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eventos institucionais
A evolução do seminário legislativo
Neste artigo, o sociólogo Fábio Madureira relata o aperfeiçoamento do seminário legislativo. De um
fotos: Willian Dias, Alair Vieira, Marcelo Metzker, GuilhermeBergamini
formato tradicional, restrito às palestras de especialistas, o evento chegou a um modelo construído
conjuntamente pela Assembleia e por entidades da sociedade civil. Nesse modelo, destacam-se as
discussões em comissões técnicas interinstitucionais e em grupos de trabalho, a aprovação de um
documento final com propostas, a interiorização das atividades e a eleição de uma comissão de
representação para acompanhar os desdobramentos do seminário, entre outros avanços. Hoje ele
enfrenta um novo desafio: a inclusão das massas não organizadas.
G . Fábio Madur
eir
Madureir
eiraa
Servidor aposentado da ALMG, especialista em Educação, primeiro diretor executivo do Conselho de Informação e Pesquisa (Cinpe),
ex-integrante do Comitê Deliberativo de Comunicação Institucional da ALMG, presidente da ONG SER em SI, autor do livro “Racionalidade da
Sabedoria Popular: energia material humana e sexualidade” e autor das páginas Filosofia Popular e Poesofia do site www.seremsi.org.br
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eventos institucionais
A gênese do seminário legislativo foi des-
bre a instituição, tal consultoria daria maior
crita em outro artigo (in Revista do Legislativo, nº
credibilidade às análises e avaliações que já se
42, pág. 39), no qual analisei o início do processo
faziam pelo Comitê.
de modernização por que passou a Assembleia
A partir de sugestão dessa consultoria, rea-
Legislativa, preparando-se para a abertura políti-
lizou-se uma pesquisa de opinião para se avaliar
ca, e relatei as mudanças institucionais que se
a percepção que a sociedade tinha da Assembleia
seguiram ao período de elaboração da Constitui-
e para se detectarem suas expectativas em rela-
ção Estadual de 1989, desencadeadas pela Mesa
ção ao Poder. Saúde e educação foram aponta-
da Assembleia presidida pelo deputado Romeu
das como as maiores demandas.
Queiroz (1991/92). O modelo nasceu, pois, da per-
No Comitê, travou-se um profundo e inten-
cepção de que o formato tradicional, geralmente
so debate sobre as estratégias para uma respos-
composto de painéis de especialistas expondo
ta pronta às duas demandas. Optou-se por se ini-
suas ideias, para posterior discussão da plateia,
ciar com a área de saúde, realizando-se um gran-
já vinha se mostrando inócuo para o processo
de seminário. O debate prosseguiu mais acalora-
legislativo. É o que explicitei no artigo: "Faltava,
do ainda quando da definição do modelo de semi-
entretanto, algo essencial para dar sequência
nário. O modelo tradicional de painéis de especialistas nas plenárias de participantes terminou
O desafio da Assembleia de Minas era encontrar um modelo de seminário mais condizente
por ser o vencedor.
com as características do Poder Legislativo, indo além do formato tradicional,
Realizou-se o seminário. Gastou-se muito
restrito a painéis de especialistas nas plenárias de participantes.
dinheiro na sua divulgação, foi necessário muito
trabalho para a arregimentação de participantes,
e consequência às inovações introduzidas pela
e o envolvimento dos parlamentares foi pequeno.
nova Constituição. Isolada institucionalmente pe-
De acordo com o modelo proposto, entretanto, foi
los vários anos de autoritarismo, a capacidade de
um seminário vitorioso. Renomados especialistas!
comunicação da Assembleia com a sociedade
Intensos debates!
pouco ou nada se desenvolvera. Daí a necessi-
E daí? Foi a pergunta que grande parte do
dade de se criarem mecanismos de comunicação
Comitê se fez durante o processo de avaliação do
interinstitucionais.
evento, o que nos levou à conclusão de que esse
A Mesa presidida pelo deputado Romeu
modelo de seminário era próprio para entidades
Queiroz acolheu, de pronto, essa percepção e de-
representativas, tal como a Associação Médica,
terminou a criação de um grupo permanente com
por exemplo, que poderia tê-lo realizado com me-
essa finalidade. Por razões circunstanciais, esse
nos custo e, talvez, até com mais resultados. O
grupo passou a ser conhecido simplesmente como
desafio que se colocava era, pois, encontrar-se
Comitê.
um modelo mais condizente com as característi-
A RT I G O
A primeira ação do Comitê foi propor a con-
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cas do Poder Legislativo.
tratação de uma consultoria externa de comu-
Como eu tinha sido o maior crítico do mo-
nicação. Além de agregar a visão externa so-
delo de evento utilizado na área da saúde, recebi
eventos institucionais
a incumbência e uma carta branca do Comitê e
Essa foi a primeira reflexão que propus
da administração da Casa para organizar o semi-
para o conjunto de entidades representativas da
nário da educação, que era apontada como a se-
área de educação, sugerindo que nosso desafio
gunda maior demanda.
era formatar um seminário que propiciasse a
Já tendo organizado o seminário de infor-
vivência do processo indutivo de conhecimento.
matização (evento nacional de informatização do
A aquiescência das entidades foi unâni-
Legislativo que buscou criar um ambiente de coo-
me. A única resistência que houve foi por parte
peração e troca de experiências entre as várias
de um dos consultores da Assembleia presen-
casas legislativas do País, realizado pela Mesa
te à reunião. De formação filosófica clássica,
presidida pelo deputado José Santana, no perío-
ele considerou uma aberração intelectual so-
do 1981/82), aproveitei um pouco dessa experiên-
brepor-se o modelo indutivo ao dedutivo. Ape-
cia. Além do mais, por ter atuado por algum tem-
sar do mal-estar da situação, dois funcionários
po na área da educação, conhecia suas princi-
da Assembleia se debatendo diante dos parti-
pais lideranças e um tanto de sua problemática."
cipantes das entidades, tal discussão ajudou a
Essa é a gênese do seminário legislativo.
clarear e a reforçar a oportunidade de experi-
Vejamos, agora, como evoluiu esse modelo, que
mentarmos um novo modelo de seminário.
se tornou referência no processo de interlocução
do Poder Legislativo com a sociedade.
O formato tradicional já não produzia os
efeitos esperados. Além de demandar um esfor-
O novo modelo de seminário legislativo partiu do princípio de que o Parlamento é a casa do
contraditório e o espaço onde se formulam todas as políticas públicas. A proposta era que a
Assembleia passasse a sediar eventos construídos pelo conjunto das entidades.
havia sempre dificuldade de compatibilização das
A ideia desse novo modelo teve origem
agendas dos notáveis da área e os constantes so-
na seguinte questão: qual era o diferencial da
bressaltos pelo não comparecimento deles, por
Assembleia em relação às demais instituições
motivos diversos. Somem-se a isso o alto custo
e/ou entidades?
desse processo, o baixo interesse dos parlamen-
A resposta era alentadora! A Assembleia
tares em relação a esse tipo de evento e, geral-
não dirige e nem representa nenhum segmento
mente, a ausência de resultados que viessem a
social, daí suas dificuldades em organizar um se-
enriquecer a ação legislativa.
minário no modelo tradicional. Entretanto, como
Esse modelo de painéis pode ser útil e bom
infraestrutura do Poder Legislativo, na ALMG po-
para o ambiente acadêmico. Afinal, nosso siste-
dem se representar todos os segmentos sociais.
ma de ensino é predominantemente organizado
E, como tal, ela é a casa do contraditório e o es-
segundo o processo dedutivo de aprendizagem!
paço em que se formulam todas as políticas pú-
Esse processo, porém, não combina com a ação
blicas, gerando, pois, o interesse por parte de to-
legislativa, cuja legitimidade se dá em função do
dos os segmentos da sociedade.
grau de representatividade social de qualquer que
seja a proposta.
Aproveitando-se disso, a proposta era abrir
suas portas, arcar com a logística disponível (po-
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ço enorme de arregimentação de participantes,
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eventos institucionais
der político, recursos humanos e infraestrutura) e
Esse foi o modelo proposto e vivenciado
sediar um seminário conduzido pelo conjunto das
no Seminário "Educação: a hora da chamada", pro-
entidades, cuja finalidade seria fornecer ao legis-
movido em 1991.
lador o máximo de subsídios para aprimorar a
Após a sua realização, fazia-se mister for-
regulação da respectiva área. É como se estivés-
malizar esse novo modelo, o que se materializou
semos ampliando o processo legislativo, e, de fato,
no texto da Deliberação da Mesa 720, de 1991.
o estávamos. Daí se classificá-lo de processo
Ao redigi-la, fomos percebendo algumas lacunas
legislativo latu sensu.
e contradições com o princípio geral do processo
O conjunto das entidades definiria os prin-
indutivo.
cipais temas e subtemas a serem trabalhados,
Por exemplo, era contraditório que algum
indicaria os especialistas para produzirem os res-
especialista elaborasse o texto-guia para a discus-
pectivos textos-guias, que seriam discutidos pe-
são dos grupos de trabalho. Dessa constatação,
los grupos de trabalho, também compostos por
nasceu a ideia da CTI: comissão técnica interins-
indicação das entidades.
titucional, composta de especialistas indicados pe-
Dessa discussão surgiriam as propostas
de alterações legislativas e de ações governamen-
las entidades e representativa dos diversos enfoques que poderia ter o respectivo subtema.
Assim, não haveria nenhum notável indu-
As inovações foram desencadeadas no Seminário Legislativo "Educação: a hora da
zindo o processo de discussão. Ao contrário, o
chamada", que teve as propostas aprovadas consolidadas em um documento final.
papel dele agora seria de consultor. Como partici-
O novo formato foi institucionalizado por meio de uma deliberação da Mesa.
pante do painel da plenária final, ele receberia antecipadamente os relatórios dos grupos de traba-
tais, que deveriam obter a aprovação da maioria
lho que embasariam a sua fala, tendo a oportuni-
dos participantes dos grupos, para comporem o
dade de expor seu ponto de vista, agora, porém,
relatório parcial do respectivo subtema.
com base nas propostas concretas da área.
Esse relatório parcial seria posteriormente
Outra inovação importante foi atribuir-se à
submetido à discussão e à votação de uma plená-
Comissão de Representação o papel de lobby.
ria parcial composta de todos os representantes.
Como grupo de pressão diante das comissões per-
As propostas aprovadas nas plenárias par-
manentes da Casa, o segmento seria mobilizado
ciais seriam consolidadas pela assessoria da
para que se viabilizassem as demandas contidas
Assembleia, sob a supervisão da comissão de re-
no documento final.
presentação das entidades, produzindo-se, portanto, um documento único e final.
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Esse documento seria levado a uma ple-
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Aos poucos foram sendo implementadas
algumas adaptações internas, para que a Assembleia melhorasse o seu poder de resposta.
nária final, que o discutiria e o aprovaria para ser,
No processo legislativo, duas alterações fo-
oficialmente, entregue ao presidente da Assem-
ram decisivas. A primeira impedia que qualquer
bleia, como encerramento da reunião e dessa fase
deputado singular pudesse assumir a autoria de
do seminário.
alguma proposição derivada do seminário. A se-
eventos institucionais
gunda definia qual comissão permanente assu-
principais líderes da área de turismo de nosso
miria a autoria dessas proposições e o ritual de
Estado. Eis por que vale a pena registrar um epi-
seu diálogo com a Comissão de Representação.
sódio que aconteceu no último seminário que co-
Na área administrativa criou-se a Gerência-
ordenei, o de turismo, cujo título foi "Caminho das
-Geral de Projetos Institucionais (GPI) para coor-
Minas", realizado em 1995.
denar a organização do seminário, mobilizar a
Na segunda reunião com as entidades,
sociedade e ser a interlocutora da Comissão de
quando a maioria já se havia inteirado da dinâmi-
Representação. A GPI teria também o papel de
ca do modelo e estávamos discutindo a questão
acompanhar, juntamente com a comissão e com a
dos temas e subtemas, fui interpelado por um par-
assessoria técnica da Assembleia, os desdobramen-
ticipante que se identificou como Jorge Norman
tos das propostas aprovadas. Outra função da ge-
(George Norman Kutova, empresário do setor de
rência seria subsidiar as ações legislativas das co-
turismo que presidiu a União Brasileira dos Pro-
missões permanentes, em especial as relaciona-
motores de Feiras – a Ubrafe – e foi um dos idea-
das com as propostas aprovadas nos seminários.
lizadores do Expominas, centro de exposições da
Um aperfeiçoamento do modelo que não
Capital). Sua fala começou até um pouco agres-
cheguei a vivenciar, mas de cuja formulação par-
siva. Apresentou-se como expert em eventos e
ticipei, foi o processo de interiorização dos seminários. Tendo coordenado os dois primeiros, achei
Entre as novidades destacam-se a atribuição do papel de lobby à comissão de
que seria oportuno não participar do terceiro, para
representação, a vinculação do evento a uma comissão permanente da ALMG, a realização
ter a visão de quem estava de fora. Foi no Semi-
de encontros regionais e a criação de uma gerência para coordenar todo o processo.
zado em 1992. O Comitê indicou outro coordena-
que não seria aquela a melhor condução que se
dor e eu pude observar o seminário de outros ân-
poderia dar para atender aos anseios de sua área.
gulos. Essa observação deixou claro que o mo-
Após ouvir seus argumentos por uns dez
delo, tal como estava concebido, restringindo-se
minutos, iniciei concordando com ele. De fato, ne-
às representações da Capital, nem sempre expres-
nhum de nós, da Assembleia, éramos experts em
saria os vários interesses e especificidades do
eventos. Estávamos ali como especialistas em
conjunto do Estado, gerando, pois, a necessida-
processo legislativo e, como tal, pedíamos a sua
de de se criar uma etapa do processo que cap-
paciência, porque, pelo que tudo indicava, tam-
tasse as demandas de suas diversas regiões.
bém ele não entendia nada de processo legislativo
Sempre acreditei no papel do Poder Le-
e, para nós, o seminário legislativo pretendia ser
gislativo como indutor do processo de organiza-
mais uma etapa do processo legislativo latu sensu
ção social. Afinal, tão mais legítimo e forte ele se
e não um simples evento.
torna quanto mais esteja organizada a socieda-
E a reunião continuou. George Norman foi
de. E uma das grandes virtudes do seminário
se inteirando da dinâmica, vindo a se tornar o
legislativo tem sido viabilizar esse sonho. O mais
maior entusiasta defensor do modelo, o que mui-
contundente testemunho disso veio de um dos
to contribuiu para o êxito do seminário em função
A RT I G O
nário Legislativo "Políticas Agrícola e Agrária", reali-
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da sua liderança inconteste na área e do seu bom
relacionamento com a imprensa. O mais importante testemunho dele foi afirmar o papel do seminário na criação de canais de interlocução entre as entidades da área, que, apesar das demandas e carências comuns, estava totalmente desarticulada e desunida, até então.
Outra virtude do seminário legislativo tem
sido provar que o Poder Legislativo não precisa
gastar fortunas na sua interlocução com a sociedade. A própria dinâmica do modelo já inclui todas as instituições e entidades da área em questão. Além disso, seu processo vai envolvendo a
mídia de uma forma espontânea, o que não impede algumas ações para aumentar esse
envolvimento. Daí a importância do almoço, antes
Com a realização do seminário legislativo, a Assembleia prova que não precisa gastar
fortunas na interlocução com a sociedade, já que a dinâmica do modelo inclui todos os
segmentos interessados. O desafio agora é atingir as massas não organizadas.
da plenária final, do qual participavam os membros da comissão de representação, os deputados envolvidos, o staff da Assembleia e os representantes dos órgãos de imprensa.
Apesar de seus avanços, em especial de
seu processo de interiorização, acredito que o modelo ainda enfrenta um grande desafio: a inclusão das massas não organizadas. Afinal, o Poder
Legislativo deve ser representativo de toda a sociedade, e não apenas de sua parte organizada.
Talvez a massificação dos modernos meios de comunicação possa vir a ajudar no enfrentamento
desse desafio e a aprimorar mais ainda esse
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modelo, concedendo-lhe maior legitimidade, o que
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fortalecerá cada vez mais o Poder Legislativo e, consequentemente, a nossa construção democrática.
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