PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA

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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
(0ËÝGà14100)
HABEAS CORPUS N. 0061792-38.2010.4.01.0000/GO
Processo Orig.: 0040163-81.2010.4.01.3500
RELATÓRIO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL GUILHERME MENDONÇA DOEHLER (RELATOR
CONVOCADO): Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por Abercy
Mourão, em favor de EDUARDO DA SILVA ROCHA, contra ato do MM. Juiz Federal da 5ª Vara
da Seção Judiciária do Estado do Goiás, que decretou a prisão preventiva do paciente.
Sustenta o impetrante, em síntese, a existência de constrangimento ilegal, no caso,
ante falta de fundamentação do decreto prisional. Afirma que o decreto prisional baseia-se em
ilações e presunções e que não estão presentes os requisitos da prisão preventiva.
Defende que não há fatos concretos que indiquem a necessidade da manutenção
da segregação cautelar posto que o paciente fora mencionado em apenas uma escuta telefônica
durante todo o monitoramento da suposta organização criminosa. Afirma que o paciente teve seu
computador apreendido e não é funcionário público, não existindo razão para manutenção da
segregação cautelar.
Ressalta, ainda, que trata-se de investigado primário, de bons antecedentes, com
atividade lícita e com domicílio fixo, não existindo qualquer indício de que sua liberdade
represente risco para a ordem pública ou para a aplicação da lei penal.
Aduz que a prisão cautelar não pode ser usada como antecipação de eventual
condenação, sob pena de violação aos princípios da presunção de inocência e do devido
processo legal.
A liminar foi deferida à fl.117/118.
Informações da autoridade apontada como coatora às fls. 123/124.
O Ministério Público Federal, em parecer de fls. 127/135, da lavra do Procurador
Regional da República Dr. Paulo Queiroz, opinou pela concessão da ordem, na forma da ementa
abaixo:
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. OPERAÇÃO GUIA. HABEAS
CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. CRIMES CONTRA A PREVIDÊNCIA
SOCIAL. INSUFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO. DESNECESSIDADE
DA
CUSTÓDIA.
LIMINAR
CONCEDIDA.
PARECER
PELO
DEFERIMENTO DO WRIT.”
É o relatório.
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VOTO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL GUILHERME MENDONÇA DOEHLER (RELATOR
CONVOCADO): Conforme se depreende da leitura dos autos, o impetrante visa a cessação de
coação que entende ilegal, consistente no decreto de prisão preventiva exarado pelo Juízo
Federal da 5º Vara Federal da Seção Judiciária de Goiás.
A prisão preventiva do paciente foi decretada em virtude das investigações da
denominada “Operação Guia”, por decisão que determinou a segregação cautelar de mais 10
investigados, além da busca e apreensão de provas.
O d. Magistrado a quo fundamentou a necessidade da prisão preventiva do
paciente nos seguintes termos:
“(...) Após examinar detidamente o substrato que subsidia a
representação da Polícia Federal, concluo haver elementos suficientes
para a segregação cautelar de Erci Leôncio Ferreira, José Aparecido
Souza do Nascimento, Gecy Braz, Cleber Rosa de Jesus e Eduardo da
Silva Rocha.
De acordo com as interceptações telefônicas e extratos de GFIPs
Erci Ferreira, José Aparecido de Sousa Nascimento e Eduardo Rocha
patrocinaram a concessão de benefícios previdenciários a pessoas que
não tinham direito aos benefícios, mediante a inserção no sistema do INSS
de vínculos fictícios ou informações falsas sobre salários-de-contribuição,
utilizando o canal de conectividade social da Previdência.
Gecy Braz e Cleber de Jesus e Eduardo Rocha a seu turno, segundo
se infere da prova indiciária, subsidiam Erci, José Aparecido Nascimento e
Eduardo Rocha com documentos falsos para sustentar as relações de
emprego engendradas pelo grupo para a obtenção de benefícios.
Os áudios 7800846, 7572107, 7571384 e 751497, examinados em
conjunto com os extratos GFIPs de fls. 86 e 93 e as imagens de fl. 100,
formam um conjunto indiciário robusto de que os referidos investigados
concorreram para a inserção de vínculos extemporâneos (fictícios) no
CNIS em relação aos segurados José Gaspar de Rezende e Carlos
Alexandre de Oliveira, além de vários outros.
........................................................................................................................
2.2.4. Requisitos da medida de exceção
Como se verifica, os elementos de convicção demonstram que as
supostas organizações criminosas são complexas, extensas e
profundamente incrustadas no âmago da Previdência Social. Para a
perfeita consecução do plano criminoso, há uma criteriosa divisão de
tarefas. Todos os integrantes acedem à empresa delituosa com
contribuições objetivas, embora essenciais ao acontecimento total, que,
em um dado momento do iter criminis, sempre se cruzam.
É possível deduzir dos fatos indiciários colhidos pela Polícia Federal,
sobretudo os diálogos e imagens captados durante as investigações, que
alguns dos investigados, principalmente aqueles que ocupam os mais altos
escalões das organizações, adotaram o crime como profissão e “meio de
vida”. Há fortes suspeitas de que praticam os delitos de forma constante,
duradoura e sem parcimônia, dando a impressão de total menoscabo pelo
patrimônio público e pela lei. Dado revelador é a circunstância de que
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assuntos ligados ao crime ocupam lugar comum nas conversas mais
triviais dos investigados.
Note-se ainda, que para a suposta consecução de seus objetivos
ilícitos, os investigados têm de arregimentar inúmeros “candidatos”,
pessoas do povo, muitos deles simples e sem malícia. Essa circunstância
torna a atividade dos investigados altamente arriscada, com enorme
chance de que o esquema em algum momento viesse à tona, com
conseqüências nefastas sobre eles, principalmente os que ocupam cargos
públicos.
Mesmo assim, insistiram e insistem na suposta trama criminosa, o
que demonstra que a cessão de suas práticas exige a adoção de medidas
excepcionais, como a prisão cautelar e a busca e apreensão de
documentos.
Além do mais, importa salientar que os possíveis prejuízos são muito
elevados. De acordo com os anexos II e III do Relatório de Informações n.
010/2010/APEGR/SE/MPS, foram relacionados 150 (cento e cinqüenta)
benefícios com indícios de irregularidades, os quais teriam causado
prejuízos de mais de 3,3 milhões à Previdência Social e, ao mesmo tempo,
sejam aptos a assegurar a impunidade.
Todas essas circunstâncias demonstram que existe risco ponderável
e concreto – não meramente abstrato - de repetição da ação delituosa
caso não seja decretada a prisão cautelar dos representados contra os
quais haja fortes indícios de concorrência na prática dos crimes, conforme
acima mencionado.
........................................................................................................................
Diante de tais fundamentos, o deferimento da prisão preventiva dos
investigados é medida que se impõe, quer para preservar a ordem pública,
quer para garantir a aplicação da lei penal.
........................................................................................................................
Assim, diante dos fortes indícios de que os investigados são os
autores dos vários crimes descritos pela autoridade policial, com reiteração
da conduta delituosa durante longo período e emprego do mesmo modus
operandi torna-se imperativa a decretação de sua prisão preventiva. É
certo que a permanência dos investigados em liberdade traduz a
existência, de modo concreto e palpável, de risco à ordem pública. (...).”
O pedido de liminar foi deferido em 01º de outubro de 2010, em decisão assim
fundamentada, verbis:
A liminar em “habeas corpus”, embora sem previsão legal, pode ser
concedida em caráter excepcional, se demonstrados de plano o risco ou a
consumação do cerceamento de liberdade individual, por ato de manifesta
ilegalidade. No caso presente vislumbro, à primeira vista, motivos
ensejadores para a sua concessão, ante a falta de comprovação da
necessidade da segregação cautelar.
A prisão preventiva do paciente foi decretada em virtude das
investigações da denominada “Operação Guia”, por decisão que
determinou a segregação cautelar de mais 10 investigados, além da busca
e apreensão de provas.
Conforme auto de qualificação e interrogatório de fls. 112/115 , o
acusado foi ouvido perante a autoridade policial em 28/09, tendo
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reconhecido a prática da conduta de inserir vínculos empregatícios fictícios
no sistema informatizado do INSS, mediante o pagamento de quantias que
variavam entre R$ 50,00 e R$ 200,00.
Da leitura da r. decisão de decretou a prisão preventiva verifico que o
MM. Juiz a quo indica que a participação do paciente Eduardo seria a de
inserir no sistema do INSS, vínculos fictícios ou informações falsas sobre
os segurados, além de supostamente subsidiar outros membros da
organização com documentos falsos.
Entretanto, da análise dos elementos de prova trazidos na
impetração afigura-se, neste exame preliminar, inexistir comprovação da
necessidade da manutenção da prisão do paciente, mormente pelo fato de
Eduardo ter confessado a prática delituosa e ser mencionado em apenas
um diálogo nas escutas telefônicas.
Ressalto, ainda, que aparentemente o grupo já foi desmantelado com
a deflagração da operação e o cumprimento dos mandados de prisão e de
busca e apreensão.
Assim, diante dos fatos narrados e das condições pessoais do
paciente (primário, de bons antecedentes e ocupação lícita comprovadas),
verifico que não há mais necessidade da segregação cautelar, pois as
provas materiais já foram apreendidas, o paciente já foi interrogado e não
há evidências de periculosidade ou de que o paciente esteja a atentar, ou
pretenda fazê-lo, contra a instrução.
Ante o exposto, concedo a liminar para determinar a imediata
soltura do paciente EDUARDO DA SILVA ROCHA, se por outro motivo
não estiver preso, mediante termo de comparecimento a todos os atos do
processo.”
Tenho que não merece reparo a decisão.
A prisão preventiva é uma espécie de prisão provisória de natureza cautelar que
visa garantir a eficácia de um futuro provimento jurisdicional, revestindo-se de caráter de
excepcionalidade, na medida em que somente poderá ser decretada quando necessária, isto é,
ficar demonstrado o efetivo periculum in mora.
Dessa forma, o decreto de prisão cautelar há de explicitar a necessidade da
medida, indicando os motivos que a tornam indispensável, dentre os elencados no art. 312 do
CPP, bem como, aliás, impõe o art. 315 também do CPP.
Conforme se verifica dos autos o paciente foi preso em razão da denominada
“Operação Guia” que investiga a existência de uma organização criminosa voltada para a prática
dos delitos de estelionato, falsificação de documentos e corrupção ativa e passiva. De acordo com
a investigação há indícios de que o grupo concorreu para a concessão fraudulenta de pelo menos
150 (cento e cinqüenta) benefícios previdenciários, sendo que o prejuízo aos cofres públicos é
estimado em R$ 3,3 milhões de reais.
Em que pese a gravidade dos delitos tem-se que não resta demonstrada a
necessidade da segregação cautelar do paciente, no caso. Apesar da existência de indícios de
que o paciente participava da organização criminosa, incluindo vínculos empregatícios fictícios no
sistema de dados da Previdência Social, não há, nos autos, evidência de que sua liberdade
coloque em risco a ordem pública ou a aplicação da lei penal.
Trata-se de paciente primário, de bons antecedentes, com residência fixa e
ocupação lícita comprovada nos autos (fls. 22 e 26/30), que já foi ouvido perante a autoridade
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policial, conforme se verifica do auto de qualificação e interrogatório de fls. 112/115, tendo
respondido a todas as perguntas a ele formuladas, confessando a prática delituosa. Além disso, a
quadrilha já foi desmantelada e a ordem de busca e apreensão foi devidamente cumprida, com a
apreensão de documentos e objetos de interesse à investigação.
Assim sendo, tenho que não resta justificada, no caso, a segregação cautelar do
paciente, sobretudo porque, além de não oferecer, em princípio, risco à ordem pública, ao bom
andamento da instrução criminal, não existindo indícios de que vá se furtar a aplicação da lei
penal, a prisão preventiva poderá ser novamente decretada, a qualquer momento, se houver
necessidade e se verificados os requisitos do art. 312 do CPP.
Neste sentido também é parecer do Ministério Público Federal, da lavra do d.
Procurador Regional da República Dr. Paulo Queiroz, do qual destaco o seguinte trecho, verbis:
“No caso, o fumus comissi delicti está comprovado, não só pelas
razões expostas pelo juiz, inclusive com base em interceptações de
conversas telefônicas, mas também porque, ao ser ouvido perante a
autoridade policial, o paciente confirmou que inseria vínculos
empregatícios fictícios em GFIPs, mediante o pagamento de quantias que
variavam de R$ 50,00 e R$ 200,00 (fls. 69/72). Contudo, não restou
suficientemente demonstrado o periculum libertatis, por não se vislumbrar
na espécie a presença de nenhuma das causas que justifiquem a
decretação de uma prisão preventiva.
Primeiro, porque, quanto à garantia da ordem pública, mais
exatamente, evitar a reincidência não tem, em princípio, índole
cautelar/processual, constituindo, em realidade, um modo sutil de
antecipação da condenação/pena.
........................................................................................................................
Segundo, porque a alegação de que “há elementos suficientes a
convencer que alguns dos acusados poderão tentar se esquivar da
aplicação da lei penal, caso sejam mantidos em liberdade” não constitui
fundamento, por si só, suficiente para manter a prisão, com base na
necessidade de assegurar a aplicação da lei penal.
(...)
Como se vê, não há nos autos até o momento nenhum dado
concreto que permita manter a prisão por mais tempo.
Terceiro, porque o paciente comprovou ser primário, possuir bons
antecedentes, além de ter residência fixa e conhecida no distrito da culpa,
bem como profissão definida, técnico em contabilidade (fls. 21/22 e fls.
26/30).” (fls. 127/135)
Pelo todo o exposto, concedo a ordem de habeas corpus, confirmando a liminar
anteriormente concedida.
É como voto.
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