Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra Ano Lectivo 2009/2010 Unidade Curricular de BIOQUÍMICA II Mestrado Integrado em MEDICINA 1º Ano ENSINO PRÁTICO E TEORICO-PRÁTICO 8ª AULA PRÁTICA Determinação da concentração plasmática de corpos cetónicos (β β -hidroxibutirato) CORPOS CETÓNICOS A designação “corpos cetónicos” engloba 2 compostos: acetoacetato e β- hidroxibutirato. O acetoacetato e o β-hidroxibutirato são moléculas hidrossolúveis, formadas no fígado, podendo ser utilizadas por outros orgãos (músculo, rim) como uma importante fonte de energia. Estes compostos são ácidos e causam cetoacidose quando a sua concentração se encontra em excesso no sangue circulante. Os corpos cetónicos são formados a partir de acetil-CoA (figura 1) produzido na etapa final do processo da β-oxidação dos ácidos gordos, que ocorre em condições de jejum prolongado (fome) ou na Diabetes Mellitus. A formação de corpos cetónicos também pode ocorrer como resultado da degradação de aminoácidos, que podem originar acetil-CoA (Thr, Lys, Ile, Try), HMG CoA (Leu) ou acetoacetato (Phe, Tyr). Assim, a nível hepático, forma-se acetoacetato, que se converte em D-3-hidroxibutirato (β-hidroxibutirato), na presença de NADH, por acção da enzima mitocondrial D-3-hidroxibutirato desidrogenase, num equilíbrio que depende do estado redox da célula, i.e., da razão NAD+/NADH. Acetoacetato e βhidroxibutirato são interconvertíveis. No sangue, a razão [β-hidroxibutirato]/[acetoacetato] varia numa proporção de 1:1 a 10:1. A concentração total de corpos cetónicos normal no sangue de animais bem-nutridos não excede 0,2 mmol/L. Nos humanos, a excreção urinária é normalmente inferior a 1 mg/24h. A descarboxilação espontânea (não enzimática) do acetoacetato gera acetona, que é volátil e é eliminada pelos pulmões (hálito “cetónico”). Os corpos cetónicos podem ser oxidados nos tecidos extra-hepáticos, por conversão em acetil-CoA, com o objectivo de formar ATP, proporcional à sua concentração no sangue, até cerca de 12 mmol/L. A ocorrência de cetonémia está geralmente associada a um aumento da produção de corpos cetónicos pelo fígado, mas experiências em ratos aos quais foi removido o pâncreas demonstraram que a cetonémia associada à Diabetes Mellitus pode aumentar também devido a uma redução na capacidade de catabolismo dos corpos cetónicos. Se, por um lado, o acetoacetato e o β-hidroxibutirato são facilmente oxidados pelos tecidos extra-hepáticos, a acetona é dificilmente oxidada, sendo volatilizada ao nível dos pulmões, o que explica o hálito cetónico característico das situações de hipercetonémia. O metabolismo dos corpos cetónicos encontra-se esquematizado na figura 2. 1 2 AcetilCoA Acetoacetil-CoA sintetase AcetoacetilCoA HMG-CoA sintetase β-Hidroxi-β-metilglutaril-CoA (HMG-CoA) HMG-CoA liase NADH+H+ Acetoacetato CO2 + β -hidroxibutirato NAD Acetona (propanona) Figura 1- Formação dos corpos cetónicos (fígado). Fígado Acil-CoA Glucose Sangue Tecidos Extrahepáticos Ácidos gordos livres URINA Acil-CoA Glucose Acetil-CoA Acetil-CoA Corpos cetónicos Ciclo de Krebs Corpos cetónicos Corpos cetónicos Acetona PULMÕES Ciclo de Krebs Figura 2- Metabolismo dos corpos cetónicos (fígado, sangue e tecidos periféricos): 2 Determinação da concentração plasmática de β -hidroxibutirato: Fundamento do método enzimático colorimétrico (espectrofotometria): Por acção da enzima 3-hidroxibutirato desidrogenase (3-HBDH), o D-3-hidroxibutirato + (ácido D-3-hidroxibutírico) é oxidado a acetoacetato na presença de NAD (nicotinamida adenina dinucleótido). Por acção da diaforase, o NADH formado, na presença de uma solução de cloreto de iodonitrotetrazolium (INT), origina um complexo corado (formazan) que apresenta um pico de absorção máxima a 492 nm e cuja absorvância é directamente proporcional à concentração de β-hidroxibutirato presente na amostra inicial (aplicação da Lei de Beer-Lambert). 3-Hidroxibutirato desidrogenase + Acetoacetato + NADH + H+ D-3-hidroxibutirato + NAD Diaforase + NAD+ + formazan NADH + INT + H NOTAS IMPORTANTES: 1- Neste ensaio, as amostras túrbidas deverão ser filtradas e só as amostras límpidas deverão ser usadas. 2- O pH das amostras ácidas deverá ser ajustado a pH 8 com NaOH ou KOH. 3- As amostras que contêm proteínas deverão ser desproteinizadas com uma solução de ácido perclórico (HClO4) 3 Unidade Curricular de BIOQUÍMICA II, Mestrado Integrado em MEDICINA, 2009/2010 PROTOCOLO DE BANCADA - 8ª AULA PRÁTICA DETERMINAÇÃO DA CONCENTRAÇÃO PLASMÁTICA DE CORPOS CETÓNICOS (β βHIDROXIBUTIRATO) Grupos 1 a 4 1- Amostra de plasma desproteinizado. 3 ml de sangue colhido em EDTA (anticoagulante) foi centrifugado durante 10 minutos a 2.000 rpm. Retirou-se 1 ml de plasma e adicionou-se 4 ml de ácido perclórico a 0,7 M e 2 ml de solução contendo 0,4 M KOH, 0,13 M K2CO3 e 0,5 M Tris. Agitou-se a mistura e centrifugou-se durante 15 minutos a 3.000 rpm a uma temperatura de 4ºc. Recolheu-se o sobrenadante e desperdiçou-se o sedimento proteico. 2- Ensaio para a determinação de β -Hidroxibutirato: Solução 1: Tampão fosfato potássio/trietanolamina (pH 8,6), Triton X-100 Solução 2: Diaforase (1,6 U/ml), NAD+ (11,2 mg/ml) Solução 3: Cloreto de iodonitrotetrazolium – o INT é sensível à luz manter no escuro. Solução 4: 3-Hidroxibutirato desidrogenase (15U/ml) Reagentes Amostra Branco Solução 1 300 µl 300 µl Solução 2 100 µl 100 µl Solução 3 100 µl 100 µl Amostra * 30 µl -- Àgua destilada 970 µl 1000 µl * Plasma desproteinizado Procedimento: - Adicionar na cuvette as soluções referidas no quadro, incluindo a amostra, de modo a prefazer 1,5 ml; misturar; - Após 2 minutos, ler a DO da mistura (DO1) a 492 nm; - Adicionar 25 µl da solução 4 (3-hidroxibutirato desidrogenase) à cuvette; - Misturar e aguardar 20 minutos (reacção) no escuro; ler a DO a 492 nm (DO2). 4 Cálculos: De acordo com a equação geral para o cálculo de concentrações: V x PM x ∆DO , em que C= ε x d x v x 1000 C = concentração, V = volume final (ml) v = volume de amostra (ml) PM = peso molecular da substância (g/mol) d = distância, em cm, percorrida pelo feixe de luz (largura da cuvette cm, geralmente 1 cm) ε=coeficiente de extinção molar do formazan a 492nm: 19,9 mM .cm -1 -1 ∆DO = DO2 – DO1 Então, 1,525 (ml) x 104,1 (g/mol) [β β -hidroxibutirato] (g/l) = X -1 ∆DO X F -1 19,9 (l x mmol x cm ) x 1 (cm) x 0,030 (ml) x 1000 F = factor de diluição (7) Valores normais: negativo, < 2,1 g/l, < 0,020 mM ou < 1mg/100 ml (sangue) Interferências e fontes de ferro: 1) O uso de soluções fora do prazo de validade ou de reagentes (diaforase, NAD ou INT) mantidos à temperatura ambiente por um período superior a 1 hora podem retardar a reacção. 2) O INT é sensível à luz. 3) Altas concentrações de agentes redutores como o ácido ascórbico, o ácido sulfuroso, ou fontes de ferro (Fe2+) interferem com o método, pois reagem facilmente com o INT. Neste caso, as amostras deverão ser pré-tratadas com peróxido de hidrogénio (H2O2) como agente oxidante. 5