Comércio exterior inter e intra-industrial: Brasil 2003

Propaganda
Comércio exterior inter e intra-industrial:
Brasil 2003-2005 1
Carolina Troncoso Baltar 2
Resumo
O período 2003-2005 foi marcado pelo intenso crescimento do comércio mundial. Neste contexto, o
Brasil foi capaz de reverter seu déficit de comércio, usufruindo de expressivo superávit. Porém, este
dinamismo comercial não foi acompanhado de crescimento da economia nacional. Este trabalho faz
uma análise empírica do comércio brasileiro neste período recente de expansão do comércio
mundial, com o objetivo de relacionar o tipo de comércio brasileiro com as características da
estrutura industrial que existe no país. A metodologia adotada traz como novidade a possibilidade de
se avaliar o comércio de uma perspectiva mais qualitativa, a partir do exame do tipo de produto e
região de origem e destino dos fluxos.
Palavras-chave: Brasil – Comércio Exterior; Desenvolvimento econômico; Organização industrial.
Abstract
Inter and intra industrial external trade: Brazil 20032003-2005
The period between 2003-2005 illustrated a high growth in world trade. In this context, Brazil was
able to revert its trade deficit, taking advantage of a considerable surplus. Nevertheless, this trade
dynamism did not go hand in hand with national economic growth. This article makes an empirical
analysis of Brazilian trade in this recent period of world trade expansion, with a view to comparing
the kinds of Brazilian trade with the industrial structure that exists in this country. The methodology
adopted is innovative in that it allows the evaluation of trade from a qualitative perspective, by
examining the kind of product and region of origin and destination of the flows.
Key words: International trade; Economic development; Industrial organization.
JEL F000, F100, F120.
Introdução
O período 2003-2005 foi marcado pelo intenso crescimento do comércio
mundial. Neste contexto, o Brasil foi capaz de reverter seu déficit de comércio,
passando a usufruir de expressivo superávit. Porém, este dinamismo comercial não
foi acompanhado de um crescimento mais intenso da economia nacional.
(1) Trabalho recebido em março de 2007 e aprovado em setembro de 2007. Versão modificada de uma
parte da Dissertação de Mestrado, defendida em fevereiro de 2007, no Instituto de Economia da Unicamp. A
autora agradece os comentários do professor Mariano Laplane, orientador da dissertação, dos professores que
fizeram parte das bancas de qualificação e defesa, Célio Hiratuka, Daniela Prates e Marta Castilho, e dos dois
pareceristas anônimos desta revista.
(2) Doutoranda no Departamento Land Economy na Universidade de Cambridge, Inglaterra. E-mail:
<[email protected]>.
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
Carolina Troncoso Baltar
A semi-estagnação coloca em discussão o que deve ser implementado para
se obter uma retomada mais firme da atividade econômica, aumentando a taxa de
investimento e o ritmo de crescimento do produto. Uma questão central na
discussão deste assunto é o papel das exportações para esta retomada da atividade
econômica. O desempenho das exportações brasileiras ao longo dos anos 1990
ficou aquém do ritmo de crescimento do comércio mundial das exportações. Este
modesto crescimento está relacionado com a composição da pauta exportadora
brasileira, por tipo de produto e país de destino, porém esta relação é complexa.
De fato, salvo as exportações para os Estados Unidos que têm um conteúdo
tecnológico relativamente mais avançado, os produtos manufaturados de maior
elaboração são exportados principalmente para países em desenvolvimento, em
particular a América Latina, enquanto os produtos exportados para a União
Européia e Ásia são principalmente produtos primários ou semi-elaborados
(Prates, 2006).
Com esta pauta, o dinamismo das exportações depende de um nível
sustentado da atividade econômica nos países em desenvolvimento, que importam
produtos manufaturados brasileiros, além de crescimento da demanda mundial por
produtos primários e semi-elaborados. Este crescimento da demanda mundial por
produtos primários e semi-elaborados tem dois efeitos sobre as exportações
brasileiras: afeta diretamente as exportações brasileiras de produtos primários e
semi-elaborados, e beneficia indiretamente as exportações de manufaturados, ao
permitir aumentar a atividade econômica nos países em desenvolvimento,
importadores desses produtos brasileiros, que são também exportadores de
produtos primários e semi-elaborados.
Durante a década de 1990, a demanda mundial por produtos primários
manteve-se contida, prejudicando, direta e indiretamente, as exportações
brasileiras. A manutenção de um câmbio valorizado não fez mais do que agravar
as dificuldades brasileiras para aumentar as suas exportações, de modo a conter o
crescente déficit de conta corrente do balanço de pagamentos que aconteceu no
Brasil na década de 1990. O câmbio valorizado colocou problemas adicionais para
a realização dos investimentos necessários para consolidar as exportações, e
eventualmente modificar a pauta, introduzindo novos produtos e diversificando os
países de destino, passando a exportar manufaturados mais sofisticados para paises
desenvolvidos.
A relação entre comércio exterior e crescimento depende muito do
conteúdo de elaboração dos produtos e da agregação de valor que existe na
produção destes bens. Essa consideração é importante para o crescimento,
especialmente tratando-se de um país em desenvolvimento, que está montando sua
estrutura de produção. Porém, na discussão do desenvolvimento e, portanto, da
mudança estrutural de uma economia, o exame dos fluxos de comércio por tipo de
produto e país de origem e destino das importações e exportações, deve ressaltar a
108
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
Comércio exterior inter e intra-industrial: Brasil 2003-2005
questão da transformação industrial e do valor agregado, que incide na intensidade
do aumento do produto industrial e em suas repercussões no crescimento do
conjunto da economia.
A idéia é de que os setores de atividade têm impactos diferentes no
crescimento de uma economia. Kaldor formulou algumas proposições sobre a
dinâmica intersetorial do processo de crescimento (Thirlwall, 2000). A primeira
delas diz que o potencial de crescimento do conjunto de uma economia depende
do ritmo de crescimento de setor manufatureiro, que é o setor portador de
inovação. A segunda diz que existe uma forte relação causal positiva entre
crescimento do produto manufatureiro e crescimento da produtividade
manufatureira, como resultado dos retornos de escala estáticos e dinâmicos. Esta
proposição também ficou conhecida na literatura como lei de Verdoorn. Por fim,
uma última proposição diz que existe uma forte relação causal positiva entre a taxa
de crescimento do setor manufatureiro e o crescimento da produtividade fora do
setor manufatureiro.
Ainda seguindo o raciocínio de Kaldor, a grande questão seria o que
determina o crescimento do setor manufatureiro, já que este é tido como o
dinamizador do crescimento da economia como um todo. Por definição, a
manufatura é o setor de atividade que tem retornos crescentes, estáticos e
dinâmicos. O aproveitamento dessas possibilidades de ampliar a produção,
reduzindo o custo, exige o crescimento da venda dos produtos. Esta ampliação das
vendas está associada às mudanças de produtos e redução de custo provocada pela
inovação (segunda proposição de Kaldor). Isto ocorre não somente na manufatura,
mas também nos setores que utilizam os produtos aperfeiçoados pela manufatura
(terceira proposição de Kaldor). Portanto, o que determina o crescimento do setor
manufatureiro é fundamentalmente o seu potencial de criar novos produtos e
reduzir os custos dos produtos existentes. A possibilidade de obtenção de lucros
maiores com esses novos produtos e processos provocam investimentos, que vão
além dos induzidos pela simples ampliação das vendas dos produtos existentes.
Estes investimentos autônomos que ocorrem na manufatura e nos outros setores
que utilizam os produtos aperfeiçoados pela manufatura, e seus efeitos indiretos
sobre o consumo, geram a demanda pelos produtos que permite efetivar as
possibilidades de retornos crescentes, estáticos e dinâmicos, que caracterizam o
setor manufatureiro.
Numa economia aberta, os outros países são potenciais compradores de
produtos elaborados pela manufatura, e o país pode importar produtos
manufaturados de outros países. Através do comércio, as economias repartem
entre si os efeitos dinâmicos, diretos e indiretos, associados à existência de
retornos crescentes, estáticos e dinâmicos, próprios da manufatura. No caso de
uma repartição equilibrada desses efeitos dinâmicos, as exportações também
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
109
Carolina Troncoso Baltar
poderão ter um papel fundamental na dinâmica do crescimento da economia,
atuando como um componente autônomo, ao lado do investimento portador de
inovações, promovendo o crescimento da renda nacional muito mais do que sendo
induzido por este crescimento. Além disso, as exportações permitem pagar as
importações, que se tornam necessárias ao desenvolvimento de um país. Neste
caso, elas não têm apenas o efeito direto de promover o crescimento, mas também
os efeitos indiretos, por permitirem que os outros componentes da demanda,
inclusive o investimento, aumentem mais rápido do que fariam sem as
importações. Ou seja, o intercâmbio com outros países, na medida em que é capaz
de proporcionar produtos mais abundantes e baratos, contribui para que ocorram
maiores investimento, consumo e mesmo exportações. No caso de uma repartição
desequilibrada dos efeitos dinâmicos entre os países, o comércio torna-se uma
restrição ao crescimento do país que não conseguir desenvolver as atividades com
retornos crescentes, estáticos e dinâmicos. Um crescimento mais intenso dessas
economias tenderia a provocar uma expansão das importações em ritmo mais
elevado do que o das exportações.
A relação entre crescimento e estrutura de comércio é, então, de grande
importância. Este trabalho faz uma análise empírica do comércio brasileiro no
período recente de expansão do comércio mundial, com o objetivo de relacionar o
tipo de comércio brasileiro com as características da estrutura industrial que existe
no país. A metodologia adotada traz como novidade a possibilidade de se avaliar o
comércio de uma perspectiva mais qualitativa, a partir do exame do tipo de
produto e região de origem e destino dos fluxos.
1 Metodologia
1.1 Indicadores tradicionais de comércio
Num panorama geral da evolução do comércio entre os países, desde o
século XX, constatou-se, de um lado, a crescente importância dos produtos
manufaturados em detrimento dos produtos primários e, de outro, a crescente
participação no comércio mundial dos países mais industrializados. Esse resultado,
em grande medida, reflete o fato de que o desenvolvimento da produção de bens
envolveu uma enorme diversificação dos produtos manufaturados que, inclusive,
substituíram uma série de produtos primários. O comércio de produtos
manufaturados entre países mais desenvolvidos facilitou a ampliação da variedade
dos produtos e o aproveitamento das economias da produção em grande escala. É
possível distinguir o tipo de comércio em função do grau de desenvolvimento dos
países envolvidos. No caso do comércio entre países com graus de
desenvolvimento muito diferentes, o intercâmbio tende a ser de produtos de
setores diferentes (intersetorial). Já no caso do comércio entre países com graus
semelhantes de desenvolvimento, tende a ser maior o peso do intercâmbio de
110
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
Comércio exterior inter e intra-industrial: Brasil 2003-2005
produtos dos mesmos setores (intra-industrial). Os indicadores de comércio
procuram exprimir essas diferenças de tipos de comércio (Fontagné; Freudenberg,
1997).
Os indicadores sobre comércio internacional foram inspirados pela
decomposição do comércio total em uma parcela de comércio equilibrado
(sobreposição entre exportações e importações) e uma parcela de comércio
desequilibrado (superávit ou déficit). Considerando uma economia de dois setores,
com comércio global equilibrado, o grau intra-setorial do comércio pode ser
medido a partir do peso dos saldos no comércio de cada um dos setores. Os dois
casos extremos são: primeiro, os dois setores têm comércio equilibrado, o que
permite dizer que o comércio da economia é intra-setorial; e, segundo, um setor só
tem exportação e o outro, apenas importação, sendo o comércio da economia
interindustrial. Os casos intermediários dependem do montante do desequilíbrio do
comércio de cada setor em relação ao total deste comércio.
Um dos primeiros indicadores para medir a composição inter e intraindustrial do comércio entre os países foi o de Balassa3:
Xj
Bj =
Xj −Mj
Xj +Mj
Mj
=
Xj
Mj
−1
, em que
+1
X representa a exportação da indústria j, e
M representa a importação da indústria j.
De acordo com este indicador, o comércio do setor é interindustrial
quando o saldo é muito grande, e é intra-industrial quando há um equilíbrio entre
exportação e importação do setor. Se Bj for igual a -1, o comércio é interindustrial
com desvantagens comparativas para o setor. Se for igual a zero é intra-industrial.
E se for igual a 1, o comércio é interindustrial com vantagens comparativas para o
setor.
Outro indicador, derivado do de Balassa, e um dos mais usados para medir
a extensão do comércio intra-industrial, foi elaborado por Grubel e Lloyde (GL),
que procura medir o valor da sobreposição entre exportações e importações no
comércio total de uma indústria j dada:
GLj =
Xj +Mj − Xj −Mj
Xj +Mj
= 1-
Xj −Mj
Xj +Mj
.
(3) Uma discussão mais detalhada deste e de outros indicadores de comércio entre países pode ser
encontrada em Fontagné e Freudenberg (1997).
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
111
Carolina Troncoso Baltar
Este indicador varia entre 0 e 1. Quando o valor das exportações for
semelhante ao valor das importações, isto é GL próximo de 1, o comércio é
classificado como intra-industrial, e caso contrário, interindustrial.
Fontagné e Freudenberg (1997) apontam algumas imperfeições deste
indicador. Uma delas é que parte importante do comércio intra-industrial pode ser
apenas aparente em conseqüência de uma desagregação geográfica ou setorial
insuficiente. Cada um dos setores elabora diversos produtos, e é possível que o
setor exporte alguns produtos e importe outros. No conjunto do setor, o comércio é
equilibrado, mas para cada produto o desequilíbrio pode ser grande. Além disso, o
setor pode exportar para um país e importar de outro. Neste caso, o comércio
global do setor pode estar equilibrado, mas o desequilíbrio pode ser grande no
comércio com cada país.
1.2 Indicadores alternativos de comércio
Fontagné e Freudenberg (1997) apontam para a necessidade de um
método que: minimize os problemas de agregação setorial e geográfica, utilizando
uma classificação mais desagregada por produto e países de origem das
importações e destino das exportações. Para cada produto e país, o comércio é
unilateral quando o saldo é grande em relação ao total do comércio. Neste caso,
trata-se de um comércio fundamentalmente de uma só via. O comércio será
bilateral se o saldo para determinado produto e país for pequeno relativamente ao
total do comércio. Neste caso, o comércio com este produto e país é
fundamentalmente de duas vias. No caso do comércio de duas vias, distingue-se
ainda simples diferenças horizontais de diferenças verticais, em função da
diferença de qualidade do produto, expressada pelos preços. Uma metodologia que
incorpora essas considerações será utilizada neste trabalho, partindo dos
indicadores de Abd-El-Rahman e Fontagné e Freudenberg (Fontagné;
Freudenberg, 1997). Assim distinguiram-se três tipos de comércio. Em primeiro
lugar, o comércio unilateral de produtos que são exportados ou importados de um
determinado país. Em segundo lugar, o comércio bilateral, em que se exporta e
importa de determinado país produtos horizontalmente diferenciados, em que as
variedades exportadas e importadas situam-se num mesmo grau de qualidade. E,
em terceiro lugar, o comércio bilateral de produtos verticalmente diferenciados,
em que há diferenças de qualidade entre os produtos exportados e importados.
Assume-se que diferenças em preços (valores unitários) refletem diferenças em
qualidade.
Para fazer a distinção entre o comércio unilateral e o bilateral, foi utilizado
o Índice de Sobreposição do Comércio:
ISC =
112
Min( X r , p ,t ; M r , p ,t )
Max( X r , p ,t ; M r , p ,t )
, em que
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
Comércio exterior inter e intra-industrial: Brasil 2003-2005
X representa a exportação para a região r, do produto p, no tempo t, e
M a importação da região r, do produto p, no tempo t.
Se ISC for maior do que 10%, o comércio do produto é considerado
bilateral, caso contrário, seria unilateral.
Outro índice utilizado é o Índice de Qualidade:
IQ =
ValorUnitáriodaExportaçãor , p ,t
ValorUnitárioda Im portaçãor , p , t
Este índice distingue se a diferenciação é horizontal ou vertical. Se IQ
estiver entre 0,85 e 1,15, o produto é diferenciado horizontalmente, caso contrário,
a diversificação seria vertical. A diferença de qualidade é captada pela diferença
de preços.
Quando o comércio for bilateral vertical, distingue-se a qualidade do fluxo
de comércio pelo valor do Índice de Qualidade. Quando IQ for maior do que 1,15,
assume-se que o fluxo comercial é de alta qualidade, no sentido de que as
exportações têm valor unitário maior do que as importações, e quando for menor
do que 0,85, seria de baixa qualidade.
Espera-se que o comércio bilateral horizontal ocorra entre indústrias de
países mais parecidos, já que a qualidade dos produtos é semelhante. No caso do
comércio bilateral vertical, a existência de produtos com qualidades distintas
reflete a diferença de desenvolvimento industrial. Finalmente, o comércio
unilateral prevalecerá entre países que têm dotações de recursos muito diferentes.
Em tese, no caso do comércio bilateral vertical superior, em que a qualidade do
produto exportado é superior a do produto importado, espera-se que a produção
deste produto agregue mais valor, gerando um maior potencial de crescimento
para o país. É claro que existe exceções, como a Maquila, que exporta produtos do
final da cadeia produtiva, sem necessariamente gerar muito valor agregado. O
segundo caso, o do comércio bilateral vertical inferior, pode ocorrer quando o país
está especializado na faixa mais baixa da cadeia de valor, exportando insumos
baratos. Isto significa que a agregação de valor na economia também é mais baixa.
1.3 Classificação dos produtos
Uma classificação de setores de atividade, agregando os produtos em
função do conteúdo tecnológico, e a consideração do grau de desenvolvimento dos
países de origem das importações e dos países de destino das exportações,
contribuirão para uma melhor especificação do padrão de comércio internacional e
sua relação com o desenvolvimento do país. Uma classificação setorial bastante
utilizada baseia-se numa tipologia elaborada por Pavitt (Holland; Xavier, 2005).
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
113
Carolina Troncoso Baltar
Os setores produtores de bens seriam Produtos Primários (Agrícolas, Minerais e
Energéticos), Manufaturados Intensivos em Recursos Naturais (Agroindústria,
Processamento de Recursos Minerais e Energéticos), Manufaturados Intensivos
em Trabalho (Têxtil, Confecções, Calçado, Cerâmica, Editorial e Gráfica,
Produtos de Metal), Manufaturados Intensivos em Escala (Automotriz, Siderurgia,
Bens Eletrônicos de Consumo), Manufaturados com Fornecedores Especializados
(Bens de Capital sob Encomenda, Equipamentos de Engenharia) e Manufaturados
Intensivos em P&D (Química Fina, Componentes Eletrônicos, Telecomunicação,
Aviões).
Esta taxonomia associa cada categoria na “tipologia ao fator
preponderante que molda o posicionamento competitivo das empresas e setores no
curto e no longo prazos. Nas indústrias com tecnologias intensivas em recursos
naturais, o principal fator competitivo é o acesso a recursos naturais abundantes
existentes no país; nas intensivas em trabalho, o mais relevante é a disponibilidade
de mão-de-obra de baixa e média qualificação com custos relativos reduzidos em
relação a outros países; nos setores intensivos em escala, as plantas produtivas são
caracterizadas por indivisibilidades tecnológicas e, por isso mesmo, o principal
fator de competitividade é a possibilidade de explorar ganhos por produzir em
grande escala; nos setores com tecnologia diferenciada, os bens são fabricados
para atender a diferentes padrões de demanda; e nas indústrias science-based, o
principal fator competitivo é a rápida aplicação da pesquisa científica às
tecnologias industriais” (Lall, citado por Nassif, 2006, p. 22).
A metodologia desenvolvida por Fontagné e Freudenberg (1997) será
utilizada para estudar o comércio do Brasil com todos os blocos econômicos
(Mercosul, Nafta, União Européia, Ásia, Aladi e o resíduo, Resto do Mundo).4 Os
dados são fornecidos pela Secex (Secretaria de Comércio Exterior) e serão
analisados a uma desagregação de seis dígitos. Os períodos estudados são 19961998 e 2003-2005, com a intenção de se identificar um determinado padrão de
comércio no primeiro período e verificar se este se mantém com as alterações
ocorridas após 1999 no mundo e na economia brasileira. Os anos entre 1999 e
2002 não serão utilizados na análise para evitar um viés no resultado, pois houve a
crise do Brasil em 1999 e a crise mundial em 2002. Procura-se avaliar, por
produto, o tipo de comércio com cada região, esperando que proporcionem
elementos que contribuam para o estudo do padrão de comércio do país e sua
relação com o potencial de crescimento da economia brasileira. Nesse sentido, é
importante levar em conta a estrutura produtiva do país e sua relação com o
comércio exterior.
(4) Os países que fazem parte de cada bloco econômico estão no Anexo.
114
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
Comércio exterior inter e intra-industrial: Brasil 2003-2005
A análise será separada para os distintos tipos de produtos, de acordo com
a classificação de Pavitt. Como será visto posteriormente, espera-se que o
comércio bilateral seja maior nos casos dos manufaturados intensivos em escala,
produzidos por fornecedores especializados e intensivos em P&D, entre outras
razões porque esses grupos de produtos estão inseridos no comércio que se realiza
dentro das grandes corporações. Nos outros casos, dos produtos primários, dos
intensivos em recursos naturais e mesmo os manufaturados intensivos em
trabalho, pelas próprias características dos produtos, espera-se um maior comércio
unilateral.
2 Resultados
2.1 Panorama geral
A corrente de comércio (soma das exportações e importações) no período
de 2003 a 2005 foi, em média, de 157,5 bilhões de dólares FOB por ano,
correspondendo 61% às exportações. O resultado foi um superávit comercial
médio de 34,4 bilhões de dólares (Tabela 1). Comparando com o período 19961998, saímos de um déficit comercial médio de 6,3 bilhões de dólares para um
expressivo superávit. Houve crescimento tanto das exportações quanto das
importações, porém o crescimento das primeiras foi muito mais intenso.
Tabela 1
Comércio Brasileiro
(valor em US$ milhões de FOB, média do período, taxa em %)
1996-1998
2003-2005
Exportações
50.610,9
95.949,0
Importações
56.879,6
61.525,9
Saldo Comercial
(6.268,7)
34.423,0
107.490,5
157.474,9
Comércio
Particip. das Exportações
47,1
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Secex.
60,9
A mudança cambial em janeiro de 1999 deu início a uma nova fase do
comércio exterior do país, mais favorável às exportações. Inicialmente, entretanto,
a situação desfavorável do comércio mundial contribuiu para retardar a resposta
das exportações à desvalorização do Real. Assim,
o desempenho das exportações em termos de intensidade e destinação foi bastante
diferenciado por setor de atividade e, na média, ficou aquém do aumento esperado e
desejado. A reversão do saldo comercial – de fortemente deficitário para
modestamente superavitário em 2000-2001 – foi decorrência da queda mais que
proporcional das importações do que do aumento das exportações, em um quadro
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
115
Carolina Troncoso Baltar
de relativa instabilidade da demanda doméstica: retração em 1999, recuperação em
2000 e nova desaceleração em 2001. E, mais importante (...): o quadro de produtos
com maior intensidade tecnológica permaneceu fortemente deficitário mesmo após
a desvalorização cambial, com as importações de produtos de média e alta
intensidade tecnológica mantendo-se praticamente inalteradas (Sarti; Sabbatini,
2003, p. 387).
A grande elevação das exportações ocorreu depois de 2002, com o
aumento do produto e do comércio mundiais. De acordo com Laplane e Sarti
(2006), com uma política macroeconômica freando recorrentemente o crescimento
da demanda doméstica, o principal estímulo para a expansão da produção
industrial somente poderia vir do exterior. O grande aumento das exportações
brasileiras, inclusive de manufaturados, foi resultado de um câmbio favorável e da
reativação da economia mundial a partir do estreito relacionamento dos Estados
Unidos com a Ásia, que resultou em crescente demanda por insumos das
economias asiáticas, especialmente da China, que ajudou a elevar a atividade
econômica de países que são habituais compradores de produtos manufaturados
brasileiros (Prates, 2006).
Assim, o aumento da demanda por produtos primários das economias
asiáticas, que provocou a elevação do preço desses produtos, foi acentuado pela
situação de alta liquidez no mercado financeiro internacional, o que provocou
efeitos diretos e indiretos sobre as exportações brasileiras. Além dos efeitos
imediatos do aumento das exportações de produtos primários para a Ásia e do
aumento do valor dessas exportações para a Europa, devido aos aumentos de
preços, ocorreram efeitos indiretos a partir do aumento da renda dos outros países
em desenvolvimento, que são exportadores de produtos primários e importadores
de produtos manufaturados brasileiros. Naturalmente, uma reversão na demanda
internacional e nos preços dos produtos primários teria o efeito inverso de
provocar uma intensa redução nas exportações brasileiras de produtos primários e
manufaturados, traduzindo a vulnerabilidade do país à situação do comércio
mundial, associada às peculiaridades da pauta de comércio exterior do Brasil.
Avaliando a composição do comércio por tipo de produto, notamos que o
superávit comercial de 34,4 bilhões de dólares, correspondendo a 21,9% do
comércio brasileiro no período de 2003-2005, foi causado tanto pelo aumento do
superávit com os produtos primários e com os manufaturados intensivos em
recursos naturais, escala e trabalho, quanto pela redução nos déficits com os
manufaturados intensivos em P&D e produzidos por fornecedores especializados
(Tabela 2).
116
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
Comércio exterior inter e intra-industrial: Brasil 2003-2005
Tabela 2
Comércio brasileiro por tipo de produto
(valor em US$ milhões de FOB, média do período, taxa em %)
Exportações
Importações
Comércio
ISaldoI/
Comércio
Saldo
1996-1998 2003-2005 1996-1998 2003-2005 1996-1998 2003-2005 1996-1998 2003-2005 1996-1998 2003-2005
Primários
21,5
26,4
14,0
18,9
17,5
23,4
2.896,7 13.705,4
15,4
37,1
Recursos
Naturais
30,1
25,7
21,5
20,8
25,6
23,8
3.022,1 11.865,0
11,0
31,7
Trabalho
11,9
10,5
9,0
7,8
10,4
9,4
5.213,8
7,9
35,1
Escala
885,6
22,0
21,3
17,4
14,0
19,6
18,5
1.225,7 11.819,3
5,8
40,6
Fornecedor
Especializado
9,8
9,1
21,6
19,6
16,0
13,2
(7.348,7) (3.317,3)
42,6
16,0
P&D
4,7
7,0
16,4
18,9
10,9
11,7
(6.950,1) (4.863,2)
59,5
26,5
Total
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
(6.268,7) 34.423,0
5,8
21,9
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Secex.
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
117
Carolina Troncoso Baltar
Comparando o saldo com o volume de comércio de cada tipo de produto,
observa-se que o aumento do superávit foi menos intenso no caso dos produtos
primários, em que os aumentos de preços ampliaram tanto as exportações quanto
as importações. Já com os produtos intensivos em recursos naturais, em trabalho e
em escala, elevados aumentos de exportações foram acompanhados por pequenas
elevações de importações, ampliando o superávit com mais intensidade do que o
volume de comércio. Já os grupos de produtos com déficit comercial diminuíram o
peso deste saldo em relação ao volume de comércio. No caso dos manufaturados
intensivos em P&D, isto ocorre com forte ampliação tanto das exportações quando
das importações, mantendo os pesos desses produtos no comércio exterior
brasileiro. Já no caso dos manufaturados produzidos por fornecedores
especializados diminuem suas participações nas exportações, nas importações e no
comércio.
A peculiar inserção internacional do país não foi um impedimento para a
indústria brasileira manifestar sua capacidade de gerar resultados favoráveis na
balança comercial, principalmente diante da retomada do comércio internacional
após 2002, que favoreceu especialmente as exportações de produtos primários.
Este resultado não foi conseqüência apenas do intenso crescimento das
exportações de produtos primários e manufaturados, mas também do aumento
relativamente pequeno das importações, devido à contenção do crescimento do
produto. O crescimento do produto foi contido por uma política macroeconômica
que privilegiou o controle da inflação, obtido através de restrição à expansão
monetária, altas taxas de juros, e superávit primário, logrado através de alta carga
tributária e baixo nível dos investimentos públicos.
Um crescimento menos contido do produto tenderia a ser acompanhado
por um crescimento mais intenso das importações, devido à estrutura da produção
industrial existente no país. A abertura comercial dos anos 1990 e a forte entrada
de capital entre 1993 e 1997 alteraram substancialmente a estrutura da indústria
brasileira. A indústria, que já era uma tradicional importadora de equipamentos,
tornou-se também forte demandante de partes e componentes para a montagem de
produtos duráveis no país. Dessa forma, o volume global das importações passou a
depender não só do nível de investimento, mas também do ritmo da produção
industrial doméstica. Como os níveis de investimento e consumo doméstico
permaneceram baixos nos últimos anos, o aumento das exportações provocou uma
intensa elevação do superávit comercial, pois não foi acompanhada de aumento
semelhante nas importações (Laplane; Sarti, 2006).
A obtenção de saldos comerciais favoráveis com crescimento mais intenso
e continuado do produto exigiria uma maior taxa de investimento, que permitisse
ao país modificar o seu padrão de inserção internacional, alterando as pautas de
exportação e importação. Esses investimentos teriam que ampliar a capacidade do
país tanto para exportar produtos mais sofisticados para países mais
desenvolvidos, quanto para deixar de importar produtos de maior elaboração dos
118
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
Comércio exterior inter e intra-industrial: Brasil 2003-2005
países mais desenvolvidos. Para atingir essa taxa de investimento seria necessário
não somente um preço do dólar mais estável e em nível adequado para o comércio
com outros países, mas também a retomada dos investimentos públicos e da
capacidade estatal de articulação dos investimentos privados.
Todos os tipos de produtos contribuíram para a reversão do saldo
comercial brasileiro entre 1996-1998 e 2003-2005. Mas, essa contribuição foi
maior que o respectivo peso no comércio do país em produtos primários e
intensivos em trabalho e escala, e muito próximo deste peso em produtos
intensivos em recursos naturais (Tabela 3). Já a redução do déficit em produtos
intensivos em P&D e produzidos por fornecedores especializados participou
menos da reversão do saldo global do que os respectivos pesos desses tipos de
produtos no comércio brasileiro. Entre os tipos de produtos, com forte participação
na reversão do saldo comercial, somente os produtos primários aumentaram o peso
no comércio do país, confirmando a importância da contenção das importações
para a obtenção daquela reversão do saldo comercial.
Tabela 3
Contribuição para a reversão do saldo
(valor em US$ milhões de FOB e taxa em %)
Contribuição
%
10.808,8
26,6
Recursos Naturais
8.843,0
21,7
Trabalho
4.328,2
10,6
10.593,6
26,0
Primários
Escala
Fornecedor Especializado
4.031,4
9,9
P&D
2.086,8
5,1
Total
40.691,7
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Secex.
100,0
De acordo com Prates,
a assimetria entre as pautas de exportação e importação em relação ao grau de
intensidade tecnológica resulta em um saldo comercial concentrado em
commodities primárias, bens de baixa intensidade tecnológica e intensivos em
trabalho e recursos naturais. Em suma, com exceção do superávit no setor de alta
intensidade tecnológica (associado, principalmente, às exportações da Embraer), o
padrão de inserção comercial da economia brasileira não apresentou mudanças
relevantes no governo Lula, seja em termos setoriais, seja em termos de intensidade
tecnológica (Prates, 2006).
Avaliando a composição do comércio por região, notamos que a reversão
do saldo comercial foi causada tanto pelo aumento do superávit com Aladi e Resto
do Mundo quanto pela passagem de um déficit para um superávit com Mercosul,
Nafta, União Européia e Ásia. O Nafta e o Resto do Mundo ganharam peso nas
exportações brasileiras, em detrimento de Mercosul e União Européia (Tabela 4).
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
119
Carolina Troncoso Baltar
Tabela 4
Comércio brasileiro por região
(valor em US$ milhões de FOB, média do período, taxa em %)
Exportações
Importações
Comércio
Saldo
ISaldoI/
Comércio
1996-1998 2003-2005 1996-1998 2003-2005 1996-1998 2003-2005 1996-1998 2003-2005 1996-1998 2003-2005
Mercosul
16,6
9,1
15,9
10,4
16,2
9,6
(641,3)
2.393,1
3,7
15,8
Aladi
6,7
7,1
4,0
4,6
5,2
6,1
1.117,7
4.033,0
19,9
41,8
Nafta
21,3
25,7
27,0
20,7
24,3
23,8
(4.559,5) 11.931,2
17,5
31,9
União Européia
28,3
23,7
29,0
26,5
28,7
24,8
(2.154,0)
6.455,3
7,0
16,5
Ásia
13,1
14,3
13,8
19,2
13,5
16,2
(1.197,0)
1.871,4
8,3
7,3
1.165,4
7.738,9
9,0
25,2
(6.268,7) 34.423,0
5,8
21,9
Resto do Mundo
Total
14,0
20,0
10,4
18,6
12,1
19,5
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Secex.
120
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
Comércio exterior inter e intra-industrial: Brasil 2003-2005
No caso das importações, nota-se um aumento da participação da Ásia e do Resto
do Mundo, com queda do Mercosul, Nafta e União Européia. A composição
geográfica do comércio, portanto, é marcada por queda da participação do
Mercosul e da União Européia, com conseqüente aumento da Ásia e do Resto do
Mundo.
Apesar da alteração nas participações relativas de cada região no comércio
brasileiro, o Nafta e a União Européia continuaram tendo a maior participação,
mas com uma aproximação da importância da Ásia e do Resto do Mundo. A
região que mais contribui para a reversão do saldo comercial no período analisado
foi o Nafta, que teve uma reversão de déficit de 4,5 bilhões de dólares para
superávit de 11,9 bilhões de dólares (Tabela 5). Era com o Nafta o maior déficit
comercial do Brasil e passou a ser o maior superávit do país. As outras regiões que
também tiveram uma contribuição significativa para a reversão do saldo de
comércio do Brasil foram a União Européia e o Resto do Mundo.
Tabela 5
Contribuição para a reversão do saldo
(valor em US$ milhões de FOB e taxa em %)
Mercosul
Contribuição
%
3.034,4
7,5
Aladi
2.915,3
7,2
Nafta
16.490,8
40,5
8.609,3
21,2
União Européia
Ásia
3.068,4
7,5
Resto do Mundo
6.573,6
16,2
Total
40.691,7
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Secex.
100,0
2.2 Análise do padrão de comércio por tipo de produto
Analisando o comércio brasileiro de acordo com os indicadores de
Fontagné e Freudenberg, que considera o comércio de uma via aquele em que o
superávit ou o déficit sejam maiores do que 82% do comércio de produtos
particulares com regiões específicas, notamos que o intenso aumento das
exportações e a relativa contenção das importações brasileiras não alteraram o fato
de que em todos os tipos de produtos continuou predominando o comércio
unilateral (Tabela 6).
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
121
Carolina Troncoso Baltar
Tabela 6
Avaliação do comércio de acordo com o indicador de Fontagné e Freudenberg (em %)
1996-1998
Primários
Recursos
Naturais
Trabalho
Escala
Fornecedor
Especializado
P&D
Bilateral Horizontal
29,1
22,6
30,6
46,1
13,5
8,5
Bilateral Vertical Superior
38,9
25,5
32,4
13,8
20,9
47,3
Bilateral Vertical Inferior
32,0
51,9
37,0
40,0
65,5
44,2
2,1
7,5
14,2
28,3
25,1
12,4
Total Bilateral
Total Unilateral
97,9
92,5
85,8
71,7
74,9
87,6
Total Comércio
100,0
100,0
Recursos
Naturais
100,0
100,0
100,0
Trabalho
Escala
100,0
Fornecedor
Especializado
11,4
12,1
2003-2005
Bilateral Horizontal
Primários
P&D
7,9
22,1
36,7
21,6
Bilateral Vertical Superior
1,6
23,6
20,5
18,9
28,8
49,8
Bilateral Vertical Inferior
90,4
54,2
42,8
59,5
59,8
38,1
Total Bilateral
14,3
6,8
15,4
22,6
31,6
16,0
Total Unilateral
85,7
93,2
84,6
77,4
68,4
84,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Total Comércio
100,0
100,0
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Secex.
A diferença entre os tipos de produtos com relação ao peso do comércio
unilateral reside em que, para produtos primários, intensivos em recursos naturais,
manufaturados intensivos em trabalho e em P&D, o peso do comércio de uma via
é superior a 80%, enquanto para os intensivos em escala e produzidos por
fornecedores especializados esta fração é um pouco menor, situando-se entre 70 e
80%.
Os manufaturados intensivos em economias de escala, os produzidos por
fornecedores especializados e os intensivos em P&D seriam, em tese, os tipos de
produtos que deveriam ter um maior comércio bilateral. Como foi dito, a tipologia
dos produtos tem implícito uma escala de graus de processamento industrial e
correspondente avanço tecnológico. O grau de diversificação de produtos e de
diferenciação em cada tipo de produto é crescente nesta escala de processamento e
conteúdo tecnológico. Os três primeiros tipos de produtos (produtos primários,
intensivos em recursos naturais e em trabalho) refletem mais estreitamente a
dotação de recursos naturais do país, que inclui a força de trabalho de baixa
qualificação profissional. Os outros três tipos de produtos (manufaturados
intensivos em economias de escala, produzidos por fornecedores especializados e
intensivos em P&D) exprimem a história do avanço industrial do país, que
envolve capacitação tecnológica e desenvolvimento da força de trabalho
profissionalmente qualificada.
122
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
Comércio exterior inter e intra-industrial: Brasil 2003-2005
No caso dos produtos próximos da base de recursos naturais (que inclui a
população sem qualificação profissional especial), o comércio com outro país
pressupõe que este tenha uma base de recurso natural diferente, e este comércio
seria, portanto, intersetorial. No caso dos produtos mais afastados da base de
recurso natural, é possível que exista um comércio intra-setorial de variedades
diferentes dos produtos, refletindo economias de escala estáticas e dinâmicas. Esta
possibilidade tende a ocorrer no comércio entre dois países com graus semelhante
e elevado de desenvolvimento industrial. Porém, no comércio entre países com
nível de desenvolvimento industrial diferente, a possibilidade de comércio intrasetorial pode envolver diferenças de qualidade dos produtos, levando a distinguir,
neste comércio intra-industrial, o horizontalmente diferenciado (variedades dentro
de uma mesma qualidade do produto) do verticalmente diferenciado (qualidades
diferentes do produto). Essa possibilidade de comércio intra-industrial
verticalmente diferenciado tende a ocorrer entre blocos econômicos que reúnem
países com graus de desenvolvimento industrial diferentes. As preferências de
comércio dentro do bloco aumentam as possibilidades do país menos desenvolvido
competir com os países fora do bloco nas exportações dos produtos industriais
menos desenvolvidos. Na verdade, sem a interferência de preferências comerciais
estabelecidas por acordos entre países, o comércio intra-industrial tende a ser
horizontalmente diferenciado, envolvendo países com graus semelhantes de
desenvolvimento industrial. Nos países de grau intermediário de desenvolvimento
industrial, mesmo no caso dos produtos mais afastados da base de recursos
naturais, o comércio tende a ser intersetorial.
A análise do comércio entre países não pode deixar de levar em conta o
fato de que uma parte considerável deste comércio é realizada dentro de grandes
empresas multinacionais. O comércio intra-empresa pode reforçar o comércio
intra-setorial, de modo análogo aos acordos que formam blocos econômicos,
inclusive porque a empresa multinacional pode contribuir para acordos entre
países de preferência comercial para determinados tipos de produtos. Dependendo
da estratégia da empresa multinacional, o tipo de comércio entre esses países (inter
ou intra-setorial, horizontal ou vertical) depende da posição do menos
desenvolvido na estrutura de localização e geração de valor agregado construída
pelas multinacionais. A consideração do comércio intra-empresa reforça também a
suposição de que os manufaturados intensivos em economias de escala,
produzidos por fornecedores especializados e intensivos em P&D deveriam ter um
maior comércio bilateral. A produção internacionalizada desses produtos pelas
grandes corporações envolve intenso comércio dentro da própria empresa, entre
filiais e destas com a matriz. Tal comércio é fundamentalmente intra-industrial,
articulando as diversas etapas dos processos de produção realizados em distintos
países.
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
123
Carolina Troncoso Baltar
De um modo geral, o comércio brasileiro confirma a hipótese anterior de
que os produtos de maior elaboração industrial tendem a apresentar um maior
comércio intra-setorial, embora a fração do comércio de duas vias, como já foi
dito, seja bastante reduzida, mesmo com estes tipos de produtos. O caso dos
manufaturados intensivos em P&D sai um pouco desta regra, sendo, nos dois
períodos, o comércio bilateral menor do que 15% do comércio deste tipo de
produto.
Nesses produtos de maior elaboração, observa-se uma redução do
comércio bilateral para os manufaturados intensivos em escala e uma elevação
deste comércio para os manufaturados produzidos por fornecedores especializados
e intensivos em P&D. No primeiro caso esta queda ocorreu pela redução do
comércio bilateral horizontal, ou seja, aquele em que os valores unitários das
exportações e importações são parecidos. Verifica-se também, para este tipo de
produto, um aumento do comércio bilateral vertical inferior, que são aqueles
produtos em que a qualidade de nossas exportações é mais baixa do que a de
nossas importações. Já os manufaturados produzidos por fornecedores
especializados e os intensivos em P&D tiveram elevação do comércio de duas vias
que ocorreu, entretanto, com diminuição do comércio vertical inferior. Nos três
casos, a participação mais significativa do comércio bilateral continua sendo a do
comércio vertical inferior.
Assim, mesmo os casos de aumento do comércio bilateral com produtos
de tecnologia relativamente sofisticada, o padrão do comércio brasileiro não é
aquele que se esperaria favorecer a ampliação do valor agregado no país, e
consequentemente sua contribuição para o crescimento do conjunto da economia.
O aumento das exportações desses tipos de produtos tecnologicamente mais
sofisticados para países mais desenvolvidos foi obtido fundamentalmente pelo
fornecimento de insumos menos sofisticados nas redes de produção e geração de
valor agregado das grandes empresas multinacionais.
Já os produtos primários, os intensivos em recursos naturais e os
manufaturados intensivos em trabalho confirmam o que, em tese, se esperaria
deles, ou seja, um alto peso do comércio unilateral. A exportação de produtos
primários reflete vantagens comparativas do país de dispor dos recursos naturais
apropriados. Os produtos intensivos em recursos naturais e em trabalho, embora
envolvam certo processamento industrial, apenas os países mais desenvolvidos
conseguiram sofisticar esses produtos, incorporando tecnologia ou controlando os
elos chaves na cadeia de valor (marcas, redes de distribuição, etc.).
O peso do comércio bilateral com estes tipos de produtos continua
pequeno, mas mudou sua composição. Em 1996-1998, somente com produtos
intensivos em recursos naturais a maior parte do comércio bilateral era vertical
124
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
Comércio exterior inter e intra-industrial: Brasil 2003-2005
inferior, ou seja, o valor unitário da importação era muito maior do que o da
exportação. Nos outros dois tipos de produtos (produtos primários e intensivos em
trabalho) os pesos do horizontal, vertical superior e vertical inferior eram
relativamente uniformes. Em 2003-2005, o comércio bilateral com estes tipos de
produtos passou a ser fundamentalmente vertical inferior, principalmente no caso
dos produtos primários.
Ou seja, o recente crescimento das exportações, com lento crescimento do
PIB e preço do dólar relativamente alto em 2002, confirmou o caráter unilateral do
comércio com produtos primários, intensivos em recursos naturais e em trabalho.
A pouca participação do comércio bilateral com estes tipos de produtos reforçou a
concentração do país em produtos de baixo valor agregado, com importação de
produtos mais sofisticados, não favorecendo a ampliação do valor agregado no
país e a contribuição da produção desses produtos para o crescimento do conjunto
da economia. Países mais desenvolvidos industrialmente foram capazes de ampliar
o valor agregado de produtos manufaturados intensivos em recursos naturais e em
trabalho, pela incorporação de tecnologia, sofisticando os produtos elaborados.
2.3 Análise do padrão de comércio por região
Analisando o comércio brasileiro por região, notamos que também
predomina o comércio de uma via. O maior peso do comércio bilateral ocorre com
o Mercosul, um bloco econômico do qual o Brasil faz parte e contém um parceiro
importante com grau de desenvolvimento semelhante (Tabela 7). Com a formação
do Mercosul, as grandes corporações multinacionais presentes no Brasil e na
Argentina passaram a ter por objetivo vender os seus produtos no mercado
regional. Como muitas dessas empresas estão presentes em ambos os países, elas
são as principais responsáveis pelo comércio intra-industrial do Brasil com o
Mercosul. O peso do comércio bilateral com esta região continuou entre 35 e 40%,
ao se compararem os períodos 1996-1998 e 2003-2005, mas o comércio bilateral
horizontal, que representava, no primeiro período, cerca da metade do comércio
bilateral do Brasil com esta região, diminuiu para cerca de um terço, tendo por
contrapartida principalmente o aumento da participação do comércio bilateral
vertical inferior. O Mercosul, portanto, ao reduzir o seu peso no comércio
brasileiro (16,2% para 9,6%), manteve a composição por tipo de comércio (uma
ou duas vias), mas alterou a composição do comércio de duas vias, tendo
aumentado a parcela deste tipo de comércio, em que as importações do Mercosul
têm um valor médio superior ao das exportações brasileiras para esta região. Ou
seja, este último tipo de comércio diminuiu muito menos que os demais tipos de
comércio do Brasil com o Mercosul.
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
125
Carolina Troncoso Baltar
Tabela 7
Avaliação do comércio por região de acordo com o indicador de Fontagné e Freudenberg (em %)
1996-1998
Mercosul
Aladi
Bilateral Horizontal
52,8
23,7
Bilateral Vertical Superior
19,9
44,4
Bilateral Vertical Inferior
27,3
31,9
Total Bilateral
37,5
4,8
União
Européia
Ásia
7,9
16,0
11,0
18,2
22,0
25,1
46,0
24,3
70,0
58,9
43,0
57,5
19,8
9,2
3,2
3,9
Nafta
Resto do
Mundo
Total Unilateral
62,5
95,2
80,2
90,8
96,8
96,1
Total Comércio
100,0
100,0
100,0
100,0
Mercosul
Aladi
Nafta
100,0
União
Européia
100,0
Resto do
Mundo
34,9
29,7
11,7
17,2
12,4
2003-2005
Bilateral Horizontal
Ásia
3,7
Bilateral Vertical Superior
24,4
8,7
25,0
27,1
52,1
6,2
Bilateral Vertical Inferior
40,7
61,5
63,2
55,7
35,5
90,2
Total Bilateral
36,7
8,1
22,7
12,9
3,8
17,5
Total Unilateral
63,3
91,9
77,3
87,1
96,2
82,5
100,0
100,0
100,0
100,0
Total Comércio
100,0
100,0
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Secex
O comércio brasileiro com o Resto do Mundo foi o que mais aumentou no
período (12,1% para 19,5% do total do comércio brasileiro). Este aumento de
comércio foi obtido com elevação substantiva do comércio bilateral (3,9% para
17,5% do comércio do Brasil com o Resto do Mundo), especialmente o vertical
inferior (57,5% para 90,2% do comércio bilateral entre o Brasil e o Resto do
Mundo). Em outras palavras, a enorme ampliação do comércio do Brasil com o
Resto do Mundo foi em duas vias, e com valor médio das importações brasileiras
maior do que o das exportações para esta parte do mundo. Nas demais regiões,
mesmo na Ásia, que aumentou de peso no comércio brasileiro, e na União
Européia, que reduziu este peso, não se alterou substancialmente a participação do
comércio de uma via. Este tipo de comércio do Brasil com estas regiões reflete a
diferença entre os graus de desenvolvimento do Brasil e dos países que
conformam cada uma dessas regiões. Países com graus de desenvolvimento
diferentes intercambiam produtos diferentes. No caso do Resto do Mundo, o
aumento do peso do comércio bilateral reflete o caráter residual desta agrupação
de países. O Brasil exporta determinados produtos para alguns países do Resto do
Mundo e importa esses produtos de outros países.
Além do Mercosul, o peso do comércio bilateral é também mais
expressivo com o Nafta (cerca de 20%). O comércio do Brasil com o Nafta,
entretanto, é diferente do comércio com o Mercosul, pois não se trata de um bloco
126
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
Comércio exterior inter e intra-industrial: Brasil 2003-2005
econômico com parceiros com grau de desenvolvimento semelhante. Uma parte
importante do comércio do Brasil com o Nafta realiza-se dentro de empresas
multinacionais americanas e européias, e este comércio em duas vias é
fundamentalmente vertical inferior (cerca de dois terços do comércio bilateral do
Brasil com o Nafta).
2.4 Análise do padrão de comércio por tipo de produto e região
Num apanhado global da distribuição regional do comércio, nos três tipos
de produtos em que se esperaria um alto peso do comércio unilateral (produtos
primários, intensivos em recursos naturais e em trabalho), esta distribuição
modificou-se mais no caso dos produtos primários do que para os produtos
intensivos em recursos naturais e em trabalho (Tabela 8). Nesses dois tipos de
produtos, cai a participação no comércio brasileiro do Mercosul e da União
Européia, não se altera a da Aladi e aumenta a do Resto do Mundo. Essas
variações, entretanto, foram mais pronunciadas no caso dos produtos primários.
Além disso, somente no comércio brasileiro com este ultimo tipo de produto, cai o
peso do Nafta e aumenta o da Ásia.
Já no caso dos produtos em que se esperaria um maior peso do comércio
bilateral (manufaturados intensivos em economias de escala, produzidos por
fornecedores especializados e intensivos em P&D), em todos eles ocorreram
mudanças significativas na distribuição regional do comércio com estes tipos de
produtos. Apesar dos problemas do Mercosul, o peso da América do Sul
(Mercosul mais Aladi) diminuiu substancialmente apenas no comércio dos
produtos intensivos em economias de escala, tendo aumentado no comércio de
manufaturados intensivos em P&D. A Ásia aumentou sua participação no
comércio de manufaturados produzidos por fornecedores especializados e
intensivos em P&D, enquanto a União Européia perdeu participação no comércio
com esses produtos. Nafta ganhou participação principalmente no comércio de
manufaturados intensivos em escala e o Resto do Mundo aumentou sua
participação nos três tipos de produtos.
Em resumo, o aumento do peso do Resto do Mundo no comércio
brasileiro ocorreu em todos os tipos de produtos. Já os declínios das participações
do Mercosul e da União Européia verificaram-se também em todos os tipos de
produtos. A Ásia aumentou sua participação no comércio brasileiro com produtos
primários, de um lado, e de fornecedores especializados e intensivos em P&D, de
outro. Finalmente, Nafta e Aladi tiveram poucas alterações em suas respectivas
participações no comércio brasileiro com os vários tipos de produtos.
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
127
Carolina Troncoso Baltar
Tabela 8
Avaliação do comércio por tipo de produto e região (em %)
Primários
Recursos Naturais
Trabalho
Escala
Forn Especializado
P&D
1996-1998 2003-2005 1996-1998 2003-2005 1996-1998 2003-2005 1996-1998 2003-2005 1996-1998 2003-2005 1996-1998 2003-2005
Mercosul
19,7
6,9
12,7
8,3
18,1
14,1
27,3
16,2
10,0
7,2
6,7
6,5
Aladi
5,8
6,1
5,1
5,2
6,0
6,1
6,9
9,2
4,0
4,9
2,7
4,5
Nafta
11,8
7,8
20,4
22,9
28,2
27,3
23,4
29,2
33,6
33,1
37,8
35,5
União Européia
29,2
24,4
29,7
27,0
22,7
20,7
22,5
20,5
37,2
31,4
29,8
23,9
Ásia
13,2
20,3
11,3
10,7
14,4
14,0
14,0
14,7
12,1
15,8
19,2
23,5
Resto do Mundo
Total
20,2
34,5
20,9
25,8
10,5
17,8
5,9
10,1
3,2
7,5
3,9
6,1
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Secex.
128
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
Comércio exterior inter e intra-industrial: Brasil 2003-2005
Conclusão
Num quadro de intenso crescimento do comércio mundial, o Brasil
reverteu o déficit de comércio e passou a usufruir de expressivo superávit. A
política macroeconômica do país conteve o consumo e o investimento, e neste
contexto o aumento das exportações mostrou-se insuficiente para induzir um
crescimento mais expressivo do PIB. Desde a desvalorização do Real, em 1999, a
política macroeconômica priorizou o combate à inflação, através de uma política
monetária contracionista, administrando uma enorme dívida pública, por meio de
superávit primário, obtido com alta carga tributária e redução do investimento
público. A incerteza provocada pela perspectiva de vitória da oposição na eleição
de 2002, e eventual alteração nas linhas de política monetária, perturbou a eficácia
desta estratégia, ao motivar uma acentuação da fuga de capitais. O preço do dólar
aumentou fortemente, ampliando as possibilidades de aumento da inflação. Diante
deste quadro, o novo governo optou por dar continuidade à política
macroeconômica, acentuando seus principais aspectos, ao elevar ainda mais o
nível das taxas de juros e do superávit primário. Um dos objetivos principais era
reverter a subida do preço do dólar. O crescimento do comercio mundial,
repercutindo nas exportações brasileiras, num quadro de pouco crescimento do
PIB, levou a enorme superávit comercial, que permitiu reduzir a dívida externa e
ampliar as reservas internacionais. O preço do dólar diminuiu fortemente, apesar
do aumento das reservas, devido ao montante do superávit comercial e às
operações no mercado futuro de dólar, motivado pelas altas taxas de juros.
A atual apreciação cambial tem origem diferente da verificada na década
de 1990. Esta última foi provocada por intensa entrada de capital, que cobriu
imensos déficits de conta corrente, que se acumularam desde 1994. Já a atual
apreciação cambial está relacionada com o superávit de comércio, que provocou
superávit de conta corrente do balanço de pagamentos. Na política
macroeconômica dos dois períodos sobressai a contenção monetária, que elevou o
nível das taxas de juros. No primeiro período, as altas taxas de juros visaram
preservar a entrada de capital e evitar uma fuga (que desvalorizaria o Real e
aumentaria a inflação), diante de sucessivas crises financeiro/cambial que
ocorreram em países emergentes ao longo da década de 1990. No segundo
período, a contenção monetária assentou a valorização do Real, estimulando
transações financeiras de arbitragem da taxa de juros, procurando reduzir a
inflação em meio a um aumento generalizado dos preços internacionais das
commodities.
A insuficiência do aumento das exportações para induzir maior
crescimento do PIB está relacionada com a pequena participação do comércio no
tamanho da economia brasileira e com as características desse comércio, em
termos das pautas de exportação e importação, que limitam os efeitos dinâmicos
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
129
Carolina Troncoso Baltar
da ampliação do comércio sobre o crescimento do PIB. O Brasil exporta produtos
primários e semi-elaborados para países em desenvolvimento, e produtos
manufaturados de nível tecnológico intermediário para países em
desenvolvimento, importando dos países desenvolvidos produtos manufaturados
de alto nível tecnológico, e de países em desenvolvimento produtos primários e
semi-elaborados. A potencialidade de geração de valor agregado e de efeitos
dinâmicos do comércio exterior sobre o PIB é tanto maior quanto maior for o nível
de sofisticação tecnológica dos produtos exportados vis-à-vis os importados, e
quanto maior for o peso das exportações desses produtos para os países
desenvolvidos, onde é maior a demanda por esses produtos. As peculiaridades das
pautas de exportação e importação não são favoráveis ao crescimento da economia
brasileira, mas contêm algum potencial, que pode ser desenvolvido. Essas
características do comércio exterior brasileiro, entretanto, não foram alteradas pelo
intenso crescimento das exportações.
Na verdade, uma mudança mais profunda do padrão de comércio exigiria
alterações na estrutura produtiva da economia brasileira que pressuporiam um
nível de investimento muito maior do que o verificado. Tais investimentos teriam
que ampliar e melhorar a infra-estrutura, capacitar o país para elaborar produtos de
maior elaboração tecnológica, prescindindo de importações, e para consolidar suas
exportações de produtos de nível tecnológico intermediário para países em
desenvolvimento e ampliar o peso dos produtos tecnologicamente mais
sofisticados na pauta de exportação, logrando exportá-los para países
desenvolvidos. Isto não quer dizer que as exportações teriam necessariamente que
se constituir no motor do crescimento em um país com as dimensões do Brasil.
Trata-se apenas de melhorar as pautas de importação e exportação, de modo a
obter os saldos comerciais necessários para cobrir os déficits da conta de serviços
do balanço de pagamentos, em meio a um crescimento mais intenso do produto,
fundamentalmente explicado pela retomada dos investimentos e pelo aumento do
consumo.
A análise do comércio, utilizando a metodologia de Fontagné e
Freudenberg, mostra que o comércio brasileiro era e continua fundamentalmente
unilateral, ou seja, a maior parte do comércio nacional envolve déficit ou superávit
de mais de 82%, considerando produtos e regiões específicas. Isto ocorreu não
somente com os produtos primários e os intensivos em recursos naturais e em
trabalho, mas também com os manufaturados intensivos em escala, produzidos por
fornecedores especializados e intensivos em P&D. O país exporta esses
manufaturados com alguma sofisticação tecnológica para países em
desenvolvimento e importa este tipo de produto com maior sofisticação
tecnológica de países desenvolvidos.
130
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
Comércio exterior inter e intra-industrial: Brasil 2003-2005
Nos países desenvolvidos, o crescimento do comércio envolveu ampliação
da participação do comércio intra-industrial, refletindo o aumento da importância
do intercambio dos próprios países desenvolvidos. Este comércio permitiu ampliar
a variedade de produtos e aproveitar melhor as economias de escala e de
aprendizado tecnológico, contribuindo para o desenvolvimento dessas economias.
Este padrão de comércio favorece a agregação de valor e permite que uma
intensificação do comércio tenha um forte impacto sobre o crescimento dessas
economias. Nos países em desenvolvimento que melhor aproveitaram a situação
internacional, o crescimento do comércio envolveu ampliação da exportação para
países desenvolvidos, de produtos com crescente conteúdo tecnológico e de
agregação de valor.
O padrão do comércio brasileiro não tem essas características. O país
importa produtos de alto conteúdo tecnológico e valor agregado dos países mais
desenvolvidos e exporta para estes produtos de menor valor agregado e
sofisticação tecnológica. São para países menos desenvolvidos que o Brasil
consegue exportar produtos com alguma sofisticação tecnológica e valor agregado.
Isto se reflete não somente na predominância da unilateralidade do comércio
brasileiro, mas também no fato de que, quando o comércio de duas vias tem
alguma importância, tem prevalecido o comércio vertical inferior, ou seja, aquele
em que os produtos exportados pelo Brasil têm um valor unitário bem menor do
que os importados.
Este padrão de comércio não impediu que, em circunstancias favoráveis
do comércio mundial, o país fosse capaz de reverter um déficit de comércio e
obter um expressivo superávit comercial. O crescimento das exportações,
entretanto, teve pouco impacto sobre o valor agregado dos setores exportadores e
limitada contribuição para o crescimento global da economia brasileira. Este
crescimento do PIB tem sido muito pequeno por conta da política
macroeconômica, que tem limitado o investimento e o consumo doméstico,
contribuindo para a obtenção do expressivo superávit comercial. A recuperação
progressiva do valor do salário mínimo, o crescimento do emprego formal,
reajustes salariais acima da inflação, tem aumentado a massa de salários, e a
implementação de mecanismos especiais de crédito ao consumo (por exemplo o
crédito consignado com desconto na folha de pagamento, que permite a cobrança
de uma menor taxa de juros) provocou uma retomada do consumo em 2006. O
prosseguimento do aumento do consumo e a ampliação dos investimentos
necessários para o crescimento continuado e intenso da economia, entretanto,
requerem uma modificação da política macroeconômica, no sentido de relaxar a
política de contenção monetária, de modo a permitir, de um lado, o atendimento da
demanda de crédito com melhores condições de prazo e taxas de juros, e de outro,
diminuir o impacto do serviço da dívida pública sobre o orçamento, viabilizando
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
131
Carolina Troncoso Baltar
as ações públicas necessárias ao crescimento da economia. Além disso, será
também importante que a retomada dos investimentos altere a estrutura produtiva
da economia nacional, de modo, de um lado, a recuperar a infra-estrutura, e, de
outro, a permitir melhorar o padrão de comércio, a fim de que o crescimento das
exportações e eventual substituição de importações permitam contornar restrições
de divisas, que poderiam ocorrer com um crescimento mais intenso do produto
nacional.
A relação entre comércio e crescimento, portanto, não é simples e
automática, sendo necessária a realização de investimentos, não somente na infraestrutura do país, mas também em substituição de importações e na diversificação
da pauta exportadora, com maior transformação industrial e agregação de valor na
economia. O estudo do assunto ressalta a importância do conteúdo do comércio. A
inserção mundial do Brasil não permitiu ao país aproveitar todas as oportunidades,
porque não ocorreram os investimentos necessários, mas ao menos o país foi
capaz de obter saldo positivo da conta corrente do balanço de pagamentos,
reduzindo assim sua vulnerabilidade externa. A expansão das exportações
brasileiras, entretanto, não se restringiu a produtos primários e intensivos em
recursos naturais. A análise mais detalhada das pautas de comércio indica alguma
potencialidade do país para melhorar sua inserção internacional se for capaz de
realizar os investimentos necessários.
Pela literatura, sabemos que houve aumento do comércio de
manufaturados entre os países, e que boa parte destas trocas são feitas dentro das
grandes corporações. Essas multinacionais passaram a ter uma produção mais
dispersa geograficamente, com as regiões se especializando em determinados
produtos. A metodologia utilizada no trabalho, ao avaliar o tipo do comércio
brasileiro, pode examinar o quanto o Brasil está inserido neste comércio de
manufaturados. Notamos que prevaleceu o comércio unilateral e que o pouco
comércio bilateral foi fundamentalmente vertical inferior. O resultado seria uma
menor contribuição para a agregação de valor da economia. Porém, é importante
observar que no pequeno peso do comércio bilateral, há uma participação não
desprezível do comércio horizontal ou mesmo do vertical superior, em
manufaturados intensivos em economias de escala, produzidos por fornecedores
especializados e intensivos em P&D. Além disso, este comércio realizou-se com
países do Nafta, União Européia e Ásia.
Assim, apesar do comércio de duas vias ainda ser pequeno e prevalecer
neste comércio o comércio inferior, quando se abre por categoria e por região,
notamos que existem formas de inserção mais ricas, com potencial dinamizador
para o crescimento, que podem ser desenvolvidas se forem realizados os
investimentos necessários. Além disso, é melhor para o país se inserir no comércio
bilateral, mesmo que seja num comércio inferior, do que não participar deste tipo
132
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
Comércio exterior inter e intra-industrial: Brasil 2003-2005
de comércio. Dessa maneira, podemos concluir que, apesar do comércio brasileiro
não apresentar atualmente as características mais favoráveis para o crescimento e
o desenvolvimento da economia nacional, é possível melhorar a situação havendo
investimentos. Cabe ao país conseguir aprofundar sua inserção nestes setores e
investir na continuação do desenvolvimento industrial para que o Brasil volte a
crescer, com um comércio que contribua para o dinamismo da economia.
Bibliografia
BALTAR, Carolina Troncoso. Padrão do comércio brasileiro no período 2003-2005: um
estudo do conteúdo dos fluxos de importação e exportação. 2007. Dissertação (Mestrado)–
Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2007.
FONTAGNÉ, Lionel; FREUDENBERG, Michael. Intra-industry trade methodological
issues reconsidered. Working Papers Released by CEP II, 1997. (Document de travail,
n. 97-01).
HOLLAND, M.; XAVIER, C. L. Dinâmica e competitividade setorial das exportações
brasileiras: uma análise de painel para o período recente. Economia e Sociedade,
Campinas, n. 24, jan./jun. 2005.
LAPLANE, Mariano; SARTI, Fernando. Prometeu acorrentado: o Brasil na indústria
mundial. In: CARNEIRO, Ricardo (Org). A supremacia dos mercados e a política
econômica do Governo Lula. São Paulo: Editora Unesp, 2006.
NASSIF, André. Há evidências de desindustrialização no Brasil?
BNDES, 2006. (Texto para Discussão, n. 108).
Rio de Janeiro:
PRATES, Daniela Magalhães. A inserção da economia brasileira no Governo Lula. In:
CARNEIRO, Ricardo (Org). A supremacia dos mercados e a política econômica do
Governo Lula. São Paulo: Editora Unesp, 2006.
SARTI, Fernando; SABBATINI, Rodrigo. Conteúdo tecnológico do comércio exterior
brasileiro. In: VIOTTI, Eduardo Baumgratz; MACEDO, Mariano de Matos (Org).
Indicadores de ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Campinas, SP: Editora Unicamp,
2003.
THIRLWALL, A. P. Alternative approaches to the analysis of economic growth. Based
on Lectures given at the National University of Mexico, Sept. 2000.
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
133
Carolina Troncoso Baltar
Anexo
Países que pertencem a cada uma das regiões
Argentina
Mercosul
Paraguai
Uruguai
Canadá
Nafta
Estados Unidos
México
Bolívia
Chile
Aladi
Colômbia
Equador
Alemanha
Áustria
União Européia Bélgica
Dinamarca
Espanha
China
Taiwan (Formosa)
Ásia
Coréia do Sul
Filipinas
Hong Kong
Afeganistão
Albânia
Burkina Faso
Andorra
Angola
Anguilla
Antigua Barbuda
Antilhas Holandesas
Arábia Saudita
Argélia
Armenia
Aruba
Austrália
Azerbaijão
Bahamas
Barein
Bangladesh
Barbados
Resto do
Mundo
134
Peru
Venezuela
Finlândia
França
Grécia
Irlanda
Itália
Indonésia
Japão
Malásia
Singapura
Tailândia
Congo
Coréia do Norte
Costa do Marfim
Croácia
Costa Rica
Coveite
Cuba
Benin
Dominica
Egito
Eritréia
Emirados Arábes
Eslovênia
Eslovaca, Rep.
Estônia
Etiópia
Feroe, Ilhas
Gabão
Belarus
Gâmbia
Belize
Bermudas
Mianma
Bosnia-Herzegovina
Botswana
Brunei Darussalam
Bulgária
Burundi
Butão
Cabo Verde
Cayman, Ilhas
Camboja
Camarões
Canárias,Ilhas
Casaquistão
Catar
Chipre
Cocos-Keeling,i.
Comores
Gana
Geórgia
Gibraltar
Granada
Guadalupe
Guam
Guatemala
Guiana francesa
Guiné
Guiné Equatorial
Guiné -Bissau
Guiana
Haiti
Honduras
Hungria
Iêmem
Índia
Iraque
Irã
Luxemburgo
Países Baixos
Portugal
Suécia
Islândia
Israel
Iugoslávia
Jamaica
Jordânia
Kiribati
Laos
Lesoto
Letônia
Líbano
Libéria
Líbia
Liechtenstein
Lituânia
Macau
Macedônia
Madagascar
Madeira, Ilha da
Nigéria
Norfolk, Ilha
Noruega
Nova Caledônia
Papua Nova Guiné
Nova Zelândia
Vanuatu
Omã
Pacif.il.dos EUA
Palau
Paquistão
Panamá
Polinésia Francesa
Polônia
Porto Rico
Quênia
Quirguizia
Reino Unido
Rep.Centro
Malavi
Africana.
Maldivas
Rep.Dominicana
Mali
Reunião
Malta
Zimbabue
Marianas do Norte Romênia
Marrocos
Ruanda
Marshall, Ilha
Rússia
Martinica
Salomão, Ilhas
Maurício
Saara Ocidental
Mauritânia
El Salvador
Moldávia
Samoa
Mônaco
Samoa Americana
Mongólia
S.Crist.e Nevis
Micronésia
San Marino
Montserrat
São Vicente
Moçambique
Santa Helena
Namíbia
Santa Lúcia
Nepal
S.Tomé e Príncipe
Nicarágua
Senegal
Níger
Seychelles
Serra Leoa
Síria
Somália
Siri Lanka
Suazilândia
África do Sul
Sudão
Suíça
Suriname
Tadjiquistão
Tanzânia
Djibuti
Chade
Tcheca, República.
Timor Oriental
Togo
Tonga
Trinidad e Tobago
Tunísia
Turcas e Caicos
Turcomenistão
Turquia
Ucrânia
Uganda
Uzbequistão
Vietnã
Virgens,Ilh.Br.
Virgens,Ilh.Eua
Fiji
Wake,Ilha
Congo
Zâmbia
Prov.Nav.e Aeron
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
Comércio exterior inter e intra-industrial: Brasil 2003-2005
Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 107-134, abr. 2008.
135
Download