OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DE MATTHEW LIPMAN Texto básico: KOHAN, Walter Omar. Filosofia para crianças. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. (Coleção “O que você precisa saber sobre”) Roteiro da aula: 1. O caráter normativo da fundamentação da proposta de Lipman 2. 2. Os ideais que desempenham papéis centrais nas linhas principais da proposta de FpC: - O ideal de filosofia e o papel do professor - O ideal de investigação em comunidade e o diálogo filosófico - O ideal de educação democrática e o pensar de “ordem superior” 2.1. O ideal de filosofia e o papel do professor Aproximações e divergências entre Sócrates e Lipman Pontos de aproximação: a) enfatizam a dimensão prática e dialógica da filosofia (filo é algo que se exerce, se cultiva e se vive em diálogo com outros) b) a prática da filosofia tem implicações educacionais (a filo é educativa, pois contribui para formar espíritos críticos, pessoas capazes de abandonar certeza e de questionar valores. A verdadeira filo não pode deixar de ser educativa e a verdadeira educação não pode deixar de ser filosófica) c) acreditam na popularização desta prática (não há pré-requisitos para o filosofar; basta assumir a necessidade da busca, o não-saber sobre o assunto investigado e ter vontade de aprender) d) concebem a prática do filosofar como tendo uma ligação e um compromisso com a vida (a filo não é um exercício retórico; coloca em questão os dogmatismos que habitam a vida individual e coletiva; é busca, exame, caminho que os participantes do diálogo devem percorrer juntos; o diálogo inicia-se por uma certa confusão conceitual, transcorre pelo questionamento e mantém-se em aberto) e) há um cuidado com o pensar e com a honestidade intelectual, o que imprime ao diálogo filosófico um caráter cognitivo e um caráter ético (filo deve formar “pessoas melhores”) Pontos de divergência: a) idade dos participantes do diálogo; b) relação com a escrita (Para Sócrates a escrita é perigosa, inflexível e pobre frente à fala – não permite escolher o leitor e corrompe a memória; Para Lipman o texto é parte fundamental do diálogo filosófico, que é facilitado pelo professor – leitura e escrita são formas de raciocínio que oferecem uma contribuição significativa à capacidade de pensar das pessoas) c) preocupação com a história da filosofia (Lipman é mais interessado nela do que Sócrates) d) locais do filosofar e relação com os interlocutores (Sócrates dialoga em praças públicas. Lipman quer reformar os sistemas educativos instituídos. Sócrates e a filo são escolhidos pelos interlocutores; já no caso de Lipman, a filo os escolhe) e) dimensão político-educacional da prática filosófica (Lipman educa em e para a democracia (Dewey); a democracia é meio e fim de uma educação filosófica. Para Sócrates, a democracia é apenas um sistema instituído que a pergunta filosófica deve colocar em questão) f) relação com o poder instituído (Sócrates foi perseguido politicamente, pela democracia, inclusive...Lipman, apesar de ser inaplicável em contextos autoritários, em contextos democráticos para debilitar-se em sua dimensão crítica; é muito bem recebido em contextos apenas formalmente democráticos) g) o que faz com que uma pergunta seja filosófica? (Para Sócrates uma pergunta é filosófica quando interroga “o que é”, a definição, e essência; para Lipman, quando questiona um tema que é comum, central e controverso.) h) trato com os dialogantes (Sócrates busca a verdade a qualquer custo; inclusive chega a ser sarcástico com seus interlocutores. Em Lipman há um cuidado com os participantes; preocupa-se em desenvolver práticas sociais específicas – enquanto aliada da democracia, a prática filosófica deve ser cooperativa e deliberativa) i) quem faz filosofia? (Para Lipman faz filosofia quem pratica as suas regras, definidas pelos parâmetros lógicos e metacognitivos que orientam o diálogo. Para Sócrates estas regras seriam condições necessárias, mas não suficientes) 2.2. O ideal de investigação em comunidade e o diálogo filosófico Influências de Peirce Lipman concebe como investigação toda prática autocrítica e autocorretiva que tem como propósito obter um saber compreensivo que, por sua vez, seja capaz de produzir juízos mais apurados acerca da nossa experiência do mundo. Para Lipman todas as salas de aulas deveriam converter-se em comunidades de investigação filosófica. Este conceito deriva de uma tradição pragmatista, ocupando um lugar central na filosofia de Peirce, por estes dois conceitos – o de comunidade e o de investigação. O que Peirce pensou para a ciência, Lipman trouxe para a filosofia. O processo de investigação como sendo recriado indefinidamente, como um caminho que produzirá crenças – e não verdades – cada vez mais sólidas e confiáveis. Neste sentido, a interpretação atravessa todo o processo de fixação de crenças; os sentidos e os critérios de validade das questões encontram-se na própria comunidade – e não fora dela. Para Lipman, a comunidade é o ponto de partida e o ponto de chegada do diálogo filosófico. A autocorreção é um dos pilares da comunidade de investigação e o diálogo é a forma e a substância de tal comunidade. Aproximações e divergências entre Paulo Freire e Lipman A ênfase dada a algumas palavras mostram aproximações entre Lipman e Freire. Por exemplo, o diálogo sustenta epistemologicamente o processo educacional para ambos. Outras palavras são significativas para estes autores, tais como: pensamento crítico, criatividade e curiosidade. Além destas palavras compartilhadas há uma visão crítica da educação existente (educação bancária e educação tradicional) e pontos em comum nela: verticalidade do professor, a falta de sentido do processo ensino-aprendizagem (para o professor e para o aluno); a necessidade de investigação problematizadora nas salas de aula. Entretanto, há sentidos diferentes em várias destas palavras compartilhadas - como no caso do diálogo e do pensamento crítico – frutos de análises conceituais diferenciadas. Deste modo, há diferenças também nas formas de conceber o trabalho pedagógico e as questões metodológicas (manuais, novelas e formação de professores sustentada no princípio da reflexão crítica). 2.3. O ideal de educação democrática e o pensar de “ordem superior” Influências de Dewey A influência de Dewey é marcante para a forma com que Lipman concebe a educação. Dewey concebe a educação como um processo contínuo de reorganização, recriação e reconstrução da experiência do estudante, cuja finalidade principal é a transformação desta experiência para o enriquecimento dela. A escola é um espaço de negociação entre as condições que ela impõe e o interesse dos estudantes. Dewey rejeita a transmissão do conteúdo no processo de ensino-aprendizagem; considerar o conhecimento como fundamental neste processo, mas é apenas isto - um meio para pensar e julgar, um recurso para aprimorar o processo de investigação que orienta o pensar e o julgar. Lipman, adotou a distinção entre o pensar e o conhecer e priorizou o pensar e o julgar na educação. Além disso, para Dewey as finalidades da escola e da filosofia parecem coincidir. Fins democráticos precisam de meios democráticos para a sua realização. Assim, Lipman propõe uma educação para a democracia e na democracia. A filosofia é o melhor caminho para potencializar o que a escola deve promover: a capacidade de enriquecer o sentido da experiência. Deve-se partir do interesse das crianças e oferecer a elas situações problematizadoras. Lipman partiu destes pressupostos, mas ampliou o caráter acadêmico que Dewey atribuiu à filosofia, ao fazer dela uma prática capaz de dar sentido e ferramentas indispensáveis à experiência educacional.