Acidez, sua relação com pH e qualidade de geleias e doces em barra

Propaganda
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Acidez, sua relação
com pH e qualidade
de geleias e doces
em barra
Laila Matos Pereira Ribeiro
Mestranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Triângulo Mineiro (IFTM)
Karina Aparecida Damasceno
Mestranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Triângulo Mineiro (IFTM)
Roselane Maria Simplicio Gonçalves
Mestranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Triângulo Mineiro (IFTM)
Carlos Antônio Alvarenga Gonçalves
Doutor em Ciência de Alimentos
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Triângulo Mineiro (IFTM)
Adriana Nogueira Alves
Mestranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Triângulo Mineiro (IFTM)
Márcio Ferraz Cunha
Mestre em Alimentos e Nutrição
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)
Introdução
Em razão do tipo de vida atual, verifica-se
um aumento pela demanda por produtos nutritivos, com uma vida de prateleira maior e qualidade satisfatória. As geleias e doces de frutas, quando elaboradas de maneira adequada, podem ser
uma boa opção para a população.
Determinados fatores são fundamentais
para garantir a qualidade das características químicas, sensoriais (aroma, sabor, cor, textura) e
sanitárias desses produtos (SOLER et al., 1991;
SOLER et al., 1995; TORREZAN, 1998; LOPES,
2007), podemos destacar:
- escolha adequada dos frutos: seleção
dos frutos considerando possíveis defeitos (alterações físicas, como textura e cor, infestações) e
seu grau de amadurecimento;
14
INSTITUTO FEDERAL
DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Triângulo Mineiro
- presença e quantidade de açúcar: normalmente utiliza proporções maiores desse componente para fabricação de doces de massa ou
barra. A sua presença possibilita uma redução no
desenvolvimento de micro-organismos (bactérias
e fungos) capazes de causar doenças e alterações
indesejáveis nas suas características sensoriais
(sabor, textura e cor), além de contribuir para o
sabor característico desses produtos e na sua
consistência;
- presença e quantidade de pectina: a
pectina é um carboidrato complexo presente naturalmente em alimentos de origem vegetal. Na
fabricação de doces e geleias, pode-se utilizar
pectina industrial ou natural (extraída de frutos);
a quantidade a ser acrescentada vai depender de
alguns fatores, principalmente do tipo e grau de
amadurecimento do fruto. A pectina também desempenha um papel importante na consistência,
firmeza dos doces e geleias;
- acidez ou pH dos frutos: a acidez tem
relação com a presença de substâncias ácidas
presentes naturalmente nesses vegetais, como
os ácidos málico, cítrico e tartárico, especialmente. Eles podem ser adicionados ao produto
durante a sua fabricação para conferir maior
qualidade aos produtos, já que auxiliam também no desenvolvimento de uma textura adequada. A acidez tem uma relação com o pH e a
avaliação desse último pode ser uma ferramenta importante para determinar a quantidade de
ácido necessária para elaboração desses produtos.
Entretanto, antes de comentar sobre o papel do pH na fabricação de doces e geleias de fruta, o que é pH?
O pH é um indicador químico, idealizado por um pesquisador dinamarquês chamado
Soren Sorensen, que expressa a concentração
de íons hidrogênio (H+ ou H3O+) com utilização
editora.iftm.edu.br
de uma escala de valores (escala logarítmica
ou melhor logaritmo negativo da concentração
hidrogeniônica na base 10). Ele observou que
a concentração de íons hidrogênio, principal
elemento responsável pela característica ácida
do ambiente, se encontrava em pequenas concentrações na natureza, intervalo entre 10-1 (0,1
unidades de concentração) a 10-14 (0,0000...1 unidades de concentração) (LOBO, 1991; ATKINS;
JONES, 2006).
Com emprego do indicador criado por
Sorensen, o intervalo de valores foi convertido
para 1 até 14, em que valores inferiores a 7,0 indica meio ácido, valores superiores a 7,0 meio
básico ou alcalino e igual a 7,0 meio neutro. A Figura 1 ilustra valores de pH de alguns produtos,
materiais orgânicos e elementos encontrados na
natureza. É possível observar os valores de pH
e as respectivas concentrações (moles por litro)
dos íons hidrogênio (H+) e hidroxila (OH-). Como
já foi comentado, o pH é medido em escala logarítmica, ou seja: a alteração de uma unidade
de pH corresponde uma variação de 10 vezes na
concentração de íons hidrogênio. Desta maneira, o vinagre (pH próximo a 2) apresenta uma
concentração de íons hidrogênio um bilhão de
vezes superior a amônia de uso doméstico (pH
próximo a 12) (MADIGAN; MARTINKO.; PARKER,
2004).
Como é possível determinar o pH? Há alguns recursos que podem ser utilizados, desde
mais simples, como uso de fitas (Figura 2) aos
mais sofisticados como os medidores portáteis
(Figura 3a) e de bancada (Figura 3b). A escolha
do tipo de instrumento vai depender do grau de
exatidão da medida, disponibilidade de recursos
financeiros, objetivo a ser atingido com a medida, entre outros. Quando se deseja uma medida
mais exata e um instrumento mais barato, o medidor portátil pode ser uma boa opção.
Figura 1: Escala e valores de pH de alguns produtos, materiais orgânicos e elementos encontrados na natureza.
Fonte: Madigan; Martinko; Parker, 2004.
Boletim Técnico IFTM, Uberaba-MG, ano 2, n.2, p.14-19, maio/ago., 2016
15
Figura 2: Medidor de pH com fitas indicadoras.
Fonte: http://www.alquimiacientifica.com.br/
produtos-e-servicos/ver/111/papeis-indicadores
Figura 3a: Medidor pH portátil.
Fonte: http://www.omega.de/pptst/PHH-7000.html
Figura 3b: Medidor de pH de bancada.
Fonte:http://www.zelian.com.ar/index.php/ficha/
ph_conductividad_y_od/multiparametros/de_mesa/
numak/PCO-00013.html
16
INSTITUTO FEDERAL
DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Triângulo Mineiro
Após explicar e rever o conceito de pH, vamos retomar a importância desse indicador químico na qualidade de doces e geleias de frutas.
Como foi comentado anteriormente, o pH tem
íntima relação com a acidez. Essa característica, associada ao açúcar e pectina, desempenha
uma função significativa na textura (consistência,
cremosidade) desses produtos. Como os frutos
apresentam uma acidez natural, inicialmente é
necessário verificar o teor de acidez e verificar a
necessidade ou não da incorporação de substâncias ácidas na formulação. Caso seja preciso, é recomendado estabelecer a quantidade adequada
de ácido a ser adicionado a fim de evitar possíveis defeitos como, por exemplo: acidez excessiva
(pH muito baixo) - rompimento do gel (geleia) e
saída de água; pouca acidez (pH muito alto) - não
permite a formação do gel (geleia) (SOLER et al.,
1995; LOPES, 2007).
Para a formação de um gel estável, é necessário obter um pH ideal e, para que esse processo
aconteça de forma eficaz, é necessário obter pH
no intervalo de 3,2 a 3,5, considerando sempre o
teor de sólidos solúveis (item relacionado a quantidade de açúcar presente no produto) próximo
de 65%.
Os ácidos normalmente empregados para
produção de geleias e doces em massa são os
ácidos orgânicos como: ácido cítrico, tartárico
e málico e, em determinadas situações, o ácido
fosfórico. O ácido cítrico é o mais empregado por
conferir um sabor mais agradável ao produto. O
uso de suco limão pode ser uma alternativa, prática comum na fabricação artesanal destes produtos, todavia seria recomendado verificar a quantidade de ácidos presentes no suco (SOLER et al.,
1991; TORREZAN, 1998).
A incorporação do ácido é feita no final do
processo de fabricação de geleias e doces em
massa, preferencialmente um pouco antes do
enchimento das embalagens. Esse procedimento deve ser realizado nessas condições já que a
pectina sob aquecimento em meio ácido sofre
hidrólise (quebra), com perda do seu poder geleificante (SOLER et al., 1991; SOLER et al., 1995).
Cabe ainda ressaltar que o pH tem um
papel importante na conservação das geleias e
doces de frutas, pois apresentam um pH inferior
a 4,5, característica capaz de reduzir consideravelmente a quantidade de micro-organismos
deterioradores e causadores de doenças e, consequentemente, aumentar o tempo de prateleira
desses produtos (SOLER et al., 1991; GAVA; SILVA;
FRIAS, 2008).
Assim, o objetivo desse relato foi desenvolver um procedimento que permita o fabricante
de geleia ou doce em barra estabelecer com rapidez e certa exatidão a quantidade de ácido a ser
adicionada em sua formulação.
editora.iftm.edu.br
Procedimento
Figura 4: Exemplo de medida correta de volume com
uso da bureta.
O estudo foi conduzido no laboratório de
processamento de produtos vegetais do Instituto
Federal do Triângulo Mineiro Campus Uberaba,
MG, durante a aula prática da disciplina Tecnologia de Frutas e Hortaliças do Mestrado Profissional em Ciência e Tecnologia de Alimentos.
Materiais e equipamentos utilizados
Polpa da fruta - 50 a 100 gramas;
Ácido cítrico ou outro ácido recomendado (málico, tartárico fosfórico) - 5 a 10 gramas;
Bureta graduada 25mL ou outro dispositivo capaz
de medir volume com certa exatidão - 1 unidade;
Recipiente de vidro 250mL - béquer ou copo - 3
unidades;
Proveta de 100mL - 1 unidade;
Água destilada ou tratada;
Soluções tampões (pH 4,0 e 7,0);
Medidor de pH - bancada ou portátil;
Liquidificador ou multiprocessador;
Balança semianalítica, preferencialmente.
Metodologia para obtenção da curva
de titulação e cálculo
- Selecionar, lavar remover a casca (se for o
caso) das frutas.
- Triturá-las para obter a polpa, com um
pouco de água de for o caso.
- Pesar na balança 50 a 100 gramas de polpa no recipiente de capacidade de 250 ou 200mL.
- Preparar uma solução de 5% de ácido dissolvido em água (pesar 5 gramas de ácido no recipiente e, com auxílio de uma proveta, transferir
uma quantidade de água capaz de completar o
volume de 100mL).
- Encher a bureta com a solução do ácido
5% (observar a correta medida de volume de acordo com escala de valores da bureta) (Figura 4).
- Ligar o medidor de pH e calibrá-lo com soluções tampões padrão (pH 4,0 e 7,0).
Fonte:http://www.avogadro-labsupply.com/item/
25_mL_Buret_w_PTFE_Stopcock_Class_A/1203/c89
- Lavar o eletrodo com água, secá-lo com
papel, medir e anotar o pH da polpa contida no
recipiente (béquer ou copo), lavar e secar novamente o eletrodo.
- Colocar o eletrodo do pH em contato
com a polpa e, simultaneamente, despejar nela
volumes reduzidos da solução ácida (0,5mL) (Figura 5).
- A cada 0,5mL de solução ácida adicionada
a polpa, medir e anotar o valor de pH.
- Acrescentar um volume de solução ácida
até atingir o pH desejado, valores entre 3,2 a 3,5
para geleias.
- Elaborar um curva fazendo uma relação
da quantidade de ácido a ser adicionado em 100
gramas de fruta e pH do produto.
Para obtenção da curva de acidez e os cálculos para adição de ácido cítrico na produção
de geleias e doces, realizou-se um experimento
utilizando polpa de morango e de banana, para a
elaboração de geleia e doce em barra, respectivamente. De acordo com a Tabela 1 e Figura 6, pode-se acompanhar a redução de pH dos produtos
com adição da solução de ácido cítrico.
Os resultados observados (Tabela 1) permitem concluir que o morango apresenta um pH naturalmente ácido, igual a 3,42 inferior ao detectado na banana, igual a 5,22. Com esses valores de
pH, fez-se necessário abaixar o valor do pH dos
produtos para obtenção de uma melhor geleificação e realce do sabor natural da fruta. O pH ideal
varia em função do teor de sólidos solúveis e, deste modo, a literatura recomenda a adição de ácidos até a polpa atingir um pH adequado, entre 3,0
Boletim Técnico IFTM, Uberaba-MG, ano 2, n.2, p.14-19, maio/ago., 2016
17
a 3,5 (ROCHA et al., 2003). Após a realização dos
cálculos, verificou-se que é preciso praticamente
a adição do dobro da quantidade de ácido cítrico
na polpa de banana em comparação a polpa de
morango para obter o pH desejado (Figura 6).
Figura 5: Procedimento de titulação da polpa de morango com solução de ácido cítrico.
Fonte: Arquivo pessoal.
Tabela 1: Valores das quantidades utilizadas da solução
de ácido cítrico e pH das polpas de morango e banana.
Volume de Solução de
Ácido cítrico
pH polpa
de banana
pH polpa de
morango
0
5,22
3,42
1
4,83
3,37
1,5
4,70
3,35
2
4,59
3,29
2,5
4,51
3,26
3
4,40
3,24
3,5
4,29
3,17
4
4,23
3,15
4,5
4,16
3,10
5
4,09
3,09
5,5
4,02
3,04
6
3,97
3,02
6,5
3,91
2,99
7
3,86
2,98
7,5
3,82
2,94
8
3,77
2,93
8,5
3,64
2,90
9
3,70
2,89
9,5
3,76
2,88
10
3,63
2,87
10,5
3,60
2,86
11
3,56
2,85
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 6: Variação de pH das polpas de banana e morango em relação à quantidade de solução de ácido cítrico adicionado.
Fonte: Arquivo pessoal.
18
INSTITUTO FEDERAL
DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Triângulo Mineiro
editora.iftm.edu.br
As informações coletadas no trabalho confirmam a necessidade de avaliar o pH e acidez das
frutas para incorporação de quantidades corretas
de ácido cítrico na formulação dos produtos para
que não ocorra prejuízos na formação do gel e,
consequentemente, não altere a sua consistência
devido a hidrólise (quebra) da pectina.
Em razão do que foi demonstrado anteriormente, como são realizados então os cálculos
para adição de ácido na formulação? Exemplos de
cálculos são apresentados a seguir:
Cálculo da quantidade de ácido para
produção de geleia de morango
Um exemplo de cálculo para correta adição de ácido na formulação de geleia de morango
pode ser observado a seguir:
3mL - 50g de polpa de morango
X - 100g
X = 6mL (amostra\polpa)
5g - 100mL
Y - 6mL
y = 0,3 g de ácido cítrico/100g de polpa
Quantidade de polpa de morango a ser utilizado na produção de geleia= 2,40 Kg
0,3g de ácido cítrico – 100g de polpa de
morango
X – 2400 g de polpa
X = 7 g de ácido cítrico em 2,40Kg de polpa
de morango
Cálculo da quantidade de ácido
para produção de doce de corte de
banana
Um exemplo de cálculo para correta adição
de ácido na formulação de doce de corte de banana pode ser observado a seguir:
7,5mL - 50g de polpa de banana
X - 100g
X = 15 mL (amostra\polpa)
5g - 100mL
Y - 15mL
y = 0,75g de ácido cítrico/100g de polpa
Quantidade de polpa de banana a ser utilizado na produção do doce de corte = 1,3 Kg
0,75g de ácido cítrico – 100g de polpa de
banana
X - 1300 g de polpa
X = 10g de ácido cítrico em 1,3 Kg de polpa
de banana
Considerações finais
Embora o processamento de geleias e
de doce em corte seja um procedimento relativamente simples e necessite de poucos equipamentos, é necessário estar atento aos fatores que
determinam a produção adequada de geleias e
doces de fruta, como a avaliação do pH. Este estudo pode ser uma ferramenta prática e útil, pois
permite estabelecer de forma rápida e razoável
exatidão a acidificação desses produtos, prevenir
eventuais defeitos e assegurar um produto final
com padrão de qualidade satisfatório.
Referências
ATKINS, P.; JONES, L. Princípios de Química:
questionando a vida moderna e o meio ambiente. 3. ed. Porto Alegre, RS: Bookman, 2006.
GAVA, A. J; SILVA da, C. B.; FRIAS, J. R. G. Tecnologia de alimentos: princípios e aplicações. São
Paulo: Nobel, 2008.
LOBO, V. M. M. O correcto significado do conceito de pH. Boletim SPQ, v.44/45, p. 31-36, 1991.
Disponível em: <http://www.spq.pt/magazines/
BSPQ/569/article/3000521/pdf>. Acesso em 28
jul. 2016
LOPES, R. L T. Fabricação de geleias. Belo Horizonte: CETEC, 2007. (Dossiê técnico). 30p.
MADIGAN, M.T.; MARTINKO, J. M.; PARKER, J. Microbiologia de Brock. 10. ed. São Paulo: Prentice
Hall, 2004.
ROCHA, F. G. et al., Características de geléias light
de pêssego elaboradas com diferentes edulcorantes. In: SIMPÓSIO EM CIÊNCIA DE ALIMENTOS
– ALIMENTOS E SAÚDE, 2., 2003, Florianópolis.
Anais... Florianó¬polis: UFSC, 2003. p. 979 -1107.
SOLER, M. P. et al. Industrialização de frutas.
Campinas, SP: Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), 1991 (Manual Técnico no 8).
_________. Frutas, compotas, doce em massa,
geleias e frutas cristalizadas para micro e pequena empresa. Campinas, SP: Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), 1995 (Manual Técnico).
TORREZAN, R. Manual para produção de geleias
de frutos em escala industrial. Rio de Janeiro,RJ:
Embrapa-CTAA, 1998. (EMBRAPA - CTAA. Documentos, 29).
Boletim Técnico IFTM, Uberaba-MG, ano 2, n.2, p.14-19, maio/ago., 2016
19
Download