Câmbio fixo ou flutuante? Lula deixa economia brasileira com sérios problemas. Dilma terá que usar toda sua capacidade de economista para colocar o Brasil nos trilhos Rodrigo Freitas O tema está na ordem do dia e tem preocupado o governo, empresários e o setor financeiro do país. A guerra cambial é hoje uma realidade que atinge o Brasil e seus efeitos podem ser os mais perversos na economia. Economistas alertam para o risco de desindustrialização, trazendo ainda a possibilidade de reversão de todas as conquistas de estabilidade conseguidas ao longo dos últimos anos. O noticiário do dia a dia vem abordando a guerra cambial ao longo das últimas semanas e aponta o Brasil como um dos principais destinos de fuga de capitais estrangeiros, sobretudo e notadamente dos Estados Unidos. Isso acontece porque os norte-americanos ainda tentam se recuperar da crise que os atingiu em 2008 e 2009. Recentemente, o governo daquele país injetou mais de US$ 600 bilhões na economia, por meio da emissão de moeda. Tentando reduzir os riscos de investimentos, o capital especulativo “procura” o Brasil e investe nos títulos da dívida pública do país, de longe um dos mais rentáveis do mundo. Com essa enxurrada de dólares na nossa economia, somada ao fato de nosso câmbio ser flutuante, ou seja, depende da oferta e da procura de dólares, o efeito é a desvalorização da moeda americana e uma valorização exagerada do real. Até este ponto, o leitor pode pensar que o fato de o real estar valorizado é bom para a economia do país porque implica na entrada da moeda estrangeira no país. Não necessariamente. Se por um lado a desvalorização do dólar deixa produtos importados bem mais acessíveis ao bolso do brasileiro, por outro, ela deixa também a indústria nacional menos competitiva e com menos capacidade de exportação. A conta é simples. Se a moeda brasileira está supervalorizada no exterior, consequentemente, nossos produtos estarão mais caros. Sendo assim, a competitividade de preços dos produtos nacionais vai por água abaixo. Além disso, desvalorização da moeda americana faz ainda com que os produtos oriundos dos Estados Unidos fiquem desvalorizados. Seja, pelo status de comprar algo importado ou pela própria qualidade do produto, muitos consumidores acabam optando pelos bens de consumo estrangeiros, estrangulando, ainda mais, a economia brasileira. A questão é, portanto, bem mais grave do que pode parecer num primeiro momento. Diante desse cenário, economistas têm questionado. Porque o governo não volta a fixar o câmbio? Desde 1999, o Brasil tem câmbio flutuante. A crise da desvalorização do real naquele ano ocorreu justamente na passagem do regime de câmbio fixo para o câmbio flutuante. Para o economista Wilson Benício Siqueira, do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG), o país hoje precisa voltar ao regime de câmbio fixo para não prejudicar a balança comercial brasileira. “Imaginemos a China, por exemplo. É o país que mais cresce no atual cenário econômico mundial. Os chineses têm sua economia voltada para a exportação e para se tornarem competitivos, desvalorizaram sua moeda, o yuan, por meio do câmbio fixo, e se tornam competitivos no mercado internacional. Na prática, eles ganham muito dinheiro e têm uma balança econômica voltada para as exportações”, analisa Siqueira. A preocupação do economista faz sentido, diante das previsões pessimistas da balança comercial brasileira. Em 2010, o Brasil registrou exportações recordes, que atingiram US$ 201,9 bilhões, valor 31,4% maior que em 2009. Entretanto, as importações também bateram recordes, chegando a US$ 181,6 bilhões, um resultado 41,6% além do anotado no ano anterior, bem superior, portanto, ao avanço percentual de nossas vendas externas. Desta forma, o superávit da balança comercial ficou em US$ 20,3 bilhões, quantia 20,1% menor que a de 2009, e pior resultado dos últimos oito anos. As expectativas do mercado, segundo a pesquisa Focus, do Banco Central, divulgada em janeiro, são de que o resultado comercial brasileiro seja menor em 2011 - US$ 8,75 bilhões -, e recue ainda mais em 2012, chegando aos US$ 5 bilhões. O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, disse recentemente em Belo Horizonte que se o país conseguir a “proeza” de manter a balança comercial, ao menos nos patamares de 2010, “vai estar bom demais”. Ele criticou também a demora do governo em implementar medidas de controle cambial no país e disse que essa situação agita o mercado e prejudica ainda mais o mercado exportador. A fixação do câmbio é certamente um assunto polêmico e melindroso, que depende diretamente de uma resposta política. No Senado, o assunto começa a ser discutido. O senador Roberto Cavalcanti (PRB-PA), que integra a Comissão de Assuntos Econômicos da Casa, defende uma mudança na “filosofia do câmbio”, caso o dólar continue a trajetória de derretimento. “O câmbio terá que deixar de ser flutuante e terá que sofrer intervenção do Estado”, afirma. Entretanto, a proposta de fixar o câmbio no país mais uma vez não vai encontrar vida fácil no chamado “núcleo duro” do governo. A presidente Dilma Rousseff já avisou que não pretende implementar medidas de fixação do câmbio no Brasil. Logo após ser eleita, Dilma atacou o governo de Fernando Henrique Cardoso, que durante cinco anos adotou o câmbio fixo, e descartou a ideia. “Não acredito que manipular câmbio resolva coisa alguma. Nós temos uma péssima experiência disso”, avisou a presidente. Ela avisou ainda que tem um “compromisso forte com os pilares da estabilidade macroeconômica” e manterá o câmbio flutuante. A decisão de Dilma é também respaldada pelo presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, e do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel. Em sua posse, Pimentel garantiu que sua pasta estará atenta aos movimentos da economia e que o governo não ficará “parado e inerte”, diante da situação. O ministro prometeu ainda trabalhar em conjunto com a área econômica do governo para contornar os efeitos da guerra cambial. O professor do MBA em economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Mauro Rochlin não vê com bons olhos a solução de fixar o câmbio no país. Ele defende uma “quarentena na entrada de capital de curto prazo” no país. “Temos um bom exemplo: o Chile, na década de 1990, viveu uma situação parecida com a nossa e fez com que a entrada de capitais especulativos no país sofresse restrições. Se isso não produziu valorização no dólar, ao menos impediu uma desvalorização mais acentuada. Não se deve mexer no regime de câmbio porque isso pode sugerir uma mudança mais radical e aí sim assustar os mercados que estão em contato conosco”, afirma o especialista. COMPETITIVIDADE O presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Olavo Machado Junior, acredita que a competitividade da indústria brasileira precisa ser aumentada, para que o país não fique “refém” de medidas ligadas apenas ao controle cambial. Para ele, o Brasil não pode se contentar em vender produtos de pouco valor agregado ao mercado externo. Machado avalia que essa seria uma forma de valorizar o produto nacional. “Podemos vencer essa questão do câmbio estimulando a competitividade. Aí entra o trabalho do Pimentel, no ministério. Mas, para conseguirmos ser competitivos, inovadores, como ele mesmo disse que temos que ser, temos ainda dois problemas: falta de mão de obra qualificada e exportação exagerada de commodities”, afirma o dirigente da Fiemg. Em que pese a gravidade da questão cambial atualmente, os economistas e empresários são unânimes num ponto: para resolver essa e outras questões, o país não pode se furtar a fazer as reformas tributária e trabalhista, sob a pena de criar um fardo ainda maior para os investidores. “Desonerar os setores produtivos nacionais passa a ser uma necessidade premente para garantir a competitividade dos produtos e serviços nacionais, não só na disputa dos mercados externos, mas, também, na sobrevivência das empresas que abastecem nosso próprio mercado no embate com as importações. Uma das respostas para esse desafio é representada pelas duas reformas mais reivindicadas pelo setor produtivo nacional: a tributária e a trabalhista”, avalia Eduardo Pocetti, CEO da BDO no Brasil, uma das cinco maiores empresas do mundo em auditoria e tributos. Se de um lado o setor produtivo aguarda ansiosamente pelas reformas, de outro, o governo deve enfrentar dificuldades para assinalá-las. O tema foi alvo da campanha da presidente Dilma Rousseff e passou em branco nos dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A maior dificuldade do governo é negociar as mudanças com o Congresso. A intenção inicial da presidente Dilma era dar andamento à reforma tributária ainda em seu primeiro ano de mandato. Mas os próprios partidos que integram sua base podem melar as negociações, enquanto os cargos do governo federal não forem ocupados. Na pratica, significa dizer que Dilma quer esperar seus aliados se acomodarem nos cargos de primeiro, segundo e terceiro escalões, manter boas relações com o Congresso e, então, tentar iniciar a reforma tributária. Além disso, a presidente precisa também entrar em acordo com governadores e prefeitos, que, certamente, não aceitarão perdas em suas arrecadações. Dilma assume seu mandato diante de um momento turbulento e desafiador. A economia trava uma guerra de câmbio entre os países e ela não pode ficar parada. As reformas também se fazem necessárias e são cobradas por todos os setores produtivos do país. A grande dúvida é se a presidente terá o apoio necessário para tratar das mudanças que se fazem urgentes. Legenda fotos: Olavo Machado: Presidente da Fiemg, Olavo Machado, diz que o país não pode ficar refém das medidas para controle da guerra cambial Dilma: A presidente Dilma terá que mostrar jogo político para resolver problema econômico que Lula deixou de herança. Pimentel: Ministro Fernando Pimentel promete unir forças a sua companheira de partido na primeira ‘saia justa’ da presidente Sugestão de olho “Para conseguirmos ser competitivos, inovadores, temos ainda dois problemas: falta de mão de obra qualificada e exportação exagerada de commodities” Olavo Machado