.
Em 2012, após apenas cinco anos da entrada em vigor da MIFID, já era
possível se verificar a eficácia do mercado europeu, a redução dos custos de
transação e a crescente integração do mercado comprovam o sucesso da MIFID. Atualmente, vem sendo estudada uma proposta de reforma buscando
a modernização, transparência e adaptação das suas diretrizes para a implementação da MIFID 2.
A MIFID introduziu no mercado de capitais europeu duas principais
categorias de clientes, conforme a sua capacidade financeira: o Investidor
Qualificado e o Investidor Não-Qualificado. A partir desta categorização,
distinguiu um terceiro grupo de clientes diferenciados, a chamada Contraparte Elegível. Cada categoria de cliente possui um tratamento diferenciado
quanto à regulação aplicável e a necessidade de proteção aos riscos inerentes
da fragmentação do mercado, e deve ser informado da categoria que lhes foi
atribuída. As categorias se classificam em:
i.
Contraparte Elegível (Eligible Counterparties): A Diretiva as define como investidores potencialmente fortes, tais como instituições
de crédito, empresas de investimento, empresas de seguros, fundos
de pensões e as respectivas sociedades gestoras, outras instituições
financeiras autorizadas, governos nacionais e serviços correspondentes, incluindo os organismos públicos, bancos centrais e organizações supranacionais. As contrapartes elegíveis possuem natureza mais complexa do que os demais clientes, no sentido de serem
economicamente superiores, e, na maioria das vezes, atuarem por
FGV DIREITO RIO
46
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
conta própria. Desta forma, os intermediários não estão obrigados
ao cumprimento de diversas normas de conduta.
ii. Investidor Qualificado (Profissional Client): A Diretiva os define
como as empresas que prestam serviços de investimento ou que
exerçam atividades de investimento a grandes empresas cuja dimensão, de acordo com as suas últimas contas individuais, satisfaça dois
dos seguintes critérios: (i) Situação líquida de € 2 milhões; (ii) Ativo
total de € 20 milhões; e (iii) Volume de negócios líquido de € 40
milhões. As normas de conduta aplicáveis aos Investidores Qualificados são menos exigentes que as normas aplicáveis aos Investidores
Não-Qualificados.
iii. Investidor Não-Qualificado (Rentail Client): São todos os clientes
particulares e empresas que não tenham reunidos os requisitos que
caracterizam quaisquer das outras classificações anteriores. Sem dúvida, são esses os clientes que a MIFID oferece maior atenção (personalização do cliente) e nível de proteção (deveres de informação).
Ademais, com relação a estes clientes, os intermediários financeiros
ficam obrigados a: i) celebrar contrato escrito; ii) informar e possuir
o conhecimento do cliente; e iii) ter uma “política de boa execução”.
Confere-se, ainda, a possibilidade de solicitar um tratamento diferenciado
na procura de maior ou menor grau de proteção, sejam estas transferências
totais, ou limitadas a alguns serviços ou transações. Desta maneira, o cliente
que considerar ter capacidade e conhecimento para tomar as suas próprias
decisões de investimento, compreender os riscos envolvidos, preencher os
requisitos quantitativos exigidos e seguir os tramites legais, pode solicitar tratamento como Investidor Qualificado 31.
Diferentemente do que parece, a solicitação de tratamento diferenciado
não é tão simples e depende da verificação de três requisitos quantitativos
mínimos para ser concluída. A freqüência média de dez transações de volume
significativo por trimestre; a obtenção de uma carteira financeira maior que
quinhentos mil euros; e a prestação de serviços em cargo que exija conhecimento no setor financeiro por no mínimo um ano.
Não obstante, os intermediários financeiros tiveram que adotar uma série
de políticas e procedimentos para se adaptar à categorização de clientes, a automática identificação, ao devido tratamento aos clientes em função de suas
categorias e a avaliação dos critérios para o tratamento diferenciado.
31
De acordo com a lei européia, o cliente que desejar a categorização como
outro tipo de cliente deve entregar
um pedido escrito para o investidor,
indicando os direitos e proteções que
pretende abrir mão e anexar ao pedido
declaração de ter consciência da perda
de proteção.
FGV DIREITO RIO
47
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
A Melhor Execução no Mercado Europeu
De acordo com o artigo 21(1) da MIFID, os intermediários devem tomar
todas as medidas razoáveis para conseguir chegar no melhor resultado possível ao executar a ordem de um cliente32.
A norma estabelece que no mercado secundário de ações os intermediários
devem considerar o preço, custo, velocidade, possibilidade de execução, volume, natureza da ordem e quaisquer outras instruções extras fornecidas pelo
cliente ao determinar o roteamento de ordens.33 As variáveis serão definidas
uma a uma a seguir.
Preço: segundo o princípio europeu, a Melhor Execução não deve se resumir apenas a um atributo, como o preço, mas sim a uma gama de componentes inerentes à execução. Sem dúvida, o preço do ativo negociado deve ser um
fator importante a se considerar e preponderante na maioria das transações,
entretanto nem sempre o melhor preço será avaliado como atributo relevante
para a Melhor Execução, em razão da implementação de outros fatores.
Custo: o melhor preço não se mostra como regra de Melhor Execução
quando acompanhado de altos custos. Os custos podem ser classificados em
explícitos e implícitos. Os custos explícitos são aqueles pré-definidos, que
podem ser conhecidos e calculados antecipadamente, incluindo os custos de
transação e os custos particulares de acesso aos espaços particulares de bolsa.
Os custos implícitos, por sua vez, tal como impacto no mercado, intervalo
de preços dos ativos e os custos de oportunidade, ensejam uma ponderação quanto a sua vulnerabilidade uma vez que dependem da forma como se
executa uma decisão. Bons preços devem ser associados a custos explícitos
razoáveis para que, por sua vez, sejam balanceados com os custos implícitos.
Velocidade: os preços naturalmente variam de acordo com o tempo. Por
exemplo, se um investidor considera que o custo de um movimento adverso
do mercado é provavelmente bom, a velocidade da execução parece ser importante. Para a escolha do método de negociação, dentro de uma política de
execução que é influenciada pelas condições de mercado, a velocidade pode
representar o sucesso da negociação, impossibilitando qualquer movimento
adverso que pudesse lhe influenciar, sendo por isso de especial importância.
Probabilidade de execução e liquidação: a execução e a liquidação serão
de extrema importância, uma vez que o melhor preço aliado à morosidade
de liquidação implica em custos de oportunidade acrescidos, o que não é
interessante. Por isso, as ordens devem ser executadas em estruturas de negociação que assegurem uma liquidação satisfatória.
Volume: o volume da ordem influencia sobremaneira na busca como um
melhor preço. O melhor preço pode não estar disponível a ser transacionado
com pequenos volumes. O ideal, portanto, seria quando se coincidem o melhor preço e o volume a ser transacionado com o cliente.
32
Art. 21 (1). Member States shall
require that investment firms take all
reasonable steps to obtain, when executing orders, the Best possible result
for their clients taking into account
price, costs, speed, likelihood of execution and settlement, size, nature or
any other consideration relevant to the
execution of the order. Nevertheless,
whenever there is a specific instruction
from the client the investment firm
shall execute the order following the
specific instruction
33
Disponível em <http://tinyurl.com/
ntj8oxp>
FGV DIREITO RIO
48
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Natureza: as características particulares de uma ordem serão sempre determinantes na forma como a mesma deverá ser executada, seja ordem de
compra ou venda. Nesse contexto, para se obter o melhor resultado possível
se faz necessário um arranjo da característica particular de uma ordem, com a
estrutura que lhe seja adequada. A natureza da ordem será, portanto, decisiva
na sua escolha, devendo ser atrelada à melhor estrutura de negociação para
desta forma garantir o resultado almejado.
Por fim, o emprego destes fatores deve ser feito de acordo com a estratégia do investidor. Neste contexto, faz-se extremamente necessário o auxílio
do intermediário, que deverá interpretar a ordem do cliente e aplicá-la na
melhor combinação de execução que convier, conforme o efeito que esta
execução trará ao cliente34.
A política de execução, segundo a regra européia, envolve substancialmente (i) a descrição de quais as plataformas de negociação acessadas pelo intermediário e qual o critério adotado para escolher entre elas (art. 21 (3)), (ii)
a política de execução deve ter o consentimento prévio dos clientes (art. 21
(3)), (iii) o intermediário deverá ser capaz de, se solicitado pelo cliente, demonstrar-lhe que suas ordens foram executadas de acordo com a política de
execução previamente aprovada por ele (art. 21 (5)), e (iv) o monitoramento
constante sobre a qualidade de execução das ordens (art. 21 (4)).
Mesmo com estabelecimento de fatores taxativos, é desejável que outros
critérios sejam adotados para a verificação do cumprimento da melhor execução, como, por exemplo, a classificação do perfil dos clientes e a análise das
características da ordem dada.
No primeiro critério, com o intuito de se medir se determinadas soluções financeiras estão compatíveis com as características do cliente enquanto
investidor, a distinção mostra-se imprescindível, principalmente quando se
trata de Investidor Não-Qualificado. A apuração da Melhor Execução para
esta categoria de clientes é baseada na chamada Consideração Total (Total
Consideration), que é a consideração do preço do ativo juntamente com os
custos do cumprimento da ordem. Assim, tendo em vista que os intermediários são responsáveis pelo direcionamento das estratégicas dos investidores,
eles acabam por revestir a sua personalidade.
Em segundo plano estão as ordens enviadas pelo investidor, estruturadas
pelas características por ele direcionadas, conforme o fator de maior relevância para o próprio cliente. Neste contexto, o intermediário deverá observar
todas as instruções dadas pelo cliente para a execução da ordem e informar
ao cliente as possibilidades de execução e como elas podem influenciar na sua
escolha.
34
A execução da política deve levar
em consideração a importância, ou
um processo para que se determine
a importância, de os intermediários
observarem os fatores da melhor execução quando forem executar uma
ordem de um cliente ou acordo, assim
como informações sobre como estes
fatores afetarão o cliente na escolha da
plataforma de negociação. (Tradução
independente. Best Execution under MiFID, Q&A, The Committee Of European
Securities Regulators, p. 6)
FGV DIREITO RIO
49
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
A Consolidação dos Dados Pré-Negociação e Pós— Negociação
Historicamente, o mercado de capitais europeu é fragmentado com múltiplas bolsas nacionais e alternativas, que, em conjunto, atendem a todos os
segmentos do mercado. Destarte, a entrega de dados de múltiplos ambientes
de negociação em diferentes países é atualmente um grande desafio para a
Europa, sem contar com os curtos de estruturar uma única base consolidada
com informações e dados das negociações em todo o continente.
A consolidação de dados pré-negociação e pós-negociação ainda é um desafio para a MIFID. Como falado, existe uma proposta de reforma ainda em
análise pelos órgãos da União Européia para a implementação da MIFID II.
Com esta nova diretiva, a União Européia busca implementar no mercado de
capitais, a fita consolidada, que, primeiramente, traria um enfoque na transparência pós-negociação e não incluiria a pré-negociação.
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50
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
6. AULA 5: AS OPORTUNIDADES PARA O BRASIL
O Banco Mundial divulgou em maio de 2013 suas estatísticas para as empresas listadas em bolsas de valores no mundo. Foram analisados 110 países
no total com 45.261 empresas listadas até dezembro de 2012. Pela pesquisa,
o Brasil possui um mercado de capitais pouco desenvolvido, e os números
resumem a situação na qual o país se encontra: o número de companhias listadas (35335) é semelhante ao da Mongólia (329), o percentual da população
que investe em ações é equivalente ao de Gana e de países onde a população é
muito menor do que a brasileira36. Abaixo, dois gráficos traduzem a situação
do Brasil frente ao mercado mundial.
Gráfico 1 — Percentual da população que investe em ações por país
Fontes: Grout, Paul (University of Bristol — UK);
Megginson, William (University of Oklahoma, USA) — 2009 e BM&FBovespa
35
Fonte: Banco Mundial. Disponível
em: <http://data.worldbank.org/indicator/CM.MKT.LDOM.NO>
36
Disponível em: <http://
en.wikipedia.org/wiki/List_of_countries_by_GDP_(nominal)>
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51
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Gráfico 2 — Número de Companhias Listadas
Fonte: Relatório Oxera Consulting Ltd, 2012, p. 32.
Tendo em vista o atual estágio de desenvolvimento do mercado de capitais
brasileiro e a existência de apenas uma bolsa de valores com a liquidez necessária para completar as grandes e pequenas negociações, o Brasil encontra-se
em um difícil desafio de fomentar seu mercado de capitais e investimentos
no seu crescimento econômico. Ao mesmo tempo, enfático é o desafio de
aprimorar a regulamentação do mercado de capitais para que as transações
sejam feitas com eficácia, transparência e na melhor forma para o investidor.
A MELHOR EXECUÇÃO E O DESAFIO PARA O BRASIL
Conforme exposto, a Melhor Execução é um instituto facilitador e garantidor da eficiência e transparência do mercado de valores em um ambiente de
múltiplas bolsas, e, como foi visto, ela pode ser aferida por diversos fatores, à
critério do legislador do mercado. Tal política deve ter por fim a promoção de
maior eficiência dos mercados e obtenção de melhores resultados de execução
para os investidores finais. Nos Estados Unidos, o parâmetro é o preço do
FGV DIREITO RIO
52
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
ativo, e na Europa, somente com a análise de alguns fatores é que se encontra
a melhor condição de execução.
A Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais — ANBIMA, em relatório próprio emitido em 10 de setembro de
201337, verificou que uma política de Melhor Execução não pode ser pensada de forma descontextualizada do mercado onde será desenvolvida, sendo
imperioso observar a relação entre os parâmetros definidores do instituto que
serão utilizados com o modelo de mercado que está sendo construído. Nesse
sentido, aplicar um padrão quantitativo taxativo para o que se entende por
“melhor”, conforme a experiência de um mercado já desenvolvido, é uma
atitude imprudente, dada a não semelhança entre os mercados ou a impossibilidade de se provar que o resultado foi obtido de forma apropriada.
Por esse motivo, distintas são as práticas e entendimentos no que se refere
à melhor execução, sendo, contudo, a Melhor Execução muito mais uma
prática, ou melhor, conjunto de práticas que conduzam a implementação e
formação do modelo de mercado escolhido, do que regras quantitativas fundamentadas em fórmulas taxativas.
A regulação brasileira do mercado de capitais visa garantir e facilitar o
acesso dos participantes de forma eficiente e transparente. Por meio do artigo
4º da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976 este objetivo fica estabelecido como sendo: (i) o estímulo à formação de poupanças e sua aplicação em
valores mobiliários, (ii) a expansão e o funcionamento eficiente e regular do
mercado de ações, (iii) o estímulo às aplicações permanentes em ações, a proteção dos titulares de valores mobiliários e investidores, (iv) a promoção do
funcionamento regular e eficiente dos mercados de bolsa e balcão, (v) dentre
outros38.
Assim, é razoável que o instituto da Melhor Execução no mercado de
capitais brasileiro venha a convergir para o modelo de mercado escolhido
pelo legislador a fim produzir um mercado maduro, eficiente e transparente
e propiciar regras claras que produzam desenvolvimento e pouca ambiguidade. Neste cenário, cabe ao legislador definir regras que garantam a Melhor
Execução e estabeleça mecanismos de fiscalização e supervisão destas regras.
No Brasil o instituto está garantido com a edição do art. 19 da Instrução
CVM nº 505/2008, e segue os fatores do modelo europeu como o preço, o
custo, a velocidade, a probabilidade de execução, o volume e outras considerações relevantes. Ainda, a ordem está restringida aos intermediários, sem
mencionar as próprias plataformas de negociação.
Entretanto, não é prudente aplicar diretamente ao mercado brasileiro as
práticas regulatórias de controle e princípios baseadas na legislação da MIFID ou em qualquer outro mercado desenvolvido. Explica-se: A regulação
brasileira do mercado de capitais não é, por inteiro, semelhante a regulação
da MIFID ou às demais. No mercado brasileiro veda-se, por exemplo, os
37
ANBIMA — OF-DIR — 029/2013
— Resposta publicada ao Edital de
audiência Pública nº 05/2013 da
CVM — Convite para apresentação de
manifestações sobre as opções regulatórias relacionadas à identificação, à
mitigação, ao gerenciamento de riscos
decorrentes da fragmentação de liquidez e de dados e à possível mudança na
estrutura de autorregulação, tendo em
vista a hipótese de concorrência entre
plataformas de negociação. Assinado
pelo Superintendente-Geral José Carlos
Doherty. São Paulo. 10 de setembro de
2013.
38
Art. 4º O Conselho Monetário Nacional e a Comissão de Valores Mobiliários
exercerão as atribuições previstas na lei
para o fim de:
I — estimular a formação de poupanças e a sua aplicação em valores
mobiliários;
II — promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações, e estimular as aplicações
permanentes em ações do capital social
de companhias abertas sob controle de
capitais privados nacionais;
III — assegurar o funcionamento
eficiente e regular dos mercados da
bolsa e de balcão;
IV — proteger os titulares de valores
mobiliários e os investidores do mercado contra:
a) emissões irregulares de valores
mobiliários;
b) atos ilegais de administradores e
acionistas controladores das companhias abertas, ou de administradores
de carteira de valores mobiliários.
c) o uso de informação relevante
não divulgada no mercado de valores
mobiliários. (Alínea incluída pela Lei nº
10.303, de 31.10.2001)
V — evitar ou coibir modalidades
de fraude ou manipulação destinadas a
criar condições artificiais de demanda,
oferta ou preço dos valores mobiliários
negociados no mercado;
VI — assegurar o acesso do público
a informações sobre os valores mobiliários negociados e as companhias que os
tenham emitido;
VII — assegurar a observância de
práticas comerciais equitativas no mercado de valores mobiliários;
VIII — assegurar a observância no
mercado, das condições de utilização
de crédito fixadas pelo Conselho Monetário Nacional.
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53
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
dark-pools, permitidos no mercado americano, e a competição entre clearings,
diferentemente do mercado europeu. Adicionalmente, existem na Europa diversos sistemas alternativos e as bolsas são interligadas, já no Brasil, inexistem
estes sistemas e a implantação da Melhor Execução sem a interligação entre as
bolsas geraria uma drástica fragmentação de volumes e dados, além de tornar
a estrutura do mercado menos segura e eficaz.
Entende-se que o primeiro passo para a implantação de uma regra da Melhor Execução eficiente seja o estabelecimento de critérios e normas mínimas
no sentido de interligar as plataformas que venham a compor o mercado de
capitais brasileiro.
A criação de normas claras e precisas, e a posterior adequação ou flexibilização em função do crescimento de mercado é mais eficaz do que criar
princípios gerais pautados em experiências puramente alheias e, após a realização de investimentos conforme a interpretação dos participantes, precisar
redefini-los. À título de exemplo, normas objetivas e flexíveis criadas como
ordens de menor volume podem ser, isto é, aquelas cuja liquidez do mercado
pode absorvê-las, poderiam ser submetidas a um critério de melhor execução
refletido na variável quantidade e preço.
A eminente alteração do cenário do mercado de capitais brasileiro traz
consigo a necessidade de alteração na regulação brasileira para atender aos
anseios do mercado. A regra da Melhor Execução visa proteger o investidor
final, garantindo que nenhum intermediário ou participante crie conflito entre os seus interesses e os de seus clientes, por este motivo ela é essencial. O
conceito visa também criar um ambiente que incentive a entrada de novos
investidores, sendo, portanto, um instrumento de defesa da própria integridade do mercado.
FGV DIREITO RIO
54
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
7. AULA 6: ILICITUDES ADMINISTRATIVAS E PENAIS NO AMBITO
DO MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO
1. INTRODUÇÃO
Tanto nas esferas civil e criminal quanto na administrativa, o ilícito é constituído da mesma forma: trata-se sempre de violação a um dever de conduta
previamente existente e a imputação de tal ação ou omissão a um agente. Não
há, assim, uma diferença fundamental no ilícito em cada esfera, mas sim no
que tange à natureza do bem jurídico protegido caso a caso.
Dessa forma, no âmbito do mercado de capitais, podem os delitos ensejar
tanto sanções de natureza administrativa quanto penal, conforme o bem jurídico tutelado, cabendo aos dispositivos legais pertinentes denotar critérios
formais que os distinguam.
Nessa linha, temos, por um lado, os ilícitos administrativos tipificados
tanto em Instruções Normativas específicas da CVM, como a IN nº 08/79,
a ser estudada posteriormente, quanto na própria Lei nº 6.385/1976, conhecida por Lei do Mercado de Valores Mobiliários.
Os ilícitos penais, por outro lado, são previstos apenas pela Lei nº 6.385, no
capítulo VII-B, artigos 27-C, 27-D e 27-E. Tal capítulo foi inserido na referida lei posteriormente a sua edição, através do art. 5º da Lei nº 10.303/2001,
a fim de suprir lacuna deixada pela Lei nº 7.492/1986, que, muito embora
tenha disciplinado os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, não vislumbrou as condutas ilícitas do âmbito do mercado de capitais.
Cabe ressaltar que as condutas previstas nos artigos acima como ilícitos
penais já eram antes tipificadas como ilícitos administrativos. Entretanto,
tendo em vista a relevância do bem jurídico ali protegido e, mais especificamente, um esforço em passar mais credibilidade ao mercado financeiro e
maior segurança aos investidores, decidiu o governo brasileiro por seguir o
exemplo de países mais desenvolvidos na área, em que tais condutas já eram,
desde muito, criminosas.
Como estudado na parte histórica, o Brasil não encontrou facilidades no
desenvolvimento de seu mercado de capitais, enfrentando desde sua criação,
nos anos 60, adversidades, como a falta de segurança, a especulação inescrupulosa e corrupção. Apesar da evolução legislativa da área, para Nelson
Eizirik, o fato de diversos ilícitos administrativos ainda serem tratados em
poucos ou um único tipo penal acaba por causar dificuldade na interpretação
e aplicação adequada das normas39. Estudaremos a seguir os principais tipos
penais do mercado de capitais.
Podemos citar, como principais ilícitos administrativos e penais previstos
na legislação brasileira sobre mercado de capitais, as seguintes práticas: cria-
39
EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.;
PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus
de Freitas. Mercado de capitais — regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.
2011, p. 537.
FGV DIREITO RIO
55
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
ção de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários; exercício irregular do cargo, profissão ou atividade; manipulação do
mercado; práticas não equitativas; uso indevido de informação privilegiada.
2. O ILÍCITO PENAL. MANIPULAÇÃO DO MERCADO, CRIAÇÃO DE CONDIÇÕES ARTIFICIAIS, OPERAÇÕES FRAUDULENTAS E PRÁTICAS NÃO EQUITATIVAS — ART. 27-C DA LEI 6.385/1976.
Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento
dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de
futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim
de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano
a terceiros: Pena — reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três)
vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.
Nenhum mercado é capaz de se desenvolver de maneira saudável com
apenas investimentos especulativos. A manutenção do capital investido em
determinado mercado acaba por atrair mais investimentos, pois denota segurança no investimento, o que, por conseqüência final, resulta no crescimento
das empresas negociadas e do próprio mercado. É um processo cíclico.
Com a abertura do mercado de capitais brasileiro para investimento estrangeiro no final do último século, fez-se rapidamente necessária uma adaptação do mercado nacional a normas já há muito existentes em mercados mais
desenvolvidos a fim de não só incentivar a vinda de investidores estrangeiros,
mas também assegurar a manutenção de tais investimentos em empresas aqui
negociadaNessa linha do direito comparado, foi criado o art. 27-C, que disciplinou o crime de manipulação do mercado de capitais, prevendo, em um
mesmo tipo penal, três condutas consideradas ilícitos administrativos, quais
sejam: a criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários; a operação fraudulenta; e a manipulação de preços.
A fim de elucidar tais condutas, garantindo a eficaz aplicabilidade do artigo, coube à CVM, entretanto, a definição do que seriam, de fato, constituídas tais praticas. Dessa forma, a CVM, através da Instrução Normativa nº
08/79 assim as definiu:
a. Condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários
aquelas criadas em decorrência de negociações pelas quais seus participantes ou
intermediários, por ação ou omissão dolosa provocarem, direta ou indiretamente, alterações no fluxo de origens de compra ou venda de valores mobiliários;
FGV DIREITO RIO
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
b. manipulação de preços no mercado de valores mobiliários, a utilização
de qualquer processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, a elevar,
manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário, induzindo, terceiros à sua
compra e venda;
c. operação fraudulenta no mercado de valores mobiliários, aquela em que se
utilize ardil ou artifício destinado a induzir ou manter terceiros em erro, com a
finalidade de se obter vantagem ilícita de natureza patrimonial para as partes na
operação, para o intermediário ou para terceiros.
O bem jurídico aqui tutelado é a estabilidade do mercado de capitais. Um
mercado estável e eficiente é aquele em que as cotações dos papéis negociados reagem de maneira mais rápida às informações publicadas. Diz-se aí que
existe “uma cotação real e verdadeira dos ativos financeiros negociados no
mercado de capitais.” 40
Em contrapartida, a manipulação consiste na execução de conduta, não
necessariamente fraudulenta, por qualquer pessoa (crime comum), que intente por alterar o bom funcionamento do mercado. Trata-se de uma agressão à sua estabilidade através da formação de preços não condizentes com a
realidade, preços falsos, que geram, por sua vez, um mercado falso.
Importante aqui se faz distinguir a manipulação, ilícito penal, da especulação, conduta perfeitamente aceitável nas economias de mercado. Em definição geral, a especulação se trata de “qualquer aposta baseada nas previsões
acerca dos desdobramentos econômicos do futuro de um país, um evento,
um setor de atividade ou de uma empresa.” 41
Como toda aposta, a especulação necessariamente deve envolver um risco. O especulador não tem conhecimento prévio dos resultados que obterá
com sua operação especulativa, trata-se de uma esperança, que pode ou não
lograr êxito. O manipulador, por sua vez, não contempla tal risco em suas
negociatas. De acordo com a boa doutrina, podemos observar claramente tal
distinção:
Apontam-se dois traços essenciais na manipulação, que a distinguem da
mera especulação: a alteração das regras do jogo do mercado; e o engano dos
investidores. Na especulação existe sempre o risco, uma vez que o especulador
realiza operações com a esperança de obter lucros, em função de uma variação
de preços que lhe seja favorável, mas que pode não se verificar. Já o manipulador
objetiva eliminar os riscos da operação, transformando em certeza a esperança
de obter lucros; para tanto, modifica as regras de funcionamento do mercado e
da formação de preços, enganando os investidores, que desconhecem o caráter
artificial das cotações dos títulos.42
40
LORIE, James H. Public policy for
American capital markets. Washington, Department of treasure, 1974
Apud EIZIRIK, Nelson. O papel do
estado na regulação do mercado de
capitais. Rio de Janeiro. IBMEC. 1977,
p. 54: “Eficiência nesse contexto significa a capacidade de reação das cotações
dos títulos às novas informações; quanto mais rápida for esta reação, mais
eficiente será o mercado. O ideal é que
a cotação de determinado título reflita
toda a informação publicamente disponível, o que pode ser obtido mediante
uma eficaz legislação de disclosure e
uma efetiva fiscalização da fidedignidade dos dados revelados. A eficiência
nesse sentido parece conflitar com outras características do mercado, consideradas desejáveis. Mercados eficientes
causam variações rápidas de preços, em
resposta às novas informações, sendo
tais variações consideradas, algumas
vezes, como fatores de excessiva volatilidade, devendo então merecer alguma atenção governamental. Este é um
ponto extremamente discutível. Para
Lorie, quando as variações nos preços
constituem uma resposta a novas
informações, a regulação deve facilitá-las e não impedi-las ou restringi-las,
supondo-se, no entanto, o igual acesso às informações (isto é, um sistema
eficaz de combate ao insider trading).
Em mercados de dimensões reduzidas
não se pode levar a extremos esta posição, já que flutuações exageradas nas
cotações podem abalar fortemente a
confiança dos investidores individuais,
tradicionalmente com menor acesso e
mesmo menor capacidade análise das
novas informações do que os investidores institucionais.”
41
GUNTHER, Max. Os Axiomas de Zurique. Ed. Record. 2006.
42
DA SILVA, João Gomes. O crime de
Manipulação do Mercado. Direito e
Justiça — Revista da Faculdade de
Direito da Universidade Católica Portuguesa. Lisboa Universidade Católica
editora. V. 14, n.1, p. 198. Apud EIRIZIK,
Nelson; GAAL, Ariadna B.; PARENTE,
Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas.
Mercado de capitais — regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar. 2011,
p. 540.
FGV DIREITO RIO
57
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
É importante frisar que não é necessário que as operações com intuito
manipulativo se dêem todas no âmbito de uma mesma bolsa. O chamado
intermarket manipulation consiste exatamente em operações realizadas no
âmbito de determinada bolsa, mas que na verdade visam atingir os preços de
uma bolsa diversa. Trata-se de uma manipulação indireta.
Nesse mesmo sentido, podemos verificar a realização de operações intertemporais, que visam elevar ou derrubar o valor de determinada ação,
dependendo da posição do manipulador, para que este possa lucrar com a
liquidação de contratos a futuro. Tanto no caso da intermarket manipulation
quanto no último exemplo citado, incorre o agente no crime previsto no art.
27-C da Lei 6.385/1976.
Cabe ressaltar, ainda, que há divergência na doutrina quanto à necessidade
de resultado no crime de manipulação do mercado de capitais. Para Nelson
Eizirik e Modesto Carvalhosa, tal tipo penal constitui crime material, sendo,
dessa forma, necessária a ocorrência de alteração do mercado e uma vantagem indevida. Nesse sentido:
A manipulação constitui um delito material, cujo resultado, a efetiva alteração do mercado e a vantagem indevida, são indispensáveis para a sua caracterização. Trata-se de um crime de dano, em que deve restar demonstrado que
as condutas puníveis tinham o condão de elevar, manter ou baixar a cotação de
determinado valor mobiliário, induzindo terceiros a sua compra e venda. 43
Há, contudo, quem entenda de forma diversa. Conforme a doutrina de
Fausto Martin De Sanctis, o crime de manipulação “se cuida de delito formal, cujo resultado, alteração do mercado regular e vantagem indevida com
prejuízo alheio, não se apresenta imprescindível”. 44 Assevera, ainda, o autor
que, dessa forma, seria necessário demonstrar apenas a finalidade do investidor, ou seja, sua intenção.
Pode-se concluir, portanto, que o crime tipificado pelo art. 27-C pode
assumir diversas formas e práticas, uma vez que tal tipo penal é abrangente,
englobando mais de uma conduta, como visto, podendo resultar em até oito
anos de reclusão e multa até o triplo do valor do montante indevidamente
obtido, conforme art. 27-F45 da mesma lei.
43
EIRIZIK, Nelson. CARVALHOSA, Modesto. A nova Lei das S/A. São Paulo:
Saraiva. 2002, p. 540.
44
DE SANCTIS, Fausto. Punibilidade no
sistema financeiro nacional. Campinas. Millenium. 2003, p. 104.
45
2.2. Uso indevido de informação privilegiada — Art. 27-D da Lei 6.385/1976.
Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de
que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para
si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio
ou de terceiro, com valores mobiliários: Pena — reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco)
Art. 27-F. As multas cominadas para
os crimes previstos nos arts. 27-C e
27-D deverão ser aplicadas em razão
do dano provocado ou da vantagem
ilícita auferida pelo agente. Sobre tal
aspecto, a doutrina é uníssona em considerar a pena desproporcional ao bem
jurídico tutelado, uma vez que penas
equivalentes podem ser observadas em
crimes mais simples como furto ou o
estelionato, em que o sujeito passivo é
consideravelmente menor, quando não
individual.
FGV DIREITO RIO
58
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em
decorrência do crime.
Através do presente tipo penal, visou-se punir a conduta do agente que
utiliza informação sigilosa em proveito próprio ou alheio, dolosamente (dolo
específico de auferir vantagem), no âmbito do mercado de capitais. Nesse
sentido, Frederico de Lacerda da Costa muito bem definiu o propósito de
tal dispositivo como “[...] tutelar a função pública da informação, enquanto
justo critério de distribuição do risco dos negócios [...]”.46
O bem jurídico tutelado é, portanto, o princípio da transparência de informações, e assim, de forma indireta, a estabilidade, eficiência e equidade do
mercado. João Carlos Castellar afirma que também pode ser incluído como
bem jurídico tutelado a proteção da confiança e do patrimônio dos investidores que aplicam seus recursos no mercado de capitais. 47
A legislação das companhias no âmbito nacional, através do art. 157 § 4º,
48
já muito bem previa o “dever de informar”, que, em essência, determina a
divulgação de deliberações da assembleia geral ou dos órgãos de administração, ou fato relevante ocorrido na empresa, por parte dos administradores da
companhia, que ficam, dessa forma, impedidos de se utilizarem da informação para obtenção de vantagem para si ou para outros através de negociação
de valores mobiliários.
Assim, seguindo o direito norte-americano49, adotou a legislação pátria o
princípio da “disclose or refrain from trading”, que importa na obrigação de
publicar informações relevantes ou se abster de utilizá-la em proveito próprio
ou alheio, incorrendo em crime aquele que pratica conduta contrária. Nesse
sentido, observemos a lição de José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho:
46
PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. Crimes econômicos e mercados
financeiros. In: Revista Brasileira de
Ciências Criminais, n. 39, p. 28. Apud
DE SANCTIS, Fausto. Punibilidade no
sistema financeiro nacional. Campinas.
Millenium. 2003, p. 107.
47
CASTELLAR, João Carlos. Os novos
Crimes Societários, p. 104. Apud
EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de
Freitas. Mercado de capitais — regime
jurídico. Rio de Janeiro: Renovar. 2011,
p. 540.
48
O sigilo supõe, pois, necessariamente, “informação que não tenha sido divulgada”, pelo que fica o administrador proibido de fazer qualquer negociação
para obter vantagem na base de informação de que o mercado desconhece, o que
caracteriza o “insider trading”. (...) os deveres de sigilo e de divulgar informação
completam-se no mesmo propósito de evitar o insider, a ação do iniciado, o proveito do bem informado: o administrador é obrigado a divulgar as notícias relevantes e até a divulgação está obrigado ao sigilo, cuja violação enseja o insider.
Cabe ressaltar que a Instrução CVM nº. 358/2002 dispõe, em seu
art. 13, que os seguintes personagens podem ser considerados insiders: a
própria companhia; seus acionistas controladores, sejam eles diretos ou
indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal, ou de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas,
criadas por disposição estatutária, bem como quem quer que, em virtude
de seu cargo, função ou posição na companhia, sua controladora, con-
Art. 157. (...)
§ 4º Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar
imediatamente à bolsa de valores e a
divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembléia-geral ou dos órgãos de administração da companhia,
ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do
mercado de vender ou comprar valores
mobiliários emitidos pela companhia.
49
Ainda sobre o direito comparado,
Nelson Eizirik assevera: “No Direito Europeu, desde a Diretiva da CEE 592/89, a
generalidade dos países membros vem
adotando normas penais sobre o insider
trading, sob diversos fundamentos: a
igualdade entre os investidores; a confiança no mercado; a justa distribuição
dos riscos do mercado; e, principalmente,
os pressupostos de eficiência do mercado de capitais.” EIRIZIK, Nelson; GAAL,
Ariadna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de
capitais — regime jurídico. Rio de
Janeiro: Renovar. 2011, p. 557.
FGV DIREITO RIO
59
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
trolada ou coligada, tenha conhecimento da informação relativa ao ato
ou fato relevante.
Por fim, é importante frisar que a caracterização do delito requer, necessariamente, que a informação seja relevante. Entende-se por relevante a informação “capaz de influir, de modo ponderável, na cotação dos valores mobiliários, causando sua alta ou queda.” 50 Ou ainda, na definição estadunidense,
material fact seria aquele que um investidor médio levaria em consideração
ao negociar no mercado.
Sobre tal aspecto, interessante ainda observar o entendimento da CVM,
que consiste na seguinte definição:
O fato relevante deve ser reconhecido como tal a partir da avaliação de sua
repercussão no valor da companhia, não importando que figure no rol exemplificativo da Instrução CVM 358/2002. 51
Também sobre o insider trading, pode-se verificar divergência doutrinária
quanto ao seu momento consumativo. Nelson Eizirik, Frederico de Lacerda
da Costa Pinto e João Castellar afirmam se tratar de crime material, em que
a vantagem indevida obtida com a utilização da informação privilegiada seria
necessária para tipificação penal.
Já Fausto De Sanctis considera o auferimento de vantagem indevida como
dispensável, entendendo, assim, o crime como um delito de perigo abstrato,
bastando a demonstração de que a conduta de negociar utilizando informação relevante foi realizada.
Por fim, o crime de insider trading é visto como próprio, devendo o agente ativo, necessariamente, ter a obrigação de guardar sigilo por força legal ou
contratual. Há, contudo, doutrina divergente no direito comparado52, como
aponta Nelson Eizirik, nos termos do art. 285 do Código Penal Espanhol,
qualquer pessoa pode ser sujeito ativo de tal delito.
2.3. Exercício irregular de cargo, profissão ou atividade — Art. 27-E da Lei
6.385/1976.
Art. 27-E. Atuar, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, como instituição integrante do sistema de distribuição, administrador
de carteira coletiva ou individual, agente autônomo de investimento, auditor
independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou exercer qualquer cargo, profissão, atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado
ou registrado junto à autoridade administrativa competente, quando exigido por
lei ou regulamento.
50
EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.;
PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus
de Freitas. Mercado de capitais — regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.
2011, p. 558.
51
CVM, PAS nº RJ 2002/1822, Rel. Dir.
Norma Jonssen Parente, julgado em
06.05.2005. Disponível em www.cvm.
gov.br.
52
Também no direito brasileiro, podem-se encontrar doutrinadores que
defendam o insider trading como
crime comum. Nesse sentido: “[...] apesar de exigir do sujeito ativo obigação
ao sigilo, não se cuida de delito próprio
e, portanto, não se requer o nexo de
causalidade entre o conhecimento do
sigilo e o cargo ocupado pelo agente.
[...] qualquer pessoa que tenha acesso
a essa informação, seja em razão do
cargo, ou não, poderá ser enquadrada
no dispositivo, bastando que negocie
com valores mobiliários. DE SANCTIS,
Fausto. Punibilidade no sistema
financeiro nacional. Campinas. Millenium. 2003, p. 110.
FGV DIREITO RIO
60
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
O tipo penal no artigo em questão visa coibir a conduta daquele que atua,
como uma das figuras elencadas, ou exerce cargo ou função no âmbito do
mercado de capitais sem o devido registro administrativo perante a CVM
exigido por lei. Tutela-se assim o bem jurídico da estabilidade do mercado de
capitais, uma vez que, pelo menos em um plano teórico, tal registro pode ser
capaz de dificultar a prática de ilícitos.
Há divergência doutrinária quanto à natureza de tal delito, uma vez que
para Nelson Eizirik, trata-se de crime de hábito e formal, sendo necessária
a reiteração de tal prática e não se podendo assim cogitar a tentativa. Neste
sentido, assevera:
“A natureza dos verbos utilizados — atuar e exercer — indica que para se
configurar o delito deve haver constância, reiteração, ou seja, habitualidade na
conduta do agente: a prática de um único ato, isolado, avulso, não caracteriza
o ilícito.” 53
Para Fausto De Sanctis, no entanto, o tipo penal previsto no art. 27-E
deve ser separado em dois núcleos distintos, separando a atuação do exercício. No primeiro núcleo, atuar, o crime estaria configurado com apenas uma
única transação no âmbito do mercado de capitais sem a devida autorização,
sendo assim um crime material e não habitual, possibilitando-se a tentativa.
O segundo núcleo, exercer, constituiria um crime habitual, exigindo-se,
portanto, “a habitual atividade ou função sem a autorização competente.” 54
Não comportaria tal ilícito, assim, a forma tentada.
Trata-se ademais de norma penal em branco, devendo-se consultar a legislação disciplinadora do mercado de capitais que estabelece os parâmetros da
necessidade de autorização ou registro. Cabe ressaltar que pode haver, dessa
forma, inclusão ou exclusão de personagens que podem atuar no pólo ativo
de tal crime.
Por fim, importante se faz salientar crítica presente na doutrina acerca
da pena para tal crime. Sendo a pena máxima de dois anos, o delito é considerado como de menor potencial ofensivo, inserindo-se assim na Lei nº.
10.259/2001. Contudo, entende Nelson Eizirik que há uma “supervalorização da atuação registrária da CVM, cuja omissão, em princípio, não representaria ofensa de grande relevância para a sociedade.” 55
3. O ILÍCITO ADMINISTRATIVO.
A Lei 6.385/1976, em seu art. 4º, estabelece que é dever do Conselho Monetário Nacional e da CVM proteger os titulares de valores mobiliários e os
investidores do mercado contra o uso de informação relevante não divulgada
53
EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.;
PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus
de Freitas. Mercado de capitais — regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.
2011, p. 566. Do mesmo entendimento
João Carlos Castellar: [...] CASTELLAR,
João Carlos. Os novos crimes societários. [...]
54
DE SANCTIS, Fausto. Punibilidade no
sistema financeiro nacional. Campinas. Millenium. 2003, p. 116.
55
EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.;
PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus
de Freitas. Mercado de capitais — regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.
2011, p. 566.
FGV DIREITO RIO
61
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
no mercado de valores mobiliários (IV “c”); modalidades de fraude ou manipulação destinadas a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço
dos valores mobiliários negociados no mercado (V); assegurar a observância
de práticas comerciais equitativas no mercado de valores mobiliários (VII).
Assim sendo, elaborou a CVM a Instrução Normativa nº. 08/1979, que,
visando regulamentar o referido dispositivo, definiu quatro tipos de ilícitos
administrativos (que acabaram sendo utilizados também na tipificação do
art. 27-C da mesma Lei, como anteriormente exposto).
Ao editar tal norma, utilizou-se a CVM do conceito do “tipo aberto”, já
anteriormente utilizado no âmbito dos crimes contra o patrimônio do Código Penal, a fim de abarcar uma maior quantidade de condutas como ilícitos,
flexibilizando-se assim o poder punitivo da CVM. Segundo a própria Nota
Explicativa nº 14, que acompanha a referida instrução normativa, visa-se, na
aplicação do tipo penal aberto, “possibilitar a paulatina adaptação das definições adotadas às necessidades demonstradas pela prática.” 56
Segundo a doutrina de Nelson Eizirik, os tipos ali constantes se tratam de
“conceitos amplos, não precisamente determinados e que podem ser adaptados às circunstâncias fáticas do mercado.” 57 São, assim, denominados standard legais.
Nesse sentido, pondera o doutrinador que muito embora se possa criticar
a generalidade de tais tipos pela possível insegurança jurídica gerada aos sujeitos a eles submetidos, outro modo não mostra efetivo, tendo em vista ser
impossível prever todas as condutas nocivas no âmbito do mercado, pela sua
alta dinamicidade.
Sobre tal aspecto, assevera:
“A utilização de tipos abertos importa a concessão de ampla discrição à
autoridade administrativa encarregada de aplicá-los à prática dos negócios, cabendo-lhe preencher os vazios do padrão genérico de conduta, caso a caso, no
julgamento dos processos sancionadores.” 58
Por derradeiro, cabem algumas considerações acerca do Processo Administrativo Sancionador. O PAS pode ser definido como:
“Uma modalidade de processo administrativo mediante a qual a Administração Pública, no exercício do seu poder de polícia e obedecendo sempre o postulado do devido processo legal, aplica as penalidades administrativas às pessoas que
praticam atos qualificados em lei ou regulamento como ilícitos administrativos.” 59
56
Nota Explicativa 14/79 disponível em: http://www.cvm.gov.br/
asp/c vmw w w/atos/Atos_Redir.
asp?Tipo=N&File=\nota\nota014.doc
> acesso: 14.06.2012.
57
EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.;
PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus
de Freitas. Mercado de capitais — regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.
2011, p. 547.
58
EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.;
PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus
de Freitas. Mercado de capitais — regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.
2011, p. 547.
59
Assim sendo, o PAS no âmbito da CVM observa especificamente as disposições da Lei nº. 9.784/1999, que trata dos princípios orientadores do processo administrativo em geral no âmbito da administração pública federal.
MEDAUAR, Odete. A processualidade no Direito Administrativo. Revista
dos Tribunais. Apud EIRIZIK, Nelson;
GAAL, Ariadna B.; PARENTE, Flávia;
HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de capitais — regime jurídico. Rio
de Janeiro: Renovar. 2011, p. 547.
FGV DIREITO RIO
62
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Podemos citar como principais princípios: a legalidade, finalidade, motivação, proporcionalidade, contraditório, ampla defesa, publicidade e segurança
jurídica.
Ademais, a fim de garantir a higidez de tal procedimento e a imparcialidade de eventual decisão proferida, necessária se fez a separação funcional entre
as fases processuais, sendo elas a fase de instrução e de decisão, e dos diversos
órgãos nelas atuantes.
Dessa sorte, no procedimento ordinário60 do Processo Administrativo
Sancionador da CVM, a acusação é feita pela Superintendência de Processos
Sancionadores (“SPS”) em conjunto com Procuradoria Especializada Federal
(“PFE”), enquanto que a decisão deve ser proferida, em primeira instância,
pelo Colegiado, composto pelo Presidente61 e mais dois diretores, no mínimo, cabendo recurso de tal decisão ao Conselho de Recursos do Sistema
Financeiro Nacional.
4. O TERMO DE COMPROMISSO.
O Termo de Compromisso no Brasil foi instituído através da Lei nº.
9.457/1997, que introduziu os §§ 5º a 8º ao artigo 11, na Lei nº. 6.385/1976
com a seguinte redação:
60
§ 5o A Comissão de Valores Mobiliários poderá, a seu exclusivo critério, se o
interesse público permitir, suspender, em qualquer fase, o procedimento administrativo instaurado para a apuração de infrações da legislação do mercado de
valores mobiliários, se o investigado ou acusado assinar termo de compromisso,
obrigando-se a:
I — cessar a prática de atividades ou atos considerados ilícitos pela Comissão
de Valores Mobiliários; e
II — corrigir as irregularidades apontadas, inclusive indenizando os prejuízos.
§ 6º O compromisso a que se refere o parágrafo anterior não importará
confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta
analisada.
§ 7o O termo de compromisso deverá ser publicado no Diário Oficial da
União, discriminando o prazo para cumprimento das obrigações eventualmente
assumidas, e constituirá título executivo extrajudicial.
§ 8º Não cumpridas as obrigações no prazo, a Comissão de Valores Mobiliários dará continuidade ao procedimento administrativo anteriormente suspenso,
para a aplicação das penalidades cabíveis.
Historicamente, podemos relacionar o Termo de Compromisso brasileiro com o Consent Decree62 americano, regulamentado pela Securities and
Em se tratando de infrações de natureza objetiva a que se comine penalidade de multa pecuniária de até no
máximo de R$ 100.000,00 (cem mil
reais) o rito será o sumário. Conforme
art. 1º Regulamento Anexo à Resolução
CMN nº. 1.657/1989.
61
Em sua ausência, qualquer dos diretores poderá presidir, exigindo-se,
sempre, três julgadores presentes.
62
A consent decree (also referred to
as a consent order or stipulated judgment or agreed judgment) is a final,
binding judicial decree or judgment
memorializing a voluntary agreement
between parties to a suit in return for
withdrawal of a criminal charge or an
end to a civil litigation. In a typical consent decree, the defendant has already
ceased or agrees to cease the conduct
alleged by the plaintiff to be illegal and
consents to a court injunction barring
the conduct in the future. A consent
judgment can also memorialize payment of damages. Sometimes the
defendant expressly does not admit to
fault, illegality or damages. Consent
decrees are used most commonly in
criminal law and family law. They are
frequently used by the U.S. Securities
and Exchange Commission. They are
sometimes used in antitrust law. Fonte:
http://www.justice.gov/enrd/Consent_Decrees.html > acessado em 28
de junho de 2012.
FGV DIREITO RIO
63
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Exchange Comission. Através da regulamentação americana, as propostas
para celebração de Consent Decree devem obedecer a algumas Normas de
Conduta (“Rules of Practice”), que prevêem, por exemplo, a constituição
de garantias para assegurar eventuais indenizações às partes eventualmente
prejudicadas.
Dessa forma, tanto o Consent Decree como o Termo de Compromisso
visam atender ao mesmo propósito, qual seja, possibilitar a celebração de
acordo entre o investigado da prática de algum ilícito e o ente público responsável por sua apuração e eventual condenação, seja a SEC nos EUA ou a
CVM no Brasil, através da prática de condutas que ajustem ou amenizem o
ilícito cometido.
Cabe distinguir tais institutos, entretanto, no que tange a necessidade de
homologação em juízo de tais compromissos. Nos EUA, o Consent Decree
obrigatoriamente deverá ser apreciado e homologado por um juiz, enquanto
que no Brasil não há tal obrigatoriedade, tendo a CVM, dessa forma, autonomia suficiente para propor, modificar ou aceitar termos de compromisso.
A natureza jurídica do termo de compromisso é a de uma transação. Segundo a doutrina de Nelson Eizirik, a CVM “’abre a mão’, provisoriamente,
de seu jus puniendi e o particular deixa de praticar o ato sob investigação,
comprometendo-se a indenizar eventuais danos causados pela sua conduta.”
Constitui-se, assim, através do Termo de Compromisso, um negócio jurídico
bilateral, em que as partes dão fim às condutas duvidosas investigadas, por
meio de concessões recíprocas, muitas vezes de cunho pecuniário, muito embora essa não seja obrigatoriamente a regra.
Vale ressaltar que, como se depreende do dispositivo legal, a celebração de
Termo de Compromisso não implica em nenhuma hipótese na confissão da
prática ilícita por parte do acusado, o que gera certa dúvida quanto o seu real
propósito, afinal, se o acusado não é culpado, por que estaria pagando?
Paga-se para encerrar o processo, sem que o acusado seja levado a julgamento ou sua culpa seja presumida, criando-se a ideia no mercado de que
o termo de compromisso, na realidade, seria uma multa por uma conduta
capaz de ensejar dúvida quanto a sua licitude, sendo essa umas de suas principais críticas.
Entretanto, pelo princípio constitucional da presunção da inocência, jamais poderia o Termo de Compromisso ser visto como tal, uma vez que não
há que se falar em sanção sem a prévia certeza quanto à ilicitude do ato, devendo tal entendimento ser afastado.
Notória crítica do Termo de Compromisso, Norma Jonssen Parente assevera:
“Acho que sendo mais proativa, valendo-se, por exemplo, do importante poder preventivo que lhe foi conferido pelo legislador, nos termos do art. 124, §5º,
II, da Lei de S/A, quando a CVM está autorizada por lei a suspender o curso
FGV DIREITO RIO
64
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
de uma assembleia para manifestar a sua opinião sobre a questão em discussão.
Exemplo eloqüente e eficaz de tal procedimento ocorreu no caso da reorganização societária pretendida pela Tele Centro Oeste Participações S/A e da Telesp
Celular Participações S/A, em dezembro de 2003, cuja não equitatividade, antes
da realização da assembleia convocada para decidir a questão, foi reconhecida
pela CVM e terminou impedindo a perpetração da injustiça que iria ser praticada contra os acionistas minoritários. Pois após a opinião da CVM, as empresas
optaram por não levar adiante as assembléias. Porém, inconformadas, questionaram judicialmente a opinião da CVM, mas não obtiveram sucesso, pois a ação
foi julgada extinta sem análise do mérito, em face de impossibilidade jurídica do
pedido, pois se tratava de mera opinião cuja competência para mudá-la escapava
da alçada do poder judiciário.” 63
Apesar da existência de crítica na doutrina acerca do uso de Termos de
Compromisso, tal instituto encontra também considerável respaldo por muitos juristas, como Nelson Eirizik que assim leciona:
(...) o Termo de Compromisso não pode, em hipótese alguma, ser confundido com tolerância com o ilícito; ao contrário, deve ser entendido como instrumento que lhe permite perseguir o interesse público de forma rápida e eficaz, nos
casos em que, em seu entendimento, a eventual continuidade do processo não
traria qualquer benefício ao desenvolvimento do mercado. 64
O mesmo entendimento pode ser extraído do seguinte trecho do voto
proferido pelo Diretor Sergio Weguelin em processo de sua relatoria:
“Vale destacar que o instituto legal do termo de compromisso não tem outro
sentido senão o de dar certa flexibilidade à CVM. Não se trata, evidentemente, de tolerar o ilícito, mas sim de permitir à entidade reguladora identificar o
momento em que a resposta regulatória já se apresentou suficiente para o bom
desenvolvimento do mercado.” 65
Concluí-se, portanto, que o Termo de Compromisso no âmbito do mercado de capitais brasileiros é prática cada vez mais comum, dando flexibilidade
à CVM para que exerça seu poder punitivo de modo mais célere e eficaz, uma
vez que, diferentemente das multas, a adimplência em termos de compromisso é quase certa. Ressalve-se, contudo, a existência de fortes críticas a esse
instituto, que, de fato, ainda busca seu aperfeiçoamento na legislação pátria.
63
Disponível em: http://www.transparenciaegovernanca.com.br/TG/index.
php?option=com_content&view=arti
cle&id=119&Itemid=118&lang=br >
acessado: 28.06.2012
64
EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.;
PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus
de Freitas. Mercado de capitais — regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.
2011, p. 357.
65
Processo CVM RJ 2001/4652, j.
22.03.2005.
FGV DIREITO RIO
65
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
GLOSSÁRIO
Auto-Regulação. Conjunto de normas e procedimentos de fiscalização
criados por entidades privadas para fazer cumprir as práticas equitativas de
mercado e manter padrões éticos na condução das negociações. As bolsas de
valores e de mercadorias e as entidades de classe que congregam instituições
financeiras são as principais fontes de auto-regulação do SFN — Sistema
Financeiro Nacional
Capital Estrangeiro: Valor dos bens, máquinas e equipamentos entrados
no Brasil com dispêndio inicial de divisas, bem como recursos financeiros e
monetários introduzidos no país para aplicação em atividades econômicas,
desde que pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou
com sede no exterior (BM&F).
Companhia Fechada. Companhia cujos valores mobiliários não estão admitidos à negociação no mercado de títulos e valores mobiliários (BM&F).
Oferta Pública. 1) Distribuição de títulos e valores mobiliários junto ao
público investidor; 2) colocação junto ao público de determinado número de
ações de uma companhia. Caracteriza-se por ser extensiva a não-acionistas da
companhia. A companhia aberta que já tenha efetuado distribuição pública
de valores mobiliários poderá submeter para arquivamento na CVM — Comissão de Valores Mobiliários — um Programa de Distribuição de Valores
Mobiliários, com o objetivo de no futuro efetuar ofertas públicas de distribuição dos valores mobiliários nele mencionados. O Programa de Distribuição
terá prazo máximo de 2 (dois) anos, contado do seu arquivamento pela CVM,
devendo ser indeferido qualquer pedido de registro de oferta vinculado a um
Programa de Distribuição apresentado após o transcurso deste prazo.
CVM — Comissão de Valores Mobiliários. Autarquia federal que
disciplina e fiscaliza o mercado de valores mobiliários. Foi criada pela Lei
6.385/76. EnFin. Compete à CVM: a) estimular a formação de poupança e
a sua aplicação em valores mobiliários; b) promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações, e estimular as aplicações
permanentes em ações do capital social de companhias abertas sob controle
de capitais privados nacionais; c) assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados da Bolsa e do balcão; d) proteger os titulares de valores
mobiliários e os investidores do mercado contra emissões irregulares de valores mobiliários e atos ilegais de administradores e acionistas controladores das
companhias abertas, ou de administradores de carteira de valores mobiliários;
e) evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinada a criar
condições, artificiais de demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários
negociados no mercado; f ) assegurar o acesso do público a informações sobre
os valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido;
g) assegurar a observância de práticas comerciais eqüitativas no mercado de
FGV DIREITO RIO
66
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
valores mobiliários; h) assegurar a observância, no mercado, das condições
de utilização de crédito fixadas pelo Conselho Monetário Nacional; i) regulamentar, com observância da política definida pelo Conselho Monetário
Nacional, as matérias previstas na lei que a criou e na Lei de Sociedades por
Ações; j) administrar os registros instituídos na lei que a criou; k) fiscalizar
permanentemente as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, bem como a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas
que dele participem, e aos valores nele negociados; l) propor ao Conselho
Monetário Nacional a eventual fixação de limites máximos de preço, comissões, emolumentos e quaisquer outras vantagens cobradas pelos intermediários de mercado; m) fiscalizar e inspecionar as companhias abertas, dada
prioridade às que não apresentem lucro em balanço ou às que deixem de
pagar o dividendo mínimo obrigatório.
FGV DIREITO RIO
67
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
8. AULAS 7 E 8: A CVM E OS CASOS DE ALIENAÇÃO DE CONTROLE NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS
A) EMENTÁRIO DE TEMAS
A alteração e alienação de controle nas sociedades anônimas. O papel da
Comissão de Valores Mobiliários, transferência do bloco de controle e as recentes operações. A proteção aos minoritários.
B) MATERIAL DE LEITURA
Leitura Básica
FILHO, Alfredo Lamy e BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Direito das
Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 1ª Edição 2009. Volume I, Rio
de Janeiro, 1ª Edição, 2009. pág. 808 — 864 (Acionista Controlador
e Proteção da Maioria), Volume II, pág. 1998 — 2024 (Alienação de
Controle)
Leitura Complementar
SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário — Interpretação e Valor. Niterói, FMF Editora, 2004
C) ROTEIRO DE AULA
O art. 254-A veio a reboque do problema de análise, que era subjetiva, da
existência de efetiva transferência do poder de controle.
Com a lei 10.303/2001, que trouxe a inserção desse dispositivo ao ordenamento jurídico, foi feita a proposta de compra das ações pertencentes aos
acionistas minoritários obrigatória. O objetivo dessa política de proteção ao
interesse do minoritário pelo legislador pátrio tem como fundamento não
deixar o minoritário ser absorvido por um controle que pode-se tornar abusivo e que, acima de tudo, não é de seu interesse.
FGV DIREITO RIO
68
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Legislação aplicável
Inicialmente, na companhia aberta o legislador pátrio havia estabelecido
nos arts. 254 e 255 um sistema especial de proteção aos acionistas minoritários, este que foi revogado com o advento da Lei nº 9457/97. Tal sistema
visava conferir aos acionistas minoritários os mesmos direitos dos controladores nas operações que envolvessem reorganização societária através de
alienação de controle.
Assim, a alienação de controle dependeria de prévia autorização da CVM,
o que só ocorreria com oferta pública para aquisição de ações dos acionistas
minoritários.
A função da Lei nº 9457/97, logo, foi eliminar do cenário jurídico das
sociedades anônimas abertas a necessidade de realização estipulada por lei de
oferta pública para aquisição de ações dos acionistas minoritários.
A restauração desse sistema foi feita pela alteração da Lei 6404/76 pela Lei
10303/01 que introduziu o art. 254-A. Com esse artigo, algumas inovações
ocorreram. A principal foi a abrangência do conceito da alienação do controle, estendendo-o à transferência direta ou indireta do bloco de controle.
Nas palavras de Tavares Borba “A lei consagrou o direito de os acionistas com
voto, que não integrem o bloco de controle, receberem uma oferta pública
de compra de suas ações por no mínimo oitenta por cento do preço pago aos
controladores” 66
Além disso, a oferta não é mais simultânea, mas sim se torna uma condição suspensiva ou resolutiva do contrato que estabelece a compra e venda
das ações.
A Lei nº 10.303, de 2001, modificou a LSA, que agora dispõe dos requisitos mais substancias no que tange a alteração de controle em uma sociedade
anônima. A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) também baixou instrução normativa 361, de 2002.
O artigo 254-A assim prevê as disposições acerca da alienação de controle:
Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta
somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de
propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no
mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto,
integrante do bloco de controle. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)
§ 1º. Entende-se como alienação de controle a transferência, de forma direta ou
indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordos de
acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão de
direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobili-
66
BORBA, José Edvaldo Tavares. Direito
Societário. Rio de Janeiro, 11ª Edição,
Renovar, 2008, pág. 523
FGV DIREITO RIO
69
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
ários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle acionário
da sociedade. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)
O § 4 do Artigo 254-A dispõe que o adquirente de controle acionário
de companhia aberta poderá oferecer aos acionistas minoritários a opção de
permanecer na companhia, mediante o pagamento de um premio equivalente à diferença entre o valor de mercado das açõpes e o valor pago por ação
integrante do bloco de controle.
Função da CVM e sua Legislação
A CVM trouxe para o seu escopo de atuação na regulamentação do mercado a necessidade de dispor sobre essas situaçãoes no mercado mobiliário.
Foi atribuída à CVM a obrigação de zelar pela proteção às minorias assegurando, logo, aos acionistas não-controladores, o recebimento de proposta de
compra por suas ações.
Diante disso, leciona o autor Carlos Augusto Junqueira da Siqueira nos
seguintes termos:
“No desempenho dessa atribuição, a CVM atua nos procedimentos relativos à
alienação de controle, não apenas verificando os requisitos formais do negócio e da
posterior oferta pública de extensão, como, principalmente, procedendo ao exame do
preço e das condições que serão estendidas na oferta para a compra das ações votantes
existentes em circulação.
Constitui seu dever legal assegurar aos acionistas não-controladores o recebimento
de proposta de compra por suas ações, nos termos determinados pela lei. Poderá, para
tanto, definir o preço e as condições da oferta. Não só por critérios apropriados, mas,
especialmente, com fundamento nas condições verificadas na transferência de controle, concluindo em linha a realidade econômica da transação”67
Sugere-se no mundo acionário que o papel da regulamenteção é dar ao
escopo da transferência acionária do controle um revestimento jurídico, uma
proteção que impeça o poderio econômico de abduzir as formalidades ora
necessárias para o fiel retrato da estrutura corporativa ser mantida.
É por essa complexidade que persiste que a CVM tornou-se não somente
um órgão complementariamente legislador, mas também um órgão julgador.
A análise de casos concretos pelo órgão abriu diversos precedentes e criou
uma rede jurisprundencial cuja referência e aplicação em muito se assemelha
à existente no Poder Judiciário. Diz Junqueira de Siqueira que “Em face da
complexidade apresentada em muitas operações da espécie, a CVM adotou, como
premissa, proceder à análise casuística das transferências de controle acionário
67
SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira
de. Transferência do Controle Acionário
— Interpretação e Valor. 2004. Pág. 29
FGV DIREITO RIO
70
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
para melhor exercer seu dever de tutela que visa a preservar os direitos dos acionistas minoritários”68
O artigo 29 da Instrução CVM 361/02 dispõe, assim, sobre a necessidade
ou não de realização de OPA:
Instrução CVM nº 361/02
Art. 29. A OPA por alienação de controle de companhia aberta será obrigatória, na forma do art. 254-A da Lei 6.404/76, sempre que houver alienação,
de forma direta ou indireta, do controle de companhia aberta, e terá por objeto todas
as ações de emissão da companhia às quais seja atribuído o pleno e permanente direito de voto, por disposição legal ou estatutária.
(...)
§ 4º. Para os efeitos desta instrução, entende-se por alienação de controle a
operação, ou o conjunto de operações, de alienação de valores mobiliários
com direito a voto, ou neles conversíveis, ou de cessão onerosa de direitos de
subscrição desses valores mobiliários, realizada pelo acionista controlador
ou por pessoas integrantes do grupo de controle, pelas quais um terceiro, ou
um conjunto de terceiros representando o mesmo interesse, adquira o poder
de controle da companhia, como definido no art. 116 da Lei 6.404/76.
§ 5º. Sem prejuízo da definição constante do parágrafo anterior, a CVM poderá
impor a realização de OPA por alienação de controle sempre que verificar ter ocorrido a alienação onerosa do controle de companhia aberta.
O Conceito do Poder de Controle
A expressão “controle” é usada na Lei 6404/76 (“LSA”) em diferentes
acepções. Em determinados momentos, ao “poder de controle”, em outros,
representa o “bloco de controle”.
Dessa forma, é preciso antes tudo situar os dois conceitos dentro do cenário de uma restruturação societária.
O “Poder de controle”, conforme ditado por Bulhões Pedreira, no Direito das Companhias, é o “poder supremo da estrutura hierárquica da companhia exercido pelo acionista controlador, titular da maioria pré-constituída dos
votos na Assembleia Geral.”, enquanto o “Bloco de controle” é o “conjunto
de ações de propriedade do acionistas controlador; ‘bloco’ porque é considerado
coletivamente, e ‘de controle’, porque é a fonte do poder de controle.”
Outro conceito já utilizado pela doutrina é do “valor de controle”. Enquanto o poder de controle é detido exclusivamente pelos acionistas contro-
68
SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira
de. Transferência do Controle Acionário
— Interpretação e Valor. 2004. Pág. 30
FGV DIREITO RIO
71
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
ladores, estes somente poderão apropriar o valor de controle. Esse conceito
engloba o aspecto econômico contido na companhia aberta.
Nos termos do art. 116 da LSA, que prevê as disposições acerca do acionista controlador, uma das modalidades do acionista controlador (pessoa ou
grupo de pessoas) é “é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo
permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de
eleger a maioria dos administradores da companhia”.
Nesse ponto, a diferença que existe entre os conceitos de “acionista
controlador” (do art. 116, da LSA) e “controle” (do art. 254-A, §1º, da
LSA) foi bem definida pelo colegiado da CVM em caso real com uma
evolução na interpretação trazendo uma situação que se assemelhe mais
das situações fáticas69:
“acionista controlador” (art. 116) exige: (a) a titularidade de direitos de sócio
que garanta, de modo permanente, a maioria dos votos em Assembleia e poder
de eleger a maioria dos administradores; e cumulativamente (b) o uso efetivo do
poder de controle.
“controle” do art. 254-A, §1º, da LSA, não traz qualquer menção ao exercício
efetivo do poder de controle, tratando apenas da propriedade de bens (bloco de
controle) que permitam o seu exercício, tal como no §2º, do art. 243, da LSA.
O colegiado no caso CBD optou pela mais ampla interpretação que se
deve dar à expressão “alienação direta e indireta”, prevista no art. 254-A “para
a aplicação do art. 254-A, se em uma operação não se verificar a transferência
de valores mobiliários que implique na alienação de controle, deve-se analisar se
essa alienação ocorreu de forma indireta (i.e., mediante acordos que resultem na
transferência de poder político e econômico desses valores mobiliários).”
Nesse pensamento, o poder de controle pode ser incorporado por dois
tipos de aquisição: originária e derivada. Lembre-se que o poder de controle
evoluiu ao longo do tempo com a presunção da necessidade de respeito ao
princípio da governança corporativa que denota a real assunção do controle
diretivo das atividades
Aquisição Originária: Quando o poder de controle adquirido é resultante
da formação, no patrimônio de uma pessoa, de bloco de controle que antes não
existia no patrimônio de outra.
Aquisição Derivada: Quando o poder de controle adquirido é resultante de
determinado fato jurídico, cujo efeito seja a transmissão da propriedade de bloco
de controle detido por uma pessoa (ou grupo de pessoas).
69
Caso CBD (Proc. CVM 2005/4069)
FGV DIREITO RIO
72
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Ainda, Bulhões Pedreira e Lamy Filho conceituam a palavra controle que
“denota a capacidade de um agente de intencionalmente fazer algo ou produzir
um resultado, e essa capacidade pressupõe (a) uma relação entre o agente que detém o poder e o objeto a ele submetido e (b) uma fonte do poder.”70
Nesse conceito, a aquisição do poder de controle pressupõe a do bloco de
controle, mas entende-se que a simples aquisição do poder de controle é passar a ter controle de fato da companhia. Não se confunde com a aquisição do
bloco de controle que é quando há aquisição das ações que compõe o bloco
que dá o controle de fato. A propriedade do bloco de controle pressupõe,
pelo menos, ser usufrutário de direito de voto conferido pelas ações).
Análise de Jurisprudência da CVM
RECENTES OPERAÇÕES
Caso Aracruz Celulose (Proc. CVM 2001/10329)
minorit
ários
3,5%
Bloco de Controle
X
12,5%
Y
28%
Z
28%
VCP
(Acordo de Acionistas)
28%
Aracruz Celulose
A divisão acioniária da sociedade era a seguinte: i) Acionistas minoritários:
3,5%; ii) Três diferentes grupos de acionistas representando cada um, respectivamente, 12,5%, 28% e 28% do capital social e iii)VCP: 28%
Controle por acionistas unidos por acordo.
No voto do Relator Marcelo Trindade, encontramos o escopo da solução
do caso:
“Como se vê, a lei trata de três possibilidades de controle da sociedade: (i) o
controle detido isoladamente por pessoa física ou jurídica, (ii) o detido por grupo
de pessoas unidas por acordo de acionistas, e (iii) o exercido diretamente por
um grupo de pessoas jurídicas, controladas por um controlador comum, que então
controlará a sociedade indiretamente. No caso dos autos se está claramente diante de
uma hipótese de controle detido por um “grupo de pessoas vinculadas por acordo de
voto, composto por BNDESPAR, Grupo Lorentzen, Grupo Safra e agora pela VCP,
em substituição ao Grupo Mondi.”
70
Bulhões Pedreira e Lamy Filho. Direito
das Companhias. Pág. 824
FGV DIREITO RIO
73
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Nos termos do voto proferido, “este caso não desafia as complexas questões
que podem surgir quanto ao conceito de alienação de controle detido por grupo
de acionistas unido por acordo. Aqui não houve alienação de uma participação majoritária dentro do bloco de controle, (...) nem se está diante da
aquisição de uma participação que, somada àquela já detida pelo adquirente, o
eleve à condição de controlador único. No caso destes autos houve simplesmente
a transferência de uma participação que compõe o bloco de controle”.
CONCLUSÃO
No entendimento de Marcelo Trindade a operação tomou os seguintes
contornos: “Grupo Mondi não alienou nem a VCP adquiriu o controle da sociedade, pois nem o Grupo Mondi detinha isoladamente, nem a VCP adquiriu
o poder de, isoladamente, exercer “a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia”.
Por entendimento desse voto não foi considerada obrigatória a realização
de OPA, pois nem o vendedor isoladamente detinha o poder de controle,
nem a VCP o adquiriu isoladamente.
Caso Polipropileno (Proc. CVM 2005/6228)
Análise pela Superintendência de Registro sobre necessidade de OPA na
alienação de controle no pedido da Suzano Química Ltda., por meio do Banco Itaú BBA S.A., para o registro de Oferta Pública de Aquisição de Ações
(“OPA”) ordinárias e preferenciais para cancelamento de registro de companhia aberta de Polipropileno S.A.
O controle da Propileno era exercido conjuntamente e igualmente pela
Suzano e Basell Poliofeinas Ltda.
Nos termos do parecer auto explicativo:
“12. A Suzano Petroquímica S.A. adquiriu a Basell Poliolefinas Ltda. passando
a deter o controle da Polibrasil Participações S.A., que por sua vez detém 98,1%
do capital total da Emissora. O desembolso líquido da aquisição foi de US$ 253,8
milhões, pois a compra incluiu a venda simultânea, para a Basell International
Holdings BV, da Norcom Compostos Termoplásticos do Nordeste S.A., pelo valor de
US$ 23 milhões;”
“15. Em conseqüência da aquisição acima referida inexistiu qualquer alteração
no controle da citada Emissora (vez que ele continua sendo exercido por Polibrasil Participações S.A.), assim como no seu controle indireto que, se anteriormente
FGV DIREITO RIO
74
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
era exercido em conjunto por Suzano Petroquímica S.A. e Basell Brasil Poliolefinas
Ltda., agora passa a ser exercido, de forma isolada, por Suzano Petroquímica S.A.”
“16. Finalmente, conclui o parecer, que a obrigação de apresentação de oferta
pública, derivada de alienação do controle de companhia aberta, apenas há quando
o poder de controle da sociedade é alienado a terceiros;”
CONCLUSÃO
A SRE aceitou parecer no sentido de que “inexistiu qualquer alteração no
controle” da Prolipoleno, seja no seu controle direto, não sendo exigida a
OPA. Assim, como já mencionando acima, cabe à CVM fazer uma análise
casuística para assim poder aproximar suas decisões da realidade do Mercado.
O voto do relator é iniciado com a seguinte explicação: “Com o advento da
Lei nº 10.303/01, foi introduzido no ordenamento jurídico o artigo 254-A com
redação semelhante àquela do revogado artigo 254, e, em especial seu § 1º, entendendo a expressão “alienação de controle” como “a transferência, de forma direta
ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto,
cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a
valores mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de
controle acionário da sociedade.”
Segue: “A Instrução CVM nº 361/02, em seu artigo 29, traz as hipóteses de
incidência, objeto e preço das ofertas públicas por alienação de controle de companhia aberta e, em seu § 4º, entende por “alienação de controle” a alienação de
valores mobiliários com direito a voto realizada pelo acionista controlador ou por
pessoas integrantes do grupo de controle, pela qual um terceiro adquire o poder de
controle da companhia, remetendo ao art. 116 da Lei nº 6.404/76.”
Caso Copesul (Proc. CVM 2007/7230)
Nesse caso, a CVM julgou o precedente de que: i) pode analisar diferentemente cada caso; e, ii) a alienação de controle, sempre que onerosa, ensejará
a realização obrigatória de OPA.
Nos termos do voto proferido, são apenas duas as caraterísticas que determinam a realização de uma OPA: i) quando a titularidade do poder de
controle é conferida a pessoa diversa do anterior detentor do controle, e ii)
quando a transferência de ações do bloco de controle é realizada a título
oneroso, com ônus e bônus tanto para o alienante quanto para o adquirente.
Olhando a estrutura societária do grupo de sociedades:
FGV DIREITO RIO
75
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
(Acordo de Acionistas)
minoritários
Petrobras
B r a ske m
ICQ
Bloco de Controle
ICQ
Braskem
IPQ
minoritários
IPQ
Copesul
Copesul
Braskem e IPQ eram signatárias de acordo de acionistas e participavam do
controle da Copesul com decisões de comum acordo.
CONCLUSÃO
A operação se caracterizou como sendo consolidação do controle nas mãos
do controlador Braskem
Bunge (Processo CVM 2001/11663)
Na situação de julgamento desse caso, discutiu-se a necessidade de OPA
para fechamento de capital da Bunge Fert. e da Bunge Alim, em virtude da
operação de incorporação de ações.
A CVM observou a redação do art. 264, §4º, da LSA, que expressamente
aplica a regra do caput do art. 264 às operações de “incorporação de ações de
companhia controlada ou controladora”.
Incorporação
de ações
min.BF
Acionistas
Serrana
min.BF
min.BA
Acionistas
Serrana
100%
Bunge Fert.
Bunge Alim.
min.BA
Bunge Fert.
100%
Bunge Alim.
A CVM entendeu que inexiste a necessidade de regulação pela CVM, no
que toca à operação de incorporação de ações, e no que tange a proteção dos
acionistas minoritários nesta operação.
Desde que cumpridos os requisitos legais e inexista o abuso do acionista
controlador, uma obrigatoriedade de OPA seria prejudicial ao bom andamento de eventuais reorganizações societárias.
FGV DIREITO RIO
76
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Sadia/Perdigão (Processo CVM 2009/4691)
Uma das mais recentes operações no mercado acionário que envolveram a
alienção de controle foi a compra da Sadia pela Perdigão. A operação foi organizada em duas etapas e ao fim 100% do capital social da Sadia passaria a ser
detido pela nova sociedade, Brasil Foods. Nos termos do relatório da CVM
“Na primeira etapa, as ações pertencentes aos integrantes do bloco de controle da Sadia foram conferidas ao capital social da HFF (empresa veículo),
recebendo os titulares em questão, por cada ação ON da SADIA, uma ação
do capital social da HFF. Ato contínuo, as ações de HFF foram incorporadas
pela BRF de acordo com uma relação de troca de 0,166247 ação da BRF para
cada ação ON da HFF. A segunda etapa envolve a incorporação das ações
pertencentes aos minoritários da SADIA pela já controladora BRF, segundo
uma relação de troca de 0,132998 ação da BRF para cada ação ON ou PN
de emissão da Sadia. Desse modo, a operação contempla relações de troca
diferenciadas, sendo a relação em favor dos acionistas que integravam originalmente o bloco de controle da Sadia e de pessoas a eles ligadas mais vantajosa.”
Assim, no entendimento do Diretor Marcos Barbosa Pinto “na prática,
essas duas incorporações configuram uma única operação, por meio da qual Perdigão e Sadia combinarão seus negócios e suas bases acionárias”
Invocando a Lei das Sociedades Anônimas, esclarece que o art. 115, §1º
faz com que os acionistas controladores da Sadia sejam impedidos de votar na
assembléia que deliberar sobre a operação, pois “Analisando a operação como
um todo, fica claro que ela confere um benefício particular aos antigos controladores de Sadia. Ao final da operação, cada ação dos acionistas controladores de
Sadia será substituída por 0,166247 ação da Brasil Foods S.A., nova denominação da Perdigão. Porém, cada ação dos demais acionistas de Sadia S.A. será
substituída por apenas 0,132998 ação da Brasil Foods”.
D) TEXTO DE APOIO
Transferência de controle minoritário 71
11 de agosto de 2009
Leslie Amendolara
O mercado de capitais brasileiro começa a ganhar algumas características do
mercado americano com o surgimento de empresas sem o controle formal majoritário de 50% das ações votantes por quem detenha sozinho esse percentual
ou através de acordos de acionistas (controle compartilhado). Essa novidade
despertou a atenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) quando da
71
Amendolara, Leslie. Transferência de
controle mintoritário. Artigo publicado
no jornal “Valor Econômico” em 11 de
agosto de 2009
FGV DIREITO RIO
77
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
questão da venda das ações da Tim Participações em situação de controlador
minoritário. A autoridade regulatória entendeu desnecessária a oferta pública,
não acatando a solicitação de oferta requerida por uma gestora de recursos que
pretendia poder vender as ações de um fundo através do tag along.
Um dos aspectos mais intrigantes do mundo acionário é o estabelecimento preciso do conceito de controle de uma companhia. O legislador da lei
atual: Lei nº 6.404, de 1976, diríamos, ousou fazê-lo, deixando, porém, no
rastro de sua ousadia algumas dúvidas que a doutrina tem procurado sanar.
Assim, a Lei das Sociedades Anônimas, em seu artigo 116, conceituou nas
alíneas a e b como requisitos para ser considerado acionista controlador: “a) ser
titular de direito de sócios que lhe assegurem de modo permanente a maioria
dos votos nas deliberações em assembleia geral e o poder de eleger a maioria
dos administradores da companhia; b) usa efetivamente o poder para dirigir as atividades sociais e orientar o seu funcionamento.” Da análise acurada
dessas alíneas verifica-se que o legislador, prudentemente, não fixou qualquer
percentual de votos para conceituar alguém como controlador. Bastaria que
detivesse votos suficientes para deliberar em assembleias de modo permanente, elegendo os administradores e usando esse poder para dirigir a empresa.
Do ponto de vista dos “quori” para deliberar, com exceção daquele previsto para as matérias do artigo 136, considerado voto qualificado, em que
a norma exige no mínimo a presença em assembleia de 50% dos acionistas
votantes para deliberar, os demais poderão ocorrer com qualquer número em
segunda votação. Mesmo no caso do artigo 136, parágrafo 2º, que estabelece
que a CVM pode autorizar a redução do quorum qualificado se a empresa tiver suas ações dispersas no mercado e “cujas três últimas assembleias tenham
sido realizadas com a presença de acionistas representando menos da metade
das ações com direito a voto”.
A questão que se propõe a analisar então é saber se a venda desse controle
minoritário exigirá oferta pública do adquirente para comprar também as
ações ordinárias dos minoritários, portanto, a obrigação do tag along. Essa
nova questão, diferente da primeira, exige uma interpretação teleológica, perquirindo-se a finalidade da lei na falta de expresso amparo legal.
O objetivo da norma que criou o tag along foi proteger o acionista minoritário de duas formas: conceder-lhe parte do ágio recebido pelo controlador (80%),
e propiciar a esses acionistas a possibilidade de vender suas ações, na dúvida ou
incerteza dos rumos que a companhia tomará com a alteração do controle.
Fábio Konder Comparato admitiu, plenamente, a existência de um controle minoritário na sociedade anônima ao mencionar que:
“A rigor, um controle minoritário bem estruturado, em companhia com
grande pulverização acionária pode atuar com a mesma eficiência que um controle majoritário”
FGV DIREITO RIO
78
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Como consequência da evidente existência de um controle minoritário,
conclui-se então que caberá a aplicação do instituto do tag along também
nessas hipóteses.
O terceiro aspecto a considerar é o percentual para estabelecer o que é
controle minoritário, uma vez resolvida de modo satisfatório a questão em
comento. Parece-nos aqui o lado mais difícil de definir, como afirmou a presidente da CVM em nota publicada no jornal Valor: “para evitar a excessiva
subjetividade de análises puramente casuísticas.” Logo em seguida, sugere
que esse percentual seja de 30%, presumindo-o como representativo do controle minoritário.
O estabelecimento de um percentual fixo, seja de 30% mais ou menos,
não resolve, a nosso ver, de maneira plena o problema. Fábio Comparato,
na obra citada, menciona a lei sueca sobre sociedade por ações que dispõe:
“uma sociedade é considerada controladora de outra não somente quando
possui mais da metade do seu capital votante, mas também quando possui
uma influência decisiva sobre outra companhia em razão de sua participação
acionária”. Modesto Carvalhosa, por sua vez, ao analisar o conceito de controle legal, destaca o requisito da atuação do grupo de acionistas de modo
permanente como atributo inerente ao controle. Diz ainda que “é suficiente
que haja prevalência do grupo nas demais deliberações societárias, para que
também a caracterização de controle se estabeleça” (In Comentários à Lei de
Sociedades Anônimas — Saraiva). A própria CVM, através da Instrução nº
361, de 2002,estabeleceu que fazem parte do controle acionário, não integrando o percentual de 2/3 de acionistas minoritários que irão aprovar ou
rejeitar o fechamento de capital, os acionistas que votaram com os controladores nas três últimas assembleias.
Em face das notórias dificuldades aqui mencionadas, entendemos que
o órgão regulador deveria caracterizar o controle minoritário com base na
somatória de dois parâmetros, a saber: elevada posição acionária do grupo
— sem estabelecer um rígido percentual de propriedade de ações — e sua
decisiva influência na administração e nos negócios da empresa.
Leslie Amendolara é advogado especialista em direito empresarial
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico.
O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso
dessas informações
Fonte: Valor Online
FGV DIREITO RIO
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
9. AULAS 9 E 10: OFERTA PÚBLICA DE AQUISIÇÃO DE AÇÕES
A) EMENTÁRIO DE TEMAS
Conceito de oferta pública. Necessidade de realização de OPA na alienação de controle. Modalidades de OPA. Regulação da CVM.
B) MATERIAL DE LEITURA
Leitura Básica
FILHO, Alfredo Lamy e BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Direito das
Companhias. Volume I, Rio de Janeiro, 1ª Edição, 2009. pág. 1998 —
2025 (Alienação de Controle na Companhia Aberta), Volume II, pág.
2031-2044 (Oferta Pública para Aquisição de Controle de Companhia
Aberta).
Leitura Complementar
SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário
— Interpretação e Valor. Niterói, FMF Editora, 2004
C) ROTEIRO DE AULA
A oferta publica para aquisição de controle da companhia é atualmente
prevista no direito societário brasileiro na Lei 6.404/76, a Lei das Sociedades
Anônimas (“LSA”) e pela Instrução Normativa CVM nº 361/2002. A doutrina evoluiu esse conceito ao longo do tempo e adaptou-se com as mudanças
legislativas, em especial a renovação da LSA com as alterações introduzidas
pela Lei 10.303/2001. No campo conceitual, “a oferta pública para aquisição
de controle de companhia aberta é uma proposta irrevogável de contratar a
compra e venda ou a permuta de ações com direito a voto de uma companhia aberta, em quantidade suficiente para assegurar ao adquirente o controle
da companhia, dirigida indistintamente a todos os titulares dessas ações por
meio de publicação em jornal de grande circulação”.72
A LSA só dispõe de modo mais abrangente sobre a oferta pública para
aquisição de controle, de maneira a estabelecer critérios norteadores que
façam configurar a necessidade ou possibilidade de realização da OPA. As
72
FILHO, Alfredo Lamy e BULHÕES
PEDREIRA, José Luiz. Direito das Companhias. Volume I, Rio de Janeiro, 1ª
Edição, 2009. pág. 2031-2032
FGV DIREITO RIO
80
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
outras modalidades de OPA serão reguladas pelos dispositivos da Instrução
CVM nº 361.
De forma oportuna ao estudo desse instituto, que, de certa forma se aliou
ao direito de venda conjunta (derivado do termo em inglês “tag along”), procede-se a uma análise dos diversos tipos de OPA previstos na regulamentação
da CVM.
A Lei 6.404, incorporou um dispositivo, o art. 254, assegurando aos acionistas minoritários das companhias abertas que tenham seu controle alienado
o direito de receber oferta pública, apresentada pelo adquirente do controle,
de aquisição de suas ações por preço igual ao que tiver sido pago ao alienante.
Desta forma, acolheu-se o princípio da igualdade de oportunidade a todos
os acionistas titulares de ações da mesma espécie. A oferta pública de aquisição de ações (OPA) é uma operação através da qual um acionista ou uma
sociedade pretende comprar uma participação ou a totalidade das ações de
uma empresa listada na BOVESPA.
Modalidades de OPA
São reguladas pelo art. 2º da Instrução Normativa CVM 361/2002, podendo ocorrer em seis modalidades:
Art. 2º — A Oferta Pública de Aquisição de ações de companhia aberta (OPA)
pode ser de uma das seguintes modalidades:
I. OPA para cancelamento de registro: é a OPA obrigatória, realizada como
condição do cancelamento do registro de companhia aberta, por força do § 4º
do art. 4º da Lei 6.404/76 e do § 6º do art. 21 da Lei 6.385/76;
II. OPA por aumento de participação: é a OPA obrigatória, realizada em
conseqüência de aumento da participação do acionista controlador no
capital social de companhia aberta, por força do § 6º do art. 4º da Lei
6.404/76;
III. OPA por alienação de controle: é a OPA obrigatória, realizada como condição de eficácia de negócio jurídico de alienação de controle de companhia aberta, por força do art. 254-A da Lei 6.404/76;
IV. OPA voluntária: é a OPA que visa à aquisição de ações de emissão de
companhia aberta, que não deva realizar-se segundo os procedimentos
específicos estabelecidos nesta Instrução para qualquer OPA obrigatória
referida nos incisos anteriores;
V. OPA para aquisição de controle de companhia aberta: é a OPA voluntária de que trata o art. 257 da Lei 6.404/76; e
VI. OPA concorrente: é a OPA formulada por um terceiro que não o ofertante ou pessoa a ele vinculada, e que tenha por objeto ações abrangidas
FGV DIREITO RIO
81
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
por OPA já apresentada para registro perante a CVM, ou por OPA não
sujeita a registro que esteja em curso
OPA para aquisição de controle
Nas palavras de Nelson Eirizik:
“A oferta pública constitui uma proposta irrecusável, configurando-se uma
declaração unilateral de vontade e obrigando o ofertante, nos termos do art.
1080 do Código Civil; sendo uma proposta firme e irrevogável, não está a oferta pública de aquisição sujeita a eventuais alterações de vontade de seu autor.
Nos termos do § 2º do art. 254-A, a CVM autorizará a alienação do controle
da companhia aberta desde que as condições atendam aos requisitos legais.”73
Assegura-se aos acionistas minoritários das companhias abertas que tenham seu controle alienado o direito de receber oferta pública, apresentada
pelo adquirente do controle, de aquisição de suas ações por preço igual ao que
tiver sido pago ao alienante, acolhendo-se o princípio da igualdade de oportunidade a todos os acionistas titulares de ações da mesma espécie e classe, estabelecendo que todos fazem jus aos mesmos direitos e vantagens econômicas.
A partir da entrada em vigor da recente reforma da legislação societária,
em 2001, com a Lei 10.303, que introduziu o artigo 254-A, restaurou-se a
obrigação de propor a OPA em caso de alienação do controle acionário, mas
deixou-se de lado o tratamento igualitário entre acionista controlador e acionistas minoritários contido originalmente no art. 254 da LSA.
Idealmente, o instituto da OPA, que é regulado pra CVM por meio da
Instrução CVM 361/2002, que mais a seguir será detalhada, protege os direitos dos minoritários, concedendo-lhes o beneficio da opção pela oferta
pública, como forma de saída da companhia, no momento em que o poder
da sociedade sofre algum tipo de alteração ou reestruturação que influencie
nos direitos dos acionistas.
A importância das ofertas públicas para aquisição de controle já é reconhecida pela doutrina, visto o entendimento que segue:
“Por outro lado, há de se reconhecer que as ofertas públicas para aquisição
de controle são importantes, porque constituem um mecanismo natural de o
próprio mercado depurar a eficiência da gestão das companhias abertas. Os
gestores, sentindo que podem perder seus poderes por força de uma oferta
pública, cuidam de aperfeiçoar a administração, prover mais adequadamente
informações e dedicar maior respeito aos interesses dos acionistas. Quanto
mais baixa a qualidade da gestão, maior é a vulnerabilidade a uma tomada de
controle por oferta pública. Exerce assim a oferta pública para aquisição de
controle o papel importantíssimo de excluir do mercado os administradores
e controladores menos competentes.”74
73
EIRIZIK, Nelson. Oferta Pública de
Aquisição: Interpretação do art. 254-A
da Lei das S.A. Revista de Direito da
Associação dos Procuradores do Novo
Estado do Rio de Janeiro. Volume XIV.
Pág. 85
74
FILHO, Alfredo Lamy e BULHÕES
PEDREIRA, José Luiz. Direito das Companhias. Volume I, Rio de Janeiro, 1ª
Edição, 2009. pág. 2035
FGV DIREITO RIO
82
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
DESTINATÁRIOS
Deve-se, primeiramente, entender a generalidade da aplicação do artigo
254-A da LSA. Vale destacar, nesse sentido, que a doutrina e a lei entendem
que a regra da oferta pública se faz aplicável a toda espécie de sociedade aberta já que a lei não estabeleceu qualquer tipo de distinção.
A doutrina ainda discute quais devem ser os ideais destinatários da oferta
pública. Pode-se concluir, entretanto, que é pacífico o entendimento de que
os ordinaristas sempre se beneficiarão deste direito de saída conjunta, bem
como os preferencialistas, quando o estatuto social assim dispuser sobre a não
vedação ao direito de voto.
O extinto artigo 254 da LSA estabelecia que deveria ser dado tratamento
igualitário aos acionistas minoritários mediante oferta pública para aquisição
de ações. O critério de minoritários abrangia a noção do estado de acionista
minoritário representava um atributo qualitativo mais do que quantitativo
com referencial necessário ao poder de controle na sociedade.
Isso porque a Resolução 401 do Conselho Monetário Nacional (“CMN”)
regulava que de acordo com o inciso I da Resolução CMN nº 401, de 22 de
dezembro de 1976 “a alienação do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se
obrigue a fazer, nos termos desta Resolução, oferta pública de aquisição das ações
com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo
a lhes assegurar tratamento igualitário ao do acionista controlador.”
No entanto, a redação do atual artigo 254-A pacificou, em termos, esta
questão, ao estabelecer que a oferta seria destinada exclusivamente aos titulares de ações com direito a voto não integrantes do bloco de controle. O art.
254-A não produz qualquer requisito quanto à questão de permanência do
direito de voto.
Com o entendimento de Carlos Augusto Junqueira de Siqueira entendese que os preferencilistas não devem ser destinatários de OPA pois, nas palavras referidas:
“a aquisição do direito de voto pelas ações preferenciais, em função do
não pagamento de dividendos, não credencia essas ações como destinatárias
da oferta. Nesta circunstância excepcional, o direito de voto é transitório e o
poder de controle só é compartilhado entre as ações com direito permanente
de voto. Apenas a elas serão estendidas as condições praticadas no negócio
de transferência do controle. Se o valor praticado na transação for partilhado
entre as ações não votantes, estas estariam apropriando-se de algo que não
lhes pertence, pois as preferenciais não compõem o poder de controle.”75
Finalizando o entendimento, o Superior Tribunal de Justiça já julgou caso
referente ao tema:
75
SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira
de. Transferência do Controle Acionário
— Interpretação e Valor. Niterói, FMF
Editora, 2004 p. 369.
FGV DIREITO RIO
83
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
“A autorização para a transferência do controle de companhia aberta, através da oferta pública para aquisição de suas ações, referendada pelo Banco
Central e pela Comissão de Valores Mobiliários, não envolve as ações preferenciais, quando determina que seja assegurado tratamento equitativo aos
acionistas minoritários mediante simultânea oferta pública (§ 1º do Art. 255,
da Lei 6.404/76). Somente os acionistas minoritários portadores de ações
ordinárias estão protegidos pela lei societária.”76
O que resta concluir, para os fins de estudo, que apesar de se tratar de uma
matéria bastante controversa, existe uma noção de transitoriedade do direito
de voto dos preferencialistas, o que os faz não serem incluídos no rol dos
destinatários da OPA, entendimento ainda incorporado à lei pela Instrução
CVM nº 361/02.
OPA para cancelamento de registro
Segundo o art. 4º, § 4o da LSA:
Art. 4º, § 4º.: O registro de companhia aberta para negociação de ações no
mercado somente poderá ser cancelado se a companhia emissora de ações, o
acionista controlador ou a sociedade que a controle, direta ou indiretamente, formular oferta pública para adquirir a totalidade das ações em circulação no mercado, por preço justo, ao menos igual ao valor de avaliação da companhia, apurado com base nos critérios, adotados de forma isolada ou combinada, de
patrimônio líquido contábil, de patrimônio líquido avaliado a preço de mercado,
de fluxo de caixa descontado, de comparação por múltiplos, de cotação das ações no
mercado de valores mobiliários, ou com base em outro critério aceito pela Comissão
de Valores Mobiliários, assegurada a revisão do valor da oferta, em conformidade
com o disposto no art. 4o-A.
Essa modalidade de OPA foi, dessa maneira, regulada pela Instrução CMV
361, que por vez dispõe o seguinte:
Art. 16 — O cancelamento do registro de companhia aberta somente será deferido pela CVM caso seja precedido de uma OPA para cancelamento de registro, formulada pelo acionista controlador ou pela própria companhia aberta, e tendo por objeto
todas as ações de emissão da companhia objeto, observando-se os seguintes requisitos:
I. o preço ofertado deve ser justo, na forma estabelecida no § 4º do art. 4º da Lei
6.404/76, e tendo em vista a avaliação a que se refere o § 1º do art. 8º; e
II. acionistas titulares de mais de 2/3 (dois terços) das ações em circulação deverão aceitar a OPA ou concordar expressamente com o cancelamento do registro, considerando-se ações em circulação, para este só efeito, apenas as ações
76
STJ — 1ª turma, Recurso Especial nº
2.276, RJ
FGV DIREITO RIO
84
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
cujos titulares concordarem expressamente com o cancelamento de registro ou
se habilitarem para o leilão de OPA, na forma do art. 22.
No ensejo, essa modalidade de OPA pressupõe como condições para o fechamento a concordância e expressa aceitação da OPA por acionistas titulares
de mais de dois terços das ações em circulação, sendo a realização da OPA
exclusivamente facultada ao acionista controlador ou a própria companhia. A
concordância ou discordância dar-se-á de acordo com o procedimento do leilão em que serão concordantes com o cancelamento do registro aqueles que
aceitarem a realização da OPA e venderem suas ações em leilão, manifestando
consentimento com o cancelamento. Por outro lado, haverá discordância daqueles que ao se habilitarem ao leilão não aceitem a realização da OPA.
OPA voluntária
Já a oferta pública voluntária é a denominação para as ofertas de “hostile
takeovers”. Relativamente comuns em mercados com dispersão acionária, as
ofertas hostis.
O nome desta operação, segundo normas da CVM em vigor é Oferta Pública de Aquisição de ações voluntária pressupondo-se, entretanto, envolver
empresas com controle acionário difuso, sem grupo controlador. Os primeiros casos de pulverização de ações no Brasil só ocorreram em 2005, com a
Lojas Renner seguindo-se, depois, o caso Sadia/Perdigão.
A base legal é o previsto no artigo 31 da Instrução CVM 361:
Art. 31 — Qualquer OPA voluntária, originária ou concorrente, de ações de
companhia aberta, quer tenha por objeto parte, quer a totalidade das ações de emissão da companhia, obedecerá aos procedimentos de que tratam os arts. 4º a 8º e 10
a 12, e as vedações dos arts. 14 e 15, no que couberem.
Parágrafo único. À OPA voluntária formulada pelo acionista controlador ou
por pessoa a eles vinculada, que tenha por objeto a totalidade das ações em
circulação de emissão da companhia objeto, ou de uma determinada classe ou
espécie de ações em circulação, aplicam-se ainda as regras da OPA para aumento
de participação.
Da mesma forma que o artigo 31 sofreu alteração para prever que a aquisição da totalidade das ações deve obedecer às regras do aumento de participação, o art. 26 que dispõe sobre as hipóteses de incidência da OPA prevista
no art. 4º, § 6º, da Lei 6404, também sofreu, tendo sido inserida a limitação
de que a aquisição de ações que enseja a obrigatoriedade de realização desse
tipo de OPA deve ser por meio diverso de OPA.
FGV DIREITO RIO
85
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Com a mudança do art. 31, trazendo o entendimento de que a OPA
voluntária que visa à totalidade das ações deve seguir as regras da OPA por
aumento de participação, se a aquisição for por meio da OPA que já observou
as suas regras, quais sejam, preço justo, revisão do preço da oferta e registro
na CVM, não se faz necessária a realização de uma nova OPA.
OPA por aumento de participação
A OPA por aumento de participação é obrigatória e realizada em conseqüência de aumento de participação no capital social pelo acionista controlador. Sempre que o acionista controlador, pessoa a ele vinculada e outras
pessoas que trabalhem em conexão, adquiram por meios diversos de uma
OPA, ações que façam-os incorrer na hipótese do art. 4º, § 6º da LSA, deverá
ser realizada a OPA obrigatória.
Importante nesse caso é a observação do complemento legislativo feito
pela Instrução CVM 361 à LSA que em seu artigo estabeleceu o valor desse
percentual mínimo:
Art. 26 — A OPA por aumento de participação, conforme prevista no § 6º do
art. 4º da Lei 6.404/76, deverá realizar-se sempre que o acionista controlador, pessoa
a ele vinculada, e outras pessoas que atuem em conjunto com o acionista controlador
ou pessoa a ele vinculada, adquiram, por outro meio que não uma OPA, ações
que representem mais de 1/3 (um terço) do total das ações de cada espécie
ou classe em circulação na data da entrada em vigor desta Instrução, observado o
disposto no §§ 1º e 2º do art. 37.
Independentemente de ter atingido o percentual correspondente a um
terço do total de ações de cada espécie ou classe, a CVM poderá determinar
a realização de OPA por aumento de participação caso seja verificado, no
prazo máximo de 6 meses a contar da comunicação de aquisição de ações,
que tal aquisição teve por objeto impedir a liquidez de ações; e desde que tais
acionistas possuam mais da metade das ações de emissão da companhia de
determinada espécie e classe, e tenham adquirido, isoladamente ou em conjunto, participação igual ou superior a 10% (dez por cento) daquela mesma
espécie e classe em período de 12 meses.
Ponto importante em relação à OPA por aumento de participação acionária é a sua diferença em relação à OPA para cancelamento de registro, pois
fica nesse caso vedada a desistência em caso de revisão do preço.
FGV DIREITO RIO
86
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
OPA concorrente
A publicação da oferta pública na imprensa deverá conter as condições
estabelecidas no art. 258 da LSA e dentro de 24 horas da primeira publicação, a oferta será devidamente comunicada à CVM. A oferta é irretratável,
porém, pode o ofertantes até 10 dias antes do término do prazo, melhorar sua
proposta — estendendo as novas condições a todos os aceitantes.
As ofertas públicas sujeitas a registros perante a CVM somente poderão
ser afetadas pelas interferências compradoras por interferente que tenha registrado OPA concorrente junto à CVM. A OPA concorrente tem base no
direito estrangeiro e foi incorporado pela CVM na Instrução CVM 361, nos
termos que segue:
Art. 13 — A OPA concorrente observará os mesmos requisitos e procedimentos
estabelecidos por esta Instrução para a OPA com que concorrer, inclusive quanto ao
registro, se for o caso, observadas as regras deste artigo.
§ 1º As declarações do ofertante concorrente a que se refere o inciso I do art.
10 e o § 2º daquele artigo, somente tornar-se-ão eficazes caso ele, ou pessoa a
ele vinculada, seja ou venha a tornar-se o acionista controlador da companhia
objeto.
§ 2º A OPA concorrente deverá ser lançada por preço no mínimo 5% (cinco
por cento) superior ao da OPA com que concorrer, e o seu lançamento torna sem
efeito as manifestações que já tenham sido firmadas em relação à aceitação desta
última, cujo leilão poderá ser adiado, se necessário, inclusive por determinação
da CVM, para que se realize na mesma data do leilão da OPA concorrente.
§ 3º Uma vez lançada uma OPA concorrente, será lícito tanto ao ofertante
inicial quanto ao ofertante concorrente aumentarem o preço de suas ofertas tantas vezes quantas julgarem conveniente, desde que de tal aumento dêem notícia
pública, com o mesmo destaque da oferta.
§ 4º Se a OPA concorrente depender de registro, este presumir-se-á deferido
no prazo de 5 (cinco) dias contado do protocolo na CVM, desde que:
a. trate-se de oferta concorrente de compra, ou tratando-se de oferta concorrente
de permuta, mista ou alternativa, se os valores mobiliários ofertados forem
idênticos aos da OPA;
b. o ofertante apresente as declarações de que tratam os incisos I e II do art.
10 e o § 2º do mesmo artigo, e as informações referidas no inciso V do
art. 10 e nas alíneas (a) e (g) do inciso I do Anexo II;
c. o pedido seja instruído com contrato de intermediação nos termos do art.
7º; e
d. o pedido seja apresentado em data que permita que a publicação do edital
da OPA concorrente se dê com antecedência mínima de até 10 (dez) dias
em relação ao leilão da OPA.
FGV DIREITO RIO
87
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
§ 5º Com exceção da hipótese do parágrafo anterior, toda OPA concorrente que
depender de registro observará os mesmos requisitos, procedimentos e prazos estabelecidos no art. 9º.
Nesse âmbito e também quando se trata de casos de aquisição hostil, existe sempre a hipótese de surgir uma OPA concorrente, onde uma terceira
entidade efetua uma OPA alternativa a inicial, podendo esta ser mais próxima dos interesses dos acionistas da empresa alvo. É quase uma espécie de
“contra-OPA”, surgindo a possibilidade da apresentação de oferta pública
concorrente.
Ainda nesse sentido, a LSA em seu artigo 262 corrobora o entendimento
da CVM em que a existência de uma oferta pública em curso não impede
a formulação por um terceiro de uma oferta concorrente, desde que sejam
observadas as normas pertinentes. Nesse sentido, Carlos Augusto da Silveira
Lobo nos ensina:
“Em face de uma oferta concorrente, faculta-se ao primeiro ofertante prorrogar o
prazo de validade de sua oferta até fazê-lo coinscidir com o da oferta concorrente. Nos
termos do § 1º do artigo 261 da LSA, acima comentado, poderá o primeiro ofertante
melhorar sua oferta original para competir com a oferta concorrente. Tais faculdades
deverão ser exercidas mediante publicação de um adiantamento ao instrumento da
oferta, exigido o prévio registro da melhoria na CVM, se a oferta melhorada envolver
a permuta de valores mobiliários”77
Vale ressaltar que o princípio da igualdade, já comentado, proclamado
pela doutrina vem a ser respeitado nessa modalidade de OPA, pois o objetivo
da lei ao permitir a melhoria da oferta foi o de colocar em pé de igualdade o
ofertante inicial e ofertante concorrente. A melhoria da oferta vem prevista
no parágrafo 1º do artigo 261 da LSA.
OPA por alienação de controle
Como discutido na aula sobre alienação de controle, inicialmente, na
companhia aberta o legislador pátrio estabeleceu no art. 254-A um mecanismo similar ao tag along que obrigava a realização de OPA em determinadas
hipóteses. Dispõe o caput do artigo:
Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta
somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de
propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no
77
FILHO, Alfredo Lamy e BULHÕES
PEDREIRA, José Luiz. Direito das Companhias. Volume I, Rio de Janeiro, 1ª
Edição, 2009. pág. 2042
FGV DIREITO RIO
88
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto,
integrante do bloco de controle.
A insegurança sobre a transferência de controle societário impõe desconto
sobre as ações, o que eleva o custo de capital, dificultando a capitalização
da sociedade aberta. A receptividade do investidor a essa parcela de risco,
associada à exclusão de operação de alienação do controle sem importar o
dispositivo legal, demanda algum tipo de retorno que a compense.
Esse princípio fundamental do mercado leva a compreender que a alienação de controle dependeria de prévia autorização da CVM, o que só ocorreria
com oferta pública para aquisição de ações dos acionistas minoritários.
Isso foi objeto do sistema legislativo societário nacional, sendo introduzido, pela Lei 10303/01, o art. 254-A na LSA. Tavares Borba afirma:
”A lei consagrou o direito de os acionistas com voto, que não integrem o bloco
de controle, receberem uma oferta pública de compra de suas ações por no mínimo
oitenta por cento do preço pago aos controladores”.78
A alienação de controle transfere, segundo Lobo, ao adquirente, além dos
poderes jurídicos conferidos pela propriedade das ações transferidas, o poder
de fato de controlar a companhia.79 Por isso, o mesmo doutrinador é claro em
afirmar que deve existir um prêmio de controle a ser pago aos minoritários,
que será compreendido como parte do investimento. É desse procedimento
que se determina a OPA. Dessa forma lê-se:
“As alternativas previstas na lei em favor dos minoritários — venda das ações ou
recebimento de prêmio de optarem por permanecer na companhia — causam a atribuição aos acionistas minoritários de uma parcela do investimento que o adquirente
se dispõe a pagar pelo controle, reduzindo o valor que pagaria ao controlador, caso
não existissem as obrigações criadas pelo artigo 254-A. Essas obrigações exigem do
comprador do controle um investimento que compreende, além do preço de compra
do bloco de controle, a probabilidade de incorrer também no preço de compra das
ações dos minoritários ou no prêmio àqueles que optarem por permanecer na companhia. Funcionam, portanto, como mecanismo que transfere para os minoritários
uma parte do prêmio de controle, ou seja, da mais-valia resultante do fato de o objeto
do negócio entre o adquirente e o controlador ser o bloco de controle”80
78
É obrigatória e decorrente da realização do negócio jurídico de alienação
de controle. A Instrução CVM nº 361 prevê:
Art. 29. A OPA por alienação de controle de companhia aberta será obrigatória,
na forma do art. 254-A da Lei 6.404/76, sempre que houver alienação, de forma
BORBA, José Edvaldo Tavares. Direito
Societário. Rio de Janeiro, 11ª Edição,
Renovar, 2008, pág. 523
79
FILHO, Alfredo Lamy e BULHÕES
PEDREIRA, José Luiz. Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 1ª
Edição 2009. Volume I, Rio de Janeiro,
1ª Edição, 2009. pág. 1999
80
Idem. pág. 2000
FGV DIREITO RIO
89
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
direta ou indireta, do controle de companhia aberta, e terá por objeto todas as ações
de emissão da companhia às quais seja atribuído o pleno e permanente direito de
voto, por disposição legal ou estatutária.
§ 1º A OPA deverá ser formulada pelo adquirente do controle, e seu instrumento conterá, além dos requisitos estabelecidos pelo art. 10, as informações
contidas na notícia de fato relevante divulgada quando da alienação do controle,
sem prejuízo do disposto no inciso I do § 1º do art. 33, se for o caso.
§ 2º O requerimento de registro da OPA de que trata o “caput” deverá ser
apresentado à CVM no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a contar da celebração
do instrumento definitivo de alienação das ações representativas do controle,
quer a realização da OPA se constitua em condição suspensiva, quer em condição resolutiva da alienação.
§ 3º O registro da OPA pela CVM implica na autorização da alienação do
controle, sob a condição de que a oferta pública venha a ser efetivada nos termos
aprovados e prazos regulamentares.
§ 4º Para os efeitos desta instrução, entende-se por alienação de controle a
operação, ou o conjunto de operações, de alienação de valores mobiliários com
direito a voto, ou neles conversíveis, ou de cessão onerosa de direitos de subscrição desses valores mobiliários, realizada pelo acionista controlador ou por pessoas integrantes do grupo de controle, pelas quais um terceiro, ou um conjunto
de terceiros representando o mesmo interesse, adquira o poder de controle da
companhia, como definido no art. 116 da Lei 6.404/76.
§ 5º Sem prejuízo da definição constante do parágrafo anterior, a CVM poderá impor a realização de OPA por alienação de controle sempre que verificar
ter ocorrido a alienação onerosa do controle de companhia aberta.
§ 6º No caso de alienação indireta do controle acionário, o ofertante deverá submeter à CVM, juntamente com o pedido de registro, a demonstração
justificada da forma de cálculo do preço devido por força do art. 254-A da Lei
6.404/76, correspondente à alienação do controle da companhia objeto.
Está em clara conexão com a LSA no que tange como requisito para aprovação da transferência de controle.
“Art. 254-A § 2º A Comissão de Valores Mobiliários autorizará a alienação de
controle de que trata o caput, desde que verificado que as condições da oferta pública
atendem aos requisitos legais.”
Nisso, a doutrina é enfática sobre a perpetuação da modalidade de OPA
para alienação de controle nos casos previstos no art. 254-A. Carvalhosa e
Eirizik, por exemplo, dispõem:
“Nos termos do § 2º do art. 254-A, a CVM autorizará a alienação do controle
da companhia aberta desde que as condições da oferta pública atendam aos requisitos
FGV DIREITO RIO
90
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
legais. Assim, tal como ocorria no regime anterior, quando vigente a R. 401/76, o
poder da CVM é vinculado, não lhe competindo entrar no exame de oportunidade
ou da conveniência da alienação de controle, mas meramente verificar se a oferta
pública está assegurando aos titulares de ações com direito de voto o pagamento de
preço no mínimo igual a 80% do valor pago por ação com direito de voto integrante
do bloco de controle.”81
Regulação do Novo Mercado
Por fim, o Novo Mercado tem estudado regras para adaptar a legislação brasileira aos moldes europeus. Por conta do processo de revisão das normas desse
segmento, resolveu-se incluir na pauta a proposta de adotar regra semelhante às
da diretiva da União Européia e do City Code do Reino Unido. Nesses instrumentos legais existe a indicação de necessidade de OPA na hipótese de alienação de percentual de ações representativas ao status de presunção de controle.
De todas as propostas da reforma, é esta que torna compulsória a OPA
quando um investidor compra determinada participação acionária que foi a
mais bem recebida pelos investidores das companhias, pois ajuda a esclarecer
o rol de direitos dos minoritários nas transações que configuram alienação
de controle. A segurança jurídica que é agregada ao viés econômico é de relevante valor.
Na Europa, fica a cargo dos países estabelecerem esse percentual (na média, em torno de 33% das ações votantes) enquanto no Reino Unido, desde
1972, está definido para o controle para fins de imposição da OPA como a
titularidade de ações que representem 30% do total de ações votantes. No
Brasil, a implementação da regra de percentual predeterminado para adoção
de OPA pode trazer segurança aos investidores, apesar de suscitar críticas de
parte do meio advocatício, como severifica a seguir:
“A norma convive cronicamente com o incentivo a transações que envolvem,
dentre outras possibilidades, estruturas piramidais, regras de jurisdições distintas,
além de um elusivo conceito de “atuação em concerto” entre os acionistas, que deixa
dúvidas se, por meio de acordo formal ou simples entendimento informal, esses cooperaram para obter ou exercer o controle da companhia. Parece-me que, portanto,
na melhor das hipóteses, a regra substitui riscos, ou seja, troca-se a aparente incerteza
sobre a transferência de controle pelos riscos acima citados.”82
O que fica em discussão no cenário jurídico do mercado de capitais é o
percentual ideal para o qual deve ser previsto a OPA. Enquanto a recomendação hoje é de 30%, há um setor da advocacia societária que considera esse número alto demais. Argumenta-se que o grau de pulverização acionária pode
81
CARVALHOSA, Modesto e EIRIZIK,
Nelson. A Nova Lei das S.A. São Paulo,
Ed. Saraiva, 2002, pág. 408
82
GREBLER, Gustavo. Opinião em Você
concorda com a OPA obrigatória, quando
da aquisição de determinada participação minoritária, conforme proposto
na reforma do Novo Mercado? Revista
Capital Aberto Ano 7, No. 76, Dezembro/2009
FGV DIREITO RIO
91
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
ser tamanho que mesmo um baixo valor percentual já pode ser indicativo de
presunção de controle.
D) LEITURA COMPLEMENTAR
CVM descarta OPA no caso TIM, mas admite tag along
para venda de controle minoritário83
Para quem ainda tem alguma dúvida, a presidente da Comissão de Valores
Mobiliários (CVM), Maria Helena Santana, esclarece: o atual colegiado do
órgão regulador do mercado de capitais brasileiro acredita que uma alienação
de controle de fato, mas não de direito, pode exigir sim a concessão do chamado tag along. Esse é o direito do acionista minoritário, previsto no artigo
254-A da Lei das S.As., de receber, por ação ordinária, 80% do preço pago
por ação do controlador, quando o controle é vendido.
Maria Helena está apenas ratificando um posicionamento que, na sua visão, ficou claro num julgamento recente dos diretores da autarquia. Contrariando uma decisão histórica tomada no início do ano pela área técnica da
CVM, o colegiado desobrigou o consórcio de investimentos Telco, que tem
como principal acionista a Telefônica, de comprar as ações dos minoritários da TIM Participações. Após analisar o recurso da Telco, concluiu que o
consórcio não adquirira o controle da operadora de celular ao comprar dos
grupos Pirelli e Sintonia, em 2007, a Olimpia, dona de 17,99% da Telecom
Itália (controladora indireta da TIM).
Portanto, a Telco foi dispensada de estender uma oferta pública de aquisição (OPA) aos ordinaristas da subsidiária brasileira. Mas isso ocorreu porque
o colegiado, por maioria, entendeu que não houve alienação de controle. Se
tivesse chegado a uma conclusão diferente, pelo que consta, seria o primeiro
caso no Brasil em que uma alienação de controle minoritário — com menos
da metade das ações com direito a voto — ensejaria o tag along.
Identificar o exercício do poder de controle com uma participação menor do que 50% pode ser uma missão duríssima. Tanto é que causou
um racha entre os diretores da CVM. Só o diretor Marcos Barbosa Pinto acompanhou o voto vencido do relator do processo, Eliseu Martins,
que viu ali uma venda de controle indireto e a consequente necessidade
de execução de OPA. Os outros três membros do colegiado discordaram
dessa tese. Porém, para justificarem seus votos, usaram fundamentações
distintas entre si. Para Eli Loria, a aplicação do 254-A “não abrange a alienação de controle minoritário”. Otávio Yazbek não encontrou elementos
suficientes para caracterizar o poder de controle exercido pela Olimpia. Já
a presidente Maria Helena se apoiou na regulamentação italiana, segundo
83
AZEVEDO, Simone e GREGÓRIO, Daniel. CVM descarta OPA no caso TIM, mas
admite tag along para venda de controle
minoritário. Revista Capital Aberto Ano
7, No. 73 (Setembro/2009), pág. 66 a 68
FGV DIREITO RIO
92
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
a qual a compra da 17,99% do capital da Telecom Itália pela Telco não
significou uma aquisição de controle.
As diferentes argumentações deixaram alguns investidores e advogados
com a impressão de que não se pode extrair lição nenhuma dos votos dos
diretores. Um consenso mínimo poderia aumentar a previsibilidade sobre
as próximas decisões do colegiado em situações semelhantes. “A ausência de
pontos em comum pode gerar insegurança jurídica”, teme Carlos Alexandre
Lobo, sócio do escritório Pinheiro Neto.
Entretanto, cabe destacar que o diretor Otávio Yazbek, ao contrário do colega Eli Loria, admitiu em seu voto a possibilidade de o tag along ser legítimo
em uma transferência de controle minoritário — embora seja muito difícil
detectar o controle nessas situações, declarou Yazbek à CAPITAL ABERTO.
Ou seja, ao menos uma convergência houve: a maioria dos diretores reconhece o tag along nessas circunstâncias, algo certamente inédito no colegiado
Nova regra da CVM visa a dar mais informações
para investidores sobre as ofertas públicas de aquisição84
Quando arquitetou a oferta pública de aquisição de ações (OPA) da GVT
pela Telefônica, em setembro de 2009, a advogada Adriana Pallis, sócia do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice, percebeu que a Instrução 361 da
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não abrangia todas as questões que
envolvem uma OPA voluntária. De fato, a regra não previu uma operação como
a do grupo francês Vivendi, que na surdina acabou levando o controle da GVT
por meio de derivativos, frustrando a aproximação hostil feita pela Telefônica.
Foi com satisfação, portanto, que Adriana recebeu a notícia de que o regulador está disposto a alterar as regras. Em 25 de março, a CVM colocou em
audiência pública uma minuta de instrução que altera a 361. “O principal benefício da proposta é aumentar a divulgação de informações sobre a negociação com ações da companhia que é objeto de uma oferta”, avalia a advogada.
Segundo a minuta, titulares de 2,5% ou mais das ações de determinada
espécie e classe de uma companhia-alvo de OPA terão de divulgar ao mercado cada movimentação feita com papéis da empresa durante o período de
uma oferta pública. “Qualquer negociação deverá ser informada, mesmo que
envolva apenas uma ação”, explica o diretor da CVM Marcos Barbosa Pinto.
Inspirada no código do Takeover Panel britânico, essa regra inclui as posições
montadas com derivativos. Assim, dificilmente alguém poderá, de uma hora
para outra, desbancar uma OPA com o uso desse instrumento sem que ninguém perceba essa movimentação.
Um dos objetivos da reforma da instrução é incentivar o uso de ofertas concorrentes para quem quiser competir com uma OPA. Elas passarão a
prescindir de registro na CVM, a não ser que sejam unificadas a uma OPA
84
GREGÓRIO, Daniel. Nova regra da
CVM visa a dar mais informações para
investidores sobre as ofertas públicas de
aquisição. Revista Capital Aberto Ano 7,
No. 80, Abril/2010, pág. 60 a 63
FGV DIREITO RIO
93
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
que exija registro. Hoje, uma oferta concorrente deve ser lançada a um preço
no mínimo 5% superior ao da OPA com que entra em disputa. A proposta
é acrescentar a obrigação de que venha à tona até cinco dias antes da data
prevista para o “procedimento especial” da oferta original. Esse procedimento substituiria o processo de leilão, em que são permitidas interferências
compradoras. No novo modelo, ofertas de última hora serão proibidas. A
finalidade é permitir que os acionistas tenham tempo suficiente para avaliar
a qualidade das ofertas e não se sintam pressionados a tomar uma decisão.
Deverá contribuir para esse maior conforto dos investidores a previsão de
que o conselho de administração da companhia-alvo se manifeste contra ou
favor da OPA, fundamentando sua opinião. “Por dever de diligência, os administradores já deveriam se pronunciar, principalmente quando a oferta é
ruim para a empresa”, acredita Erik Oioli, sócio do escritório Vaz, Barreto,
Shingaki e Oioli Advogados. A CVM receberá comentários sobre a minuta
até o dia 25 de maio.
FGV DIREITO RIO
94
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
10. AULA 11: POISON PILLS
A) EMENTÁRIO DE TEMAS
Introdução as medidas defensivas. Tomada de controle hostil ou amigável.
O Poison Pill. Shareholder rights plans. As medidas defensivas brasileiras e as
Norte Americanas e Européias.
B) MATERIAL DE LEITURA
Leitura Básica
BAINBRIDGE, Stephen M., Mergers and Acquisitions. New York: Foundation Press, 2nd Edition. Capítulos 5 e 6, páginas 158-245.
SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos Administradores de S.A.,
Business Judgement Rule. Rio de Janeiro: Editora Campus Elsevier,
2007 pp. 210— 229.
Leitura Complementar
CARY, William L. e EISEMBERG, Melvin Aron. Cases and Materials on
Corporation. The Foundation Press, Inc: New York, 1995 pp. 592-634
C) ROTEIRO DE AULA
Introdução
As medidas defensivas são proteções utilizadas por companhias abertas em
que o capital social está organizado com dispersão acionária contra tentativas
hostis de tomadas de controle, denominadas as “takeovers hostis”.85
Essas medidas podem ser adotadas de diversas formas. A forma mais comum é a adoção de medidas defensivas em mecanismos estatutários, nos
estatutos das companhias. 86 Também é comum a adoção destas em formas
contratuais, incluindo contratos de compensação de executivos estratégicos,
opção de compra de ações e ativos, bônus de subscrição e dívidas. Ademais,
as medidas defensivas são introduzidas de forma institucional como, por
exemplo, uma organização estrutural de companhias com diversas holdings
em uma estrutura piramidal.
85
A aquisição do controle de uma
companhia pode ser efetivada de várias
formas: (a) se há acionista controlador,
através da compra do bloco de controle; (b) se não há acionista controlador,
através de compra negociada diretamente com os principais acionistas
ou através de aquisições de ações no
mercado; e (c) se o grau de dispersão
é alto, por meio de uma oferta pública
de aquisição de ações dirigida a todos
os acionistas da companhia visada. (segundo Luiz Alberto Colonna Rosman )
86
Usualmente os estatutos das companhias prevêem uma série de medidas
defensivas para inibir ou desestimular tomadas de controle sem que a
operação seja previamente aprovada
pelos administradores, que funcionam,
no caso como “gatekeepers” (guardiões dos interesses dos acionistas,
da empresa e dos “stakeholders”). Os
estatutos também contêm dispositivos
estabelecendo que se a operação for
aprovada pela maioria (qualificada ou
simples) dos membros do Board deixa
de ser aplicável a regra que poderia
inviabilizar o takeover. (idem)
FGV DIREITO RIO
95
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Business Judgment Rule e o Dever de Diligência dos Administradores
Conforme Alexandre Couto Silva, a regra do business judgement rule
busca evitar que pessoas capazes fiquem com receio de administrar uma companhia, sabendo que poderão colocar em risco ou até perder seu patrimônio
pessoal. A regra tem por finalidade estabelecer parâmetros para evitar a responsabilização do administrador.87
O judiciário deve examinar os limites de atuação do Conselho de Administração; porém, não deve substituir a decisão do administrador, mas pode
examiná-la para verificar se está nos limites e de acordo com a razoabilidade.88
Este princípio vale como parte integrante do dever fiduciário dos administradores.89
O Parecer de Orientação n. 35/2008 da Comissão de Valores Mobiliários
(“CVM”) visa recomendar aos administradores de companhias abertas que
observem determinados procedimentos durante a negociação de aquisições
e fusões e, deve o administrador agir com diligência e lealdade à companhia.
Esse zelo pelos interesses da sociedade deve ser feito de boa-fé e se enquadra
no conceito da business judgement rule.90
Tomada de controle hostil ou amigável.
Na experiência societária americana, o “takeover hostil” é uma forma de
tomada de controle em que o ofertante desconsidera a rejeição de sua oferta
pelo conselho de administração da empresa alvo, e continua na sua tentativa
de tomada de controle, ou, ainda, o ofertante faz uma oferta sem informar de
antemão o conselho de administração da empresa alvo. Já o “takeover amigável” ocorre de forma que o ofertante primeiro informa ao conselho de administração da empresa alvo antes de fazer a oferta de aquisição de controle,
a fim de que o conselho de administração possa recomendar ou não a oferta
aos acionistas da empresa. 91
A tomada de controle pode ser hostil ou amigável, lembrando que, havendo acionista controlador majoritário ou de um bloco significativo de ações,
deve ser empreendida uma negociação bilateral com esses acionistas. Se a
companhia for de capital pulverizado, poderá ocorrer a oferta pública para
aquisição de controle de companhia aberta (“OPA”) 92 voluntária, sendo
amistosa quando houver concordância da administração.
“A aquisição do controle de uma companhia aberta, cujo capital votante se
encontre disseminado no mercado, tanto poderá operar-se através de compra
de ações em bolsa, como de oferta pública. A oferta pública compreenderá, em
regra, o montante de ações necessário à obtenção do controle; sendo o ofertante
87
SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos Administradores de S.A., Business Judgement Rule. Rio de Janeiro:
Editora Campus Elsevier, 2007
88
“The business judgement rule is the
primary mechanism that courts employ to balance the cost and benefits
of corporate takeover activity among
stockholders, directors, and the corporation. As traditionally conceived,
this rule is a judicial presumption that
directors make their business decisions
in good faith, and that such decisions
will not, therefore, be subjected to judicial scrutinity if any “rational business
purpose can be attributed to them”
Lubega, Stephen Kors to Unocal: the
business judgement rule speaks with
a forked tongue. Southern University
Law Review, Los Angeles, v. 16, n. 4, p.
823, 1986
89
“The ratio decidencid for the “range
of reasonableness” standard is a need
of the board of directors for latitude
in dischrging its fiduciary duties of the
corporation and its shareaholder when
defending against perceived threats.
The concomitant requirement is for
judicial restraint. Consequently, if the
board of directors’ defensive response
is not draconin (preclusion or coercive)
and is within a “range of resonableness”, a court must not substitute its
judgement for the board’s. Unitirin, Inc,
v. American General Corp, 651 A.2d 1361
9Del. 1995)
90
“Na sistemática da Lei nº 6.404, de
1976, cabe a eles negociar o protocolo de incorporação ou fusão que será
submetido à aprovação da assembléia
geral. Ao negociar o protocolo, os administradores devem cumprir os deveres
fiduciários que a lei lhes atribui, defendendo os interesses da companhia
que administram e de seus acionistas,
assegurando a fixação de uma relação
de troca eqüitativa.”
91
Problemas de “Agência” nas Companhias com Capital Disperso. O controle
de fato da sociedade fica na mão dos
administradores, o que gera um problema de conflito de interesses: a transferência do controle pode ser vantajosa
do ponto de vista dos acionistas — que
conseguem alienar suas ações por valor
substancialmente acima da cotação de
mercado — mas ameaça a manutenção do emprego e das vantagens econômicas dos administradores da companhia visada. “Problema de agência” é
uma expressão utilização no jargão dos
economistas para designar situações
nas quais o bem-estar de uma parte,
designada “comitente” (“principal”),
depende de ações tomadas pela outra
parte, o agente (“agent”).Usualmente
o agente tem maiores informações e
qualificação técnica do que o comitente, relativamente ao assunto cuja execução lhe foi confiada, e o comitente
FGV DIREITO RIO
96
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
acionista, a oferta poderá restringir-se a um número de ações capaz de, somando-se às suas, compor o controle”. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 11ª Edição, 2008. pp. 524-525.
O Poison Pill
O termo “poison pill” se refere a uma estratégia geralmente adotada, em
negócios ou em política, com o intuito de aumentar as chances de ocorrerem
resultados negativos, e diminuir as chances de ocorrerem resultados positivos,
a uma parte que tenta qualquer forma de “takeover”. 93 O termo é derivado
do significado original literal de uma pílula venenosa portada por espiões,
que eram tomadas a fim de eliminar a possibilidade de serem interrogados e
forçados a divulgar informações secretas que pudessem ser usadas em benefício do inimigo.
“In publicly held companies, various methods to avoid takeover bids are
called “poison pills”. Takeover bids are attempts by a bidder to obtain control of
a target company, either by soliciting proxies to get elected to the board or by acquiring a controlling block of shares and using the associated votes to get elected
to the board. Once in control of the target`s board, the bidder can determine the
target`s management. As discussed further below, targets have various takeover
defenses available, and several types of defenses have been called “poison pills”
because they not only harm the bidder but the target (or its shareholders) as
well. At this time, the most common defense known as a poison pill is a shareholder rights plan.” (Wikipedia)
não pode, sem custos, se assegurar que
o agente está cumprindo adequadamente aquilo a que se obrigou. No plano das companhias, esses problemas
de agência podem ocorrer nas relações
(a) acionistas x administradores; (b)
controladores x minoritários; e, no caso
de transferências de controle, entre (c)
acionistas da companhia alvo x adquirente do controle. (Luiz Alberto Colonna
Rosman)
92
Uma “oferta pública de aquisição de
ações” (OPA) é uma operação através
da qual um acionista ou uma sociedade
pretende comprar uma participação ou
a totalidade das ações de uma empresa
cotada em Bolsa. O termo em inglês
muito utilizado para tratar da OPA,
quando a mesma busca a aquisição
de controle de outra empresa, é “take
over”. (Wikipédia)
Uma OPA diz-se hostil quando o
Conselho de Administração da empresa alvo não é informado da oferta ou
quando a sociedade promotora da oferta decide avançar com a OPA mesmo
depois do Conselho de Administração a
ter recusado. Quando o Conselho de Administração considera a proposta vantajosa para os acionistas e recomenda-lhes que aceitem a oferta a OPA diz-se
amigável. Realiza-se uma OPA, com objectivo principal de adquirir o controle
de uma companhia aberta, cujo capital
votante esteja disseminado no mercado. Muitas vezes é usado para se fechar
o capital - retirando as ações da bolsa.
OPA - Oferta pública de aquisição (em
dinheiro); OPT - Oferta pública de troca
(em títulos); OPV - Oferta pública de
venda (em geral é seguida por uma
entrada em bolsa). (Idem)
93
São comuns referências equivocadas ao termo “poison pills”, que por vezes
é visto como um termo genérico de todas as espécies de medidas defensivas
contra takeovers hostis. A “poison pill” é, na verdade, uma das espécies de
medidas defensivas, talvez uma das mais famosas, desenvolvida pelo advogado norte Americano Martin Lipton, do escritório Wachtell, Lipton, Rosen
& Katz. 94
As medidas defensivas contra takeovers hostis são também conhecidas
como “shark repellants” (repelente de tubarão)95, e a “poison pill” é uma
espécie de “shark repellant”.
Shareholder rights plans
Nos EUA, as poison pills são em sua maioria configuradas como shareholder rights plans, cujo objetivo é diluir a participação do acionista adquirente.
Segundo Modesto Carvalhosa, as cláusulas de poison pills brasileiras não correspondem ao mesmo conceito dessas
cláusulas no direito norte-americano.
Poison pills brasileiras são variações da
oferta pública de aquisição do controle
— art. 254-A, Lei das S.A. — tag along.
Já as poison pills norte-americanas são
Shareholder Rights Plans (SRP). Assim,
há o efeito venenoso dos SRP - acionista-adquirente do percentual que disparou
a cláusula é excluído do SRP. Finalidade
das poison pills norte-americanas é
barrar tomadas hostis de controle, desencorajar a compra de grandes blocos
de ações da companhia alvo. Poison pills
são instrumentos para maior negociação, pela administração da companhia,
do valor de suas ações durante uma
oferta hostil. Não podem bloquear todas
as ofertas hostis que sejam feitas, pois a
administração não pode se “entrincheirar” na companhia. A única semelhança
entre a poison pill brasileira e a norte-americana é a existência de “gatilho”
que delimita a porcentagem de aquisição de ações que “dispara”, sendo que
ambas são técnicas de defesa.
FGV DIREITO RIO
97
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
“Shareholder rights plans— The target company issues rights to existing shareholders to acquire a large number of new securities, usually common stock
or preferred stock. The new rights typically allow holders (other than a bidder)
to convert the right into a large number of common shares if anyone acquires
more than a set amount of the target’s stock (typically 20-30%). This dilutes
the percentage of the target owned by the bidder, and makes it more expensive
to acquire control of the target. This form of poison pill is sometimes called a
shareholder rights plan because it provides shareholders (other than the bidder)
with rights to buy more stock in the event of a control acquisition.
Effects on shareholders — The goal of a shareholder rights plan is to force
a bidder to negotiate with management. The effects are twofold: Positive effect:
it gives management time to find competing offers that maximizes selling price. Negative effect: it discourages takeovers, potentially preventing inefficient
management from being replaced (hence reducing shareholders’ stock value)”.
(idem)
Nos EUA, a decisão sobre a aplicabilidade ou não das pílulas cabe ao
board of directors, observadas as limitações impostas pela Suprema Corte de
Delaware. A Suprema Corte de Delaware decidiu em 1985, no famoso caso
Moran v. Household International, Inc. que cada caso de tentativa de takeover hostil deve ser estudado separadamente, avaliando-se se está de acordo
com o interesse social.96 Decidiu, ainda, esta Suprema Corte, que o conselho de administração não pode aplicar automaticamente o shareholder rights
plan, tendo inclusive que levar a aplicação das “poison pills” à Assembléia
Geral em certos casos. Na experiência brasileira, pelo contrário, a aplicação é
automática. 97 98
“Constraints and legal status — Following the development of poison pills
in the 1980s, the legality of their use was unclear in the United States for some
time. However, poison pills were upheld as a valid instrument of Delaware corporate law by the Delaware Supreme Court in its 1985 decision Moran v. Household International, Inc.” (idem)
Segundo o Professor Modesto Carvalhosa, no Brasil, o que ocorre é o
estabelecimento de um gatilho para que haja oferta pública de compra da
totalidade das ações ou para que se inicie um procedimento de leilão daquele
bloco de ações. As nossas poison pills não correspondem às poison pills norteamericanas, tampouco às takeover bids de Londres e as poison pills da diretiva
européia. A similaridade entre a estrutura brasileira e norte-americana é que
o efeito venenoso é o gatilho.
94
“The poison pill was invented by noted M&A lawyer Martin Lipton of Wachtell, Lipton, Rosen & Katz, in 1982,
as a response to tender-based hostile
takeovers. Poison pills became popular
during the early 1980s, in response to
the increasing trend of corporate raids
by businessmen such as Carl Icahn.”
“It was reported in 2001 that since
1997, for every company with a poison
pill that successfully resisted a hostile
takeover, there were 20 companies
with poison pills that accepted takeover offers. The trend since the early
2000s has been for shareholders to vote
against poison pill authorization, since,
despite the above statistic, poison pills
are designed to resist takeovers, whereas from the point of view of a shareholder, takeovers can be financially
rewarding.”
“Some have argued that poison pills
are detrimental to shareholder interests because they perpetuate existing
management. For instance, Microsoft
originally made an unsolicited bid for
Yahoo!, but later dropped out after
Yahoo! CEO Jerry Yang threatened to
make the takeover as difficult as possible unless Microsoft raised it to US$37
per share; one Microsoft executive
commented, “They are going to burn
the furniture if we go hostile. They are
going to destroy the place.” The nature
of Yahoo!’s poison pill was never announced.[citation needed] Analysts
suggested that Microsoft’s raised offer
of $33 per share was already too expensive, and that Yang was not bargaining
in good faith, which later led to several
shareholder lawsuits and an aborted
proxy fight from Carl Icahn. After Microsoft dropped their bid, Yahoo’s stock
price plunged and Jerry Yang faced a
backlash from stockholders that led to
his resignation.” (idem)
95
Os chamados “shark repellents” são
cláusulas inseridas nos estatutos visando desestimular terceiros que possam
se interessar pela aquisição do controle
sem apoio do “Board”. Substituição do
Conselho de Administração - Uma das
medidas mais comuns é a previsão
de eleição dos membros do Conselho
com mandatos escalonados no tempo
(“staggered boards”), visando-se,
com isso, dificultar a substituição dos
conselheiros de uma só vez. Esse tipo
de defesa é mais eficaz quando o adquirente necessita ter rápido acesso aos
ativos da companhia alvo — através
de uma incorporação ou venda de bens,
por exemplo — para pagar as dívidas
assumidas com a aquisição do controle.
As chamadas “poison pills” podem
assumir uma grande variedade de formas, mas atualmente a maioria delas
está baseada no mecanismo chamado
“share purchase rights plan”: espécie
de bônus de subscrição que é distribuído como bonificação ou dividendo,
atribuindo aos acionistas — com ex-
FGV DIREITO RIO
98
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
D) TEXTOS COMPLEMENTARES
A Noção de Separação entre as figuras dos acionistas e administradores
Antônio Bernando Palhares, Gustavo Sampaio, Igor Lyra Mosso, Leonardo
Carvalho e Maria Donati, alunos da FGV Direito Rio.
No que tange ao tema de poder de controle, uma questão de grande relevância se refere à noção no meio jurídico de uma tendência verificada já no
início do século XX: a noção de separação entre as figuras dos proprietários
(os acionistas) e daqueles que ditam as diretrizes de funcionamento, consubstanciado na tomada de decisões administrativas no dia-a-dia que influenciam
a forma de alocação dos recursos e conseqüentemente, o futuro e os lucros da
companhia (os administradores).
Com essa perspectiva, os autores Berle e Means, em sua clássica obra sobre
a sociedade anônima moderna, analisaram a distinção entre a titularidade do
capital e a gestão social realizada pelos administradores99. Esta obra representou um marco para a compreensão da organização interna das sociedades
anônimas no último século, em especial nos Estados Unidos. Nela é ilustrada
a mudança ocorrida no tradicional conceito da propriedade privada, a qual é
classicamente entendida como o poder de disposição e a faculdade de usar e
gozar, que, no caso das ações, está dividida entre uma titularidade nominal e
o verdadeiro poder que está vinculado a ela.
Além disso, os autores citados identificaram pela primeira vez o conflito
de interesse que ocorre entre os acionistas e os administradores como conseqüência desta separação entre a titularidade do capital e a administração
social. A partir de então, passa-se a entender que estes últimos poderiam ter
motivações distintas daqueles. Desta forma, estes interesses antagônicos originam problemas de coordenação entre acionistas e administradores, que podem gerar comportamentos abusivos por parte dos que dirigem a sociedade.
Tão relevantes foram os resultados empíricos demonstrados pelo trabalho
de Berle e Means, que desde então existe a preocupação de colocar em prática
normas e mecanismos de controle orientados a minorar as tensões originadas
do mencionado antagonismo entre acionista e administradores.
Deve-se considerar ainda que, em um ambiente de quadro acionário pulverizado, como aquele identificado pelos autores, é consideravelmente mais
difícil para os acionistas exercerem um efetivo controle e monitoramento dos
administradores, bem como mais custoso substituí-los. Em uma companhia
com capital pulverizado, considerando cada acionista individualmente, nenhum destes possui os devidos incentivos para exercer um efetivo nível de
controle sobre as decisões da administração da companhia. Isto porque, na
medida em que os demais acionistas também se beneficiam das externalidades positivas associadas à fiscalização das atividades da companhia, nenhum
dos acionistas dispersos no mercado é capaz individualmente de se apropriar
ceção do ofertante — o direito de adquirir ações da companhia a um preço
significativamente inferior a seu valor
de mercado, na hipótese de qualquer
adquirente vir a acumular ações em determinado percentual (10 a 20% usualmente) (“flip-in”). Conseqüência: forte
diluição da participação do adquirente
no capital da companhia, tornando
mais gravosa a tentativa de aquisição
do controle.
Como é comum a incorporação da
companhia alvo pela adquirente em
seguida à tomada de controle, foi
criado um novo mecanismo (“flipover”) que dá direito aos acionistas da
companhia alvo de subscreverem ações
da companhia adquirente por valor
substancialmente inferior a seu preço
de mercado, o que causa uma grande
diluição aos antigos acionistas da adquirente. (LACR).
96
In Moran v. Household International
Inc., 500 A.2d 1346 (Del. 1985), the
Delaware Supreme Court held that Section 157 of the General Corporation Law
provides statutory authority for a board
of directors to issue rights containing
provisions similar to certain provisions
of the Agreement (the “Flip-Over Provisions”) and that the business judgment
rule applied to the adoption by the
board of directors of Household International of a rights dividend plan as a
preplanned defensive mechanism. The
Court found that the rights dividend
issued by Household had a rational corporate purpose in view of Household’s
reasonably perceived vulnerability to
unfair or coercive takeovers generally,
and, accordingly, that the issuance of
rights containing provisions similar to
the Flip-Over Provisions was a legitimate exercise of the business judgment of
the Household directors under the facts
presented. In so holding, the Court stated: “The Directors adopted the Agreement in the good faith belief that it was
necessary to protect Household from
coercive acquisition techniques. The
Board was informed as to the details of
the Agreement. In addition, Household
has demonstrated that the Agreement
is reasonable in relation to the threat
posed.”
http://www.secinfo.com/
d14D5a.v6cz.c.htm
97
Moran v. Household International,
Inc., 500 A.2d 1346 9 Del. Supr. 1985)
Supreme Court of Delaware. A decisão
se concentra em torno da aplicabilidade da regra do business judgement rule
como forma padrão de rever o Plano de
Direitos dos Acionistas (flip-over pill).
Pois quando o Conselho (Board) analisar uma tentativa de aquisição deve
determinar se ela atende aos melhores
interesses, tanto da companhia como
de seus acionistas.
No caso Moran VS Household International, decidido pela Suprema
Corte de Delaware (Supreme Court of
FGV DIREITO RIO
99
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
de todos os ganhos gerados pelo monitoramento da administração100. Ao
invés, os benefícios resultantes do pleno exercício do direito à fiscalização,
inerente à condição de acionista, seriam distribuídos não de acordo com seus
esforços de monitoramento, mas em virtude de seus investimentos, uma vez
que essa fiscalização tenderia a se refletir em melhores práticas gerenciais, e
assim, preços das ações potencialmente maiores101.
Adicionalmente, outro problema na fiscalização da administração pelos
acionistas individuais está ligado à dificuldade de cognição e à presença de
uma relevante assimetria de informações entre os acionistas e a administração
da companhia. Isto se reflete no fato de que, ainda que os acionistas possam
considerar que vale a pena monitorar a administração, eles podem vir a enfrentar certa dificuldade em separar se as reais causas dos resultados ruins da
companhia são provenientes de estratégias ineficientes da administração ou
de fatores externos à companhia102.
Ressalte-se que não se pretende afirmar que o acionista que exerce um
devido monitoramento da administração da companhia não obtém retorno
algum. O argumento é apenas de que os custos envolvidos na fiscalização por
um agente isolado podem ser de tal ordem que os benefícios percebidos por
este mesmo agente não sejam suficientes para tornar racional toda a atividade
de monitoramento.
Essa constatação assume grande relevância quando enfrentamos o problema da falta de alinhamento de interesses entre administradores e acionistas
e como isto pode levar com que aqueles adotem uma postura gerencial que
não condiz com os interesses da companhia ou dos acionistas. Por exemplo,
administradores podem escolher investir em certos projetos pretendendo
uma expansão exagerada e ineficiente da companhia no curto prazo ao invés
de buscarem um devido planejamento sustentável que maximize a riqueza
dos acionistas, uma vez que seus benefícios financeiros, prestígio e influência
também aumentam proporcionalmente à expansão da companhia que administram103,104.
O Dever Fiduciário dos Administradores
Com o propósito de fazer frente ao problema da ausência de controles
efetivos sobre a administração societária, construiu-se nos tribunais o conceito de dever fiduciário dos administradores105. Ele surgiu para contrapor o
amplo domínio dos administradores das sociedades e, desta forma, assegurar
os direitos dos acionistas. Outras medidas adotadas mais recentemente para
neutralizar este conflito de interesse entre os acionistas e os administradores
são de origem legal e objetivam a criação de incentivos que harmonizem a
maximização da utilidade de cada uma das partes.
Delaware) em 1985, ocorreu a adoção
de um mecanismo de defesa para proteção de futuros avanços, não se blindando de uma ameaça real e iminente
de aquisição hostil. Denota-se o modo
do Conselho de planejar-se antecipadamente a uma aquisição hostil, reduzindo a chance de, na eventualidade de
uma takeover bid, exercer-se um julgamento errôneo do que será o melhor
aos interesses da empresa. Assim, a
business judgement rule tem aplicabilidade, de modo que não configura
abuso de poder pelo Conselho e não
reprime, segundo a Suprema Corte de
Delaware, direitos dos acionistas, nem
mesmo a possibilidade de recebimento
pelos mesmos de uma oferta.
A decisão ainda ressalva que a
business judgement rule somente
pode aplicar-se dentro dos limites de
competência do Conselho. Deve existir
autorização estatutária para o Conselho
adotar o Rights Plans.
No referido caso, a parte apelante
Moran contestou não existir autorização para a adoção pelo Conselho
do Rights Plan, alegando não existir
tal provisão disposta na Delaware
General Corporation Law (DGCL). Adicionalmente, alega o mesmo entendimento da Securities and Exchanges
Comission - SEC de que o Conselho
não pode usurpar direitos dos acionistas de análise de aquisições hostis.
Por outro lado, entendeu a Household
estar de acordo com a referida lei, no
Título 8, Sub-capítulo VI (Stocks and
Dividends) § 151(g) e 157 da DGLC e
que a emissão de ações preferenciais
com os direitos de acionistas obedece
ao § 151. Dentro dessa linha de argumentação, Moran protesta afirmando
que o § 157 proporciona meios de estruturação financeira empresarial, não
de um mecanismo preventivo contra
alguma aquisição — o que, logo, não
autorizaria o Conselho da Household a
tal ação. Isso foi rejeitado pela Suprema
Corte de Delaware (comparação com a
decisão Providence & Worchester Co.
VS. Baker, Del. Supr., 378 A.2d 121, 124
(1977). De acordo com o Tribunal, o fato
da lei ser silenciosa neste aspecto não
valida uma proibição de adaptação das
normas para defender a empresa de
uma aquisição hostil.
Moran afirma que o § 157 não autoriza a emissão de sham rights como o Rights Plan. Acusa as ações preferenciais
ora referidas de serem ilusórias, já que
não teriam valor econômico, tendo propósito apenas para blindar Household
de uma futura oferta hostil o que foi
também rejeitado pela Suprema Corte
de Delaware. Explica o Tribunal que ao
contrário do caso Telvest, Inc. v Olson,
que invalidou sham securities por serem
ilusórias, as ações preferenciais de Household tem dividendos superiores.
Ainda sim, detalhou a Suprema
Corte como sendo válido o Rights Plan
FGV DIREITO RIO
100
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Uma maneira possível de buscar alcançar tal objetivo, certamente, consiste
em proporcionar aos administradores participação no capital da sociedade
de modo que ocorra um paralelismo de interesse entre os acionistas e aqueles que possuem poder de decisão na sociedade. Para obter esta simetria de
interesses, são estabelecidos, por exemplo, incentivos fiscais para que os administradores possam adquirir participação societária sem incorrer em altos
custos tributários.
A Alteração do Artigo 254-A posterior ao parecer de J. L. Bulhões Pedreira sobre a alienação do controle de Companhia Aberta
Ao analisar-se a legislação modificada posterior ao parecer de J. L. Bulhões
Pedreira, que relata sobre a alienação do controle de Companhia Aberta,
escrito em 20 de outubro de 1983, conclui-se que duas Leis revogaram e
reformaram o artigo a qual Bulhões Pedreira se baseou, a antiga redação do
Artigo 254-A. São estas as Lei 9.457 de 1997 e 10.303 de 2001.
Em relação a expressão ambígua de “Controle da Companhia” interpretado conjuntamente pelos os artigos 254 e 255 da Lei 6404 de 1976, houve bastante alteração pós 1983, já que a Lei nº 9457 de 5 de Maio de 1997 revogou
diversos artigos e além de ter reformado outro. Já a Lei 10.303 de 2001 também teve seu papel importante, já que incluiu diversos artigos para auxiliar na
interpretação de “Controle da Companhia”. Seguem as inclusões abaixo:
Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta
somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que
o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito
a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por
ação com direito a voto, integrante do bloco de controle. (Incluído pela Lei nº
10.303, de 2001)
§ 1o Entende-se como alienação de controle a transferência, de forma direta
ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a
acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a
voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação
de controle acionário da sociedade. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)
§ 2o A Comissão de Valores Mobiliários autorizará a alienação de controle
de que trata o caput, desde que verificado que as condições da oferta pública
atendem aos requisitos legais. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)
§ 3o Compete à Comissão de Valores Mobiliários estabelecer normas a serem
observadas na oferta pública de que trata o caput. (Incluído pela Lei nº 10.303,
de 2001)
no seu escopo de ser uma disposição
“anti-destruction”. Isto é, as cláusulas
“anti-destruction” dão ao investidor
a possibilidade de conversão de seus
títulos mobilários pelos que vierem a
suceder em uma nova sociedade, no
caso de uma fusão.
Alegando a inconstitucionalidade
do Rights Plan, Moran afirmou que o
mesmo viola a Commerce Clause e é
nula sob a ótica da Supremacy Clause,
por obstar a linha de política definida
no Williams Act., usando como pretexto o caso Edgar v. MITE Corp., 457 U.S.
624, 102 S.Ct. 2629, 73 L.Ed.2d 269
(1982), no qual a Suprema Corte dos
Estados Unidos sentenciou que a Lei
de Aquisições Empresariais de Illinois
(Illinois Business Takeover Act) era incostitucional, pois onerava o comércio
interestadual. Entendeu a Suprema
Corte de Delaware que não há nexo
para analogia entre os dois casos.
Ainda mais, Moran parte do princípio
de que a Conselho não pode usurpar os
direitos dos acionistas de receber uma
oferta através de mudanças societárias
na companhia. O Tribunal, porém, conclui que o Rights Plan não suprime os
direitos dos acionistas de receber uma
oferta. O Rights Plan não é absoluto,
pois ao receber uma Oferta Pública de
Aquisição de Ações (“OPA”), de acordo
com o Tribunal, a Diretoria ainda assim
deve atuar diligentemente (fiduciary
duties) para definir a adoção do mecanismo de defesa. Igualmente, alega
que não tem fundamento a alegação de
Moran de que o Righs Plan vai tirar poderes dos acionistas e dar ao Conselho,
uma vez que o plano não tende a afetar
o valor de mercado das ações. Não há
mudança significativa na governança
corporativa; o fato de tornar a companhia menos suscetível a aquisições
hostis não impossibilita ofertas. Não
obstante, o Rights Plan não minimizará
o valor das ações, além de não oferecer
prejuízos fiscais à empresa e aos seus
acionistas; não trará dívidas à empresa
como pode trazer outros mecanismos
de defesa.
A business judgement rule não conota má-fé dos Diretores e sim é uma
presunção de que ao tomar uma decisão de caráter corporativo os Diretores
agiram de boa-fé e diligentemente,
nos melhores interesses da companhia
(Aronson v. Lewis). Household claramente demonstrou que a adoção do
Rights Plan foi em reação ao que imaginou ser uma ameaça existente no mercado de ofertas públicas de aquisição
de ações secundárias . Requisito que
é a diligência por parte dos Diretores,
entende a Suprema Corte de Delaware
que deve-se verificar se foram os Diretores negligentes à época da adoção do
Rights Plan (Smith v. Van Gorkom).
Entendeu a Corte de Delaware que
não existe preclusão de futuras tentativas de aquisição hostil e que não
FGV DIREITO RIO
101
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
§ 4o O adquirente do controle acionário de companhia aberta poderá oferecer aos acionistas minoritários a opção de permanecer na companhia, mediante
o pagamento de um prêmio equivalente à diferença entre o valor de mercado das
ações e o valor pago por ação integrante do bloco de controle. (Incluído pela Lei
nº 10.303, de 2001)
§ 5o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)
Art. 255. A alienação do controle de companhia aberta que dependa de autorização do governo para funcionar está sujeita à prévia autorização do órgão
competente para aprovar a alteração do seu estatuto.(Redação dada pela Lei nº
9.457, de 1997)
§ 1º A autoridade competente para autorizar a alienação deve zelar para que
seja assegurado tratamento eqüitativo aos acionistas minoritários, mediante simultânea oferta pública para a aquisição das suas ações, ou o rateio, por todos os
acionistas, dos intangíveis da companhia, inclusive autorização para funcionar.
(Revogado pela Lei nº 9.457, de 1997)
§ 2º Se a compradora pretender incorporar a companhia, ou com ela se
fundir, o tratamento eqüitativo referido no § 1º será apreciado no conjunto das
operações. (Revogado pela Lei nº 9.457, de 1997)
Já em relação a “Poder de Controle”, previsto pelos artigos 116 e 117 da
Lei 6.404/76, teve alteração somente em parte dos artigos, que foi incluída
pelas mesmas leis, Lei 10.303 de 2001 e Lei 9457 de 1997, conforme demonstrado a seguir.
Art. 116-A. O acionista controlador da companhia aberta e os acionistas,
ou grupo de acionistas, que elegerem membro do conselho de administração ou
membro do conselho fiscal, deverão informar imediatamente as modificações
em sua posição acionária na companhia à Comissão de Valores Mobiliários e às
Bolsas de Valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os
valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação,
nas condições e na forma determinadas pela Comissão de Valores Mobiliários.
(Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)
Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos
praticados com abuso de poder.
§ 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:
h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização
em bens estranhos ao objeto social da companhia. (Incluída dada pela Lei nº
9.457, de 1997)
No que remete a “Bloco de Controle”, previsto pelo artigo 254 da Lei
6404 de 1976, como já transcrito acima, houve algumas revogações por con-
houve negigência pelo Conselho, já que
já tinha providenciado aos Diretores informações (um resumo de três páginas)
do Rights Plan, logo, os Diretores da
Household, assim estavam cientes que
a sociedade era vulnerável a técnicas de
aquisição coercitivas e adotou um mecanismo de defesa justificável. Conclui
a Corte de Delaware que os Diretores
adotaram o plano de acordo com as
disposições de autoridade estatutária,
como previsto na DGCL, § 141, § 151 e §
157, tendo especificamente informado
os detalhes do Plano, agido de boa-fé,
e não tendo desrespeitado nenhum
dever de diligência.
98
Segundo Luiz Alberto Colonna Rosman, há dois Modelos Básicos para Enfrentar o Problema de Agência no Caso
de Tomada de Controle, que se distinguem em função de a quem é atribuído
o poder para decidir sobre a aceitação
ou não da oferta de aquisição de ações:
I - No primeiro modelo (EUA), a decisão
é, inicialmente, atribuída ao “Board of
Directors” e, após, aos acionistas — a
quem cabe, em última análise, aceitar
ou não a proposta de compra de suas
ações. Nessa hipótese, há grande potencial de que os administradores ajam
protegendo seus próprios interesses
(manutenção de cargos e privilégios)
— e não visando aos maiores benefícios para os acionistas. Por outro lado,
os administradores, por conhecerem
profundamente a empresa, podem
obter preço e condições de pagamento mais vantajosas para a venda das
ações, evitando propostas oportunistas
ou coercitivas. II - No segundo modelo
(Comunidade Econômica Européia), a
decisão cabe exclusivamente aos acionistas, tendo o Conselho de Administração uma atuação apenas de assessoria.
Nesse modelo o conflito de interesses
entre acionistas e administradores é
fortemente reduzido, mas remanesce
o problema do conflito de interesses
entre o ofertante e os acionistas.
99
Essa percepção se popularizou com a
obra clássica: ADOLF A. BERLE & GARDINER C. MEANS. The Modern Corporation
and Private Property. New York, Transaction Publishers, 1991.
100
Podemos definir o conceito de
externalidade, de uma maneira simplória, como os efeitos decorrentes
das condutas dos agentes que não são
incorporados no sistema de preços. Os
economistas tratam do fenômeno de
um agente que se aproveita de alguma
externalidade sem pagar por ela como
problema do carona (“free-rider”).
101
EASTERBOOK, Frank H. e FISCHEL,
Daniel R., The economic structure of
corporate law, Cambridge: Harvard University Press, 1996, p.171.
102
EASTERBOOK, Frank H. e FISCHEL,
Daniel R., The economic structure of
FGV DIREITO RIO
102
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
ta da Lei 9457 de 1997 e inclusão pela Lei 10.303 de 2001, onde o novo
artigo 254-A, § 1o e § 4 previu o que seria o “Bloco de Controle”.
O entendimento da CVM sobre o que caracteriza a alienação de controle
para incidência da hipótese de Oferta Pública de Ações (OPA)
Em relação ao entendimento da CVM sobre o que caracteriza a alienação
de controle para incidência da hipótese de Oferta Pública de Ações (OPA)
do art. 254-A da Lei 6.404/1976 (“LSA”), o primeiro ponto de discussão diz
respeito ao o que se caracteriza como controle. Sabe-se, e a CVM já discutiu
inúmeras vezes tal quesito, que é preciso qualificar o controle para saber se dá
ensejo à OPA por alienação de controle. Ou há: (i) um controle majoritário
(acionista ou grupo de acionistas com mais de 50% das ações com direito a
voto); ou (ii) um controle minoritário (acionistas ou grupo de acionistas unidos que detém menos de 50% das ações com direito a voto, mas que, mesmo
não tendo a maioria das ações, tem efetivo poder de comandar a vida social,
diante da pulverização de seu quadro acionário).
Tal segunda hipótese trata-se do controle de fato. Esta é abordada no processo CVM RJ n.º 2009/0471. No caso é questionado o poder de controle
dos acionistas de companhia Espanhola que controla companhia Brasileira.
Octavio Yazbeck, relator do processo, ressalta que para se caracterizar esta
segunda modalidade de controle é preciso ter certa constância no poder de
mando social. Ressalta o Diretor, argumentando a inexistência de controle de
fato no caso sob análise:
“O argumento parece-me falho por mais de um motivo. Inicialmente porque ele confunde o consenso eventual e necessário, em assembléia, com bloco de
controle. O art. 116 da Lei nº 6.404/76, ao caracterizar a figura do acionista controlador, remete não apenas à capacidade de influenciar de forma determinante,
a tomada de decisões na companhia, mas também a uma consistência temporal
no exercício de tal capacidade. Não é por outro motivo que a alínea “a” do citado
artigo fala em direitos de sócio que assegurem “de modo permanente, a maioria
dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos
administradores da companhia”. No próprio texto trazido pelo Recorrente, Fábio
Konder Comparato realça a importância dessa permanência”
No âmbito do processo CVM RJ n.º 2005/4069, o Diretor Relator Pedro
Oliva Marcilio de Souza, sobre a mesma questão, também destacou:
“Outro ponto importante desse primeiro requisito é a necessidade de permanência do poder. Em razão dele, vencer uma eleição ou preponderar em uma
decisão não é suficiente. É necessário que esse acionista possa, juridicamente, fazer prevalecer sua vontade sempre que desejar (excluídas, por óbvio, as votações
especiais entre acionistas sem direito a voto ou de determinada classe ou espécie,
corporate law, Cambridge: Harvard University Press, 1996, p.172.
103
A essa tendência de crescimento
exacerbado é denominada de “empire
building”. Sobre esse tema: KLEIN,
William A. e COFFEE, John C. Jr., Business Organization and Finance: Legal
and Economics Principles. 9ª ed., Nova
York: Foundation Press, 2004, pp. 177
e 199.
104
JENSEN, Michael C., Takeovers: their
causes and consequences, Journal of
Economic Perspectives, vol. 02, n° 01,
1988, pp. 21-48.
105
BAINBRIDGE, Stephen M.. Corporation Law and Economics, New York,
Foundation Press, 2002, p. 11.
FGV DIREITO RIO
103
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
ou mesmo a votação em conjunto de ações ordinárias e preferenciais, quando o
estatuto estabelecer matérias específicas)”.
Este entendimento defendido encontra consonância na doutrina nacional
sobre o tema, a saber:
“[o controle] Trata-se de definição eminentemente centrada na realidade material, porquanto apenas considera controlador quem tem a maioria dos votos
nas assembléias e, ao mesmo tempo, usa essa maioria para comandar a sociedade.
Quem tem a maioria e não a utiliza é sócio majoritário, mas não é controlador.
As maiorias eventuais também não caracterizam o controle, pois para tanto
exige a lei um poder permanente. (...) O nível de presença mostrará a maioria
necessária e, conseqüentemente, o titular do poder de controle.”106
“Já o controle compartilhado, configura-se quando, mesmo inexistindo um
acionista majoritário, o poder de controle é exercido por várias pessoas em conjunto, usualmente como signatários de acordo de acionistas, que se obrigam a
votar em bloco nas matérias atinentes ao exercício do poder de controle. Embora
nenhum dos signatários do acordo detenham, individualmente, a maioria das
ações votantes, a união das suas ações assegura o controle acionário, mediante o
chamado bloco de controle.”107
O Conceito de Alienação de Controle Segundo Entendimento da CVM
Passado o conceito de controle, essencial para discutir-se a alienação dele,
verifica-se o conceito da expressão “alienação de controle” segundo entendimento moderno da CVM.
É pacifico no colegiado da CVM que, para incidir a obrigação legal de
alienação de controle, é necessário que haja um controlador (uma única pessoa ou conjunto de pessoas) que esteja passando o controle por ele possuído
para terceiro investidor. É, preciso, assim, que o status quo de controlador
pré-exista na vida cotidiana da companhia.
Tal questionamento foi diretamente tratado pelo Diretor Marcelo Trindade
no curso do processo CVM RJ n.º 2007/7230, no qual se manifestou o Diretor: “O art. 254-A é explícito ao condicionar a OPA à ocorrência de uma alienação
de controle, e, passe o truísmo, somente controladores podem alienar o controle.”
Por sua vez, a hipótese de exercício de controle em bloco, configurando
sua alienação a incidência do art. 254-A LSA, foi tratada no âmbito do processo n.º 2007/7230, manifestando-se o Diretor Marcelo Trindade, in verbis:
106
BORBA, José Edwaldo Tavares; Direito Societário ; 10.ed. ver —Rio de
Janeiro: Renovar, 2007; pp.356 e 357.
107
EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.;
PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus
de Freitas; Mercado de Capitais —regime jurídico. — Rio de Janeiro: renovar,
2008; pp.369.
FGV DIREITO RIO
104
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
“Mas, na verdade, além da hipótese (por ora admitida) de consolidação do
controle, há pelo menos uma outra situação em que um integrante do bloco
de controle pode vender ações que isoladamente não asseguram o controle, e
apesar disso o controle seja transferido. Trata-se da indisputada situação em que
a alienação das ações integrantes do bloco de controle se dê em conjunto por diversos integrantes do bloco, de modo que cada um aliene menos que 50%, mas
em conjunto transfiram ao adquirente mais que 50% das ações com voto (...)
Sendo tal hipótese um caso indisputado de obrigação de realizar a OPA (pois os
alienantes transferem em conjunto o controle que detêm em conjunto)”.
Pacificado no âmbito da CVM a necessidade de se realizar a OPA do art.
254 LSA quando alienado o controle pelo conjunto de acionistas que o exercem por meio de acordo de acionistas, restam três discussões sobre a OPA de
alienação do controle quando ocorra a transferência de valores mobiliários
de pessoas integrantes de acordo de acionista que garantam o controle, quais
sejam: (i) quando um acionista integrante do acordo, mas que não predomina dentro deste, aliena sua participação a terceiro; (ii) quando um acionista
integrante do acordo, que predomina dentro deste, aliena sua participação
para terceiro; e (iii) quando um acionista integrante do acordo de acionista
aliena sua participação para demais integrante do acordo que passa a, assim,
deter sozinho o controle da companhia.
Sobre o primeiro tópico a CVM já se manifestou que não incide a necessidade de OPA, posto que o acionista que não predomina no acordo de
acionista passa longe de ter o controle da sociedade. Sobre o terceiro ponto a CVM também já se manifestou no âmbito do processo CVM RJ n.º
2007/7230, já citado, chegando o Diretor Marcelo Trindade a concluir com
o relator do caso, manifestando o seguinte entendimento:
“Concluir pela não obrigatoriedade de OPA em casos de consolidação do
controle dentro do bloco não é, certamente, adotar a decisão mais simpática. E
certamente este não é o voto que eu mais gostaria de dar. De lege ferenda, me
parece que a alienação de participações relevantes, conforme percentual previsto
em lei ou no Estatuto, deveria gerar a obrigação de estender as mesmas condições aos demais acionistas, através da realização de OPA. Isto contribui para
que o valor das ações de uma companhia aberta seja estabelecido pelo mercado
de maneira mais adequada, sem prêmios ou descontos economicamente pouco
justificáveis, decorrentes de direitos não expressos nos títulos, mas sim inerentes
ao exercício do poder.
“Mas o fato é que, de lege lata, estou de acordo com a conclusão do voto do
Diretor Relator, pela inexistência de alienação de controle, que só pode ser alienado por quem o detenha, o que, em casos de acordo de acionistas, significa o
grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, como diz o art. 116 da Lei das
FGV DIREITO RIO
105
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
S.A., e não um membro desse grupo que detenha menos que a maioria das ações
com voto, ressalvada a análise do acordo de acionistas, que revele a preponderância do subscritor alienante perante os demais.”
Sobre o segundo ponto, a CVM ainda não se prestou a analisar. Tal caso
jamais bateu às portas da autarquia, solicitando desta seu entendimento.
Marcelo Trindade, na citação acima, ressalvou este segundo ponto, esclarecendo que chegada à hora, a CVM resguardará a devida análise para o caso.
Tal hipótese ainda não apareceu. Acredita-se que se tal hipótese ocorrer o
ponto essencial em debate será verificar a existência de um acionista que
detenha um quantum que garante ao mesmo a preponderância freqüente
nas deliberações do acordo. Em havendo a presença deste percentual por um
acionista, o mesmo controlará as deliberações do acordo, que, por sua vez,
garante o quorum para decidir a vida social da Companhia. A par de tal opinião, espera-se o entendimento da CVM.
Portanto, resta claro que hipóteses em que a Companhia é pulverizada
e um investidor adquire o controle mediante a compra das ações de uma
enorme diversidade de acionistas, por não haver um controle pré-existente,
não dão ensejo à aplicação da OPA prescrita no art. 254-A da LSA, nem a
qualquer outra OPA legal ou prevista na esfera normativa da CVM.
Outro tema relevante diz respeito ao entendimento do Diretor da CVM,
Pedro Oliva Marcilio de Souza, de que não é necessária a alienação de valores
mobiliários que garantam o controle. Ocorre a OPA do art. 254-A também
caso sejam transferidos, por quaisquer razões, direito políticos e econômicos
que possibilitem o exercício do poder de controle, conforme se verifica no
âmbito do mesmo processo acima mencionado. Segundo Pedro Oliva Marcilio de Souza:
“Esse significado inclui, dentre as operações que dão causa à oferta pública,
não só a alienação de ações agrupadas em sociedade holding, mas, também, a
inclusão de acertos contratuais que impliquem a transferência dos direitos políticos e econômicos do valor mobiliário, sem a transferência da ação (a conferência
de usufruto vitalício de voto e dividendos mediante contraprestação em dinheiro
ou a celebração de acordo de acionistas, regulando voto e distribuição de dividendos, por exemplo), tenha esse acordo sido celebrado para se evitar a realizar
a oferta pública ou mesmo com vistas a um outro fim lícito. Como isso, para
a aplicação do art. 254-A, se em uma operação não se verificar a transferência
de valores mobiliários que implique alienação de controle, deve-se analisar se
essa alienação ocorreu de forma indireta (i.e., mediante acordos que resultem na
transferência de poder político e econômico desses valores mobiliários).”
FGV DIREITO RIO
106
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Tal conclusão do Diretor é um tanto questionável diante da literalidade
normativa da IN CVM 361, a saber:
Art. 29. §4o. Para os efeitos desta instrução, entende-se por alienação de controle a operação, ou o conjunto de operações, de alienação de valores mobiliários
com direito a voto, ou neles conversíveis, ou de cessão onerosa de direitos de
subscrição desses valores mobiliários, realizada pelo acionista controlador ou por
pessoas integrantes do grupo de controle, pelas quais um terceiro, ou um conjunto de terceiros representando o mesmo interesse, adquira o poder de controle
da companhia, como definido no art. 116 da Lei 6.404/76.
EDITAL DE AUDIÊNCIA PÚBLICA Nº 03/2009
Prazo: 18 de maio de 2009
A Comissão de Valores Mobiliários — CVM submete à audiência pública
minuta de parecer de orientação sobre disposições estatutárias que impõem
aos acionistas que votarem favoravelmente à alteração ou à supressão de cláusula de proteção à dispersão acionária a obrigação de realizar a mesma oferta
pública de aquisição de ações que se pretende alterar ou excluir do estatuto.
A minuta do parecer de orientação está disponível para os interessados na
página da CVM na rede mundial de computadores (www.cvm.gov.br)
MARIA HELENA DOS SANTOS FERNANDES DE SANTANA
Presidente
PARECER DE ORIENTAÇÃO Nº XXX, DE XX DE XXXXXX DE 2009.
Disposições estatutárias que impõem ônus a acionistas que votarem favoravelmente à supressão de cláusula de proteção à dispersão acionária. Nos
últimos anos, os estatutos de diversas companhias passaram a conter cláusulas de proteção à dispersão acionária que obrigam o investidor que adquirir
determinado percentual das ações em circulação a realizar uma oferta pública
de compra das ações remanescentes. Além disso, alguns estatutos incluem
disposições acessórias a essas cláusulas, impondo um ônus substancial aos
acionistas que votarem favoravelmente à supressão ou à alteração das cláusulas, qual seja, a obrigação de realizar a oferta pública anteriormente previsa
no estatuto. A CVM entende que a aplicação concreta dessas disposições
acessórias não se compatiliza com diversos princípios e normas da legislação
societária em vigor, em especial os previstos nos arts. 115, 121, 122, I, e 129
da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
Por esse motivo, a CVM não aplicará penalidades, em processos administrativos sancionadores, aos acionistas que, nos termos da legislação em
FGV DIREITO RIO
107
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
vigor, votarem pela supressão ou alteração da cláusula de proteção à dispersão acionária, ainda que não realizem a oferta pública prevista na disposição
acessória.
Aprovado em reunião de XX de XXXXXX de 2009.
MARIA HELENA DOS SANTOS FERNANDES DE SANTANA
Presidente
E) GLOSSÁRIO
Whitemail. In economics, Whitemail is an anti-takeover arrangement in
which the target company will sell significantly discounted stock to a friendly
third party. In return, the target company helps thwart takeover attempts, by
raising the acquisition price of the raider, diluting the hostile bidder’s number of shares, and increasing the aggregate stock holdings of the company.
(Fonte: Wikipedia)
Standstill agreement. A standstill agreement is usually an instrument of
a hostile takeover defense, in which an unfriendly bidder agrees to limit its
holdings of a target firm. In many cases, the target firm is willing to purchase
the potential raider’s shares at a premium price, thereby enacting a standstill
or eliminating any takeover chance. By establishing this provision with the
prospective acquirer, the target firm will have more time to build up other
takeover defenses. (Fonte: Wikipedia)
Staggered Board of Directors. A staggered board of directors or classified
board is a practice governing the board of directors of a company, corporation, or other organization in which the members of the board of directors
are elected a few at a time, with different groups of directors having overlapping multi-year terms, instead of en masse (where all directors have one-year
terms). Each group of directors falls within a specified “class”—e.g., Class I,
Class II, etc.—hence the use of the term “classified” board.
FGV DIREITO RIO
108
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
11. AULA 12: TAKEOVER PANEL
A) EMENTÁRIO DE TEMAS
Origem e contexto histórico do “Takeover Panel”. O “Takeover Panel”
na Inglaterra. O funcionamento do modelo britânico. Possibilidade de uma
versão brasileira sobre o “Takeover Panel” e suas características.
B) MATERIAL DE LEITURA
Leitura Básica
DAVIES, Gower and. Principles of Modern Company Law: London, Sweet
& Maxwell, 2008, Eighth Edition, páginas. 961-1059.
Leitura Complementar
Pullinger, Anthony. THE UK TAKEOVER PANEL: A POSSIBLE MODEL FOR BRAZIL?: Texto do Seminário Internacional “Takeover Panel e as incorporações no Brasil”, promovido pela AMEC no dia 09 de
dezembro de 2009, em São Paulo
C) ROTEIRO DE AULA
O Takeover Panel se caracteriza como uma entidade de autorregulação
para as operações de incorporação, fusões e aquisições. Já existem vários países que adotam essa entidade de autorregulação, sendo os maiores e mais
famosos a Inglaterra e a Austrália. Analisaremos o modelo britânico por ser o
pioneiro nessa iniciativa108.
O modelo britânico foi criado em 1968, com o intuito de organizar e criar
regras para o mercado de fusões e aquisições. O número de litígios era crescente e as decisões resultantes destes eram insatisfatórias, gerando processos
de longa duração, com alto custo e de resultados imprevisíveis. Esse contexto
surgiu de três grandes problemas na estrutura jurídica do país. O primeiro,
e de longa data, foi a falta de proteção que os acionistas minoritários tinham
diante da lei de sociedades anônimas britânica com relação às empresas familiar. O segundo problema surgiu com a mudança dessa estrutura de controle
em empresas familiar para um controle feito por investidores mais dispersos.
108
O modelo australiano difere do modelo inglês por ser um órgão federal,
sob os cuidados do Tesouro Nacional.
FGV DIREITO RIO
109
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
A lei britânica se mostrou incapaz de garantir que administradores profissionais cuidassem dos interesses dos acionistas em uma tomada de controle. Por
último, com a crescente tomada de controle hostil nos anos 50 e a explosão
de práticas de tomada de controle nos anos 60, surgiram inúmeros casos de
práticas abusivas e injustas. Esse cenário foi visto como uma ameaça aos invetimentos no país, tornando-se necessária uma mudança no modelo vigente.
Assim, foi criado um órgão dedicado às operações que envolvem transferência de controle, o Takeover Panel. O Takeover Panel é um órgão não estatutário, independente do governo e de financiamento próprio.
O Takeover Panel tem seis principais objetivos: a igualdade entre os acionistas e um tratamento justo entre eles, a prevenção de ações que possam
frustrar ofertas, o estabelecimento de uma estrutura ordenada para as ofertas,
o comprometimento dos ofertantes com as suas ofertas, o fornecimento de
informações e conselhos suficientes e satisfatórios sobre a oferta em questão,
e a manutenção de um mercado justo e honesto.
Tendo em vista esses objetivos, o Takeover Panel possui três poderes: elaborar regras para o modo em que as ofertas serão feitas, interpretar essas
regras em casos concretos, e determinar a apresentação de algum documento
específico ou de alguma informação específica nos casos concretos. “The main
powers of the Panel are as follows. First, the Panel is given both an obligation and
a Power to make rules to govern the conduct of bids. Thus, the legislation does not
purport to discharge that rule-making function itself but requires or empowers the
Panel to do so. […] The Panel is permitted to arrange for its rule-making power
(and, indeed, any of its functions) to be discharged by a committee of the Panel, so
that there can be a further stage of delegation efore the power to make rules is actually exercised. […] Secondly, the Panel “may give rulings on the interpretation,
application or effect of rules”. […] This is the Panel’s judicial function. Thirdly,
the Panel may require a person by notice in writing to produce to it specified documents or to provide specified information, where such disclosure is “reasonably
required in connection with the exercise by the Panel of its functions”109.
A composição do órgão é simples. O quadro de membros é amplo e inclui
investidores, profissionais e integrantes do mundo corporativo. Todos os ramos envolvidos em operações de tomadas de controle estão representados no
órgão. Este é dividido em um Comitê de Ouvidoria, que se caracteriza pelo
corpo de juízes responsáveis pelos recursos contra as decisões do executivo,
e em um Comitê responsável pelo Código, que se caracteriza como o órgão
legislativo do Takeover Panel, com o dever de criar e definir as regras. Além
disso, há uma Junta de Apelação, que tem como função julgar os recursos
contra as decisões do Comitê de Ouvidoria. “The composition of the Panel is
to be found, not in legislation, but in the Code itself. It consists of a Chairman
and up to two Deputy Chairman appointed by the Panel itself, up to a further
20 members appointed by the Panel and individuals appointed by representative
109
Gower and Davies. Principles of Modern Company Law: London, Sweet &
Maxwell, 2008, Eighth Edition by Paul
L. Davies, p. 970-972.
FGV DIREITO RIO
110
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
bodies of those involved in takeovers, such as the Association of British Insures,
the National Association of Pension Funds, the Association of Investment Companies and other investor groups, the British Bankers’ Association and the London
Investment Banking Association, the Institute of Charteres Accountants and the
Confederation of British Industry.110”
O Takeover Panel funciona com um sistema baseado em princípios. Esse
sistema é vantajoso porque amplia a capacidade de lidar com mudanças uma
vez que o órgão não se preocupa em regular todo e qualquer caso específico,
pois os princípios nos quais são baseados são amplos e genéricos, podendo ser
aplicados a qualquer situação. Houve, na história da Inglaterra, uma série de
mudanças com as quais, devido a essa característica, o Takeover Panel conseguiu lidar sem nenhum prejuízo à sua reputação e, pelo contrário, com reforço à sua autoridade. Além disso, esse sistema permite que sejam estabelecidos
padrões elevados em suas regras, uma vez que pode conceder derrogações a
estas regras nas situações onde operaria de forma excessiva ou de forma desnecessariamente restritiva ou onerosa.
Caso alguém viole as regras do Takeover panel, essa pessoa ou empresa
está sujeita à censura do próprio órgão, pública ou privadamente. Essa conseqüência, que a princípio parece ser branda, tem funcionado de modo eficaz
na Inglaterra, uma vez que gera um dano à reputação da pessoa ou empresa. Segundo Anthony Pullinger, diretor geral do organismo na Inglaterra, as
conseqüência podem ser ainda mais graves: “More rarely, the Panel may report a person’s conduct to other regulators or, exceptionally, “cold-shoulder”
a person. If a person is “cold-shouldered” it means that authorised entities
and other professionals are no longer able to act for the person concerned.
Effectively they are “frozen out” of takeover activity, and denied the facilities
of the securities markets, in the UK”111. Assim, as sanções previstas tem se
mostrado suficientes para manter o alto nível de compliance das empresas às
regras da entidade de autorregulação, porém, hoje em dia, já existem outras
sanções caso alguém não cumpra as regras do órgão. Isso pode ser encontrado
na seção 955 do Companies Act, conforme cita Gower and Davies: “Perhaps
the strongest expression of the new policy of giving the Panel statutory sanctions
is to be found in section 955 which confers upon the Panel a Power to apply to
the court (High Court or Court of Session) where a person has contravened or is
likely to contravene a requirement imposed by or under a Code rule or has failed
to comply with a requirement […]. The court may then make such order will as it
thinks fit to secure compliance with the requirement, which order will be backed
by the sanctions for contempt of court.” 112
Para minimizar o risco de inadimplemento das regras, há um órgão executivo que realiza a função de esclarecer às pessoas que são submetidas ao
código de fusões e aquisições quais os requerimentos que serão aplicados
para a sua situação específica. Vale ressaltar que esse procedimento pode ser
110
Gower and Davies. Principles of Modern Company Law: London, Sweet &
Maxwell, 2008, Eighth Edition by Paul
L. Davies, p. 967.
111
Retirado do discurso “The UK Takeover Panel: A possible model for Brail?”
para o Seminário Internacional Takeover Panel e as incorporações no Brasil,
promovido pela AMEC no dia 09 de
dezembro de 2009 em São Paulo.
112
Gower and Davies. Principles of Modern Company Law: London, Sweet &
Maxwell, 2008, Eighth Edition by Paul
L. Davies, p. 973.
FGV DIREITO RIO
111
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
feito por iniciativa do próprio órgão ou pelas pessoas envolvidas na transação.
Segundo Gower and Davies, “The Panel Executive gives rulings on the Code in
the course of a bid, either on its own initiative or at the request of one or more
parties to the bid113.” Dessa forma, Anthony Pullinger explicou em seu discurso: “When a person or its advisers are in doubt whatsoever as to whether a proposed course of conduct is in accordance with the General Principles or the rules,
or whenever a waiver or derogation from the application of the provisions of the
Code is sought, that person or its advisers must consult the Executive in advance.
In this way, they can obtains a conditional ruling (on na ex parte basis) or an
unconditional ruling as to the basis on which they can properly proceed and thus
minimise the risk of taking action which might, in the event, be a breach of the
Code. To take legal or other Professional advice on the interpretation, application
or effect of the Code is not an appropriate alternative to obtaining a ruling from
the Executive”114. Assim, o executivo age, de maneira rápida e flexível uma vez
que estas são transações que ocorrem de modo veloz, antes do evento e das
ações e não depois que eles já aconteceram. Funciona de forma preventiva.
Essa decisão é obrigatória, desde que não seja feito recurso apelativo para o
Comitê de Ouvidoria. Essa oitiva ocorre de maneira rápida e é raro acontecer. Ainda, a decisão do Comitê de Ouvidoria pode ser recorrida na Junta de
Apelação, com a mesma rapidez da primeira apelação.
“The Hearing Committee was formerly known as the “Full Panel”. The Executive may require any appeal to the Hearing Committee to be lodged within a
specific period, possibly a period as short as a few hours. The Hearing Committee
normally sits in private and operates informally, but does issue public statements
of its rulings. A party to the hearing before the Hearing Committee may appeal
to the Takeover Appeal Board (formerly known as the “Appeal Committee”), normaly within two business days of receipt in writing of the ruling of the Hearing
Committee. This is a rather wider right of appeal than existed previously when
many appeals required leave of the Appeal Board. The Appeal Board is an independent body, whose chairman and deputy chairman, appointed by the Master
of the Rolls, will usually have held high judicial office and whose other member
(normally four) are experienced in takeovers. The Appeal Board operates in a
similar way to the Hearing Committee, including the publication of its decision.
It may confirm, vary, set aside or replace the ruling of the Hearing Committee.”115
Tendo em vista o sucesso da criação de uma entidade de autorregulação
para as operações de fusões e aquisições, surgiu o debate sobre a possibilidade da criação do mesmo para o mercado brasileiro. Debate este que começou quando a presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM),
Maria Helena Santana, levantou a questão. O estudo está sendo feito pela
BM&FBOVESPA que contratou o jurista Nelson Eizirik, especialista em
direito societário, para desenvolvê-lo. “O assunto, porém, ganhou força para
seguir em frente por dois motivos, além da promoção do tema pela CVM.
113
Gower and Davies. Principles of Modern Company Law: London, Sweet &
Maxwell, 2008, Eighth Edition by Paul
L. Davies, p. 967.
114
Retirado do discurso “The UK Takeover Panel: A possible model for Brasil?”
feito por Anthony Pullinger, para o Seminário Internacional Takeover Panel e
as incorporações no Brasil, promovido
pela AMEC no dia 09 de dezembro de
2009 em São Paulo.
115
Gower and Davies. Principles of Modern Company Law: London, Sweet &
Maxwell, 2008, Eighth Edition by Paul
L. Davies, p. 967-968.
FGV DIREITO RIO
112
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
O primeiro é a contínua sofisticação do ambiente brasileiro de fusões e aquisições, com operações cada vez mais inusitadas para o país. O segundo é a
revisão do regulamento do Novo Mercado, tema ao qual a possibilidade de
criação de um comitê para fusões esteve inicialmente ligado. Foi assim que o
debate foi transferido da Abrasca à BM&FBOVESPA”116.
O estudo desenvolvido pelo jurista, baseado no modelo inglês, visa definir
o que seria necessário para a aplicação do órgão e as suas características no
Brasil. A idéia é que seja também uma iniciativa privada e que funcione por
adesão voluntária das empresas que, segundo Nelson Eizirik, serão apenas
empresas do segmento especial da bolsa, diferente do que ocorre na Inglaterra
que abrange todas as companhias abertas. Para ele, o modelo seria de autorregulação voluntária, sem mudanças na Lei das S/A e na Lei 6.385/76, com a
criação de um Código de Autorregulação de Fusões e Aquisições baseado em
princípios e regras e de um Comitê de Fusões e Aquisições (CFA), composto
por membros representantes das principais associações do mercado. As operações que seriam submetidas ao Comitê são as operações de Oferta Pública
de Aquisição (OPAs) para aquisição de controle ou decorrente da aquisição
de controle e as operações de fusões e incorporações de companhias e de
ações. O Comitê terá as funções de decidir os casos, com decisões incondicionais e condicionadas, com a constituição em cada caso de um comitê “ad
hoc”, e a função de elaborar e revisar periodicamente o Código. Esse Comitê
abrangerá as companhias listadas no Novo Mercado ou em segmento especial
e quaisquer outras companhias que queiram ter uma decisão do CFA em seus
processos de reestruturação societária. Além disso, os Pareceres de Orientação
da CVM podem presumir à legalidade das operações realizadas de acordo
com o Código e aprovadas pela CFA. 117
As sanções para aqueles que violarem as normas do Comitê são a censura,
pública ou privada, a multa, a exclusão do mercado e a comunicação à CVM
sobre o delito.
O estudo sobre o tema ainda é recente e ainda não está concluído. Porém, a
discussão sobre a criação dessa entidade está cada vez mais importante e presente.
D) BIBLIOGRAFIA
• Gower and Davies. Principles of Modern Company Law: London,
Sweet & Maxwell, 2008, Eighth Edition by Paul L. Davies, p. 9611059.
• Discursos do Seminário Internacional “Takeover Panel e as incorporações no Brasil”, promovido pela AMEC no dia 09 de dezembro de
2009, em São Paulo:
116
Retirado da matéria “Código para
fusões” por Graziella Valenti,do Jornal
Valor Econômico, do dia 01 de dezembro de 2009.
117
Retirado da palestra “Visão brasileira
sobre Takeover Panel” de Nelson Eizirik
para o Seminário Internacional Takeover Panel e as incorporações no Brasil,
promovido pela AMEC no dia 09 de dezembro de 2009 em São Paulo.
FGV DIREITO RIO
113
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
§ “VISÃO BRASILEIRA SOBRE TAKEOVER PANEL”, Nelson
Eizirik;
§ “THE UK TAKEOVER PANEL: A POSSIBLE MODEL FOR
BRAZIL?”, Anthony Pullinger.
§ “The Australian Takeovers Panel”, Alan Shaw.
• Matéria “Código para fusões”, por Graziella Valenti, Jornal Valor Econômico.
• Site do Takeover Panel na Inglaterra: http://www.thetakeoverpanel.
org.uk/
§ The Takeover Code
§ General Principles and Rules
§ Companies Act 2006, part 28 — TAKEOVERS ETC
§ About the Panel
• Site do Takeover panel na Austrália: http://www.takeovers.gov.au/
FGV DIREITO RIO
114
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
12. AULAS 13 E 14: GOVERNAÇA CORPORATIVA, OS INTERESSES
FUNDAMENTAIS E AS QUESTÕES ÉTICAS.
A) EMENTÁRIO DE TEMAS
Os Interesses Fundamentais da S.A. A Governança Corporativa. O Combate A Fraude, Corrupção, Crime Econômico Internacional e Recuperação
de Ativos
B) MATERIAL DE LEITURA
Leitura Básica
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,
2008, pp 151-156.
KLOSE, Bernd H., Asset Tracing & Recovery The Fraudnet World Compendium. Berlin: Erich Schmidt Verlag Gmbh & Co., 2009. P. 327-341.
Leitura Complementar
NUNES, Marcelo Guedes. In: “Sociedade Anônima, 30 Anos da Lei
6.404/76”. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 88-117
C) ROTEIRO DE AULA
Os Interesses Fundamentais da S.A e a Governança Corporativa.
A Lei 6.404/76 determina, no parágrafo único do artigo 116, que o controlador deve usar o seu poder para “ fazer a companhia realizar o seu objeto
e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os
demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”
A Lei das Sociedades Anônimas prevê, portanto, os deveres e as responsabilidades dos acionistas, ao mesmo tempo em que determina quem são
os destinatários dos interesses protegidos por ela: acionistas, empregados e
comunidade.
A sociedade anônima deixa de ser um mero instrumento de produção de
lucros para distribuição aos detentores do capital para elevar-se à condição de
FGV DIREITO RIO
115
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
instrumento destinada a exercer o seu objeto para atender aos interesses de 1)
acionistas, 2) empregados e 3) comunidade. Esses três interesses devem, por
conseguinte, conviver equilibradamente no âmbito da sociedade; as decisões
tomadas terão, necessariamente, que considerá-los, a fim de que nenhum
deles seja sacrificado. 118
O acionista sempre foi considerado significativo para a sociedade. A grande inovação trazida pela lei atual situa-se na consagração do empregado e da
comunidade como merecedores desse mesmo nível de significação. O acionista, aportando capital à sociedade, torna-se merecedor de uma administração que adote as medidas conducentes a uma compensadora remuneração
para o seu investimento. O empregado, emprestando sua força de trabalho à
empresa, faz jus a uma administração que lhe garanta o emprego, bem como
um padrão de vida adequado. A comunidade, vivendo em estreito relacionamento com a empresa, merece desta não só a permanência naquele meio
social, como igualmente a adoção de processos capazes de evitar danos ou
prejuízos à população local e ao meio ambiente. 119
Parte do estudo dos interesses fundamentais trata do instituto da governança corporativa e suas implicações práticas. Com os vários casos de fraude
e corrupção no Brasil e no exterior, como os casos da Enron, Parmalat, e
o escândalo financeiro perpetrado por Bernard Madoff e outros, fica difícil
achar um tema que seja mais atual e relevante.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, na terceira versão, revisada e ampliada, do seu “Código Brasileiro das Melhores Práticas de Governança Corporativa”, define governança corporativa “como o sistema pelo
qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas/quotistas, conselho de administração, diretoria, auditoria
independente e conselho fiscal. As boas práticas de governança corporativa
têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para a sua perenidade.”120
Governança Corporativa. O Relatório a define como o sistema composto de normas legais e regulamentares, de organização e de mecanismos
contratuais necessários para proteger os interesses dos acionistas, limitando
o comportamento oportunista dos seus administradores. Muitas companhias
têm o capital pulverizado, o que impede um investidor de controlá-la isoladamente ou de eleger a maioria dos membros do Conselho de Administração.
Nessa situação, os mecanismos de “governança” buscam proteger o interesse
de todos os investidores face aos administradores, cujos interesses não são
necessariamente coincidentes com os da companhia e de seus acionistas. Em
algumas circunstâncias, no entanto, um acionista (ou grupo deles) também
pode comandar a sociedade. Na Parmalat, em que a família Tanzi controlava
51% de seu capital votante, os mecanismos de “governança” deveriam procu-
118
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,
2008, pp 151-152.
119
Idem.
120
Apud Luiz Alberto Colonna Palestra
proferida na IX Conferência dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro
(19/05/2005) sobre GOVERNANÇA
CORPORATIVA.
FGV DIREITO RIO
116
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
rar evitar que o detentor do controle majoritário dirigisse a companhia para
explorar os acionistas minoritários.121
Combate à fraude, corrupção e recuperação de ativos.
INTRODUÇÃO
Etimologia da palavra “corrupção”. Corrupção deriva do latim corruptus que, numa primeira acepção, significa quebrado em pedaços e, numa
segunda acepção, apodrecido, pútrido. Por conseguinte, o verbo corromper
significa tornar pútrido, podre.122
Conceito de corrupção: Forma de comportamento que se distancia da
ética, moralidade, tradição, lei e virtude cívica. A Transparência Internacional
é uma organização não governamental fundada na Alemanha que tem como
missão criar mudanças de comportamento que levem a um mundo livre de
corrupção. Ela possui atualmente escritórios distribuídos em 90 países do
planeta. Definição — “the misuse of entrusted power for private gain” — (“o
mal uso do poder confiado para ganho privado”).
Definição ampla: “corrupção política significa o uso ilegal, por parte de
governantes, funcionários públicos e agentes privados — do poder político
e financeiro de organismos ou agências governamentais com o objetivo de
transferir renda pública ou privada de maneira criminosa para determinados
indivíduos ou grupos de indivíduos ligados por quaisquer laços de interesse
comum — como, por exemplo, negócios, localidade de moradia, etnia ou de
fé religiosa.” (fonte Wilkipedia).
Não há uma definição universalmente aceita de corrupção e sua percepção varia de uma a outra cultura. Corrupção inclui os seguintes comportamentos: conflito de interesse, apropriação indébita, fraude, corrupção ativa
e passiva (suborno), organização criminosa com o fim de realizar corrupção
continuada, corrupção política, nepotismo, sectarismo e extorsão.123
O Banco Mundial afirma que são pagos anualmente no mundo todo em
forma de “subornos” um total de US$ 80 Bilhões (trata-se de um número
obscuro que não pode ser confirmado de forma empírica). Este valor pode ser
somente a ponta de um iceberg.
Corrupção em larga escala (“grand corruption”) são os casos de riqueza
patrimonial maciça que é adquirida de Estados por oficiais públicos graduados incluindo: a) a escala de riqueza adquirida de forma corrupta; e, b) a
graduação dos oficiais envolvidos.124
Apropriação indébita e malversação de ativos do estado são as atividades
envolvidas em corrupção.
121
Governança Corporativa e o Brasil,
Luiz Leonardo Cantidiano.
122
MULTI-JURISDICTIONAL CONCEALED
ASSET RECOVERY ‘Investigations’ Presented To: 2nd Meeting of Fraudnet,
Hammonds, Madrid, 25 February,
2005. Martin S. Kenney.
123
Idem.
124
Idem.
FGV DIREITO RIO
117
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
A Sociedade para Avanço de Estudos Legais descreveu “grand corruption”:
“Nós usamos o termo ‘grand corruption’ para descrever casos nos quais riqueza patrimonial maciça é adquirida dos Estados por oficiais públicos graduados utilizando-se de meios corruptos. Portanto os fatores que distinguem
a ‘grand corruption’ são a escala da riqueza adquirida pelos meios corruptos
e a graduação do funcionário/político envolvido. Esta definição é bastante
diferençável da corrupção pequena, “bola” suborno e não há um patamar
arbitrário para determinar o valor envolvido.”
A corrupção em larga escala (“grand corruption”) é também conhecida
como kleptocracia. Independente da classificação, a corrupção é uma preocupação global. Kleptocracia representa uma ameaça a boa governança e a
regra da lei.
A questão se torna muito mais complexa e relevante quando a corrupção
se manifesta a um nível de kleptocracia internacional.
Países que precisam lidar com este problema em uma escala maior encaram grandes desafios.
O que pode fazer um país se os ativos decorrentes de “grand corruption”
que ocorreu em outro local são encontrados em seus território?
A quem poderá ser feito um suspicios transaction report (SAR)?
A quem e para onde serão repatriados estes ativos?
E quanto à lei de imunidade de soberania estrangeira?
Como pode um sistema robusto de combate à lavagem de dinheiro ser eficientemente aplicado contra bancos ou outros detentores provisórios dos ativos?
E quanto a culturas em que com o tempo foi enraizado um alto grau de
tolerância por corrupção?
À primeira vista, o problema se apresenta tão complicado que parece impossível de resolver. Não obstante, várias leis e conversões internacionais de
combate à corrupção foram implementadas. 125
O Brasil é signatário das seguintes convenções internacionais, que facilitam o combate a fraude:
a) A “Convention on Combating Bribery of Foreign Public Oficials” —
Convenção de Combate a Suborno de Oficiais Públicos Estrangeiros nas
Transações Negociais Internacionais (OECD — Organization for Economic
Cooperation and Development — Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico126
b) A “Inter American Convention Against Corruption adopted by the
Organization of American States” — Convenção OEA — Convenção contra
a Corrupção da Organização dos Estados Americanos — OEA
Além desses existe a “Criminal Law Convention Against Corruption of
the Council of Europe”. “The African Union’s Anti Corruption Convention”. A “United Nations Convention Against Corruption (the “UNCAC”).
125
Idem.
126
On 21 November 1997, OECD Member countries and five non-member
countries, Argentina, Brazil, Bulgaria,
Chile and the Slovak Republic, adopted
a Convention on Combating Bribery of
Foreign Public Officials in International
Business Transactions. The signing of
the Convention took place in Paris on 17
December 1997.
FGV DIREITO RIO
118
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Além de estabelecer novos padrões internacionais para estados membros,
cada convenção inclui regras que facilitam investigações entre países e aplicação das convenções, que está sempre sujeita a cooperação internacional e
vontade política. Muitas vezes, as convenções são menos aplicadas que as
legislações. Não obstante, convenções internacionais de anticorrupção representam diretrizes ambiciosas para regular um problema em que não há/havia
regras ou aplicação de regras anticorrupção.
Crimes Contra o Sistema Financeiro e Lavagem de Dinheiro
Lei 9.613/98 — Lei de Lavagem de Dinheiro
Resulta do compromisso assumido pelo Brasil com a comunidade internacional ao firmar a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de
Substancias Psicotrópicas — Convenção de Viena — de 20.12.88, referendada pelo Brasil em 1991.
Em 1990, Conselho da Europa aprovou a Convenção sobre Lavagem,
Identificação, Embargo e Confisco de Bens derivados de Crime. Neste ano
foi publicada a diretiva sobre prevenção da utilização do sistema financeiro
para lavagem de dinheiro.
A lavagem de dinheiro e os crimes a ela correlatos tornaram-se ultimamente delitos que extrapolam regiões ou países. Exteriorizam-se além das
fronteiras nacionais. Desestruturam o sistema financeiro. Comprometem a
atividade econômica e minam as políticas sociais.
A lavagem de dinheiro não está distante de nossa realidade.
O combate à lavagem de dinheiro no Brasil é uma atividade recente e, por
isso conta com pouca experiência acumulada.. É necessária ampla atividade
de capacitação e especialização pois cada dia criam-se novas formas de prática
deste ilícito. São crimes de grande sofisticação e complexidade, exigindo preparo permanente dos órgãos incumbidos da aplicação da lei.127
Cada órgão, seja de fiscalização, inteligência financeira, persecução penal,
detém apenas uma parcela do conhecimento necessário.
Complexidade da matéria exige um trabalho descentralizado, integrado,
com ampla troca de informações, compartilhando os conhecimentos e técnicas para a consecução dos objetivos perseguidos.
A cooperação interna entre os órgãos institucionais é essencial
A escalada do crime organizado no país está diretamente ligada ao crescente poder econômico obtido pelas diversas associações criminosas
A lavagem de dinheiro é uma atividade obrigatória dessa criminalidade, financiando-a e realimentando-a. É prática geralmente complexa, envolvendo
inúmeras transações que são utilizadas para ocultar a origem dos ativos financeiros e permitir que sejam usados sem o comprometimento dos criminosos.
127
Entrevista do Ministro Gilson Dipp
falando no I Simpósio Internacional
Sobre Prevenção e Combate à Lavagem
de Dinheiro.
FGV DIREITO RIO
119
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
A cooperação internacional torna-se imprescindível para a elucidação destes crimes. Os meios tradicionais de cooperação internacional, como a entre
os quais a carta rogatória, têm mostrado inadequados e ineficientes para a
obtenção de medidas eficazes, como o bloqueio de ativos financeiros.
O Conselho da Justiça Federal editou Resolução especializando Varas Federais Criminais para o processamento e julgamento de crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro e os TRFs as implementaram. Atualmente, estão localizadas nas principais capitais brasileiras, com competência
territorial sobre toda a Seção Judiciária.
Na segunda avaliação mútua da República Federativa do Brasil, no âmbito
do Grupo de Ação Financeira Contra a Lavagem de Dinheiro (GAFI-FATF),
a criação de varas especializadas foi motivo de avaliação mais positiva.
Importância de se garantir também os direitos e garantias individuais
constitucionalmente garantidas, bem como aspectos que envolvem a ordem
pública e o interesse social.
Aplicação de acordos internacionais, pedidos de ação controlada, bloqueio
de ativos, quebra de sigilo fiscal e bancário, de interceptação telefônica e
ambiental, de delação premiada, de infiltração de agente policial ou de inteligência em organizações criminosas etc são objeto de estudos destes juízes.
O desafio do juiz criminal é manter um ponto de equilíbrio entre a preservação do direito ao sigilo, à intimidade e o interesse social.
Conceito de Lavagem de dinheiro
É uma atividade que consiste na desvinculação ou afastamento do dinheiro da sua origem ilícita para que possa ser aproveitado.
Lavagem de dinheiro é definida como: O conjunto complexo de operações,
integrado pelas etapas de Conversão (“placement”); Dissimulação (“layering”)
e, Integração (“integration”) de bens, direitos e valores, que tem por finalidade
tornar legítimos ativos oriundos da prática de atos ilícitos penais.128
A primeira fase é a de colocação (“placement”), ocultação ou conversão.
Consiste na separação física do dinheiro dos autores do crime, sem ocultação
da identidade dos titulares.
A segunda fase é conhecida como dissimulação ou circulação (ensombrecimento, “layering”). Multiplicam-se as transações anteriores com várias
transferências com cabo (wire transfer) através de muitas empresas e contas,
de modo a que se perca a trilha do dinheiro (paper trail), constituindo-se na
lavagem propriamente dita. 129
Objetivo da lavagem. Fazer com que não se possa identificar a origem ilícita.
128
TIGRE MAIA, Rodolfo. Lavagem de
dinheiro (lavagem de ativos provenientes de crime). Anotações às disposições
criminais da Lei 9.613/98. São Paulo. 2ª
ed.Malheiros, 2007. pp. 37-43.
129
Idem.
FGV DIREITO RIO
120
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
D) TEXTOS DE APOIO
GOVERNANÇA CORPORATIVA (Palestra proferida na IX Conferência dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro (19/05/2005))
Luiz Alberto Colonna Rosman— Advogado no Rio de Janeiro — sócio de
“Bulhões Pedreira, Bulhões Carvalho, Piva, Rosman e Souza Leão Advogados”
Governança Corporativa é a expressão com que se procura designar o sistema, ou conjunto de regras, pelo qual as companhias são dirigidas e controladas. Até há 10 anos atrás, a expressão era praticamente desconhecida no
Brasil. Hoje, em um ambiente de economia globalizada, em que, cada vez
mais, tanto empresas brasileiras vão buscar recursos em mercados de capitais estrangeiros, principalmente o americano, quanto investidores externos e
empresas multinacionais aplicam recursos na economia brasileira, a expressão
se tornou de uso corrente.
Mas o que, mais concretamente, vem a ser “governança corporativa”?
Como bem sintetizado por Aline de Menezes Santos, em interessante trabalho “Reflexões sobre a Governança Corporativa no Brasil” (Revista de Direito
Mercantil nº 130, pp. 180/206), a “governança corporativa diz respeito a um
conjunto de instrumentos públicos e privados, incluindo leis, regulamentos
e práticas comerciais que organizam e comandam a relação, numa economia de mercado, entre os controladores e administradores de uma empresa,
de um lado, e aqueles que nela investem recursos, de outro”. O conjunto
de pessoas que investe recursos em empresas abrange tanto os investidores
em participações societárias (os acionistas ou sócios), como os provedores
de capital financeiro (os debenturistas e outros tipos de credores em geral),
os prestadores de serviços (como empregados e consultores) e ainda pessoas
provedoras de outros fatores de produção necessários à atividade da empresa.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, na terceira versão, revisada e ampliada, do seu “Código Brasileiro das Melhores Práticas de Governança Corporativa”, define governança corporativa “como o sistema pelo
qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas/quotistas, conselho de administração, diretoria, auditoria
independente e conselho fiscal. As boas práticas de governança corporativa
têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para a sua perenidade.”
O termo “governança corporativa” é tradução literal e ruim da expressão
inglesa equivalente “corporate governance”. “Corporate” vem de “corporation”, que em português se pode traduzir por companhia ou sociedade. “Governance” tem a ver com governo ou sistema de administração. Conforme
bem destacado pelo professor Arnold Wald, em artigo que escreveu sobre o
FGV DIREITO RIO
121
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
tema (“O Governo das Empresas”, Revista de Direito Bancário, do Mercado
de Capitais e da Arbitragem nº 15, pp. 53 a 78), seria mais adequado usar
a expressão “governo das empresas” ou “governo das sociedades”, que são
expressões mais correntes nos países de língua latina, nos quais a palavra
“corporação” tem, não o sentido de sociedade anônima ou companhia, mas,
o de associação profissional ou de classe. Consoante acentuado pelo professor Wald, “os adjetivos corporativo e corporativista têm sentido pejorativo,
dando idéia de prevalência de interesses de um grupo ou de uma classe. Ao
contrário desta noção, o termo “governo das empresas” pretende denominar
a renovação da entidade, atendendo aos interesses de todos aqueles que a
integram ou com ela colaboram”. Entretanto, a prática consagrou a expressão
governança corporativa, e assim, democraticamente, a ela nos rendemos.
Para bem compreender a importância e o significado dos princípios que
formam o sistema da governança corporativa, é essencial ter presente as origens do movimento e o ambiente econômico-jurídico em que se desenvolveram suas regras como hoje conhecidas e divulgadas.
O movimento da governança corporativa teve início nos Estados Unidos,
como reação ao desenvolvimento das grandes companhias americanas, nas
quais, em razão da pulverização do capital, que era detido fragmentariamente por milhares de acionistas, se configurou uma crescente separação entre a
propriedade da companhia e sua gestão ou controle. O mais influente estudo
desta realidade econômico-jurídica foi feito pelos americanos Adolf Berle e
Gardiner Means, que, em seu clássico livro “A Moderna Companhia e a Propriedade Privada”, escrito em 1932, analisaram detidamente a estrutura de
poder das grandes corporações americanas, e demonstraram haver uma clara
separação entre a propriedade do capital e o controle e a gestão da empresa,
os dois últimos a cargo dos administradores executivos, os quais, por agir
com grande autonomia, estabeleciam as políticas e metas de desenvolvimento
da empresa que, muitas vezes, não correspondiam aos melhores interesses dos
donos do capital, os acionistas, mas aos interesses deles, os executivos.
A grande dispersão na propriedade das ações tornava os acionistas desinteressados em participar das assembléias gerais, estando boa parte deles
plenamente satisfeita em outorgar procurações aos executivos da companhia, que, dessa forma, garantiam sua manutenção nos cargos e a eleição
para o Board of Directors (análogo ao nosso conselho de administração)
de pessoas a eles vinculadas, e que não poriam em risco a manutenção do
poder de controle em suas mãos. Como as quantidades de ações detidas
pelos acionistas individualmente eram pequenas, aqueles que não estavam
satisfeitos com a administração, ao invés de se organizarem para reclamar e
exigir seus direitos, simplesmente desfaziam-se das ações, passando a aplicar seus recursos em outro ativo financeiro ou em ações de companhias que
julgavam melhor administradas.
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Essa dissociação entre a propriedade do capital e a gestão da empresa
é analisada na economia sob o nome de “teoria da agência”, que, entre
outras questões, analisa os conflitos de interesse entre quem tem a propriedade (o acionista) e quem tem o controle da organização (o agente ou
administrador). Segundo ressaltou Adrian Cadbury (“Corporate Governance and Chairmanship — A Personal View”, Oxford University Press,
2002), esse problema de agência nas sociedades por ações já havia chamado atenção de Adam Smith que, em seu livro “A Riqueza das Nações”, faz
o seguinte comentário:
“Os diretores de tais companhias pelo fato de serem administradores mais
do dinheiro de outras pessoas do que do próprio deles não se pode esperar
que zelem pelo negócio com a mesma vigilância atenta com a qual os sócios
em uma sociedade privada freqüentemente zelam por seus próprios interesses
(....). Negligência e esbanjamento, dessa forma, deverão frequentemente predominar na administração dos negócios de tais companhias.”
Após a transcrição desse trecho, Cadbury comenta que “o problema de
agência que Adam Smith identificou tem sido e continua a ser objeto de
exaustivos estudos, porque ele é inerente à relação entre os provedores de
capital e seus agentes, que põem este capital em uso, ou em outras palavras,
entre acionistas e conselhos de administração. (.....) Hoje em dia, a atenção
é muito mais focada nos conselheiros e diretores executivos que atuam na
busca dos próprios interesses, como, por exemplo, pelo reinvestimento na
expansão de seus impérios ao invés de aumentar o retorno dos acionistas, do
que na negligência e esbanjamento — nada obstante essas atitudes indevidas
ainda continuem a ocorrer.” (ob. cit., p.4)
Conforme assinala o mesmo Cadbury, em termos de exercício do poder de
controle, é a diretoria executiva que, no período entre as duas guerras mundiais, estava no comando, tanto na Inglaterra, como nos Estados Unidos.
Considerando que os conselhos de administração eram relativamente fracos,
o fato de os acionistas não estarem em posição de exercer controle sobre os
administradores e, em conseqüência, sem condições de deles exigir a devida
prestação de contas, levou a que a questão da governança corporativa não
tivesse, naquela época, o desenvolvimento que poderia ter tido.
Posteriormente, essa situação foi-se modificando por uma série de fatores, dentre os quais é importante destacar dois principais: o primeiro é a
entrada em cena, de forma cada vez mais acentuada, dos fundos de pensão
e dos fundos de investimentos em ações, que passaram a substituir as pessoas físicas, que eram individualmente os acionistas das grandes companhias.
Essa mudança de investidores pessoas físicas, com pequenas participações no
capital das grandes companhias americanas, por investidores institucionais e
coletivos, com melhor organização e participação mais relevante no capital
das empresas, e, em decorrência, mais aptos e incentivados para acompanhar
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
e fiscalizar a administração das sociedades, deu aos proprietários do capital
maior poder de barganha, na medida em que os administradores executivos
passaram a ter que lidar com acionistas mais preparados, titulares de maiores
parcelas do capital social e com os quais tinham que compor para continuarem a se manter em seus cargos.
O maior ativismo por parte dos investidores, agora reunidos em fundos
de ação ou fundos de pensão, aumentou a pressão sobre os legisladores, motivando — no início de forma tímida e, posteriormente, de forma mais incisiva — a edição de novas regras no sentido de aumentar a transparência e
freqüência das informações prestadas aos acionistas, melhorias no sistema de
fiscalização, com a introdução dos comitês de auditoria formados exclusivamente por administradores independentes dos executivos, propiciando uma
mais efetiva e abrangente prestação de contas por parte dos administradores.
As Bolsas de Valores passaram, paulatinamente, a exigir das companhias o
cumprimento de uma série de requisitos mínimos de divulgação de informações e transparência nos dados relativos às demonstrações financeiras, para
dar aos acionistas melhor conhecimento tanto da situação financeira da companhia como das suas perspectivas de rentabilidade futura. Em 1977, por
exemplo, a Securities and Exchange Comission — SEC aprovou a decisão da
Bolsa de Nova Yorque de passar a exigir que todas as companhias americanas
listadas deveriam instituir comitês de auditoria formados exclusivamente por
conselheiros externos e independentes.
O segundo fator importante, na mudança de atitude dos administradores
das grandes companhias no sentido da adoção de práticas mais afinadas com
os interesses dos acionistas, foi a revolução causada pelas chamadas tomadas de controle hostis, que passaram a ser realizadas com maior freqüência
a partir dos anos 80. Desenvolveu-se no mercado a percepção de que determinadas companhias poderiam ter rentabilidade muito melhor com uma
administração mais competente, daí gerando a motivação econômica para
a reunião de capitais com endividamento financeiro, para a formulação de
oferta pública para aquisição do controle da companhia por determinado
grupo de investidores que passaria a administrar a sociedade, diretamente
ou através de pessoas capazes de sua confiança. O efeito benéfico era de duas
ordens: com nova administração mais eficiente, os recursos da companhia
seriam utilizados de forma mais rentável, em benefício não só do pagamento
das dívidas contraídas para a tomada do controle, como dos novos acionistas.
Além disso, a percepção do mercado de que a companhia passaria a ser gerida
de forma mais eficiente permitia o lançamento de novas ações, com preços
de emissão mais altos. A reação dos administradores das grandes companhias
às tomadas de controle hostis não se demorou a fazer, principalmente através
de inserção nos estatutos das companhias e em contratos com os administradores de cláusulas — conhecidas como “poison pills” ou “golden parachute”
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
— que encareciam grandemente a tomada hostil do controle, ao criar a obrigação de pagamento de vultosas indenizações aos administradores em caso de
demissão, o que acabou por tornar a tomada do controle hostil uma operação
cara e ineficiente.
A concentração de porções cada vez maiores do capital das grandes companhias americanas e inglesas nas mãos de investidores institucionais e, porque não dizer, o medo dos administradores de perderem seus cargos, levou,
naturalmente, ao entendimento entre as partes no sentido de um maior
alinhamento entre os interesses dos acionistas e dos administradores das
companhias, por meio da adoção, de forma cada vez mais efetiva, de melhores práticas de administração e de relacionamento da companhia com os
acionistas, especialmente na apresentação das demonstrações financeiras e
na divulgação de políticas estratégicas de desenvolvimento da empresa, mais
abrangente prestação de contas dos administradores, tudo visando a tornar a
empresa mais atrativa a seus investidores e mais alinhada aos seus interesses.
Nos últimos 30 anos uma série de fatores tem contribuído decididamente
como catalizador do movimento da governança corporativa, com o objetivo
de atrair poupanças populares para investimento em empresas produtivas,
com segurança para os investidores, transparência na prestação de informações e alinhamento mais robusto entre os interesses de acionistas, como titulares do capital, e de administradores, como gestores do capital de terceiros.
Dentre esses fatores, como bem sumariado por Aline de Menezes Santos, no
trabalho a que antes me referi, podem ser destacados os seguintes: (a) “a globalização financeira, com livre e rápida circulação de capitais entre fronteiras;
(b) a diminuição das barreiras comerciais entre países que levam as empresas
a enfrentar competição em nível global, aumentando as necessidades de financiamento e capitalização; (c) falhas e escândalos em grandes empresas que
expuseram a necessidade de se aperfeiçoar os mecanismos de monitoramento
e despertaram a atenção para quem controla a empresa ; (d) movimento de
privatizações em massa ao redor do mundo, com os Estados deixando de
atuar diretamente, como agentes econômicos; (e) ascensão dos investidores
institucionais cada vez mais preocupados com retornos sobre seus investimentos, que consistirão nas rendas futuras de milhares de aposentados”. (ob.
cit. p.186)
Essas são as razões básicas, de cunho macroeconômico, que levaram diversos governos, organismos e instituições internacionais a aplicar seus esforços
e recursos no estabelecimento de princípios, regras e padrões de comportamento que deveriam pautar as relações entre os investidores e as grandes
companhias.
Os investidores institucionais, preocupados com a rentabilidade de seus
investimentos em ações, passaram a privilegiar a aplicação de recursos em
empresas que adotassem práticas sadias de governança corporativa. Em dife-
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
rentes países, inclusive no Brasil, organizaram-se grupos de trabalho para redação de códigos e conjuntos de normas estabelecendo princípios que, além
das normas jurídicas que regulam o funcionamento das sociedades, deveriam
ser adotados e praticados pelas companhias para maior transparência na divulgação de informações, alinhamento dos interesses dos acionistas aos dos
administradores, inclusive, e especialmente, no que se refere à sua remuneração, que deveria estar preferencialmente atrelada à rentabilidade da empresa — e, portanto, ao retorno propiciado aos acionistas — dando-se, ainda,
destaque à lealdade e à responsabilidade dos administradores, com aprimoramento do sistema de prestação de contas de sua gestão.
Há, atualmente, um consenso sobre a relação entre a capacidade das empresas, ou mesmo de países, de atrair investimentos e as estruturas que adotam de governança corporativa, especialmente no que se refere à proteção
dos investidores e acionistas minoritários. Existem vários estudos e exemplos
práticos que mostram estarem os investidores dispostos a pagar mais caro
pelas ações de empresas que adotam as melhores práticas de administração
e transparência na divulgação de informações. Há um conhecido estudo da
empresa de consultoria McKinsey no qual se apurou que os investidores estariam dispostos a pagar entre 18% e 28% a mais pelas ações de empresas que
praticam as principais regras de governança corporativa.
O tema da governança corporativa é hoje uma realidade no cenário brasileiro. Várias de nossas maiores companhias abertas que têm ações negociadas no mercado americano já vêm, há vários anos, intensificando a adoção
de padrões de conduta em sintonia com as sugestões dos diversos códigos
existentes de melhores práticas de governança corporativa, destacando-se,
dentre eles, o que é publicado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Esta situação é fruto de notáveis mudanças que ocorreram no cenário econômico brasileiro a partir de 1994, quando, após o Plano Real,
finalmente conseguimos alcançar uma estabilidade monetária, tendo sido
complementarmente adotadas várias medidas que propiciaram a abertura da
economia brasileira, com maior rapidez e mobilidade dos fluxos de capital
do e para o exterior.
Outra mudança fundamental foi a redefinição do papel do Estado na economia, que deixou de atuar como agente econômico, privatizando o controle de várias e importantes companhias nas áreas de siderurgia, telefonia
e energia elétrica. Como subproduto do processo de privatização, surgiram
no mercado brasileiro — até então dominado por companhias controladas
basicamente por grupos familiares — empresas com controle compartilhado,
formado pelos integrantes dos consórcios vencedores nos leilões de privatização, que se organizavam em grupo de controle através de acordos de acionistas. Para expansão de suas atividades e enfrentar a concorrência das empresas estrangeiras, as companhias brasileiras precisam de recursos financeiros a
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
custos competitivos. O recurso financeiro mais barato é obtido pela emissão
de ações, mas, para sua obtenção, seria necessário que as empresas brasileiras se adaptassem para atender as exigências e expectativas dos investidores
institucionais, no Brasil e no exterior. Muitas empresas brasileiras passaram,
a partir dos anos 80, a fazer o lançamento de ações no mercado americano,
através da emissão de ADR´s, e para cumprir as exigências da legislação e dos
investidores americanos, tiveram de adotar estruturas de administração e políticas de divulgação de informações que se adequassem às melhores práticas
de governança corporativa.
Há muitos anos que se vem tentando desenvolver e incentivar o mercado
de capitais no Brasil, de forma a que possa cumprir seu papel como alternativa
de financiamento de longo prazo para as empresas. No Brasil, com o endividamento público retirando boa parte da poupança privada — que praticamente
se vê compelida a aplicar nos papéis do Tesouro, com baixo risco e alta remuneração — a tarefa de desenvolvimento do mercado de capitais tem sido espinhosa. Trata-se, porém, de mecanismo absolutamente essencial a garantir às
nossas empresas desenvolvimento equilibrado e condições competitivas com
os concorrentes estrangeiros. Como salientado pela CVM, em material de
divulgação institucional, “o grau de proteção aos investidores é fator determinante no desenvolvimento do mercado de capitais. Quando a lei oferece proteção efetiva, os investidores estão mais dispostos a financiar as companhias e
o mercado de capitais é maior e mais valorizado. Quanto maior a proteção aos
investidores, maior será o preço que eles estarão dispostos a pagar pelas ações
porque, com maior proteção, estes reconhecem que o retorno das companhias
também será usufruído por eles, tanto quanto pelos controladores; isto permite aos empresários financiar seus empreendimentos, fazendo do mercado de
capitais uma real alternativa de capitalização das empresas”.
Neste sentido, uma série de iniciativas importantes foram tomadas nos últimos anos. A Bolsa de Valores de São Paulo instituiu, em dezembro de 2000,
os Níveis 1 e 2 de práticas diferenciadas de governança corporativa e o Novo
Mercado, como segmentos de negociação de ações de companhias abertas
destinados a sociedades comprometidas com a observância voluntária de certos padrões de governança corporativa. Conforme destacado em material de
divulgação, “a adoção de práticas diferenciadas de governança corporativa,
com a ampliação do rol de direitos de acionistas minoritários e o incremento
na qualidade das informações divulgadas, geram efeitos positivos para a imagem da companhia, estimulam a liquidez e melhoram a precificação das suas
ações, gerando benefícios para os acionistas e para o mercado em geral”. Dependendo do grau de compromisso assumido pela empresa relativamente às
práticas de boa governança que pretende adotar, as suas ações são listadas nos
Níveis 1 ou 2, ou no Novo Mercado. O chamado Novo Mercado é o patamar
mais alto de adoção de práticas de governança corporativa, dentre as quais se
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
destacam as seguintes: (a) emissão exclusivamente de ações ordinárias, tendo
todos os acionistas direito a voto; (b) manutenção em circulação de ações
representativas de ao menos 25% do capital social; (c) realização de ofertas
públicas de colocação de ações por meio de mecanismos que favoreçam a
dispersão do capital; (d) extensão a todos os acionistas das condições obtidas
pelo controlador em caso de venda do bloco de controle; (e) conselho de
administração com mandato de um ano para todos os membros; (f ) demonstrações financeiras com adoção das normas internacionais de contabilidade e
introdução de melhorias nas informações prestadas trimestralmente.
O Governo Federal, por meio de seus órgãos e agências, tem estimulado
a adoção pelas companhias das práticas de governança corporativa com uma
série de medidas, dentre as quais se pode destacar: (a) a atuação do BNDES,
que tem propiciado financiamentos com taxas de juros mais vantajosas para
as empresas que se obriguem a, dentro de determinado prazo, abrir seu capital
com listagem de suas ações no Novo Mercado; e (b) o Conselho Monetário
Nacional aprovou a Resolução nº 2.829, de 6 de abril de 2001, que permite
às entidades fechadas de previdência privada investir percentual maior de recursos em ações emitidas por companhias que observem as melhores práticas
de governança corporativa; (c) em 2002, a CVM lançou a sua “Cartilha de
governança corporativa”, com indicação de que passará a exigir a inclusão nas
informações anuais das companhias abertas de indicação do nível de adesão
às práticas recomendadas, na forma “pratique ou explique”, isto é, ao não
adotar uma recomendação, a companhia deverá explicar as razões.
No âmbito legislativo, a Lei nº 10.303, de 2001, introduziu uma série
de modificações na Lei das Sociedades Anônimas cujo principal objetivo foi
fortalecer o mercado de capitais brasileiro e acentuar a proteção do acionista
minoritário. Dentre os aperfeiçoamentos trazidos pela lei, vale destacar os
seguintes: (a) aumento da proteção a acionista minoritário no fechamento do
capital de companhias abertas; (b) estabelecimento de vantagens financeiras
mínimas ao acionista preferencial de companhias abertas; (c) garantia de nomeação de membro para o conselho de administração por parte dos acionistas preferenciais e dos ordinários minoritários, que detenham determinado
percentual mínimo do capital social, em eleição em separado; (d) ajustes no
mecanismo do recesso; (e) estabelecimento de regras que garantem a eficácia e a execução dos acordos de acionistas; (f ) reintrodução da obrigação de
oferta pública aos acionistas minoritários em caso de venda do controle, com
garantia de valor no mínimo igual a 80% do pago ao controlador.
A maior parte das regras que formam os diversos códigos de boas práticas
de governança corporativa — que hoje existem, em diferentes países, na casa
das dezenas — são, de uma maneira geral, aplicáveis às grandes companhias
e consistentes com a legislação da maioria dos países do mundo capitalista.
No Brasil, por exemplo, na Lei nº 6.404, de 1976 — que até onde se sabe é a
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128
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
única que regula detalhadamente a figura do acionista controlador, estabelecendo seus deveres e obrigações para com a companhia — há um dispositivo
que consagra, de uma forma geral, os valores essenciais a serem realizados
pelos códigos de boa governança corporativa. Refiro-me à norma do parágrafo único do artigo 116, que diz: “O acionista controlador deve usar o poder
com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função
social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da
empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos
direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”
Há, entretanto, regras e princípios que, por derivarem da cultura e de sistemas jurídicos diferentes do nosso — como é o caso dos Estados Unidos e
da Inglaterra, nos quais as grandes companhias não têm acionista controlador,
sendo o poder de controle exercido pelos administradores — não são aplicáveis, sem as necessárias adaptações, a países como o Brasil, no qual a realidade
empresarial é bastante diferente. Aqui, diferentemente dos Estados Unidos,
praticamente todas as companhias abertas têm acionista controlador ou grupo
de controle definido. Daí, por exemplo, não ser aplicável no regime jurídico
brasileiro uma das principais bandeiras da governança corporativa, que é a de
que devem ser eleitas para o conselho de administração pessoas independentes, não vinculadas à diretoria executiva, nem aos acionistas controladores.
O jurista italiano Guido Rossi, que escreveu relevante trabalho para um
congresso havido na Itália sobre governança corporativa, ao qual deu o provocante título de “O Mito da Governança Corporativa” (publicado no livro
“Le Nove Funzioni degli Organi Societari: verso a Corporate Governance?”,
Giuffre, Itália, 2002, pp. 13-18), faz análise dessa questão, concluindo, com
muita propriedade, que nos sistemas jurídicos, como o italiano, em que as sociedades possuem um controlador pré-definido — contrariamente às grandes
corporações americanas, em que o controle é interno, detido pelos administradores —— “a presença de administradores independentes que perseguem
o interesse social sem observar, e se necessário, opondo-se ao interesse do
sócio controlador é simplesmente utópico”. Esta mesma observação aplicase à situação brasileira, cujos códigos e recomendações de boas práticas de
governança corporativa incluem a nomeação de conselheiros independentes
como uma das suas recomendações mais badaladas.
Lembro-me que, por ocasião da promulgação da Lei nº 10.303, de 2001,
houve intenso debate sobre os novos parágrafos 6º a 11º acrescentados ao artigo 118, da Lei das Sociedades por Ações, que estabeleceram de forma mais
clara e incisiva o modo pela qual a companhia e seus órgãos sociais devem observar as estipulações dos acordos de acionistas, dispositivos esses cujas normas
se alegava serem conflitantes com as proposições da governança corporativa.
Os argumentos usados para fundamentar o pretendido veto a estes dispositivos foram no sentido de que a vinculação da companhia e seus órgãos so-
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
ciais às estipulações de acordo de acionistas e a obrigatoriedade de membros
do Conselho de Administração de votarem nas reuniões do órgão, segundo a
orientação dos acionistas controladores que os tenham indicado, implicaria
na “usurpação, pelos acionistas, dos poderes conferidos ao Conselho de Administração”, e a transformação de seus membros em “conselheiros-laranja”
ou “fantoches” dos acionistas controladores.
Esses argumentos eram — e continuam sendo — totalmente improcedentes porque não levam em conta as características e particularidades, econômicas e jurídicas, das sociedades anônimas no Brasil. Tais observações fariam
sentido tendo em conta as características das macroempresas, ditas institucionalizadas, européias e norte-americanas, cujas ações se acham pulverizadas
no mercado, e que são, de fato, controladas pelos administradores, os quais
se perpetuam nos cargos com base em procurações de acionistas anualmente
renovadas (ao menos enquanto as companhias não enfrentam dificuldades).
Nesses tipos de macrocompanhias há consenso sobre as vantagens de profissionais independentes integrarem os órgãos administrativos para estabelecer
um contraponto, nas deliberações colegiadas, à orientação que é normalmente adotada pelos executivos. A independência que aí se busca não é em relação aos acionistas, mas sim ao grupo de administradores que, mantendo-se
no exercício dos cargos de direção, representam, de fato, o poder de controle
dentro da companhia.
A situação é diferente no Brasil: praticamente todas as companhias abertas brasileiras têm maioria pré-constituída — isto é, há acionista, ou grupo
de acionistas controlador, que exerce o poder de controle determinando a
deliberação das assembléias gerais e elegendo a maioria dos administradores.
Nesta matéria não cabe buscar inspiração na legislação e prática estrangeira,
que difere da nossa. Na legislação européia e norte-americana, por exemplo,
a assembléia geral de acionistas tem competência para deliberar apenas sobre
determinadas matérias, enquanto o Conselho de Administração é o órgão
com competência ampla e genérica para decidir sobre as matérias que interessam aos negócios da sociedade.
No sistema brasileiro, o órgão supremo na hierarquia da sociedade é a
assembléia geral, que possui “poderes para decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à
sua defesa e desenvolvimento” (art 121). Também diferentemente de outros
sistemas legislativos, a lei brasileira reconhece a existência do acionista controlador e da sociedade controladora para atribuir-lhes deveres e cobrar-lhes
responsabilidade por abuso do poder que exercem. O artigo 116 da Lei das
S.A. define o poder de controle como sendo a capacidade de (a) determinar
as deliberações da assembléia geral, (b) eleger a maioria dos administradores,
(c) dirigir as atividades sociais e (d) orientar o funcionamento dos órgãos da
companhia. Assim, na interpretação e aplicação da lei brasileira, não cabe
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
questionar se o acionista controlador pode ou não dirigir as atividades sociais
e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia, uma vez que esse poder lhe é expressamente reconhecido pelo artigo 116; igualmente não se pode
afirmar que o administrador da companhia é autônomo ou independente
no exercício de suas funções, no sentido de que estaria submetido exclusivamente às normas da lei, sem se subordinar à orientação legítima recebida do
acionista controlador.
É inquestionável que o acionista controlador não pode validamente dar
instruções ilegais ao administrador para o exercício de suas funções, e que
este tem não apenas a faculdade, mas o dever, de não cumprir ordens ilegais.
Se houver conflito de opiniões sobre a legalidade de determinada orientação,
é indiscutível que o administrador conserva a liberdade de agir segundo suas
convicções; e a conseqüência dessa divergência de opiniões será ou o convencimento do controlador do acerto do ponto de vista do conselheiro ou sua
substituição, uma vez que, na lei brasileira, os membros do conselho de administração são demissíveis a qualquer tempo por deliberação da assembléia
geral. Todavia, na maioria das deliberações dos órgãos sociais da companhia
não se colocam questões que tenham a ver com a legalidade da proposta, mas,
sim com a sua conveniência ou adequação ao interesse da companhia. E nesses casos deve prevalecer o princípio da estrutura hierárquica: se há opiniões
divergentes sobre qual o ato mais conveniente para o interesse da companhia, são os órgãos hierarquicamente superiores que têm competência para
decidir. O que legitima o poder da maioria da assembléia geral e do acionista
controlador para determinar a direção das atividades sociais e orientação dos
administradores da companhia é o fato de que os acionistas são os únicos que
contribuem para o capital social e correm o risco de perder esse capital em
caso de prejuízo: não há como justificar que a opinião do administrador, que
não responde pelas obrigações sociais nem pelos prejuízos causados pelos seus
atos regulares, prevaleça sobre a dos acionistas.
Essas considerações levam às seguintes conclusões:
1ª) A governança corporativa, como movimento que visa a melhorar as
práticas adotadas no governo das companhias abertas e nos mercados de valores mobiliários, pode constituir contribuição importante para o aperfeiçoamento das instituições das economias de mercado e da livre empresa, ao
divulgar, acentuar e salientar, em cada sistema cultural, os conceitos, valores e
princípios essenciais dessas instituições, com o conseqüente aumento do grau
de sua eficácia e justiça na organização social;
2ª) Algumas das normas concretas que o movimento propõe para solucionar problemas ou corrigir defeitos precisam, todavia, ser adaptadas às características de cada economia, pois refletem a experiência das macroempresas das
economias industrializadas, cujo controle é exercido pelos seus administradores, uma vez que a propriedade das suas ações é pulverizada em grande nú-
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
mero de acionistas, que exercem apenas a função econômica de investidores
de capital, sem que haja um proprietário das ações que exerça toda a função
empresarial — que compreende os papéis de empreendedor, administrador
e aplicador de capital; por isso, o objetivo precípuo das normas propostas é
criar contrapesos ao poder exercido pelos administradores, mediante criação
ou aperfeiçoamento de órgãos da companhia especializados na fiscalização
dos administradores e a indução a que os acionistas exerçam efetivamente seu
poder de orientar e fiscalizar os administradores e tenham maior participação
nas deliberações dos órgãos sociais;
3ª) No Brasil, a realidade das companhias e do mercado de capitais é essencialmente diferente: praticamente todas as companhias são controladas
por um acionista, ou grupo de acionistas, e o aperfeiçoamento do governo
da companhia requer, principalmente, o controle do exercício do poder pelos
acionistas controladores, e não pelos administradores; a Lei nº 6.404/76 já
enuncia os valores e princípios propugnados pelo movimento de governança
corporativa, e o objetivo desse movimento deve ser o aperfeiçoamento do
regime legal mediante modificações da lei ou da sua regulamentação pela
CVM;
4ª) Seguindo a tradição anglo-saxônica, o movimento de governança corporativa procura alcançar seus objetivos através de auto-regulação pelas próprias companhias e pelas instituições do mercado, como as bolsas de valores,
mas a tradição de nossa cultura é bem diferente —— os resultados das experiências de auto-regulação no Brasil são pequenos e a regulação estatal da
economia, mediante leis e regulamentos, é ampla e mais eficazmente utilizada como meio de criar e aperfeiçoar as instituições econômicas.
Governança Corporativa e o Brasil Luiz Leonardo Cantidiano 130
Introdução. Em fevereiro deste ano o Comitê Técnico da IOSCO (International Organization of Securities Commissions) criou uma “Força Tarefa”, integrada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para realizar
um amplo estudo sobre as razões que possibilitaram o escândalo “Parmalat”.
Após algumas reuniões, a “Força Tarefa” destaca, em Relatório Preliminar, as
iniciativas que vêm sendo desenvolvidas pela IOSCO para assegurar a integridade e a estabilidade do mercado de capitais: (a) indicação dos princípios a
serem seguidos pelos reguladores, nas suas jurisdições, para tornar o mercado
mais confiável, (b) regras sobre o monitoramento da atividade de auditoria,
(c) normas sobre a divulgação, pelos emissores, de informações, periódicas ou
extraordinárias (fato relevante)131, (d) regulação da atividade dos analistas de
valores mobiliários132 e de agências de “rating”, especialmente para eliminar
o conflito de interesses no exercício dessas atividades e (e) esforço para aperfeiçoar a cooperação entre os reguladores, com a assinatura de memorando
130
Advogado, sócio de Motta, Fernandes Rocha Advogados.
131
A IOSCO, em suas recomendações
sobre a regulação do “disclosure”, cita
a Instrução nº 358 da CVM como um
exemplo a ser considerado pelas diversas jurisdições ao regulamentar a
matéria.
132
O Presidente da Federação Européia de Analistas Financeiros e da
Associação Internacional Certificadora
de Analistas de Investimentos sobre
a Instrução CVM nº 388 em carta que
me foi dirigida, afirma: “I would like
to congratulate you on Instruction
CVM 388, that describes our profession
with excellent clarity and outlines a
transparent route to be followed by any
professional wanting to develop his
career in your country. As a member of
the IOSCO, may I suggest that you send
a copy of Instruction 388 to all individual Presidents of the different IOSCO
associations as an example of what can
be done to simplify the regulations of
financial analysts and enhance transparency”
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que possibilite a troca de informações e a realização de investigações sobre
operações que extrapolam a fronteira de uma jurisdição133. Em sua primeira
parte o Relatório resume as informações públicas que historiam o colapso da
“Parmalat”. A seguir ressalta pontos que podem ter facilitado a prática das
fraudes e indica os aspectos que devem ser considerados, ou revistos, pelos
reguladores para desenvolver e fortalecer seus mercados.
Após sumariar a história do Grupo Parmalat e as deficiências que foram
destacadas no Relatório da “Força Tarefa”, pretendo analisar a situação vigente no Brasil em relação a cada uma das aludidas deficiências. Nesta primeira
parte do trabalho faço um resumo da situação da Parmalat, indico as deficiências apontadas pelo Relatório e examino duas delas — governança corporativa e proteção aos minoritários — comparando-as com a situação vigente no
Brasil. Na segunda parte do trabalho, a ser publicada no próximo número
de Capital Aberto, analiso a independência da auditoria independente e a
supervisão regulatória, enquanto que na parte final discuto os demais pontos
levantados pela “Força Tarefa”: (a) a utilização de estruturas societárias complexas, (b) o papel desempenhado pelos prestadores de serviços (bancos de
investimento, advogados e corretores), (c) a atuação de analistas de investimentos e de agências de avaliação de risco e (d) a atuação em paraísos fiscais.
O Grupo Parmalat. A Parmalat Finanziaria SpA é uma sociedade aberta,
holding do Grupo Parmalat, que tinha uma atuação muito ativa no setor de
alimentos, operando em 30 países através de 250 subsidiárias. A Parmalat é
controlada pela família Tanzi, cujo principal representante era, ao mesmo
tempo, Presidente do seu Conselho de Administração e seu Diretor Presidente. De acordo com as recomendações do Código de Governança Corporativa
aplicável às sociedades listadas no mercado italiano, o Conselho de Administração da Parmalat era composto de 13 membros, dos quais 5 não executivos
e 3 independentes, dentre os quais 2 eram ligados, há muito tempo, a Calisto
Tanzi. O grupo Parmalat havia criado, no inicio de 2001, um Comitê de
Auditoria composto de 3 membros, dos quais apenas 1 era independente.
De 1990 a 1999 as demonstrações financeiras da Parmalat eram auditadas
pela Grant Thornton; de 1999 a 2003, em função do rodízio obrigatório da
empresa de auditoria, que prevalece na Itália, as demonstrações financeiras da
Parmalat passaram a ser auditadas pela Deloitte Touche Tohmatsu; não obstante, a Grant Thornton continuou, após 1999, a auditar as demonstrações
de um número significativo de subsidiárias da Parmalat.
Nas demonstrações financeiras que eram divulgadas pela Parmalat, seu
débito liquido consolidado não aparentava ser alto: no período entre 1997
e 2003 variou entre €1 bilhão e €2.8 bilhões, contra uma receita anual
de vendas, também consolidada, que variou entre €5.1 e €7.6 bilhões. A
Standard & Poor’s (S&P), que começou a analisar o risco da Parmalat em
novembro de 2000, atribuiu para seu risco de crédito BBB— (o menor
133
Infelizmente o Brasil ainda não teve
condições para assinar o Memorando
de Entendimento da IOSCO, uma vez
que a nossa legislação não permite
que a CVM possa ter acesso ao sigilo
bancário das pessoas que operam no
mercado de valores mobiliários, o que
prejudica sobremaneira sua atuação
fiscalizadora e punitiva. Iniciativas —
até agora infrutíferas — vêm sendo
desenvolvidas pela CVM, junto ao
Ministério da Fazenda, para que seja
editada uma lei que assegure à CVM
amplo poder de rastrear o movimento
bancário dos agentes de mercado.
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grau de “investment grade”) e, para o débito de curto prazo até dezembro
de 2003, A-3.
Nas demonstrações financeiras da Parmalat, de dezembro de 2002, os auditores deram um parecer sem ressalvas. Os eventos subseqüentes demonstraram, no entanto, que as demonstrações financeiras da Parmalat, para esse período, eram falsas, como foi apurado pela PriceWaterhouseCoopers (PwC),
contratada em meados de dezembro de 2003 para verificar a existência e o
valor dos ativos e das dívidas da Parmalat. A PwC concluiu que o valor dos
ativos líquidos da Parmalat era insignificante, ao mesmo tempo em que apurou que o valor das dívidas estava subestimado no expressivo montante de
€14.5 bilhões.
As deficiências apontadas no Relatório. O Relatório lista, como deficiências que podem ter facilitado a prática das fraudes, os seguintes pontos: (a) governança corporativa e proteção dos investidores, (b) vigilância e
acompanhamento do trabalho dos auditores independentes, (c) supervisão
regulatória, (d) a utilização de estruturas societárias complexas, (e) o papel
desempenhado pelos prestadores de serviços (bancos de investimento, advogados e corretores), (f ) a atuação de analistas de investimentos e de agências
de avaliação de risco e (g) a atuação em paraísos fiscais.
Governança Corporativa. O Relatório a define como o sistema composto de normas legais e regulamentares, de organização e de mecanismos
contratuais necessários para proteger os interesses dos acionistas, limitando
o comportamento oportunista dos seus administradores. Muitas companhias
têm o capital pulverizado, o que impede um investidor de controlá-la isoladamente ou de eleger a maioria dos membros do Conselho de Administração.
Nessa situação, os mecanismos de “governança” buscam proteger o interesse
de todos os investidores face aos administradores, cujos interesses não são
necessariamente coincidentes com os da companhia e de seus acionistas. Em
algumas circunstâncias, no entanto, um acionista (ou grupo deles) também
pode comandar a sociedade. Na Parmalat, em que a família Tanzi controlava
51% de seu capital votante, os mecanismos de “governança” deveriam procurar evitar que o detentor do controle majoritário dirigisse a companhia para
explorar os acionistas minoritários.
O Relatório ressalta que o colapso da Parmalat, da Enron e de outras companhias sempre teve origem na errada estrutura de governança. Os respectivos
Conselhos de Administração são acusados de falta de independência frente à
diretoria, principalmente pela não vigilância do desempenho da sociedade e
pela aprovação de uma série de transações com partes relacionadas, incluindo
a transferência de ativos para administradores e acionistas controladores134.
Outro ponto que mereceu destaque no Relatório são as alegações de que os
titulares de instrumentos de dívida de emissão da Parmalat foram preferidos
134
O alinhamento do Conselho de
Administração com os principais executivos é considerado problemático,
porque leva a uma ineficiente supervisão da atuação dos administradores
e possibilita o “oportunismo” dos administradores (com a utilização de ativos
da corporação para beneficio próprio).
Conselhos fracos causaram diversos escândalos, incluindo Enron, Worldcom, e
Vivendi Universal.
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por credores mais expressivos, do que resultou a assunção inadvertida, pelos
primeiros, do risco Parmalat.
Como aponta o Relatório, na melhor hipótese um Conselho de Administração fraco pode permitir que um projeto ruim, de escolha do controlador, venha a ser desenvolvido pela sociedade, enquanto que um Conselho
independente pode questionar a decisão de explorar uma oportunidade que
não trará resultados positivos. E, na pior hipótese, um Conselho fraco pode
aprovar a realização de operações com partes relacionadas que possibilitem
a apropriação, pelo controlador, de ativos ou de oportunidades que são da
companhia. Um Conselho independente funciona como uma salvaguarda
contra propostas que, apesar de poderem ser legítimas, foram inadequadamente desenvolvidas.
Situação no Brasil. A questão da governança corporativa, entre nós, ao
contrário do que ocorre em países com mercado mais desenvolvido, não está
relacionada à possibilidade que têm os administradores de expropriar direitos
dos minoritários; entre nós a principal preocupação é buscar evitar que o
acionista controlador, que detém o poder de comandar os destinos da companhia, elegendo a maioria de seus administradores, possa atuar contra o
interesse social, auferindo benefícios indevidos.
Como praticamente todas as nossas companhias abertas têm seu controle
concentrado nas mãos de uma família ou de um grupo de acionistas, é comum verificarmos que a maioria dos membros do Conselho seja vinculada
ao controlador, o que pode levar a uma falta de independência na sua atuação
como conselheiro135; também é corriqueiro que uma parcela dos membros da
diretoria executiva (1/3) possa integrar o Conselho, inclusive com a acumulação, pela mesma pessoa, das funções de Diretor Presidente e de Presidente do
Conselho. Também pode conspirar contra a independência dos integrantes
do Conselho a permissão, constante de nossa lei, de vinculação de voto do
administrador a decisão adotada em reunião prévia por signatários de acordos de acionistas136.
Porque está consciente dessa realidade, que reflete uma cultura enraizada em nossa sociedade, e que decorre de expressa disposição legal, a CVM
editou uma Cartilha137 contendo diversas recomendações que assegurem o
reforço da governança de nossas companhias. Especificamente quanto ao
Conselho de Administração, a CVM sugere que ele seja composto por 5 a 9
membros, tecnicamente qualificados, sempre que possível desvinculados da
diretoria, com pelo menos 2 com experiência em finanças e responsabilidade para acompanhar mais detalhadamente as práticas contábeis adotadas. O
mandato de todos os conselheiros deve ser unificado, com prazo de gestão de
1 ano, permitida a reeleição138.
A CVM também sugere que o conselho adote um regimento dispondo
sobre método de convocação de reuniões, direitos e deveres dos conselheiros,
135
Recente Relatório apresentado
pelo The Institute of International
Finance, Inc. indica a fragilidade de
nosso sistema ao mencionar que na
maioria das companhias o Conselho
de Administração é composto por
membros da família controladora ou
pelos seus representantes (advogados
ou banqueiros), com menos de 10%
deles sendo considerados genuinamente independentes. Os membros
do Conselho, segundo afirma dito
Relatório, adotam as decisões que
interessam as famílias controladoras e
raramente as companhias têm comitês
de auditoria. Geralmente matérias que
não têm maior importância estratégica
para o desenvolvimento dos negócios
dominam a agenda das reuniões do
Conselho, que não se envolve em planejamento estratégico ou na avaliação
do desempenho dos administradores.
136
Em diversos trabalhos, publicados
no nº 11 de Capital Aberto, o problema
é levantado.
137
A Cartilha pode ser examinada no
site da CVM: www.cvm.gov.br
138
Igual recomendação, quanto ao
mandato dos conselheiros, prevalece
nos Regulamentos do Nível 2 e do Novo
Mercado da Bovespa. A recomendação
sobre o número de membros leva em
conta que o conselho de administração
deve ser grande o suficiente para assegurar ampla representatividade, e não
tão grande que prejudique a eficiência.
Mandatos unificados facilitam a representação de acionistas minoritários no
conselho.
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relacionamento com a diretoria e procedimentos para solicitação de informações por conselheiros. O conselho deve ser autorizado a solicitar a contratação de especialistas externos para auxílio em decisões, quando considerar necessário. O estatuto deve autorizar qualquer membro do conselho a convocar
reuniões em caso de necessidade, quando o conselheiro que é encarregado
não o faz. De outro lado, os comitês especializados devem ser compostos por
alguns membros do conselho para estudar seus assuntos e preparar propostas,
as quais deverão ser submetidas à deliberação do conselho.
Como o conselho fiscaliza a gestão dos diretores, a CVM recomenda que,
para evitar conflitos de interesses, o seu presidente não deve ser também o seu
executivo principal.
Papel importante na conscientização de nossas companhias abertas quanto
à necessidade de terem um Conselho de Administração estruturado de maneira adequada, e composto por pessoas qualificadas e independentes, vem
sendo realizado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)
que, além de ter editado um Código cujas normas aconselham as companhias
a observar, organiza seguidos cursos de treinamento.
Proteção de Minoritários. O Relatório salienta que os minoritários podem ficar numa posição desvantajosa em relação aos majoritários, porque
os últimos exercem o controle da companhia. Enquanto majoritários e minoritários buscam manter o crescimento da companhia, a existência de um
acionista controlador, com as características que vigoram no Brasil, o coloca
numa posição que permite a expropriação de interesses dos investidores.
Muitas jurisdições cuidam da questão estabelecendo regras que vedam tal
prática e impondo ao Conselho de Administração o dever de proteger os
interesses de todos os acionistas; em tais jurisdições os administradores e
controladores que se utilizam sociedade em benefício próprio podem ser
processados pelos minoritários e, até mesmo, estar submetidos a procedimentos criminais. No entanto, como aponta o Relatório, é difícil para os
minoritários monitorar a performance da companhia, assim como supervisionar a atuação de seus administradores. Papel essencial na defesa dos
investidores é exercido pelo Conselho de Administração, formado por pessoas independentes, que devem atuar impedindo a realização de operações
que possam apenas beneficiar o controlador. Outra proteção se dá mediante
mecanismos — previstos em lei ou constantes do estatuto da companhia — que
assegurem o voto do minoritário em certos itens. Em algumas jurisdições a
Bolsa de Valores exige, para listar a companhia, que o seu estatuto contenha
regras que assegurem adequada proteção aos investidores; algumas poucas
jurisdições editam Códigos ou Cartilhas cujo cumprimento é encorajado
pelos respectivos órgãos reguladores.
Situação no Brasil. Nossa lei assegura boa proteção aos investidores.
Dentre inúmeros dispositivos que tratam da matéria temos (a) o art. 115,
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que explicita o dever de qualquer acionista de votar no interesse da companhia, considerando abusivo o voto exercido para causar dano à companhia
ou a outros acionistas, ou para obter, para si ou para terceiros, vantagem
indevida, (b) o art. 116, que define a responsabilidade do controlador, explicitando que o poder de controle deve ser utilizado para fazer a companhia
realizar seu objeto e cumprir sua função social, (c) o art. 117, que cria a
responsabilidade do controlador quando pratica atos com abuso de poder,
exemplificando situações que configuram aquela prática, (d) os arts. 155 e
156, que, respectivamente, estipula o dever de lealdade do administrador
para com a companhia e que veda a sua intervenção em operações nas quais
possa ter conflito de interesses. Também visa dar proteção aos investidores o
direito que a lei assegura ao minoritário de fiscalizar os negócios sociais, seja
pela possibilidade que ele tem de (a) requerer a exibição de livros (art. 105),
(b) pedir a convocação de assembléia geral (art. 123, § único, “a” e “c”), (c)
requerer a instalação de conselho fiscal, com a eleição de representantes e
(d) eleger membros para o Conselho de Administração, pela adoção do processo de voto múltiplo e, até mesmo, pela detenção de ações preferenciais
sem voto. O que é complicado, em nosso sistema, mesmo após a reforma de
2001, quando se reduziu — para as novas companhias — o limite de ações
sem direito a voto e quando se buscou, a meu juízo sem sucesso, reforçar as
vantagens das ações não votantes, é a existência de ações das quais é retirado
o direito de voto. Outro problema estrutural, na defesa dos interesses dos
minoritários, é o funcionamento de nosso poder judiciário, lento e pouco
especializado para dirimir as complexas questões que envolvem os direitos
dos investidores. Exatamente em virtude de tais deficiências é que a Bovespa
decidiu criar níveis diferenciados de listagem em seu pregão, especialmente o
Nível 2 de Governança e o Novo Mercado, nos quais, além assegurar voto a
todas as ações nas questões mais sensíveis aos minoritários, está previsto que
as divergências entre os acionistas e destes perante a companhia serão dirimidas por arbitragem, preferencialmente junto à Câmara do Mercado, integrada por especialistas em questões legais, contábeis e financeiras. Outro avanço
considerável em nossa legislação decorre de novo dispositivo da lei — o art.
124, § 5º — que faculta à CVM, a pedido de qualquer acionista, (a) aumentar para até 30 dias o prazo de convocação de assembléia geral da companhia,
quando esta tiver por objeto matéria complexa, que exija um exame mais
demorado pelos acionistas e (b) para interromper, por até 15 dias, o curso do
prazo de antecedência de convocação de assembléia, a fim de conhecer e analisar as propostas a serem submetidas à apreciação dos acionistas, informando
a CVM, até o final do prazo de interrupção, as razões pelas quais entende,
se for o caso, que dita proposta viola dispositivos vigentes. Essa faculdade,
que tem sido bastante utilizada, permite que os investidores possam recorrer
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ao Judiciário com respaldo da CVM, sempre que o regulador entender que
estará sendo submetida à apreciação dos acionistas uma proposta ilegal.
E) ESTUDO DE CASOS
Estudo de Caso I — Fraude na exportação de sandálias
• Empresa ABC descobriu que uma de suas subsidiárias, empresa XYZ,
estava sendo usada como uma ferramenta de fraude nas exportações
de sandálias para Europa.
• XYZ montou subsidiárias no Panamá e BVI. XYZ exportava sandálias
diretamente aos clientes. “Bills of lading” — conhecimentos de transporte — eram emitidos para entrega das sandálias aos clientes.
• Clientes deveriam pagar pelas sandálias depositando diretamente nas
contas das sociedades no Panamá e BVI.
• Faturas eram emitidas contra as sociedades no Panamá e BVI. Sociedades no Panamá e BVI se apropriavam indevidamente de 20% do
valor das vendas e remetiam o resto a ABC.
• A Fraude foi descoberta. Dinheiro das contas das sociedades no Panamá e BVI foi enviado para contas nos EUA, SUÍÇA e BVI.
• Como recuperar os ativos?
• Qual a estratégia?
• Ações em quais países?
• Onde iniciar o tracing?
• Há patrimônio nos EUA? Há patrimônio no Brasil?
• È possível fazer um back tracing?
• Questões relevantes na Suíça, BVI e EUA.
Estudo de Caso II — Sonegação de Ativos do Inventário
Executivo muito bem sucedido, casado, pai de 4 filhos, 60 anos de idade,
conhece jovem moça de vida fácil (ou difícil).
Executivo larga família e começa nova família com moça.
Executivo morre e jovem moça de vida fácil se torna inventariante dos
bens deixados por executivo.
Jovem moça de vida fácil sonega bens móveis e imóveis.
• Dinheiro das contas das sociedades nas Bahamas, Panamá e BVI foi
enviado para contas nos EUA, Suíça, Jérsei e BVI.
• Como recuperar os ativos?
• Qual a estratégia?
• Ações em quais países?
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
•
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Onde iniciar o tracing?
Há patrimônio nos EUA? Há patrimônio no Brasil?
È possível fazer um back tracing?
Questões relevantes na EUA, Suíça, Jérsei e BVI.
Dinheiro das contas das sociedades nas Bahamas, Panamá e BVI foi
enviado para contas nos EUA, Suíça, Jérsei e BVI.
•
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Como recuperar os ativos?
Qual a estratégia?
Ações em quais países?
Onde iniciar o tracing?
Há patrimônio nos EUA? Há patrimônio no Brasil?
È possível fazer um back tracing?
Questões relevantes na EUA, Suíça, Jérsei e BVI.
ESTUDO DE CASO III — FALÊNCIA DE EMPRESA ABC DECRETADA COM
EXTENSÃO DA FALÊNCIA AOS BENS DO QUOTISTA XYZ
• Empresa ABC distribui muito mais lucro do que poderia ao quotista
XYZ
• ABC (e XYZ) superfaturou contratos, desviou valores da empresa, fez
empréstimo e deixou de cobrar e etc e etc e etc.
• XYZ leva uma vida abastada com festas, amigos importantes “carros e
mulheres velozes e cavalos lentos”
• Decretada a falência da empresa ABC com extensão da falência ao
quotista XYZ
• Credor de quase todo o crédito de ABC contrata você para ir atrás de
ativos de ABC, desviados para contas de XYZ no exterior
• XYZ tem sociedades/contas nas BVIs, Cayman, EUA e Suíça
• XYZ tem jatinho de propriedade de empresa nas BVIs
• Dinheiro das contas das sociedades nas Bahamas, Panamá e BVI foi
enviado para contas nos EUA, Suíça, Jérsei e BVI.
• Como recuperar os ativos?
• Qual a estratégia?
• Ações em quais países?
• Onde iniciar o tracing?
• Há patrimônio nos EUA? Há patrimônio no Brasil?
• È possível fazer um back tracing?
Questões relevantes na EUA, Suíça, Jérsei e BVI.
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
F) GLOSSÁRIO
Governança Corporativa: Práticas e relacionamentos entre Acionistas/Cotistas,
Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal,
com a finalidade de otimizar o desempenho da empresa e facilitar o acesso ao capital. Estas práticas abrangem os assuntos relativos ao poder de controle e direção
de uma empresa, bem como as diferentes formas e esferas de seu exercício e os
diversos interesses que, de alguma forma, estão ligados à vida das sociedades comerciais. EnFin. A governança corporativa proporciona aos proprietários (acionistas
ou cotistas) a gestão estratégica de sua empresa e a monitoração efetiva da administração. As principais ferramentas que asseguram o controle da propriedade sobre a
gestão são o Conselho de Administração, a Auditoria Independente e o Conselho
Fiscal. A empresa que opta pelas práticas de governança corporativa adota como
linhas mestras a transparência, a prestação de contas (“accountability”) e a equidade.
No Brasil, os conselheiros profissionais e independentes começaram a surgir tanto
como conseqüência do crescimento da necessidade das médias empresas se profissionalizarem rapidamente, tendo em vista o processo de globalização, quanto das
primeiras privatizações de empresas estatais no país (Bovespa).
Novo Mercado. Segmento de listagem destinado à negociação de ações
emitidas por empresas que se comprometem, voluntariamente, com a adoção
de práticas de governança corporativa e “disclosure” adicionais em relação ao
que é exigido pela legislação. EnFin. A premissa básica é a de que a valorização e a liquidez das ações de um mercado são influenciadas positivamente
pelo grau de segurança que os direitos concedidos aos acionistas oferecem e
pela qualidade das informações prestadas pelas empresas. A entrada de uma
empresa no Novo Mercado significa a adesão a um conjunto de regras societárias, genericamente chamadas de boas práticas de governança corporativa,
mais rígidas do que as presentes na legislação brasileira.
Essas regras, consolidadas no Regulamento de Listagem, ampliam os direitos dos acionistas, melhoram a qualidade das informações usualmente
prestadas pelas companhias e, ao determinar a resolução dos conflitos por
meio de uma Câmara de Arbitragem, oferecem aos investidores a segurança
de uma alternativa mais ágil e especializada.
A principal inovação do Novo Mercado, em relação à legislação, é a proibição de emissão de ações preferenciais.
Resumidamente, a companhia aberta participante do Novo Mercado tem
como obrigações adicionais: a) realização de ofertas públicas de colocação de ações
por meio de mecanismos que favoreçam a dispersão do capital; b) manutenção em
circulação de uma parcela mínima de ações representando 25% do capital; c) extensão para todos os acionistas das mesmas condições obtidas pelos controladores
quando da venda do controle da companhia; d) estabelecimento de um mandato
unificado de 1 ano para todo o Conselho de Administração; e) disponibilização de
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
balanço anual seguindo as normas do US GAAP ou IAS GAAP; f) introdução de
melhorias nas informações prestadas trimestralmente, entre as quais a exigência de
consolidação e de revisão especial; g) obrigatoriedade de realização de uma oferta
de compra de todas as ações em circulação, pelo valor econômico, nas hipóteses
de fechamento do capital ou cancelamento do registro de negociação no Novo
Mercado; h) cumprimento de regras de “disclosure” em negociações envolvendo
ativos de emissão da companhia por parte de acionistas controladores ou administradores da empresa. Além de presentes no Regulamento de Listagem, alguns
desses compromissos deverão ser aprovados em Assembléias Gerais e incluídos no
Estatuto Social da companhia. Um contrato assinado entre a Bovespa e a empresa,
com a participação de controladores e administradores, fortalece a exigibilidade do
seu cumprimento (Bovespa).
Auditor Independente. Perito-contador que presta serviços de auditoria
independente a empresas. Para exercer atividade no âmbito do mercado de
valores mobiliários, está sujeito ao registro na CVM — Comissão de Valores
Mobiliários. Pode ser pessoa física ou jurídica, sociedade profissional, constituída sob a forma de sociedade limitada.
A CVM mantém cadastro dos responsáveis técnicos autorizados a emitir e
assinar parecer do auditor, em nome de cada empresa, no âmbito do mercado
de valores mobiliários (Bovespa).
G) QUESTÕES DE CONCURSO
1) Explique a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica.
2) Os acionistas minoritários ficam completamente à mercê dos majoritários, quanto à tomada de decisões na companhia?
3) Quais as principais medidas de controle, destinadas à proteção dos
acionistas minoritários, asseguradas pela legislação societária brasileira?
4) Em que difere o exercício de direito de recesso, no caso das sociedades
de pessoas, em comparação com as sociedades anônimas?
5) Quando o acionista dissidente discordar de deliberações da maioria e
pretender retirar-se da companhia, a que terá direito?
6) O que distingue o proprietário do acionista controlador?
7) Quais as características principais do acionista controlador?
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
13. AULA 15: OPERAÇÕES DE REORGANIZAÇÕES SOCIETÁRIA:
ASPECTOS TRIBUTÁRIOS
A) EMENTÁRIO DE TEMAS
Hipóteses de sucessão tributária. Transferência do passivo fiscal e sucessão
tributária. Aspectos práticos inerentes aos processos de reorganização de sociedades. Exemplos de planejamentos fiscais.
B) MATERIAL DE LEITURA
Leitura Básica
MUNIZ, Ian; Branco, Adriano Castello. Fusões e Aquisições — Aspectos
Fiscais e Societários. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva.
São Paulo: Dialética, 2001.
Leitura Complementar
ANNAN JUNIOR, Pedro. Fusão, Cisão e Incorporação de Sociedades —
Teoria e Prática. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latiin, 2005.
GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2008.
C) ROTEIRO DE AULA
Introdução139
Os processos de reorganizações de empresas, tais como as aquisições, incorporações, fusões e cisões, além de todos os aspectos societários que deverão
ser considerados, também trazem várias questões tributárias que precisam ser
avaliadas de antemão, podendo ser, em alguns casos, o ponto determinante
de algumas reestruturações.
Nesse breve estudo serão abordados alguns temas tributários recorrentes e
relacionados aos processos de reorganizações societárias.
Em primeiro lugar, serão expostas as hipóteses de sucessão tributária, onde
uma pessoa jurídica tem para si transferido o passivo fiscal pertencente à
139
Aula desenvolvida em conjunto
com o Professor Gustavo Goiabeira de
Oliveira.
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
outra sociedade, em decorrência do fato de assumir a condição de sucessora
tributária.
Na seqüência, serão tratados alguns aspectos práticos inerentes aos processos de reorganização de sociedades, tal como o encerramento do períodobase dos tributos, bem como a necessidade de apresentação pelas sociedades
envolvidas de declarações à Receita Federal do Brasil.
Por fim, serão expostos alguns exemplos de planejamentos fiscais possíveis
de serem utilizados pelas empresas através das reorganizações societárias, tais
como o aproveitamento de prejuízos fiscais e a utilização do ágio pago na
aquisição de participação societária e a amortização para fins de reduzir da
base de cálculo do Imposto da Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social Sobre o Lucro (CSL).
Sucessão Tributária nos processos de reorganização societária
Nas reorganizações societárias ocorre a responsabilidade por transferência,
na modalidade “sucessão”. Responsabilidade por transferência se dá depois
de ocorrido o fato gerador. A obrigação tributária surge contra o próprio
contribuinte, que realizou o fato gerador, mas é transferida ao responsável,
podendo-se manter ou não a figura do contribuinte no pólo passivo (solidária
ou subsidiariamente).
Especificamente para os processos de reorganização societária, o art. 132 do
Código Tributário Nacional traz as seguintes hipóteses de sucessão tributária:
“Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos
devidos até a data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas,
transformadas ou incorporadas.
Parágrafo Único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de
pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade
seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma
ou outra razão social, ou sob firma individual.”
Com fundamento nesse dispositivo do Código Tributário Nacional, está
afixada a responsabilidade, por sucessão, da sociedade resultante de processos
de incorporação, fusão ou transformação, no que se refere ao passivo tributário existente nas pessoas jurídicas fusionadas, transformadas ou incorporadas,
referentes aos tributos devidos até a data do evento.
Note-se que o art. 132 faz referência aos processos de fusão (A+B = C),
transformação (Sociedade Anônima em Limitada, ou fundação etc.), e in-
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
corporação (A+B = A) de sociedade, não existindo previsão expressa para a
hipótese de cisão (C = A+B).
A razão apontada para essa lacuna é que o Código Tributário Nacional
(1966) foi editado antes da Lei das S/A (1976), não existindo até então a figura
da cisão. A despeito da ausência de menção expressa, aplica-se a mesma regra.
Assim, em todo o processo de aquisição de uma sociedade, e mesmo nos
casos de reorganização societária dentro de um mesmo grupo de sociedades,
é necessário observar com prudência as regras de sucessão fiscal, com a realização de due diligence fiscal/contábil, de forma a confirmar o real passivo
fiscal que está sendo transferido para a sociedade que seja a resultante desse
processo de reorganização.
Sucessão Comercial
Além das hipóteses de sucessão fiscal por transferência apontadas acima,
e também relacionado ao tema das aquisições e reorganizações de empresas,
o art. 133 do Código Tributário Nacional prevê as hipóteses de sucessão comercial, onde uma pessoa jurídica adquire de outra fundo de comércio ou
estabelecimento. Vejamos o teor do art. 133:
“Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de
outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial,
industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou
outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos,
relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:
I — integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria
ou atividade;
II — subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou
iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no
mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.
A sucessão se dará com a cessão do fundo de comércio e com a continuação da exploração da respectiva atividade, com duas possíveis hipóteses:
(a) Quando o alienante cessa a exploração. Nesse caso a responsabilidade
será exclusiva e integral do adquirente; e
(b) Quando o alienante continua exercendo a atividade, ou iniciou uma
nova dentro de seis meses, a responsabilidade será apenas subsidiária.
FGV DIREITO RIO
144
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Aquisições com base na nova Lei de Recuperação de Empresas
A regra acima exposta hoje possui exceções derivadas das alterações promovidas no texto do Código Tributário Nacional pela Lei Complementar nº
118/2005 que teve por finalidade adaptar as regras tributárias à nova Lei de Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/2005). Essa Lei Complementar acrescentou os parágrafos 1º, 2º e 3º ao art. 133 do Código Tributário Nacional:
“Art. 133 (...)
§ 1o O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação
judicial: (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
I — em processo de falência; (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
II — de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação
judicial.(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
§ 2o Não se aplica o disposto no § 1o deste artigo quando o adquirente for:
(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
I — sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial; (Incluído pela Lcp nº
118, de 2005)
II — parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de
seus sócios; ou (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
III — identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação
judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária. (Incluído pela Lcp nº
118, de 2005)
§ 3o Em processo da falência, o produto da alienação judicial de empresa,
filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo de falência pelo prazo de 1 (um) ano, contado da data de alienação,
somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursais ou
de créditos que preferem ao tributário. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)”
Visando a dar maior segurança ao adquirente de unidade produtiva em
processos de recuperação de empresas, os citados dispositivos da Lei Complementar nº 118/2005 excluíram a responsabilidade no caso de alienação
judicial em: (a) processo de falência; (b) filial em processo de recuperação judicial. Exceções aplicáveis nos casos em que o adquirente for ligado à empresa
em falência ou em recuperação judicial, para se evitar fraude.
FGV DIREITO RIO
145
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Alguns Aspectos Práticos
ENCERRAMENTO DE PERÍODO-BASE
As operações de incorporação, cisão e fusão trazem como conseqüência
para as pessoas jurídicas incorporadora e incorporada, cisionada ou fundida,
a antecipação do encerramento do período-base para fins de incidência do
Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social Sobre o
Lucro (CSL), que em geral se dá em 31 de dezembro de cada ano. Tal comando se encontra previsto no art. 1º, § 1, da Lei n° 9.430/96, a seguir transcrito:
“Art. 1º A partir do ano-calendário de 1997, o imposto de renda das pessoas
jurídicas será determinado com base no lucro real, presumido, ou arbitrado, por
períodos de apuração trimestrais, encerrados nos dias 31 de março, 30 de junho,
30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário, observada a legislação
vigente, com as alterações desta Lei.
§ 1º Nos casos de incorporação, fusão ou cisão, a apuração da base de cálculo
e do imposto de renda devido será efetuada na data do evento, observado o disposto no art. 21 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.
§ 2º Na extinção da pessoa jurídica, pelo encerramento da liquidação, a apuração da base de cálculo e do imposto devido será efetuada na data desse evento.”
Em relação às pessoas jurídicas que figurarem como incorporadoras, e,
portanto, que permanecerão existentes após o processo de reorganização das
empresas envolvidas, tais pessoas jurídicas não precisarão antecipar o encerramento do seu período-base de apuração do IRPJ e da CSL caso tanto a incorporadora quanto a incorporada estivessem sob o mesmo controle societário,
conforme determina o art. 5º da Lei nº 9.959/2000:
“Art. 5º. Aplica-se à pessoa jurídica incorporadora o disposto no art. 21 da
Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e no § 1º do art. 1º da Lei nº 9.430,
de 1996, salvo nos casos em que as pessoas jurídicas, incorporadora e incorporada, estivessem sob o mesmo controle societário desde o ano-calendário anterior
ao do evento.”
NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DA DECLARAÇÃO DE INFORMAÇÕES ECONÔMICAS FISCAIS DA PESSOA JURÍDICA — DIPJ
Outro aspecto a ser observado pelas pessoas jurídicas que participarem
dos processos de reorganização societária e que tenham o período-base antecipado, conforme exposto acima, é a obrigação de apresentar a DIPJ relativa
ao período-base no qual ocorrer a operação, devendo a DIPJ ser entregue até
FGV DIREITO RIO
146
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
o último dia útil do mês subseqüente ao da ocorrência do evento, conforme
dispõe o art. 21 da Lei n° 9.429/95:
“Art. 21. A pessoa jurídica que tiver parte ou todo o seu patrimônio absorvido em virtude de incorporação, fusão ou cisão deverá levantar balanço específico
para esse fim, no qual os bens e direitos serão avaliados pelo valor contábil ou
de mercado.
§ 1º O balanço a que se refere este artigo deverá ser levantado até trinta dias
antes do evento.
§ 2º No caso de pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido ou
arbitrado, que optar pela avaliação a valor de mercado, a diferença entre este e
o custo de aquisição, diminuído dos encargos de depreciação, amortização ou
exaustão, será considerada ganho de capital, que deverá ser adicionado à base de
cálculo do imposto de renda devido e da contribuição social sobre o lucro líquido.
§ 3º Para efeito do disposto no parágrafo anterior, os encargos serão considerados incorridos, ainda que não tenham sido registrados contabilmente.
§ 4º A pessoa jurídica incorporada, fusionada ou cindida deverá apresentar
declaração de rendimentos correspondente ao período transcorrido durante o
ano-calendário, em seu próprio nome, até o último dia útil do mês subseqüente
ao do evento.”
Com a apresentação da DIPJ pela pessoa jurídica, o IRPJ e CSL devidos,
se for o caso, deverão ser recolhidos até o último dia útil do mês subseqüente
ao da ocorrência do evento da incorporação, fusão ou cisão.
Planejamento Fiscal
DIREITO À COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS (IRPJ) E BASES NEGATIVAS (CSL)
As sociedades que forem incorporadas e fusionadas em processos de reorganização de empresas não transferem às sociedades remanescentes o direito
à compensação dos prejuízos fiscais originalmente das sociedades que foram
incorporadas e fusionadas, conforme previsto no art. 514 do Regulamento
do Imposto de Renda (RIR/99) aprovado pelo Decreto nº 3.000/99:
“Art. 514. A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida (Decreto-Lei nº 2.341, de 1987, art. 33).
Parágrafo único. No caso de cisão parcial, a pessoa jurídica cindida poderá
compensar os seus próprios prejuízos, proporcionalmente à parcela remanescente
do patrimônio líquido (Decreto-Lei nº 2.341, de 1987, art. 33, parágrafo único).”
FGV DIREITO RIO
147
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
No caso de cisão parcial, ao contrário, conforme exposto no parágrafo
único do mesmo art. 514, a sociedade cindida permanece com o direito à
compensação dos prejuízos fiscais, mas em montante proporcional ao patrimônio líquido remanescente após a operação. Assim, a sociedade cindida
poderá aplicar sobre o saldo de prejuízos fiscais o percentual obtido por meio
da divisão do valor do patrimônio líquido remanescente.
O mesmo tratamento atribuído aos prejuízos fiscais de IRPJ deve ser atribuído às bases negativas de CSL, conforme dispõe o art. 22 da MP 2.15835/01. Assim, é possível afirmar que os prejuízos fiscais e bases negativas
não se transferem, mas só podem ser utilizados pelas próprias sociedades que
detinham tais prejuízos e bases negativas antes do processo de reorganização
societária.
Cabe ressaltar que, a despeito do que a Receita Federal entendia no
passado, não há vedação de incorporação de sociedade superavitária por
uma outra sociedade deficitária, permitindo assim a utilização dos prejuízos fiscais da incorporadora para redução do lucro tributável da sociedade
incorporada. Vejamos:
“IRPJ — SIMULAÇÃO NA INCORPORAÇÃO — Para que se possa materializar, é indispensável que o ato praticado não pudesse ser realizado, fosse por
vedação legal ou por qualquer outra razão. Se não existia impedimento para a
realização da incorporação tal como realizada e o ato praticado não é de natureza
diversa daquela que de fato aparenta, não há como qualificar-se a operação de
simulada. Os objetivos visados com a prática do ato não interferem na qualificação do ato praticado. Portanto, se o ato praticado era lícito, as eventuais conseqüências contrárias ao fisco devem ser qualificadas como casos de elisão fiscal e
não de “evasão ilícita.” (Ac. CSRF/01-01.874/94). IRPJ— INCORPORAÇÃO
ATÍPICA — A incorporação de empresa superavitária por outra deficitária, embora atípica, não é vedada por lei, representando negócio jurídico indireto.”
(Recurso nº 131653, 1ª Câmara do Conselho de Contribuintes, sessão de
28.02.2003)
Diante do exposto, como forma de maximizar o aproveitamento dos prejuízos fiscais detidos por uma sociedade deficitária, em processo de reorganização de empresas, é recomendável que está sociedade venha a incorporar
outra sociedade superavitária, permitido a diminuição do ônus fiscal.
Todavia, apesar de reconhecer a possibilidade de uma sociedade deficitária
incorporar uma sociedade superavitária, essa operação não deve existir apenas
formalmente, ou seja, apenas nos atos formais de incorporação de uma sociedade, devendo refletir a substância real da operação. Caso isso se configure
apenas uma incorporação formal, mas que não represente a real operação
ocorrida, a jurisprudência administrativa entende que se está diante de uma
FGV DIREITO RIO
148
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
operação de simulação, não validando o processo de reorganização societária
para efeitos tributários:
“IR — COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS DA EMPRESA INCORPORADORA COM OS LUCROS DA INCORPORANTE — VEDAÇÃO.
(...) Comprovado, com base nos elementos constantes dos autos, que a declaração de vontade expressa nos atos de incorporação era enganosa para produzir
efeito diverso do ostensivamente indicado, a autoridade fiscal não está jungida
aos efeitos jurídicos que os atos produziram, mas a verdadeira repercussão tributária dos fatos subjacentes.”
(Acórdão nº 101-83.921 da 1ª Câmara do Conselho de Contribuintes do
Ministério da Fazenda).
Ponto relevante nas operações de reorganização societária é o cuidado a
ser tomado pelas empresas envolvidas para que não se incorra na hipótese
de vedação ao uso de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa de CSL
próprios, das empresas incorporadoras e na sociedade remanescente em uma
cisão parcial, que teriam normalmente o direito ao aproveitamento, conforme exposto acima.
Isso porque, mesmo para essas empresas, caso a operação de reorganização
societária resulte em mudança de controle societário e do ramo de atividade
da incorporadora ou cindida parcial, tal sociedade ficará impedida de compensar seus prejuízos fiscais e base negativa de CSL por expressa vedação legal
prevista no art. 513 do RIR/99:
“Art. 513. A pessoa jurídica não poderá compensar seus próprios prejuízos
fiscais se entre a data da apuração e da compensação houver ocorrido, cumulativamente, modificação de seu controle societário e do ramo de atividade (Decreto-Lei nº 2.341, de 29 de junho de 1987, art. 32).”
Dessa forma, caso uma sociedade com prejuízos fiscais próprios, venha a
incorporar sociedade lucrativa, mas tenha, cumulativamente, modificado o
seu controle societário e o ramo de atividade, a incorporadora não poderá
aproveitar seus próprios prejuízos fiscais.
Limitação à Compensação dos Prejuízos Fiscal e Bases Negativas de CSL
A partir de 1º de janeiro de 1995 a compensação dos prejuízos fiscal e
bases negativas de CSL ficaram sujeitos à limitação de 30% do valor do lucro
real e da base de cálculo da CSL, contra os quais serão compensados. Essa
limitação foi originariamente previstas nos artigos 42 (IRPJ) e 58 (CSL) da
FGV DIREITO RIO
149
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Lei nº 8.981/95, posteriormente complementados pelos artigos 15 e 16 da
Lei nº 9.065/95, a seguir transcritos:
“Art. 15. O prejuízo fiscal apurado a partir do encerramento do ano-calendário de 1995, poderá ser compensado, cumulativamente com os prejuízos fiscais
apurados até 31 de dezembro de 1994, com o lucro líquido ajustado pelas adições
e exclusões previstas na legislação do imposto de renda, observado o limite máximo, para a compensação, de trinta por cento do referido lucro líquido ajustado.
Parágrafo único. O disposto neste artigo somente se aplica às pessoas jurídicas que mantiverem os livros e documentos, exigidos pela legislação fiscal,
comprobatórios do montante do prejuízo fiscal utilizado para a compensação.”
“Art. 16. A base de cálculo da contribuição social sobre o lucro, quando
negativa, apurada a partir do encerramento do ano-calendário de 1995, poderá
ser compensada, cumulativamente com a base de cálculo negativa apurada até
31 de dezembro de 1994, com o resultado do período de apuração ajustado
pelas adições e exclusões previstas na legislação da referida contribuição social,
determinado em anos-calendário subseqüentes, observado o limite máximo de
redução de trinta por cento, previsto no art. 58 da Lei nº 8.981, de 1995.
Parágrafo único. O disposto neste artigo somente se aplica às pessoas jurídicas que mantiverem os livros e documentos, exigidos pela legislação fiscal,
comprobatórios da base de cálculo negativa utilizada para a compensação.”
Os dispositivos que originariamente criaram a limitação ao aproveitamento do prejuízo fiscal e base negativa foram contestados pelos contribuintes
judicialmente, sob a alegação de que, com a limitação, estaria sendo tributada
algo além da renda, devido à vedação de reduzir a base de cálculo.
Todavia, a jurisprudência se consolidou no sentido de reconhecer como
legitima a vedação, já que não se estaria vedando a utilização dos prejuízos
fiscais e base negativa, apenas postergando suas utilizações. Cite-se a decisão
abaixo do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO — IMPOSTO DE RENDA E
CSSL — PREJUÍZOS FISCAIS — COMPENSAÇÃO — LIMITAÇÃO —
LEI 8.981/95, ARTS. 42 E 58 — PRECEDENTES/STJ.
A limitação (30%) de compensação dos prejuízos fiscais indicados no balanço das empresas para o exercício de 1995 é legítima porque não impede o
abatimento, nos anos seguintes, dos 70% (setenta por cento) restantes, até o
limite total. Ressalva do ponto de vista do relator. Recurso especial conhecido,
mas improvido.”
(RESP nº 548687, 2ª Turma do STJ, Mis. Francisco Peçanha Martins, DJ
13.02.2006).
FGV DIREITO RIO
150
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Visto isso, cabe analisar os efeitos dessa vedação sobre as operações de incorporação, fusão ou cisão total em que será extinta a sociedade incorporada,
fusionada ou cindida, visto que essas sociedades não terão como se utilizar
no futuro dos saldos remanescentes de prejuízos fiscais e bases negativas de
CSL acumuladas.
Ora, sendo a justificativa para admitir a legalidade da limitação imposta ao aproveitamento dos prejuízos fiscais e bases negativas o fato de que é
possível a utilização do saldo remanescente no futuro, e considerando que as
empresas extintas durante os processos de reorganização societária não terão
esse futuro, deve se admitir a utilização integral desses valores. A incorporada,
fusionada ou cindida devem ser autorizadas a utilizar 100% de seus prejuízos
fiscais e bases negativas na data do evento que resulte na sua extinção.
Esse entendimento já foi referendado pelo Conselho de Contribuintes do
Ministério da Fazenda, por meio de seu órgão superior, a Câmara Superior
de Recursos Fiscais:
“INCORPORAÇÃO — DECLARAÇÃO FINAL DE INCORPORADA.
LIMITAÇÃO DE 30% NA COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS. INAPLICABILIDADE. No caso de compensação de prejuízos fiscais na última declaração de rendimentos da incorporada, não se aplica a norma de limitação a 30%
do lucro líquido ajustado.”
(Acórdão nº 01-04.258, Câmara Superior de Recursos Fiscais)
Ágio na aquisição de participação societária
O ágio ou o deságio são, respectivamente, as diferenças positivas ou negativas entre o valor patrimonial de uma participação societária e o valor
efetivamente pago pela sociedade adquirente desta participação societária.
Trataremos aqui do ágio verificado nos processos de aquisição de participações societárias, com especial enfoque na utilização desse ágio para posterior
redução da tributação em decorrência de processos de reorganização de empresas.
Na aquisição de participação societária com ágio, o valor pago deverá ser
desdobrado na contabilidade da sociedade adquirente entre o valor do patrimônio líquido na época da aquisição, e o valor do ágio ou deságio, entendido
como a diferença entre o custo de aquisição e o valor de patrimônio líquido.
Assim dispões o art. 385 do RIR/99:
“Art. 385. O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada
ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição
FGV DIREITO RIO
151
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
da participação, desdobrar o custo de aquisição em (Decreto-Lei nº 1.598, de
1977, art. 20):
I — valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de
acordo com o disposto no artigo seguinte; e
II — ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor de que trata o inciso anterior.
§ 1º O valor de patrimônio líquido e o ágio ou deságio serão registrados
em subcontas distintas do custo de aquisição do investimento (Decreto-Lei nº
1.598, de 1977, art. 20, § 1º).
§ 2º O lançamento do ágio ou deságio deverá indicar, dentre os seguintes,
seu fundamento econômico (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 20, § 2º):
I — valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada superior ou
inferior ao custo registrado na sua contabilidade;
II — valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão
dos resultados nos exercícios futuros;
III — fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas.
§ 3º O lançamento com os fundamentos de que tratam os incisos I e II
do parágrafo anterior deverá ser baseado em demonstração que o contribuinte
arquivará como comprovante da escrituração (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977,
art. 20, § 3º).
Como visto, as razões que podem justificar o ágio previstas na legislação
fiscal são (a) o valor de mercado dos bens que integram o ativo da sociedade adquirida, maior que o valor patrimonial indicado na contabilidade da
adquirida; (b) o valor da expectativa da rentabilidade futura da sociedade
adquirida (em geral com base no fluxo de caixa descontado); e (c) fundo de
comércio, intangíveis e outras razões econômicas.
Ponto tratado especificamente pela legislação fiscal, mas que em determinadas operações não é observado pelas sociedades é a necessidade de se
justificar, com demonstração contábil técnica, o ágio baseado no valor de
mercado dos bens, e na expectativa de rentabilidade futura. A ausência desse
laudo técnico irá inviabilizar, por exemplo, o aproveitamento fiscal do ágio,
conforme visto a seguir.
De fato, quando uma sociedade absorve patrimônio de outra, via um processo de reorganização societária, o ágio eventualmente existente poderá ser
utilizado para reduzir a base de cálculo na pessoa jurídica sucessora, na forma
do art. 386 do RIR/99:
“Art. 386. A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de
incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida
com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no artigo anterior (Lei nº
9.532, de 1997, art. 7º, e Lei nº 9.718, de 1998, art. 10):
FGV DIREITO RIO
152
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
I — deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento seja o de
que trata o inciso I do § 2º do artigo anterior, em contrapartida à conta que
registre o bem ou direito que lhe deu causa;
II — deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata o
inciso III do § 2º do artigo anterior, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita a amortização;
III — poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata
o inciso II do § 2º do artigo anterior, nos balanços correspondentes à apuração
de lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão
de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração;
IV — deverá amortizar o valor do deságio cujo fundamento seja o de que
trata o inciso II do § 2º do artigo anterior, nos balanços correspondentes à apuração do lucro real, levantados durante os cinco anos-calendário subseqüentes à
incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no mínimo, para cada
mês do período de apuração. (...)”
Com base nos dispositivos legais acima transcritos, a maioria das operações de aquisição de empresas se dá com base na expectativa de rentabilidade
futura da sociedade adquirida, em geral calculada com base no fluxo de caixa
descontado, em média de cinco anos. Assim o adquirente irá registrar o ágio
da operação com base no art. 385, § 2º, inciso II.
Posteriormente, com base no art. 386, inciso III, é realizado processo de
reorganização societária onde, por meio de uma incorporação, uma pessoa
jurídica absorva outra, sendo permitida a amortização desse ágio na apuração do lucro real, à razão de 1/60, no máximo, para cada mês do período de
apuração.
Assim, o valor que foi pago à título de ágio originalmente na aquisição
de participação societária poderá ser utilizado para reduzir a base de cálculo
de incidência do Imposto de Renda. Observe-se que, além da incorporação
da sociedade investida pela investidora, que seria o caminho mais natural,
é permitido que a sociedade investida venha a incorporar a investidora, e,
assim também ter direito de amortizar o ágio originalmente pago pela investidora. Nesse sentido já decidiu o Conselho de Contribuintes do Ministério
da Fazenda:
“Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica — IRPJ
Ano-calendário: 2002
AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO. INCORPORAÇÃO DE PESSOA JURÍDICA CONTROLADORA POR SUA CONTROLADA. ANO-CALENDÁRIO 2002. É permitida a amortização de ágio nas situações em que uma pessoa
jurídica absorve patrimônio de outra, em conseqüência de incorporação, na qual
detenha participação societária adquirida com ágio, apurado segundo o disposto
FGV DIREITO RIO
153
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
no artigo 385 do RIR/99, inclusive no caso de incorporação da controladora por
sua controlada. Tratando-se de fundamento econômico lastreado em previsão
de resultados nos exercícios futuros, a amortização se dá nos balanços correspondentes à apuração do lucro real, levantados posteriormente à incorporação,
à razão de 1/60 (um sessenta avos), no máximo, para cada mês do período de
apuração.
INCORPORAÇÃO DE EMPRESA. AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO. NECESSIDADE DE PROPÓSITO NEGOCIAL. UTILIZAÇÃO DE “EMPRESA VEÍCULO”. Não produz o efeito tributário almejado pelo sujeito passivo a
incorporação de pessoa jurídica, em cujo patrimônio constava registro de ágio
com fundamento em expectativa de rentabilidade futura, sem qualquer finalidade negocial ou societária, especialmente quando a incorporada teve o seu capital
integralizado com o investimento originário de aquisição de participação societária da incorporadora (ágio) e, ato contínuo, o evento da incorporação ocorreu
no dia seguinte. Nestes casos, resta caracterizada a utilização da incorporada
como mera “empresa veículo” para transferência do ágio à incorporadora.”
(Recurso nº 152980, 3ª Câmara do Conselho de Contribuintes, sessão de
05.12.2007)
Como visto na parte final da decisão acima transcrita, apesar de ser permitida a amortização do ágio no caso de incorporação da controladora pela
controlada, caso não reste demonstrado o propósito negocial, essa amortização não será permitida pelas autoridades fiscais.
D) TEXTOS DE APOIO
Operarações de Incorporação, Cisão,
Fusão e Transformação — Aspectos Fiscais
Anna Beatriz Luz, Desiree Perón e Juliana Kac 140
CONTEXTUALIZAÇÃO
As reestruturações societárias envolvendo incorporação, fusão e cisão
constituem operações em que pessoas jurídicas (“PJ”) transferem direitos e
obrigações para outra PJ. Neste sentido, representa um processo de sucessão
em que a PJ sucessora se torna detentora do patrimônio que lhe foi transferido para o exercício de uma atividade empresarial.
No que se refere à obrigação tributária, o Código Tributário Nacional, ao
disciplinar a matéria determina que a nova sociedade ou a remanescente será
responsável pelos tributos devidos pelas incorporadas, cindidas ou fusionadas:
140
Alunas do Curso de Direito da FGV
Direito Rio.
FGV DIREITO RIO
154
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
”Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos
devidos até a data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas,
transformadas ou incorporadas.”
1. INCORPORAÇÃO
As operações de incorporação encontram-se definidas pelo artigo 227 da Lei
6.404/76 (“LSA”), abaixo transcrito:
“Art. 227 — A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades
são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.”
Sendo assim, verifica-se que em operações de incorporação, a sociedade
incorporadora absorve a incorporada, que será extinta, sucedendo todos os
direitos e obrigações da última.
O patrimônio líquido (“PL”) e o capital social (“CS”) da sociedade incorporadora, desta forma, será acrescido pelo PL e CS da incorporada. No
que se refere aos sócios ou acionistas da incorporada, estes passarão a possuir
investimentos na incorporadora.
Abaixo, esquema de operação de incorporação entre empresas de um mesmo grupo econômico:
Antes da incorporação:
FGV DIREITO RIO
155
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Após a incorporação:
2. FUSÃO
Na fusão, duas ou mais sociedades se unem para formação de uma nova
sociedade; esta sociedade sucederá as demais em todas as suas obrigações e
direitos extinguindo-as.
A LSA, em seu artigo 228, define tal operação como:
“Art. 228. A fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades
para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações.”
Abaixo, esquema de operação de fusão:
Antes da fusão:
FGV DIREITO RIO
156
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Após a fusão:
3. CISÃO
Em operações de cisão uma sociedade transfere parte de seu patrimônio
para uma ou mais sociedades, que podem ser pré-existentes ou não.
A LSA assim define tais operações:
“Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do
seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já
existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu
patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.”
A cisão, neste sentido, pode ser parcial ou total. Na primeira, somente
uma parte do patrimônio é transferido enquanto na segunda o patrimônio é
completamente transferido extinguindo-se a sociedade cindida.
Abaixo, esquema de operação de cisão parcial sem incorporação:
Antes da cisão parcial de B:
FGV DIREITO RIO
157
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Após a cisão parcial de B:
4. TRANSFORMAÇÃO
A transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo societário para outro (LSA
— art. 220). Ocorre, por exemplo, quando uma sociedade limitada se transforma em anônima.
5. IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA (“IRPJ”) E CONTRIBUIÇÃO
SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO (“CSL”)
a. Encerramento de Período Base — Declaração de Informações Econômicas Fiscais
da Pessoa Jurídica (“DIPJ”)
Nas reestruturações societárias envolvendo incorporação, fusão e cisão de
sociedades, as sociedades incorporadora e incorporada, cisionada ou fundida
devem encerrar o período-base para fins de incidência de IRPJ e CSL. Tal
obrigatoriedade foi imposta pela Lei 9.430/97, nos seguintes termos:
“Art. 1º A partir do ano-calendário de 1997, o imposto de renda das pessoas
jurídicas será determinado com base no lucro real, presumido, ou arbitrado, por
períodos de apuração trimestrais, encerrados nos dias 31 de março, 30 de junho,
30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário, observada a legislação
vigente, com as alterações desta Lei.
§ 1º Nos casos de incorporação, fusão ou cisão, a apuração da base de cálculo
e do imposto de renda devido será efetuada na data do evento, observado o disposto no art. 21 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.
§ 2° Na extinção da pessoa jurídica, pelo encerramento da liquidação, a apuração da base de cálculo e do imposto devido será efetuada na data desse evento.”
FGV DIREITO RIO
158
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Importante observar que, nos casos em que as sociedades envolvidas na
operação de incorporação estiverem submetidas ao mesmo controle societário, desde o ano-calendário anterior ao do evento, não existe a necessidade
quanto ao encerramento do período-base.
Como conseqüência do encerramento do período-base as sociedade estão
obrigadas a apresentação da DIPJ até o último dia útil do mês subseqüente
ao da ocorrência do evento.
a. Compensação de Prejuízos Fiscais/ Bases Negativas da CSL
O direito a compensação de prejuízos fiscais é somente autorizado em
operações de cisão parcial em montante proporcional a parcela remanescente
do patrimônio líquido.
Nos demais casos (incorporação e fusão) não há direito`a compensação de
prejuízos fiscais, conforme dispõe o art. 514 do Decreto 3.000/99 (“RIR”):
“Art. 514. A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida (Decreto-Lei nº 2.341, de 1987, art. 33).
Parágrafo único. No caso de cisão parcial, a pessoa jurídica cindida poderá
compensar os seus próprios prejuízos, proporcionalmente à parcela remanescente
do patrimônio líquido (Decreto-Lei nº 2.341, de 1987, art. 33, parágrafo único).”
Até julho de 1999 o direito`a compensação de bases negativas de CSL era
permitido nas operações de incorporação, fusão e cisão por falta de vedação
legal. Contudo, em 11.04.2000 foi editada a Medida Provisória 1991-16/00
que vedou tal possibilidade. Atualmente esta em vigor a MP 2158-35/01 que
manteve tal disposição.
Note-se que não haverá a possibilidade de compensar os prejuízos apurados entre a data da apuração e da compensação em caso de incorporação e
cisão que resulte em alteração do controle societário ou do ramo de atividade
da incorporadora (art. 513 do RIR).
a. Incorporação de empresa lucrativa por outra com prejuízos acumulados
Apesar de ser vedado a compensação de prejuízos em hipótese em que a
empresa lucrativa incorpore a sociedade com prejuízos, não há vedação legal
restringindo a hipótese contraria.
Dessa forma, atualmente o planejamento tributário que tem sido realizado para o aproveitamento de prejuízos fiscais consiste na realização de opera-
FGV DIREITO RIO
159
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
ção de incorporação reversa (`as avessas). Nesse sentido, citamos o seguinte
precedente da Câmara Superior de Recursos Fiscais (“CSRF”):
“IRPJ — INCORPORAÇÃO ÀS AVESSAS — GLOSA DE PREJUÍZOS
— IMPROCEDÊNCIA — A denominada “incorporação às avessas”, não proibida pelo ordenamento jurídico, realizada entre empresas operativas e que sempre estiveram sob controle comum, não pode ser tipificada como operação simulada ou abusiva, mormente quando, a par da inegável intenção de não perda
de prejuízos fiscais acumulados, teve por escopo a busca de melhor eficiência das
operações entres ambas praticadas.” Acórdão n. 01-05.413
A despeito de tais operações terem sido reconhecidas como licitas pela
jurisprudência administrativa há decisões que consideram as mesmas como
fraude ou simulação. Deve-se atentar ao risco da operação poder ser, portanto, desconsiderada pelo Fisco, o que provocara a incidência de multa qualificada e a impossibilidade de aproveitamento do prejuízo. Cite-se, por todos, o
seguinte acórdão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”
— antigo Conselho de Contribuintes):
“COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS — Os prejuízos compensáveis, de
acordo com a legislação fiscal (RIR/80, art. 382) são os sofridos pela própria
pessoa jurídica, sendo defesa a compensação de prejuízos da empresa incorporada com os lucros da incorporante. Comprovado, com base nos elementos constantes dos autos, que a declaração de vontade expressa nos atos de incorporação
era enganosa para produzir efeito diverso do ostensivamente indicado, a autoridade fiscal não está jungida aos efeitos jurídicos que os atos produziram, mas à
verdadeira repercussão tributária dos fatos subjacentes. MULTA QUALIFICADA — Configurado o evidente intuito de reduzir a base de cálculo do imposto
através de fraude à lei fiscal, justifica-se a aplicação da multa qualificada prevista
no inciso III do artigo 728 do RIR/80. MULTA AGRAVADA — Não se configurando na espécie o evidente intuito de fraude de que trata o inciso III do art.
728 do RIR/80, impõe-se a desqualificação da penalidade imposta.” Acórdão n.
101-83.921
a. Ganhos e perdas de capital
A incorporação, fusão e cisão poder gerar perdas ou ganhos de capital,
decorrente da diferença entre o valor contábil das quotas ou ações extintas e
o valor do acervo liquido que as substituir, nos termos do art. 430 do RIR:
FGV DIREITO RIO
160
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
“Art. 430. Na fusão, incorporação ou cisão de sociedades com extinção de
ações ou quotas de capital de uma possuída por outra, a diferença entre o valor
contábil das ações ou quotas extintas e o valor de acervo líquido que as substituir
será computada na determinação do lucro real de acordo com as seguintes normas (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 34):
I — somente será dedutível como perda de capital a diferença entre o valor
contábil e o valor do acervo líquido avaliado a preços de mercado, e o contribuinte poderá, para efeito de determinar o lucro real, optar pelo tratamento da
diferença como ativo diferido, amortizável no prazo máximo de dez anos;
II — será computado como ganho de capital o valor pelo qual tiver sido
recebido o acervo líquido que exceder ao valor contábil das ações ou quotas
extintas, mas o contribuinte poderá, observado o disposto nos §§ 1º e 2º, diferir
a tributação sobre a parte do ganho de capital em bens do ativo permanente, até
que esse seja realizado.
§ 1º O contribuinte somente poderá diferir a tributação da parte do ganho
de capital correspondente a bens do ativo permanente se (Decreto-Lei nº 1.598,
de 1977, art. 34, § 1º):
I — discriminar os bens do acervo líquido recebido a que corresponder o
ganho de capital diferido, de modo a permitir a determinação do valor realizado
em cada período de apuração; e
II — mantiver, no LALUR, controle do ganho de capital ainda não tributado, cujo saldo ficará sujeito à atualização monetária até 31 de dezembro de 1995
(Lei nº 9.249, de 1995, art. 6º, e parágrafo único).
§ 2º O contribuinte deve computar no lucro real de cada período de apuração a parte do ganho de capital realizada mediante alienação ou liquidação, ou
através de quotas de depreciação, amortização ou exaustão e respectiva atualização monetária até 31 de dezembro de 1995, quando for o caso, deduzidas como
custo ou despesa operacional (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 34, § 2º, e Lei
nº 9.249, de 1995, art. 6º, e parágrafo único).”
Desta forma, a diferença será computada no lucro real, aumentando ou
diminuindo o imposto a ser recolhido, conforme o caso.
a. Ágio/deságio
O ágio ou deságio, em operações de aquisição societária avaliadas pelo
método de equivalência patrimonial (MEP), resta configurado quando há
diferença entre o valor do patrimônio líquido contábil — PLC da investida
FGV DIREITO RIO
161
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
e o custo de sua aquisição. Sendo assim, caso o montante investido (custo
de aquisição) seja maior do que o valor constante do PLC da investida, esta
diferença deverá ser contabilizada como ágio no balanço patrimonial — e
seus reflexos na demonstração de resultado do exercício — da sociedade investidora que utilize o MEP.
Isto, pois, com base no disposto nos artigos 7 e 8 da lei n° 9.532/97, o referido ágio é dedutível na apuração do lucro real do Imposto de Renda — IR
caso seja oriundo de incorporação, fusão ou cisão, configurando-se exceção
à regra constante no artigo 23, parágrafo único, do Decreto-lei n° 1.598/77.
O registro do ágio ou deságio averiguado, deverá ser registrado em subcontas distintas do custo de aquisição do investimento, sendo necessário indicar a razão, o fundamento, de sua existência.
Sendo assim, tendo em vista que o ágio oriundo de incorporações, fusões
ou cisões é dedutível na apuração do Imposto de Renda — IR, este se mostra
como um benefício fiscal essencial para viabilizar tais operações.
6. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA E SERVIÇO (“ICMS”)
O ICMS incide sobre a circulação de mercadorias e a prestação de serviços
de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Se a operação
de incorporação, fusão ou cisão provocar a transferência física de estoque ou
imobilizado de um estabelecimento comercial para outro, incidirá ICMS.
7. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (“IPI”)
O IPI incide sobre produtos industrializados, nacionais e estrangeiros,
obedecidas as especificações constantes da Tabela de Incidência do IPI. Assim como no ICMS, se a operação de incorporação, fusão ou cisão provocar
a transferência física de estoque ou imobilizado de um estabelecimento comercial para outro e estiver disposto na tabela, incidirá IPI.
8. IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS (“ITBI”)
O ITBI incide sobre a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato
oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.
O referido imposto encontra-se previsto no art. 156, II da Constituição
Federal (“CF”), assim como exceção a regra acima exposta em casos de incorporação, fusão e cisão, nos seguintes termos:
FGV DIREITO RIO
162
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
“Art. 156 § 2º — O imposto previsto no inciso II: I — não incide sobre a
transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica
em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente
de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens
ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;”
Observe que, nas hipóteses em que a atividade preponderante da incorporadora/sucessora for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de
bens imóveis ou arrendamento mercantil haverá a incidência do ITBI.
O CTN, em seu artigo 37, define atividade preponderante como:
“Art. 37. § 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida
neste artigo quando mais de 50% (cinqüenta por cento) da receita operacional
da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos
subseqüentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.”
Atualmente, a alíquota do ITBI no Rio de Janeiro é de 4%.
FGV DIREITO RIO
163
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
14. AULA 16: O USO DOS FUNDOS DE INVESTIMENTOS EM PARTICIPAÇÕES FIP
Obs. Esta aula extra não está incluída no plano de aulas do curso e somente será administrada em caso de sobra de tempo no fim do período letivo.
A) EMENTÁRIO DE TEMAS
O Uso dos Fundos de Investimento em Participações.
B) MATERIAL DE LEITURA
Leitura Complementar
ROCHA, Tatiana Nogueira. “Fundos de Investimento e o Papel do Administrador”. São Paulo: Ibmec Law, 2006.
C) ROTEIRO DE AULA
O Uso de Fundos de investimentos em Participações.
Não obstante o fato do mercado de capitais no Brasil oferecer a um investidor uma enorme gama de produtos, o fundo de investimento em participações é um conceito relativamente novo.
Até o ano de 2003 as poucas experiências existentes no mercado brasileiro
de constituição de fundos com as características de um “private equity” decorreram da adaptação das regras aplicáveis aos fundos de investimentos em ações
FIA, o que criava inúmeras restrições à correta utilização do instituto. 141
Esta incerteza permaneceu até que a Comissão de Valores Mobiliários —
CVM baixou a Instrução No. 391, de 16 de julho de 2003, regulando os
Fundos de Investimento em Participações — FIPs, o veiculo ideal para investimento em fundos de private equity. O propósito dos FIPs é de adquirir
ações, debêntures, warrants e outros títulos conversíveis ou permutáveis por
ações emitidas por companhias abertas ou fechadas. É uma condição para
qualquer investimento com FIPs que haja uma efetiva participação na administração da companhia em que se está investindo, através, por exemplo, da
nomeação de diretores.
O FIP é um instrumento bastante utilizado em economias mais desenvolvidas, isto porque admite que a empresa, que ainda não atingiu um estágio e um
porte que lhe permitam acessar o mercado através de oferta primária de ações
141
Fundos de Investimentos em Participações ( FIP ) — mais um Instrumento
para Redução do Custo Brasil. Luiz Leonardo Cantidiano.
FGV DIREITO RIO
164
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
(IPO), mas que necessita de capital para desenvolver seus negócios, modernizar-se e conquistar mais mercado, venha a captar, por prazos longos, recursos
fornecidos por investidores que estão dispostos a correr os riscos inerentes ao
salto que a empresa investida pretende dar, buscando alcançar maiores lucros,
derivados não apenas do retorno que possa ser alcançado pelo recebimento de
dividendos futuros, mas especialmente da expectativa de valorização da ação
que possibilite, quando do IPO, um expressivo ganho de capital.142
O FIP pode participar no processo de decisão da companhia através dos
seguintes mecanismos:
• detendo ações que são parte do bloco de controle;
• entrando em acordos de acionistas; ou
• tomando quaisquer outras medidas que garantam a efetiva influência do
FIP na administração da companhia ou nas políticas estratégicas desta.
O arcabouço regulatório dos FIPs é flexível. Há alguns requisitos de como
estes deverão ser administrados: o estatuto tem flexibilidade substancial em
dispor como regular o requisito do capital mínimo, a política de investimento,
chamadas para investir capital, distribuição de resultados. As ofertas públicas
dos FIPs estão sujeitas a requisitos mínimos de registro que são flexíveis, já que
seus investidores são considerados investidores sofisticados, que tem condições
de avaliar as perspectivas e os riscos desta forma de investimento.
FIPs em companhias em recuperação.
A Instrução 391 permite que FIPs investam em companhias sob recuperação mediante o uso de ativos ou créditos para compra de ações. Esta Instrução
requer que tais ativos ou créditos sejam avaliados e que esta avaliação conste
em um relatório de avaliação feita por um expert que seja relacionado ao procedimento de recuperação. Credores podem, portanto, usar seus créditos para
investir na companhia, um aspecto que mudou, de forma dramática, todo o
cenário das relações entre credores e investidores em companhias insolventes.
Benefícios de se Usar os FIPs
Geralmente, os FIPs são administrados por terceiros a fim de que:
• sejam maximizados os retornos financeiros dos credores que vão receber quotas dos fundos como pagamento pelas suas demandas; e
• seja dada mais credibilidade, transparência e segurança ao planos de
reorganização.
142
Idem.
FGV DIREITO RIO
165
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Através desta estrutura, credores que têm interesse em comum podem
melhorar suas posições de negociação a fim de exercerem um papel mais importante durante a reorganização da empresa, permitindo a estes receber seus
créditos e aumentar seus ganhos através de dividendos ou venda da empresa
já recuperada.
Portanto, o uso de FIPs quando se trata de uma companhia insolvente
pode trazer vantagens significativas e benefícios a todos envolvidos no processo de reorganização.
Por exemplo, os credores de uma companhia em recuperação podem adquirir quotas do FIP mediante cessão de seus créditos contra a empresa ou
até ativos relacionados ao processo de reorganização. Há também credores
que queiram vender parte ou a totalidade de seus créditos a investidores que
queiram participar no processo de reorganização a fim de obter resultados
maiores do que os resultados efetivamente disponíveis no mercado.
Investidores estratégicos que queiram tomar controle de uma companhia
podem investir em fundos no FIP. Tais investidores irão alocar estes fundos
para a capitalização da companhia e exercer um papel relevante na estrutura
de governança do fundo.
Ademais, fornecedores de bens e equipamentos e prestadores de serviços
podem transferir seus bens, equipamentos e créditos ao FIP. Esta medida permitiria que uma unidade de produção que estivesse em recuperação tivesse
fluxo de caixa compatível com sua situação econômica e financeira, enquanto
permitiria que estas partes maximizassem seus ganhos.
Luiz Leonardo Cantidiano, Otto Eduardo Fonseca Lobo and Daniel Kalansky
D) TEXTOS DE APOIO
Fundos de Investimentos em Participações (FIP) —
mais um instrumento para redução do custo Brasil
Luiz Leonardo Cantidiano
Inicio as minhas considerações sobre o tema objeto de minha reflexão
lembrando que os Fundos de Investimentos em Participações (FIP) foram
regulamentados pela Instrução CVM nº 391/03, editada durante a minha
gestão como Presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Ressalto que o FIP é um instrumento bastante utilizado em economias
mais desenvolvidas, isto porque admite que a empresa, que ainda não atingiu
um estágio e um porte que lhe permitam acessar o mercado através de oferta
primária de ações (IPO), mas que necessita de capital para desenvolver seus
negócios, modernizar-se e conquistar mais mercado, venha a captar, por praFGV DIREITO RIO
166
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
zos longos, recursos fornecidos por investidores que estão dispostos a correr
os riscos inerentes ao salto que a empresa investida pretende dar, buscando
alcançar maiores lucros, derivados não apenas do retorno que possa ser alcançado pelo recebimento de dividendos futuros, mas especialmente da expectativa de valorização da ação que possibilite, quando do IPO, um expressivo
ganho de capital143.
Até o ano de 2003 as poucas experiências existentes no mercado brasileiro
de constituição de fundos com as características de um “private equity” decorreram da adaptação das regras aplicáveis aos fundos de investimentos em
ações (FIA), o que criava inúmeras restrições à correta utilização do instituto.
Eu, que havia participado, como advogado do então Banco Garantia de
Investimentos, da criação (no ano de 1996), do 1º fundo com essa característica (Brasil Private Equity Fundo de Investimento em Ações), conhecia bem
as dificuldades que deviam ser enfrentadas para possibilitar dita adaptação,
dentre as quais certamente a maior delas decorria da imposição regulamentar
que restringia as aplicações do FIA a companhias abertas.
Em artigo que escrevi para o 1º numero da Revista Capital Aberto, quando estava no exercício da Presidência da CVM, chamei a atenção do leitor
para o fato de que a agencia reguladora de nosso mercado de capitais estava
imbuída da necessidade de modernizar o ambiente regulatório, desenvolvendo mecanismos e procedimentos que permitissem viabilizar o crescimento
simultâneo dos mercados primário e secundário de valores mobiliários.
Especificamente sobre o FIP, que estava, naquela ocasião, sendo objeto de
regulação pela CVM, tive a oportunidade de afirmar:
Mas não é suficiente, para desenvolver o mercado, aperfeiçoar as regras
sobre os instrumentos já disponíveis para emissores e investidores. Faz-se necessário, num regime jurídico como o nosso, oferecer novos produtos que
venham a permitir alternativas diferenciadas de captação e aplicação da poupança popular.
Nos países mais desenvolvidos, atenção especial é dada aos empreendimentos que se encontram numa fase inicial de concepção e implantação, sem
que se possa assegurar seu pleno sucesso.
Nessa fase, em que os recursos disponíveis em mãos de empreendedores são escassos, é preciso viabilizar fontes adequadas de obtenção de capital
novo, que possibilitem a continuidade do projeto. Não podem os empreendedores, em tal estágio, pretender captar recursos pela emissão de ações ou
debêntures nos mercados nacionais, até mesmo porque há o risco de o projeto não prosperar ou, o que também é comum, demorar a oferecer retorno.
O fundo de private equity (o nosso fundo de investimento em participações, regulado pela Instrução CVM nº 391/03) permite que administradores de recursos possam obter capitais para destiná-los a aplicações em
projetos dessa natureza, oferecendo aos aplicadores a oportunidade de, no
143
Experiências recentes, ocorridas em
nosso país, confirmam a tese aqui sustentada, dentre as quais posso citar os
casos da Gol, da Tam, de Diagnósticos
das Américas (DASA) e do UOL, nos
quais os aportes efetuados por fundos
de private equity e a colaboração na
gestão das companhias investidas
foram fundamentais para assegurar o
crescimento das referidas empresas,
propiciando aos investidores, quando
do respectivo IPO, obter ganho de
capital acima da média vigente no
mercado.
FGV DIREITO RIO
167
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
longo prazo, com a maturação dos investimentos realizados, obter retorno
adequado, decorrente da valorização do negócio explorado pelo receptor dos
recursos captados.
Em nosso país, utilizava-se uma adaptação do fundo de investimento em
ações para permitir a aplicação de recursos em operações de private equity.
Dita solução não atendia plenamente os objetivos que se busca alcançar com
a utilização do private equity, não apenas porque os fundos de ações não estão
autorizados a investir seus recursos em companhias fechadas, mas também
porque as regras que tratam de sua organização e operação não são as mais
apropriadas para permitir o melhor aproveitamento do instituto.
De acordo com a regulamentação editada pela CVM, o fundo de Investimento em participações é uma comunhão de recursos destinados à aquisição
de ações, debêntures, bônus de subscrição, ou outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias,
abertas ou fechadas, com participação no processo decisório da companhia
investida, e efetiva influência na definição de sua política estratégica e na
sua gestão, notadamente através da indicação de membros do Conselho de
Administração144.
Para permitir que o fundo de private equity esteja habilitado a participar
de projetos de reorganização de empresas, a regulamentação admite que a integralização de cotas, pelo investidor, possa ser efetivada em bens ou direitos,
inclusive créditos, desde que tais bens e direitos estejam vinculados ao processo de recuperação da sociedade investida e desde que o valor dos mesmos
esteja respaldado em laudo de avaliação elaborado por empresa especializada.
Considerando que as aplicações feitas pelos fundos de private equity são
de maturação longa, e que na maioria das vezes os valores mobiliários de
emissão das companhias investidas são de nenhuma ou de baixa liquidez, até
mesmo porque elas podem não ser sociedades abertas, o produto não pode
ser dirigido ao varejo, o que levou a CVM a restringir tais aplicações a investidores qualificados.
Pela natureza dos investidores que estão autorizados a aplicar suas poupanças em fundos de private equity, a CVM optou por fazer ampla delegação
aos respectivos regulamentos sobre as regras de sua organização e de seu funcionamento, até mesmo porque a prática demonstra que, durante a criação
do fundo os possíveis investidores estão adequadamente assessorados e sabem
exigir as regras que, em cada caso, melhor protejam seus interesses”.
Cumpre recordar que, além da Instrução 391/03, que regulamentou o
FIP, a CVM também editou a Instrução 406/04, que dispõe sobre a constituição, o funcionamento e a administração dos Fundos de Investimento
em Participações que obtenham apoio financeiro de organismos de fomento.
Dita instrução permite que possam ser emitidas, pelo fundo, (a) cotas de
diferentes classes, a que sejam atribuídos direitos econômico-financeiros e/ou
144
A participação do fundo no processo
decisório da companhia investida pode
ocorrer: (a) pela detenção de ações que
integrem o respectivo bloco de controle, (b) pela celebração de acordo de
acionistas ou, ainda, (c) pela celebração
de ajuste de natureza diversa ou adoção de procedimento que assegure ao
fundo efetiva influência na definição de
sua política estratégica e na sua gestão.
FGV DIREITO RIO
168
TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
políticos diferenciados, a serem estabelecidos no respectivo regulamento, (b)
ao mesmo tempo em que admite que o fundo possa contrair empréstimos,
diretamente, dos organismos, das agências de fomento ou dos bancos de desenvolvimento, limitados tais empréstimos ao montante correspondente a
30% (trinta por cento) dos ativos do fundo145.
Saliento que a Instrução CVM 406/04 foi editada a pedido do BID, que
desejava, em conjunto com investidores de mercado, aplicar recursos em
nosso país que fossem direcionados a projetos de infra-estrutura, mas que
desejava fazê-lo na posição de credor (e não de acionista), através de um FIP,
porque considerava que este seria o veículo mais adequado para congregar os
interesses de todos os poupadores que viessem a se interessar por participar
dos projetos de melhoria da infra-estrutura de nosso país.
Expostas as razões que levaram a CVM a regulamentar o FIP, e descritas
as suas principais características, cumpre-me agora ressaltar em que medida o
citado fundo pode contribuir para a redução do custo Brasil.
A esse respeito penso que o primeiro aspecto a ser destacado diz respeito
à perspectiva que se abre, de forma mais ampla, para a nossa economia, de
captar recursos a serem investidos por prazos mais longos146, permitindo que
nossas empresas (especialmente aquelas que são exploradas por companhias
fechadas) possam desenvolver projetos de crescimento e de modernização,
certas de que poderão obter apoio financeiro de investidores interessados em
participar do processo de desenvolvimento planejado, a um custo mais baixo
de capital. Por outro lado, além do apoio financeiro derivado da captação
de recursos, as empresas estão habilitadas a alcançar apoio gerencial, instrumento importante para permitir que seu processo de desenvolvimento seja
corretamente implementado.
Assinalo, porque importante para compreender a questão aqui analisada,
que o FIP substitui, até mesmo com vantagens fiscais, a sociedade holding,
como mecanismo para possibilitar que recursos dos poupadores possam ser
aglutinados e direcionados a investimentos no setor produtivo da economia,
gerando empregos e impostos.
Não é por outra razão, aliás, que os investidores vêm estruturando operações das mais variadas naturezas mediante a utilização de FIP. Como exemplo
posso citar, não apenas aquelas operações tradicionais de aporte de recursos a
empresas que necessitam crescer e se modernizar, mas também as operações
de Project finance, em que os financiadores antecipam recursos financeiros a
serem pagos através de resultados a serem alcançados pela exploração do empreendimento implantado com o financiamento concedido pelo mercado.
Aliás, em todos as discussões que vêm sendo travadas sobre a estruturação
das Parcerias Público Privadas (PPPs)147, sempre é ressaltada a conveniência
de utilização do FIP como veículo capaz de aglutinar os interesses dos inves-
145
De acordo com o que estabelece a
Instrução 406/04, são considerados
como organismos de fomento os organismos multilaterais, agências de
fomento ou bancos de desenvolvimento que possuam recursos provenientes
de contribuições e cotas integralizadas
majoritariamente com recursos orçamentários de um único ou diversos
governos, e cujo controle seja governamental ou multi-governamental.
146
Segundo está consignado no endereço eletrônico da CVM (www.cvm.gov.
br), no corrente ano foram registradas
5 ofertas de FIP, totalizando mais de 2
bilhões de reais; no ano de 2005 foram
concedidos 6 registros, totalizando
mais de R$ 2.100 milhões.
147
Quando da privatização de empresas estatais, durante a última década,
muitos investidores que participaram
do processo utilizaram a estrutura do
private equity (através da adaptação
do FIA, já referida) para realizar seus
investimentos.
FGV DIREITO RIO
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
tidores, destinando os recursos captados ao financiamento do projeto a ser
desenvolvido.
Outro ponto da regulamentação do FIP, que também deve ser objeto de
destaque, está relacionado à entrada em vigor, em nosso país, da lei de recuperação de empresas, que visa permitir que as entidades que se encontrarem em dificuldades, decorrentes de inadequada estrutura de capital ou de
problemas de gestão (aí consideradas, também, as dificuldades oriundas das
características de seu controle acionário).
Todos aqueles que, de um modo ou de outro, já estiveram envolvidos em
operações de recuperação de empresas, ao perceberem que ao menos uma parcela do empreendimento pode ser recuperada, através da segregação dos setores viáveis da empresa, que atravessa problemas de liquidez, ou que se defronta
com estrutura inadequada de capital, para dar continuidade aos itens do negócio com perspectiva de crescimento, também encontraram dificuldades na
obtenção de novos recursos capazes de permitir o soerguimento da empresa.
Os investidores, capazes de destinar recursos novos para permitir a recuperação da empresa viável, são reticentes em participar da operação de recuperação, em primeiro lugar, pelo risco de ficarem contaminados pelos problemas
decorrentes da situação delicada em que a empresa se encontra. De outro
lado, os investidores geralmente não estão dispostos a injetar recursos financeiros na companhia, correndo o duplo risco de (a) permanecer a companhia
sob o controle e a gestão das mesmas pessoas que lá estavam quando do fracasso e (b) ter os recursos apreendidos pelos credores, que buscam recuperar
os valores a que fazem jus.
Por sua vez, o controlador da empresa que se encontra em dificuldade não
aceita abdicar do poder de que é titular sem que esteja seguro de que a recuperação será alcançada, o que apenas será realidade se houver renegociação
com os credores (mediante a qual haja redução dos encargos, alongamento de
prazos e, na maioria das vezes, perdão de parcela da dívida ou capitalização
de uma parte dela).
Finalmente, o credor não aceita renegociar seu crédito se não tiver a perspectiva de, rapidamente, ver regularizada a situação da empresa, o que apenas ocorrerá
se houver aporte de novos recursos, com substituição da gestão da companhia.
A regulamentação do FIP, editada pela CVM, admite, como já referido,
que a integralização de cotas do fundo criado para empresa em recuperação
possa ser efetivada em bens ou direitos, inclusive créditos, desde que tais bens
e direitos estejam vinculados ao processo de recuperação da sociedade investida e desde que o valor dos mesmos esteja respaldado em laudo de avaliação
elaborado por empresa especializada.
Através do FIP pode ser equacionado o problema acima mencionado, na
medida em que o fundo pode permitir a convergência dos diversos interesses
envolvidos, relativos à empresa que se encontra em situação difícil: o detentor
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
do controle transfere, para o fundo, que será gerido por empresa independente, escolhida pelos credores, as ações integrantes do bloco de controle.
Ademais, através de uma adequada estrutura de governança do fundo — que
pode contemplar comitês de investimento e de fiscalização, integrado pelos
credores e por investidores —, os interessados no processo ficam habilitados
a interferir na gestão do fundo, assim como a acompanhar os atos que são
praticados visando a recuperação.
Os credores, por sua vez, também podem participar do FIP, os primeiros
através da transferência de seus créditos e encargos (ou de parcelas deles),
créditos esses que podem ser objeto de capitalização na empresa em recuperação e, até mesmo, ser utilizados para integralizar debêntures de prazo longo,
emitidas pela empresa investida. Também estão habilitados, os credores que
assim desejarem, a alienar seus créditos, ou parte deles, a investidores (especuladores) que desejem participar do processo de recuperação, objetivando
ganhar resultados maiores do que aqueles vigentes no mercado.
De outro lado, os investidores estratégicos, que desejarem assumir o comando da empresa em recuperação, estarão habilitados a injetar recursos
monetários no FIP, que os destinará à capitalização da empresa investida, ao
mesmo tempo em que assumirão papel de destaque na estrutura de governança do fundo.
Há, ainda, os fornecedores de bens e equipamentos, assim como os prestadores de serviços, que poderão ser convencidos pela empresa em recuperação
a transferir os bens, equipamentos e créditos de que sejam titulares ao FIP, de
sorte a permitir que a unidade produtiva, em processo de recuperação, possa
ter um fluxo de caixa compatível com o estágio em que se encontrar sua situação econômico financeira, ao mesmo tempo em que possibilitará que tais
pessoas (fornecedores de bens e prestadores de serviços) possam maximizar
seus ganhos.
Concluindo, penso não haver dúvidas quanto à contribuição que o FIP
certamente trará para a redução do chamado custo Brasil.
Assim entendo, em primeiro lugar, porque me parece indiscutível que o
fundo é capaz de fazer fluir, para o processo de crescimento e de modernização das empresas nacionais, expressiva soma de recursos financeiros que antes
não estavam disponíveis.
Com o aporte de tais recursos aptos a financiar o desenvolvimento das
empresas que operam em nosso país, e com a contribuição que o FIP dá no
processo de gestão da companhia investida, temos como conseqüência, não
apenas o incremento da competitividade (necessário para fazer a economia
alcançar um melhor desempenho), mas também a melhoria nos processos de
produção, que proporciona um inquestionável acréscimo da produtividade
nacional, fatores esses indispensáveis para que se possa obter uma redução do
custo de operação de nossa economia148.
148
Não pode deixar de ser lembrado
que, sendo o FIP uma comunhão de
recursos, pertencentes aos cotistas
do fundo, os critérios de atuação do
gestor quanto à escolha dos projetos a
serem objeto de investimentos, assim
como o cuidado que ele deve ter no
acompanhamento da ação dos administradores das companhias investidas,
serão constantemente avaliados pelos
investidores; ou seja, a tendência é que
o gestor do fundo busque ser o mais
eficiente possível, não apenas porque
deseja assegurar um bom retorno para
os investimentos captados, mas principalmente porque ele sabe que, sendo o
seu desempenho avaliado pelo mercado, se ele fracassar muito dificilmente
voltará a operar no mercado.
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
Outra contribuição relevante que o FIP traz para as empresas investidas,
por força do que estabelece a Instrução CVM 391/03, é a indiscutível melhoria nas práticas de governança das empresas investidas, que devem observar
regras mínimas de organização.
Não podemos esquecer, de outro lado, que o FIP pode colaborar com o
setor público no equacionamento das questões relacionadas à infra-estrutura
de nosso país, canalizando recursos para financiar obras nas áreas de transporte (modernização de estradas e portos) e de saneamento, isto porque, como
visto, o fundo se constitui em veículo ideal para a realização de investimentos
no setor, até mesmo porque a regulamentação admite que ele opere alavancado (tendo até 30% de seu patrimônio originado de dívida contraída com os
cotistas), podendo investir mediante a subscrição de instrumentos de divida
ofertados pelas empresas encarregadas de desenvolver os projetos.
Finalmente, a possibilidade de o FIP ser utilizado como veículo catalisador dos diversos interesses envolvidos em processo de recuperação de empresas insolventes certamente é um fator adicional para ajudar no saneamento
das empresas nacionais.
E) CASO
O Primeiro Plano de Recuperação149 da Varig baseava-se em uma garantia
aos credores de que estes efetivamente participariam nas negociações para
admissão de novos investidores que trariam capital para a Varig (art. 35).
O Primeiro Plano aprovado em assembléia de credores criava quatro Fundos de Investimento e Participação (FIPs), cada um com características individuais, que seriam geridos por empresas especializadas (conforme regras da
CVM). O primeiro FIP (FIP controle) tinha as ações de controle da Varig.
Os outros três FIPs tinham os créditos da Classe I (créditos trabalhistas),
Classe II (credores com garantia real) e Classe III (credores sem garantia real
e privilégios especiais).
149
F) GLOSSÁRIO
Administrador de Fundos de Investimento. Profissional de carteira de
fundo de investimentos, podendo ser pessoa física ou jurídica, com autoridade para comprar ou vender valores mobiliários por conta do fundo.. O
administrador e o gestor estão obrigados a adotar as seguintes normas de
conduta: a) exercer suas atividades buscando sempre as melhores condições
para o fundo, empregando o cuidado e a diligência que todo homem ativo e
probo costuma dispensar à administração de seus próprios negócios, atuando
No Processo de Recuperação Judicial,
os seguintes meios/ tipos de recuperação podem ser propostos (art. 50 ): (i)
aumento de capital social;(ii) trespasse
ou arrendamento de estabelecimento,
inclusive à sociedade constituída pelos
próprios empregados; (iii) redução
salarial, compensação de horários e
redução da jornada, mediante acordo
ou convenção coletiva; (iv) dação em
pagamento ou novação de dívidas do
passivo, com ou sem constituição de
garantia própria ou de terceiro; (v)
usufruto da empresa; administração
compartilhada; (vi) emissão de valores mobiliários; (vii) constituição de
sociedade de propósito específico para
adjudicar, em pagamento dos créditos,
os ativos do devedor.
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
com lealdade em relação aos interesses dos cotistas e do fundo, evitando práticas que possam ferir a relação fiduciária com eles mantida, e respondendo
por quaisquer infrações ou irregularidades que venham a ser cometidas sob
sua administração ou gestão; b) exercer, ou diligenciar para que sejam exercidos, todos os direitos decorrentes do patrimônio e das atividades do fundo,
ressalvado o que dispuser o regulamento sobre a política relativa ao exercício
de direito de voto do fundo; e, c) empregar, na defesa dos direitos do cotista,
a diligência exigida pelas circunstâncias, praticando todos os atos necessários
para assegurá-los, e adotando as medidas judiciais cabíveis.
O administrador e o gestor devem transferir ao fundo qualquer benefício
ou vantagem que possam alcançar em decorrência de sua condição, admitindo-se, contudo, que o administrador e o gestor de fundo de quotas sejam
remunerados pelo administrador do fundo investido (Bovespa).
Resgate (em fundos de investimento). Normas que regulam o resgate
de quotas de fundo de investimento: a) o regulamento estabelece o prazo
entre o pedido de resgate e a data de conversão de quotas, assim entendida, para os efeitos desta Instrução, a data da apuração do valor da quota
para efeito do pagamento do resgate; b) a conversão de quotas dar-se-á
pelo valor da quota do dia na data da conversão, c) o pagamento do resgate deve ser efetuado em cheque, crédito em conta corrente ou ordem
de pagamento, no prazo estabelecido no regulamento, que não poderá
ser superior a 5 dias úteis, contados da data da conversão de quotas, d)
o regulamento pode estabelecer prazo de carência para resgate, com ou
sem rendimento; e) é devida ao cotista uma multa de 0,5% do valor de
resgate, a ser paga pelo administrador do fundo, por dia de atraso no pagamento do resgate de quotas.
O regulamento estabelece o prazo a decorrer entre o pedido de resgate e a
data de conversão de quotas, assim entendida a data da apuração do valor da
quota para efeito do pagamento do resgate. A conversão de quotas se dá pelo
valor da quota do dia na data da conversão, ressalvadas as hipóteses previstas
para os fundos de curto prazo, fundos referenciados e fundos de renda fixa.
O pagamento do resgate deve ser efetuado no prazo estabelecido no regulamento, que não pode ser superior a 5 dias úteis, contados da data da conversão de quotas, ressalvada a hipótese de fundos destinados exclusivamente
a investidores qualificados.
EnFin. Em casos excepcionais de iliquidez dos ativos componentes da
carteira do fundo, inclusive em decorrência de pedidos de resgates incompatíveis com a liquidez existente, ou que possam implicar na alteração do
tratamento tributário do fundo ou do conjunto dos cotistas, em prejuízo
destes últimos, o administrador pode declarar o fechamento do fundo para
a realização de resgates, sendo obrigatória a convocação de Assembléia
Geral Extraordinária, no prazo máximo de 1 dia, para deliberar, no prazo
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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS
de 15 dias, a contar da data do fechamento para resgate, sobre as seguintes
possibilidades: a) substituição do administrador, do gestor ou de ambos;
b) reabertura ou manutenção do fechamento do fundo para resgate; c)
possibilidade do pagamento de resgate em títulos e valores mobiliários; d)
cisão do fundo; e, e) liquidação do fundo.
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OTTO EDUARDO FONSECA
DE ALBUQUERQUE LOBO
Bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, mestre pela University of Miami School of Law e com pós graduação
na COPPE UFRJ, MBP em Óleo e Gás. Foi sócio do escritório Steel Hector
& Davis LLP. É atualmente sócio do escritório Motta, Fernandes Rocha
Advogados.
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FICHA TÉCNICA
Fundação Getulio Vargas
Carlos Ivan Simonsen Leal
PRESIDENTE
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Joaquim Falcão
DIRETOR
Sérgio Guerra
VICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
Rodrigo Vianna
VICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO
Thiago Bottino do Amaral
COORDENADOR DA GRADUAÇÃO
Andre Pacheco Mendes
COORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA – CLÍNICAS
Cristina Nacif Alves
COORDENADORA DE ENSINO
Marília Araújo
COORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUAÇÃO
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