Módulo 3 As Origens do Pensamento Econômico As escolas de

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Módulo 3 ­ As Origens do Pensamento Econômico As escolas de pensamento econômico constituem um conjunto sistematizado de idéias, valores e princípios teóricos, mas sempre vinculados às questões políticas, sociais e éticas. Sendo assim, os pressupostos e conclusões de cada corrente de pensamento econômico, bem como os resultados de suas investigações científicas estão inteiramente condicionados por sua matriz ideológica. Durante muito tempo a economia constituiu um conjunto de soluções a problemas específicos e orientava­se por princípios gerais de ética, justiça e igualdade. As justificativas dos conceitos eram muito mais de natureza moral, não existindo, até Smith, um estudo sistemático das relações econômicas. 3.1. O Pensamento Econômico na Antiguidade Na Antiguidade Clássica, a maior parte da população era composta de escravos, que trabalhavam em troca do básico para a sua subsistência (roupas e alimentos). Todo o produto excedente a essas necessidades básicas dos trabalhadores era apropriado pelos senhores de escravos. A economia era eminentemente rural e as cidades desenvolveram­se com o avanço das trocas comerciais. Estas cidades eram politicamente independentes umas das outras, e a navegação desenvolveu­se com a expansão do intercâmbio comercial. Os autores da Antigüidade, tanto na Grécia, quanto em Roma, não possuíam um pensamento econômico geral e independente. Havia o domínio da Filosofia e da Política sobre o pensamento econômico. Neste sentido, embora o termo “economia” (oikosnomos[1]) tenha surgido na Grécia, a predominância da Filosofia sobre a sociedade não favorecia o desenvolvimento da análise econômica. Existem algumas reflexões de ordem econômica em Platão (427­347 a.C.) e Xenofontes (440­335 a.C.), mas muito incipientes. Aristóteles apresentou algumas contribuições interessantes às teorias do valor, dos preços e da moeda, mas tratava sobretudo de aspectos das transações comerciais e das finanças públicas. Os grandes pensadores gregos partiam da premissa que o trabalho era indigno do homem e que deveria ser reservado aos escravos, considerados inferiores. Assim, Platão e Aristóteles faziam a defesa da escravidão argumentando que alguns homens eram naturalmente inferiores a outros. Defendia­se a igualdade entre os cidadãos
(homens livres, nascidos na Cidade­Estado e proprietários de terras) e havia um certo desprezo pela riqueza e o luxo. Isto dificultava o desenvolvimento das relações econômicas, e assim, portanto, do próprio pensamento econômico. Sendo assim, na Grécia apareceram poucas idéias econômicas, fragmentadas em estudos filosóficos e políticos. O pensamento romano também não deu uma grande contribuição ao desenvolvimento das idéias econômicas. Os romanos não desprezavam a riqueza e o luxo, e havia uma economia de trocas muito mais intensa em Roma que na Grécia, com o desenvolvimento de companhias comerciais e sociedades por ações. Mas o pensamento de Roma centrou­se nas questões da política, e o desenvolvimento da sociedade romana estava centrado em torno de objetivos muito mais políticos do que econômicos, o que anulou a sua contribuição ao pensamento econômico. 3.2. O pensamento econômico na Idade Média Com o declínio do Império Romano e as invasões bárbaras, surgiu o feudalismo, cuja base era o trabalho dos servos nas terras dos senhores. Apesar do servo não ser livre, por estar ligado à terra e a seu senhor, não era propriedade do senhor, como o escravo na Antigüidade. Existia também uma hierarquia dentro da classe de senhores feudais. Um senhor devia lealdade a um senhor mais poderoso, e este a outro, e a outro, até chegar ao rei. Os vassalos recebiam a terra de seus senhores para cultivá­las em troca de dinheiro, alimentos, trabalho e lealdade militar. Em contrapartida, o senhor oferecia proteção militar a seu vassalo. Ao longo da Idade Média há um amplo desenvolvimento das trocas nas cidades, ampliando­se a atividade econômica regional e inter­regional através do surgimento das feiras periódicas. O avanço das trocas propiciou o desenvolvimento da divisão do trabalho: surgem as corporações de ofício e ocorre uma ampliação crescente das trocas entre as áreas urbanas e rurais. Com as Cruzadas expande­se o comércio através do Mediterrâneo, fazendo surgir grandes centros comerciais como Gênova, Veneza, Pisa e Florença. Assim como na Antiguidade Clássica, o pensamento econômico medieval não constituía um corpo teórico independente e sistematizado, e tinha um caráter eminentemente prático. Ao invés de estar pautado por questões filosóficas e políticas, a moral cristã orientava e subordinava o pensamento econômico na Idade Média, através da dominação exercida pela Igreja Católica em todas as dimensões da sociedade. Neste sentido, a teologia católica, ao subverter a ética do trabalho, não apenas defendendo a dignidade do trabalho, mas o colocando como meio de expiação dos pecados do homem, revoluciona as relações econômicas, dando a elas um grande impulso de desenvolvimento.
A ética paternalista cristã, no entanto, condenava a aquisição e acumulação de bens materiais. A Igreja condenava a busca desenfreada pelo interesse individual, e tentava moralizar as ações econômicas dos indivíduos e a conduta humana, inclusive com a instituição de leis paternalistas, como a Lei dos Pobres. Permitia­se a propriedade privada, mas esta deveria ser usada com moderação. Surge a partir desta idéia de moderação dos agentes econômicos a concepção de justiça nas trocas, onde buscava­se o “justo preço” e o “justo salário”. E o que vinha a ser o justo preço? Seria o preço baixo o bastante para que o consumidor pudesse comprar, sem extorsão, e aquele elevado o suficiente para que o vendedor tivesse interesse em vender para poder viver de maneira decente. O justo salário seria aquele que permitiria ao trabalhador e sua família viver dignamente. Havia também a noção de justiça nas trocas, onde o lucro não deveria permitir aos comerciantes enriquecer (já que a riqueza era condenada), mas apenas viver de forma decente. Dessa concepção de justiça nas trocas advém também a condenação do empréstimo a juros, já que o dinheiro reembolsado ao emprestador seria maior que o dinheiro tomado emprestado. No entanto, com o desenvolvimento do comércio e das trocas, e com o desenvolvimento das atividades manufatureiras, estas concepções caem por terra, e a subordinação da economia à teologia é substituída pela busca desenfreada de acumular metais preciosos. 3.3. O Mercantilismo A partir do século XV, uma série de transformações intelectuais, religiosas, políticas associadas ao desenvolvimento das trocas e do comércio e à expansão ultramarina e aos grandes descobrimentos impulsionaram o avanço da atividade econômica de forma significativa. A Reforma Protestante abre as portas para o individualismo, ao exaltar a atividade econômica e o sucesso material, e ao justificar a busca do lucro, os empréstimos a juros e o enriquecimento. Não mais se condenava a riqueza, mas o pecado agora era a ociosidade. O enriquecimento era sinal da salvação de Deus e o trabalho não era mais um meio de expiação de pecados, mas instrumento para alcançar a graça divina e o êxito material. Há neste período o enfraquecimento dos feudos e a centralização da política com o surgimento dos Estados Nacionais. O Estado passa a coordenar as forças materiais e os recursos humanos, fazendo de cada país um organismo econômico integrado. O
Estado nacional passa a assumir o lugar da Igreja de supervisionar o bem­estar da sociedade. É neste contexto que surge o mercantilismo, considerada por alguns estudiosos como a primeira escola econômica, apesar de não representar um conjunto teórico e técnico homogêneo e sistematizado. No entanto, o mercantilismo já apresenta algumas preocupações explícitas com acumulação de riquezas de uma nação. Para os mercantilistas, o governo de um país seria mais forte e poderoso quanto mais rico ele fosse e esta riqueza seria tanto maior quanto fosse o seu estoque de metais preciosos (ouro e prata). No sentido de garantir um aumento no saldo de ouro e prata, os mercantilistas defendiam uma política de aumento das exportações, a proibição da saída de metais preciosos e redução significativa, senão a proibição da entrada de mercadorias estrangeiras em seu país. Para desenvolver a industrialização interna, exportar mais e reduzir as importações ao mínimo possível, os mercantilistas defendiam uma política intervencionista na indústria e o protecionismo alfandegário, efetivamente implantados em alguns países. Há também um controle e proteção das atividades de comércio internacional, já que o comércio e as navegações eram as principais fontes de riqueza nacional neste período. Assim, os mercantilistas eram entusiastas da ampla intervenção do Estado nos negócios privados e da imposição de barreiras ao comércio internacional como forma de promover um saldo comercial positivo. A política colonial mercantilista também foi fundamental para o desenvolvimento da economia mundial neste período. O “pacto colonial” entre as metrópoles européias e suas respectivas colônias no além­mar foi estabelecido para elevar o saldo comercial e o fluxo de metais preciosos para as metrópoles. As colônias só poderiam consumir produtos da metrópole, só poderiam exportar para a metrópole, que controlava também o transporte das mercadorias. Os níveis de preços dos produtos a serem importados pelas colônias eram fixados pelas metrópoles em níveis os mais altos possíveis; enquanto que os produtos exportados pelas colônias tinham seus preços estabelecidos em níveis bem baixos. Isso permitiu um aumento significativo dos saldos comerciais das metrópoles e uma ampliação do fluxo de metais preciosos. Embora o mercantilismo tenha uma contribuição pouco significativa para a constituição da análise econômico­científica, foi fundamental para o surgimento do capitalismo. O mercantilismo teve uma contribuição significativa para fortalecer a economia nacional, ampliar as relações comerciais, na expansão dos mercados, para desenvolver o sistema manufatureiro, na formação dos grandes capitais que financiaram a revolução industrial e no surgimento do trabalho assalariado. Todos esses elementos foram fundamentais para a consolidação posterior do capitalismo. 3.4. A Fisiocracia As primeiras tentativas de sistematização da ciência econômica remontam ao trabalho dos fisiocratas. A fisiocracia é um movimento econômico que surgiu no século XVIII como uma reação às distorções do mercantilismo: a excessiva regulamentação e intervenção do Estado nos negócios privados e o abandono da agricultura em benefício da indústria. Sua principal preocupação era a circulação ou distribuição do produto social.
A fisiocracia acredita que a economia, como o universo de Newton, é regida por leis naturais, absolutas, imutáveis e universais estabelecidas por um ente divino para a felicidade do homem. Caberia ao homem, por meio da razão, descobrir esta ordem e trabalhar no sentido de respeitar as leis que regulam a ordem natural. Sendo assim, os fenômenos econômicos deveriam fluir livremente, seguindo estas leis naturais. Portanto, os fisiocratas consideravam desnecessária e até mesmo prejudicial qualquer intervenção do Estado nas relações econômicas, pois criaria obstáculos à ordem natural, inibindo a circulação de pessoas e de bens. A função da autoridade governamental era entender esta ordem natural e servir de intermediário para que as leis da natureza pudessem ser respeitadas e cumpridas. O Estado não deve intervir na economia mais do que o necessário para assegurar a vida, a propriedade e para manter a liberdade. Um dos grandes pensadores desta corrente de pensamento, François Quesnay (1694­ 1774), defendeu alguns princípios que serviriam mais tarde de base para a construção da análise econômica posterior. A principal obra deste autor é O quadro econômico. Quesnay elaborou o princípio utilitarista de busca da obtenção de máxima satisfação com um mínimo de esforço, que seria desenvolvido amplamente pelos economistas da escola marginalista no século XIX. Ele é precursor também da idéia de que a busca do interesse individual numa economia competitiva originaria uma compatibilidade de interesses pessoais, levando a sociedade à harmonia e ao bem­estar coletivo. Além disso, Quesnay evidencia a interdependência entre as atividades econômicas, desenvolvendo pela primeira vez uma análise dos fluxos de rendas e de bens de uma nação, e suas variações. Os fisiocratas não acreditavam que a riqueza de um país dependia de seus estoques de metais preciosos, como defendiam os mercantilistas. Para a fisiocracia, a riqueza de uma nação dependia de sua capacidade de produção, mais especificamente no setor agrícola. A agricultura era a única atividade realmente produtiva, pois somente a atividade agrícola é capaz de gerar excedentes; portanto era a única atividade que gerava valor – só a terra tinha capacidade de multiplicar a riqueza. Os demais setores da economia, como a indústria e o comércio eram apenas desdobramentos da agricultura, pois apenas transformam e transportam bens. Dependiam, assim, dos excedentes gerados na agricultura. Portanto, era primordial para os fisiocratas o incentivo à agricultura para elevar o produto social. Os fisiocratas propunham, além da redução da intervenção estatal na economia, a eliminação das barreiras ao comércio interno e internacional, tão características do mercantilismo, uma política de promoção das exportações. Também sugeriam
políticas de combate aos oligopólios (mercado controlado por poucos vendedores) e o fim das restrições às importações. ­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­ [1] Existem controvérsias entre os autores da História do Pensamento Econômico sobre quem utilizou pela primeira vez o termo “economia”. Para alguns, este termo foi utilizado pela primeira vez por Xenofontes, se referindo aos princípios de gestão dos bens privados. Para outros, Aristóteles teria cunhado o termo oidosnomos em seus estudos sobre aspectos da administração privada e sobre finanças públicas.
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