Valor Econômico, 14 de outubro de 2014 Dois modelos, dois futuros Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli EPGE-FGV Desde as eleições de 1994 não se veem duas propostas e visões do funcionamento das economias de mercado tão antagônicas. Buscamos aqui elencar as diferenças e potenciais impactos futuros na economia brasileira do que cada candidato vem propondo. O segundo turno da eleição presidencial coloca frente a frente propostas opostas de política econômica, refletindo visões antagônicas quanto ao funcionamento das economias de mercado. Indo além dos slogans de campanha e das desqualificações rasteiras de opositores, é interessante elencar as diferenças e potenciais impactos futuros na economia brasileira do que cada candidato vem propondo. A candidatura de Dilma Rousseff não apresentou qualquer plano de governo ou de campanha, alegando que suas intenções estão embutidas na proposta orçamentária para 2015. Esta, entretanto, entre subestimação de despesas e superestimação de receitas embute um provável fosso de R$40 bilhões. Além disto, dado o baixo crescimento, baixo investimento, alta inflação, elevado déficit em transações correntes, temas de política econômica têm sido evitados, e sua campanha se concentra na política social. Na ausência de documentos mais palpáveis, é necessário se guiar pelas políticas atuais e algumas pistas largadas aqui e ali durante a campanha. A grande inovação do Governo Dilma foi a “Nova Matriz Econômica”, que significou uma ruptura, não só com políticas de FHC, mas com as políticas de seu antecessor, o Presidente Lula. Os principais itens desse modelo foram a desvalorização voluntariosa da taxa de câmbio, a redução da taxa básica de juros, a expansão do crédito dos bancos oficiais, bem como uma ativa intervenção do governo na economia, seja através de políticas setoriais e subsídios, ou intervenção direta em mercados específicos, como o de energia. Com um diagnóstico de que o baixo crescimento decorria de insuficiência demanda, concederam-se isenções e subsídios ao sabor das pressões de grupos organizados. Algumas políticas do governo anterior, como proteção comercial e a exigência de componentes nacionais, foram mantidas e ampliadas. Essas políticas, que seguem de perto receituário desenvolvimentista, não alcançaram o resultado esperado. Diante da pressão inflacionária, algumas foram abandonadas – aumento da taxa Selic –; outras totalmente invertidas – como as intervenções no mercado cambial, que deixaram de promover a desvalorização cambial para estimular a valorização com a venda de swaps. Entretanto, mesmo frente a óbvios sinais de desequilíbrio da economia, a candidata Dilma Rousseff não anunciou modificação de cardápio. Caso reeleita, pode-se antever duas possibilidades, e nenhuma delas inclui mudanças radicais. A primeira envolveria um pequeno ajuste. A troca do comando da economia e o restabelecimento da transparência das contas públicas daria alguma confiança aos agentes, impactando positivamente os investimentos. O déficit público crescente seria levemente contido com aumento de impostos. Pequenos ajustes de câmbio poderiam dar alguma folga nas contas externas, mas mantendo-se a taxa de câmbio administrada com operações de swaps e alguma perda de reservas. Os bancos públicos seriam utilizados com maior parcimônia e as transferências do Tesouro diminuiriam. A redução gradual do controle de preços administrados diminuiria distorções e melhoraria o ambiente de negócios. No médio prazo a economia cresceria um pouco acima do que vem crescendo hoje. A segunda alternativa seria um adiamento do ajuste com aumento de medidas ad hoc ou intervencionistas. Algo como recuar para frente. Isso envolveria continuidade dos controles de preços, das transferências do Tesouro e das políticas de demanda. Esse caminho levaria inexoravelmente à perda do grau de investimento em 2015, fuga de capitais e, para detê-la, alguma forma de controle de capitais. Dada a impossibilidade de sucesso dessa alternativa, ela é menos provável que a anterior. As propostas do candidato Aécio Neves são radicalmente diferentes, alinhando-se ao pensamento dominante da academia, às políticas dos países desenvolvidos, e próximas às políticas de FHC e do primeiro governo Lula. Haveria um ajuste de médio prazo, com realismo tarifário e restabelecimento do tripé macroeconômico – câmbio flutuante, controle do déficit primário e meta de inflação –, pré-condição para a estabilidade e o crescimento observados nos governos anteriores ao de Dilma Rousseff. O controle de gastos e a recuperação da transparência fiscal seria parte da receita. Dados os sinais atuais de mercado, haveria uma lua de mel de curto prazo que, ao afetar favoravelmente as expectativas, estimularia os investimentos e a queda dos juros. Com essas medidas e maior confiança na economia, o financiamento do déficit em conta corrente ficaria mais fácil. Outra diferença é o diagnóstico de que grande parte dos problemas está no lado da oferta, o que implica uma agenda de reformas microeconômicas voltadas para a melhoria do ambiente de negócios e redução das distorções. Entre as medidas estaria uma simplificação da estrutura tributária, com unificação de impostos indiretos, eliminação dos repasses do Tesouro aos bancos públicos e reabertura gradual da economia. Desde as eleições de 1994 não se vêm duas visões e propostas tão antagônicas. Provavelmente, no restante da campanha em curso, a candidata Dilma Rousseff ignorará questões econômicas e enfatizará as conquistas sociais dos últimos 12 anos, afirmando que só um governo do PT poderá mantê-las e ampliá-las. Já Aécio Neves enfatizará os graves problemas econômicos artificialmente escamoteados, proporá reformas destinadas a resgatar o crescimento e avançar nas conquistas sociais. Cabe ao eleitor escolher.