SEPI - Sistema de Ensino Presencial Integrado

Propaganda
Módulo 4 - As Origens do Pensamento Econômico
As escolas de pensamento econômico constituem um conjunto sistematizado de
idéias, valores e princípios teóricos, mas sempre vinculados às questões políticas,
sociais e éticas. Sendo assim, os pressupostos e conclusões de cada corrente de
pensamento econômico, bem como os resultados de suas investigações científicas
estão inteiramente condicionados por sua matriz ideológica.
Durante muito tempo a economia constituiu um conjunto de soluções a problemas
específicos e orientava-se por princípios gerais de ética, justiça e igualdade. As
justificativas dos conceitos eram muito mais de natureza moral, não existindo, até
Smith, um estudo sistemático das relações econômicas.
4.1. O Pensamento Econômico na Antiguidade
Na Antiguidade Clássica, a maior parte da população era composta de escravos,
que trabalhavam em troca do básico para a sua subsistência (roupas e alimentos).
Todo o produto excedente a essas necessidades básicas dos trabalhadores era
apropriado pelos senhores de escravos. A economia era eminentemente rural e as
cidades desenvolveram-se com o avanço das trocas comerciais. Estas cidades eram
politicamente independentes umas das outras, e a navegação desenvolveu-se com
a expansão do intercâmbio comercial.
Os autores da Antigüidade, tanto na Grécia, quanto em Roma, não possuíam um
pensamento econômico geral e independente. Havia o domínio da Filosofia e da
Política sobre o pensamento econômico.
Neste sentido, embora o termo “economia” (oikosnomos[1]) tenha surgido na Grécia,
a predominância da Filosofia sobre a sociedade não favorecia o desenvolvimento da
análise econômica.
Existem algumas reflexões de ordem econômica em Platão (427-347 a.C.) e
Xenofontes (440-335 a.C.), mas muito incipientes. Aristóteles apresentou algumas
contribuições interessantes às teorias do valor, dos preços e da moeda, mas tratava
sobretudo de aspectos das transações comerciais e das finanças públicas.
Os grandes pensadores gregos partiam da premissa que o trabalho era indigno do
homem e que deveria ser reservado aos escravos, considerados inferiores. Assim,
Platão e Aristóteles faziam a defesa da escravidão argumentando que alguns
homens eram naturalmente inferiores a outros. Defendia-se a igualdade entre os
cidadãos (homens livres, nascidos na Cidade-Estado e proprietários de terras) e
havia um certo desprezo pela riqueza e o luxo. Isto dificultava o desenvolvimento
das relações econômicas, e assim, portanto, do próprio pensamento econômico.
Sendo assim, na Grécia apareceram poucas idéias econômicas, fragmentadas em
estudos filosóficos e políticos.
O pensamento romano também não deu uma grande contribuição ao
desenvolvimento das idéias econômicas. Os romanos não desprezavam a riqueza e
o luxo, e havia uma economia de trocas muito mais intensa em Roma que na Grécia,
com o desenvolvimento de companhias comerciais e sociedades por ações. Mas o
pensamento de Roma centrou-se nas questões da política, e o desenvolvimento da
sociedade romana estava centrado em torno de objetivos muito mais políticos do
que econômicos, o que anulou a sua contribuição ao pensamento econômico.
4.2. O pensamento econômico na Idade Média
Com o declínio do Império Romano e as invasões bárbaras, surgiu o feudalismo,
cuja base era o trabalho dos servos nas terras dos senhores. Apesar do servo não
ser livre, por estar ligado à terra e a seu senhor, não era propriedade do senhor,
como o escravo na Antigüidade.
Existia também uma hierarquia dentro da classe de senhores feudais. Um senhor
devia lealdade a um senhor mais poderoso, e este a outro, e a outro, até chegar ao
rei. Os vassalos recebiam a terra de seus senhores para cultivá-las em troca de
dinheiro, alimentos, trabalho e lealdade militar. Em contrapartida, o senhor oferecia
proteção militar a seu vassalo.
Ao longo da Idade Média há um amplo desenvolvimento das trocas nas cidades,
ampliando-se a atividade econômica regional e inter-regional através do surgimento
das feiras periódicas. O avanço das trocas propiciou o desenvolvimento da divisão
do trabalho: surgem as corporações de ofício e ocorre uma ampliação crescente das
trocas entre as áreas urbanas e rurais. Com as Cruzadas expande-se o comércio
através do Mediterrâneo, fazendo surgir grandes centros comerciais como Gênova,
Veneza, Pisa e Florença.
Assim como na Antiguidade Clássica, o pensamento econômico medieval não
constituía um corpo teórico independente e sistematizado, e tinha um caráter
eminentemente prático. Ao invés de estar pautado por questões filosóficas e
políticas, a moral cristã orientava e subordinava o pensamento econômico na Idade
Média, através da dominação exercida pela Igreja Católica em todas as dimensões
da sociedade.
Neste sentido, a teologia católica, ao subverter a ética do trabalho, não apenas
defendendo a dignidade do trabalho, mas o colocando como meio de expiação dos
pecados do homem, revoluciona as relações econômicas, dando a elas um grande
impulso de desenvolvimento.
A ética paternalista cristã, no entanto, condenava a aquisição e acumulação de bens
materiais. A Igreja condenava a busca desenfreada pelo interesse individual, e
tentava moralizar as ações econômicas dos indivíduos e a conduta humana,
inclusive com a instituição de leis paternalistas, como a Lei dos Pobres. Permitia-se
a propriedade privada, mas esta deveria ser usada com moderação. Surge a partir
desta idéia de moderação dos agentes econômicos a concepção de justiça nas
trocas, onde buscava-se o “justo preço” e o “justo salário”.
E o que vinha a ser o justo preço? Seria o preço baixo o bastante para que o
consumidor pudesse comprar, sem extorsão, e aquele elevado o suficiente para que
o vendedor tivesse interesse em vender para poder viver de maneira decente. O
justo salário seria aquele que permitiria ao trabalhador e sua família viver
dignamente. Havia também a noção de justiça nas trocas, onde o lucro não deveria
permitir aos comerciantes enriquecer (já que a riqueza era condenada), mas apenas
viver de forma decente. Dessa concepção de justiça nas trocas advém também a
condenação do empréstimo a juros, já que o dinheiro reembolsado ao emprestador
seria maior que o dinheiro tomado emprestado.
No entanto, com o desenvolvimento do comércio e das trocas, e com o
desenvolvimento das atividades manufatureiras, estas concepções caem por terra, e
a subordinação da economia à teologia é substituída pela busca desenfreada de
acumular metais preciosos.
4.3. O Mercantilismo
A partir do século XV, uma série de transformações intelectuais, religiosas, políticas
associadas ao desenvolvimento das trocas e do comércio e à expansão ultramarina
e aos grandes descobrimentos impulsionaram o avanço da atividade econômica de
forma significativa.
A Reforma Protestante abre as portas para o individualismo, ao exaltar a atividade
econômica e o sucesso material, e ao justificar a busca do lucro, os empréstimos a
juros e o enriquecimento. Não mais se condenava a riqueza, mas o pecado agora
era a ociosidade. O enriquecimento era sinal da salvação de Deus e o trabalho não
era mais um meio de expiação de pecados, mas instrumento para alcançar a graça
divina e o êxito material.
Há neste período o enfraquecimento dos feudos e a centralização da política com o
surgimento dos Estados Nacionais. O Estado passa a coordenar as forças materiais
e os recursos humanos, fazendo de cada país um organismo econômico integrado.
O Estado nacional passa a assumir o lugar da Igreja de supervisionar o bem-estar
da sociedade.
É neste contexto que surge o mercantilismo, considerada por alguns estudiosos
como a primeira escola econômica, apesar de não representar um conjunto teórico e
técnico homogêneo e sistematizado. No entanto, o mercantilismo já apresenta
algumas preocupações explícitas com acumulação de riquezas de uma nação.
Para os mercantilistas, o governo de um país seria mais forte e poderoso quanto
mais rico ele fosse e esta riqueza seria tanto maior quanto fosse o seu estoque de
metais preciosos (ouro e prata).
No sentido de garantir um aumento no saldo de ouro e prata, os mercantilistas
defendiam uma política de aumento das exportações, a proibição da saída de metais
preciosos e redução significativa, senão a proibição da entrada de mercadorias
estrangeiras em seu país.
Para desenvolver a industrialização interna, exportar mais e reduzir as importações
ao mínimo possível, os mercantilistas defendiam uma política intervencionista na
indústria e o protecionismo alfandegário, efetivamente implantados em alguns
países. Há também um controle e proteção das atividades de comércio internacional,
já que o comércio e as navegações eram as principais fontes de riqueza nacional
neste período. Assim, os mercantilistas eram entusiastas da ampla intervenção do
Estado nos negócios privados e da imposição de barreiras ao comércio internacional
como forma de promover um saldo comercial positivo.
A política colonial mercantilista também foi fundamental para o desenvolvimento da
economia mundial neste período. O “pacto colonial” entre as metrópoles européias e
suas respectivas colônias no além-mar foi estabelecido para elevar o saldo
comercial e o fluxo de metais preciosos para as metrópoles. As colônias só poderiam
consumir produtos da metrópole, só poderiam exportar para a metrópole, que
controlava também o transporte das mercadorias. Os níveis de preços dos produtos
a serem importados pelas colônias eram fixados pelas metrópoles em níveis os mais
altos possíveis; enquanto que os produtos exportados pelas colônias tinham seus
preços estabelecidos em níveis bem baixos. Isso permitiu um aumento significativo
dos saldos comerciais das metrópoles e uma ampliação do fluxo de metais
preciosos.
Embora o mercantilismo tenha uma contribuição pouco significativa para a
constituição da análise econômico-científica, foi fundamental para o surgimento do
capitalismo. O mercantilismo teve uma contribuição significativa para fortalecer a
economia nacional, ampliar as relações comerciais, na expansão dos mercados,
para desenvolver o sistema manufatureiro, na formação dos grandes capitais que
financiaram a revolução industrial e no surgimento do trabalho assalariado. Todos
esses elementos foram fundamentais para a consolidação posterior do capitalismo.
4.4. A Fisiocracia
As primeiras tentativas de sistematização da ciência econômica remontam ao
trabalho dos fisiocratas. A fisiocracia é um movimento econômico que surgiu no
século XVIII como uma reação às distorções do mercantilismo: a excessiva
regulamentação e intervenção do Estado nos negócios privados e o abandono da
agricultura em benefício da indústria. Sua principal preocupação era a circulação ou
distribuição do produto social.
A fisiocracia acredita que a economia, como o universo de Newton, é regida por leis
naturais, absolutas, imutáveis e universais estabelecidas por um ente divino para a
felicidade do homem. Caberia ao homem, por meio da razão, descobrir esta ordem e
trabalhar no sentido de respeitar as leis que regulam a ordem natural. Sendo assim,
os fenômenos econômicos deveriam fluir livremente, seguindo estas leis naturais.
Portanto, os fisiocratas consideravam desnecessária e até mesmo prejudicial
qualquer intervenção do Estado nas relações econômicas, pois criaria obstáculos à
ordem natural, inibindo a circulação de pessoas e de bens. A função da autoridade
governamental era entender esta ordem natural e servir de intermediário para que as
leis da natureza pudessem ser respeitadas e cumpridas. O Estado não deve intervir
na economia mais do que o necessário para assegurar a vida, a propriedade e para
manter a liberdade.
Um dos grandes pensadores desta corrente de pensamento, François Quesnay
(1694-1774), defendeu alguns princípios que serviriam mais tarde de base para a
construção da análise econômica posterior. A principal obra deste autor é O quadro
econômico. Quesnay elaborou o princípio utilitarista de busca da obtenção de
máxima satisfação com um mínimo de esforço, que seria desenvolvido amplamente
pelos economistas da escola marginalista no século XIX. Ele é precursor também da
idéia de que a busca do interesse individual numa economia competitiva originaria
uma compatibilidade de interesses pessoais, levando a sociedade à harmonia e ao
bem-estar coletivo. Além disso, Quesnay evidencia a interdependência entre as
atividades econômicas, desenvolvendo pela primeira vez uma análise dos fluxos de
rendas e de bens de uma nação, e suas variações.
Os fisiocratas não acreditavam que a riqueza de um país dependia de seus
estoques de metais preciosos, como defendiam os mercantilistas. Para a fisiocracia,
a riqueza de uma nação dependia de sua capacidade de produção, mais
especificamente no setor agrícola.
A agricultura era a única atividade realmente produtiva, pois somente a atividade
agrícola é capaz de gerar excedentes; portanto era a única atividade que gerava
valor – só a terra tinha capacidade de multiplicar a riqueza. Os demais setores da
economia, como a indústria e o comércio eram apenas desdobramentos da
agricultura, pois apenas transformam e transportam bens. Dependiam, assim, dos
excedentes gerados na agricultura. Portanto, era primordial para os fisiocratas o
incentivo à agricultura para elevar o produto social.
Os fisiocratas propunham, além da redução da intervenção estatal na economia, a
eliminação das barreiras ao comércio interno e internacional, tão características do
mercantilismo, uma política de promoção das exportações. Também sugeriam
políticas de combate aos oligopólios (mercado controlado por poucos vendedores) e
o fim das restrições às importações.
-------------------------------------------------------------------------------------[1] Existem controvérsias entre os autores da História do Pensamento Econômico
sobre quem utilizou pela primeira vez o termo “economia”. Para alguns, este termo
foi utilizado pela primeira vez por Xenofontes, se referindo aos princípios de gestão
dos bens privados. Para outros, Aristóteles teria cunhado o termo oidosnomos em
seus estudos sobre aspectos da administração privada e sobre finanças públicas.
Download