Infecções cardiovasculares A circulação sanguínea ou linfática podem servir de veiculo aos microrganismos para o estabelecimento de uma patologia infecciosa localizada. A entrada de um microrganismo na circulação sanguínea ou linfática pode induzir um quadro clinico característico – septicémia - que se estabelece devido a uma falência do sistema sanguíneo e linfático Vários tipos de patologias podem estar associadas a uma septicémia Choque séptico Devido à presença de endotoxinas nas bactérias de Gram negativo. A endotoxina ou LPS danifica as veias e as artérias o que induz a diminuição da pressão sanguínea provocando um má oxigenação dos tecidos. Além disso a estimulação exagerada da actividade das citoquinas IL-1, TNF conduz a um processo tóxico para o organismo humano, que pode ser fatal Tromboflebite Formação de trombos por bactérias produtoras de coagulase, de enzimas proteolíticos e fibrinolíticos Staphylococcus aureus Endocardite A partir de uma infecção dentária passagem da bactéria à corrente sanguínea com posterior fixação no endocárdio Streptococcus α e β – hemoliticos Aida Duarte FFUL 1 Infecções cardiovasculares Plasmodium spp. Espécies humanas responsáveis pelo paludismo ou malária Plasmodium falciparum - febre terçã maligna Plasmodium vivax - febre terçã benigna Plasmodium ovale.- febre terçã benigna Plasmodium malariae - febre quartã Morfologia Parasitas intracelulares Desprovidos de órgãos locomotores diferenciados Apresentam vários morfologias consoante os hospedeiros Parasitas heteroxénicos - reprodução assexuada ou ciclos esquisogónicos - Hospedeiro vertebrado (homem) - reprodução sexuada ou ciclo esporogónico - Hospedeiro invertebrado (mosquitos) Epidemiologia As zonas endémicas são principalmente a América Central, América do Sul (Norte), África Central e Norte, Índia, China, Sudeste Asiático e Sul da Europa Em Portugal erradicada em 1973. Os casos de malária diagnosticados relacionam-se com visitantes ou residentes de países onde a doença é endémica. Transmissão por picada de insectos da família Culicidae, género Anopheles transfusão sanguínea transmissão congénita Aida Duarte FFUL 2 Infecções cardiovasculares Ciclo de vida No hospedeiro vertebrado – ciclo assexuado ou esquizogónico (Homem) A - Nas células não eritrocitárias - células hepáticas esporozoítoscriptozoítosesquizontemerozoítos teciduais Os esporozoítos (7) inoculados pelo mosquito na corrente sanguínea fazem um 1º ciclo - ciclo préeritrocítico - nas células hepáticas (8A) dando origem aos merozoítos teciduais (9A) que se fixam nos eritrócitos ou novamente nas células hepáticas ou endoteliais. B - Nas células eritrocitárias merozoítos Trofozoíto esquizonte estruturas sexuadas macrogametócito ou gametócito feminino microgametócito ou gametócito masculino Os trofozoítos apresentam-se nos glóbulos vermelhos sob a forma de um anel, o citoplasma cerca o vacúolo digestivo e o núcleo Esquizonte (4 a 72 núcleos filhos), dando o aspecto de rosácea à célula hospedeira Merozoítos são libertados por ruptura dos glóbulos vermelhos, e vão penetrar em novos glóbulos vermelhos e o ciclo repete-se. Após sucessivas ciclos esquisogónicos aparecem os gametócitos (1) estruturas sexuadas do parasita No hospedeiro invertebrado - ciclo sexuado ou esporogónico (Anopheles) gametócito feminino gâmeta feminino gametócito masculino gâmeta masculino zigoto Aida Duarte FFUL oocisto esporozoíto glândulas salivares 3 Infecções cardiovasculares O mosquito ao picar o homem ingere os gametócitos (1) assim como as outras formas assexuadas, estas degeneram, enquanto aos gametócitos, libertados pela digestão da parede do glóbulo vermelho (2), diferenciam-se: em gâmeta feminina de forma redonda em gâmeta masculino vários elementos alongados e móveis Da fecundação resulta o zigoto, que se desloca com movimentos amibóides (3), atravessa a parede do estômago dirige-se para a parede intestinal onde se aloja entre o epitélio e a membrana basal. Aí segrega o envoltório protector e transforma-se no oocisto (5). Inicia-se o processo de divisão esporogónica. O oocisto maduro liberta os esporozoítos que invadem o sistema linfo-sanguíneo e alguns migram para as glândulas salivares (6) que serão inoculados no hospedeiro vertebrado quando da refeição do mosquito. Aida Duarte FFUL 4 Infecções cardiovasculares Plasmodium falciparum Hemácia parasitada apresenta diâmetro igual às não parasitadas Poliparasitismo No sangue periférico encontram-se as formas jovens dos trofozoítos (1a) e dos gametócitos Ciclo esquisogónico ocorre nos capilares viscerais onde as hemácias se encontram aderentes às células do epitélio endotelial. Esquizontes - rosácea (2a) com 8 a 16 merozoítos - esquizogonia 36 a 48 horas Gametócitos alongados e curvos (3b) em forma de crescente com as extremidades afiladas Plasmodium malariae Hemácia parasitada mantêm o diâmetro e coloração normal Invadem as hemácias maduras Esquizontes - rosácea (2c) com 6 a 8 merozoítos - esquizogonia 72 horas Gametócitos (3b) - citoplasma abundante contorno regular - núcleo denso e largo Aida Duarte FFUL 5 Infecções cardiovasculares Plasmodium vivax Hemácia parasitada apresenta diâmetro superior às não parasitadas Invade preferencialmente as hemácias jovens (reticulócitos) Poliparasitismo raro Esquizontes (2a) - rosácea com 16 merozoítos (2c) - esquizogonia 48 horas Gametócitos - semelhantes ao do P. malariae Plasmodium ovale As hemácias parasitadas aumentam de tamanho, contornos irregulares por vezes oval de bordos dentados. Poliparasitismo raro Esquizontes (2a) - rosácea (2b) com 6 a 12 merozoítos - esquizogonia de 48 horas Gametócitos - semelhantes ao do P. malariae Aida Duarte FFUL 6 Infecções cardiovasculares Protozoários flagelados do sangue Protozoários flagelados do sangue da família Trypanosomatidae - Leishmania spp. - Trypanosoma spp. Nesta família reúnem-se espécies estritamente relacionadas entre si apresentando diversos estádios de desenvolvimento Forma amastigota ou leishmania - célula de forma arredondada flagelo não ultrapassa a membrana celular cinetoplasto grande forma intracelular imóvel Forma promastigota ou leptomona - flagelo ultrapassa a membrana celular - cinetoplasto anterior ao núcleo Forma epimastigota ou critídia - flagelo curto - membrana ondulante curta. - cinetoplasto anterior ao núcleo Forma tripomastigota ou trypanosoma - flagelo longo - membrana ondulante longa - cinetoplasto posterior ao núcleo: grande pequeno Aida Duarte FFUL Trypanosoma cruzi Trypanosoma brucei 7 Infecções cardiovasculares Leishmanioses No género Leishmania incluem-se espécies responsáveis por três formas de patologia: Agente Leishmania donovani Agente Leishmania tropica Leishmania major Agente Leishmania brasiliensis Leishmania mexicana Leishmaniose visceral Localização geográfica África Este e Central América do Sul Ásia e Mediterrâneo Leishmanioses cutâneas Localização geográfica África Oriental Leishmanioses cutâneas-mucosas Localização geográfica América do Sul e América Central Vector Phlebotomus Vector Phlebotomus Vector Lutzomya Morfologia Forma amastigota ou leishmania de forma arredondado ou oval com 3-6 m, imóvel, intracelular nas células do SRE no homem e vertebrados na leishmaniose visceral encontra-se na medula óssea, fígado, baço, pele e sangue nas leishmanioses cutâneas ao nível da lesão Forma flagelada promastigota ou leptomona no hospedeiro invertebrado (artrópode) e no meio de cultura em laboratório Aida Duarte FFUL 8 Infecções cardiovasculares Ciclo evolutivo No hospedeiro invertebrado Phlebotomus ou Lutzomyia 1. O insecto ao picar o homem ingere as formas amastigotas no interior dos macrófagos (5), que no estômago se libertam das células, dividem-se por divisão binária e transformam-se na forma promastigota de forma alongada com 8-24 m, móvel com um flagelo 2. A forma prosmatigota, muito activa, multiplica-se no intestino médio (6) 3. Como formas pequenas e muito móveis, sobem à faringe localizando-se nas peças bucais (7), não se encontram na saliva. Logo que se dá a picada, estas formas são depositadas na pele. No hospedeiro vertebrado 1. As formas promastigotas (1) penetram nos macrofagos tecidulares locais (2), perdem o flagelo passam à forma amastigota, multiplicam-se por divisão binária (3). 2. O número de parasitas aumenta no interior da célula, provocando a sua ruptura. 3. Os parasitas livres invadem novas células, ou são por elas fagocitadas, recomeçando novo ciclo. 4. Dependendo das espécies, as formas promastigotas penetram nas células do sistema retículo endotelial, tais como os gânglios linfáticos, medula óssea (4), baço e fígado. Aida Duarte FFUL 9 Infecções cardiovasculares Trypanosoma cruzi Morfologia Protozoário flagelado que apresenta as 4 formas ao longo do ciclo No sangue a forma tripomastigota extra-celular com grande polimorfismo Nas células histiocitárias e musculares a forma amastigota Transmissão 1. Insecto vector – triatomíneos Triatoma infestans Panstrongylus megistus Vulgarmente conhecidos por barbeiros porque normalmente picam na zona bucal ou noutro local da face. A transmissão faz-se pelo contacto dos dejectos, contaminados com as formas tripomastigotas, com a mucosa sã ou com uma ferida. 2. Transmissão congénita 3. Transmissão transfusional Reservatórios Cão, gato e animais selvagens Endémica na América latina Aida Duarte FFUL 10 Infecções cardiovasculares Ciclo evolutivo No hospedeiro invertebrado O insecto infecta-se quando suga o sangue, que contem as formas tripomastigotas, (5) do homem, dos animais domésticos e selvagens No proventrículo e no estômago encontram-se as formas amastigota, promastigota e epimastigotas No intestino médio as formas epimastigota em divisão (6) Na porção posterior do intestino desenvolvem-se as formas tripomastigotas, as estruturas contaminantes (7) No hospedeiro vertebrado Nas células do SRE as formas tripomastigotas (1) atravessam as mucosas ou contactam com uma ferida (foco primário), penetram nas células do SRE e multiplicam-se activamente sob a forma amastigota; (3) Nos órgãos e tecido muscular as formas tripomastigotas em circulação (2) penetram no tecido muscular (foco secundário) Na corrente sanguínea algumas formas amastigotas podem reverter em formas tripomastigotas (4) Aida Duarte FFUL 11 Infecções cardiovasculares Trypanosoma brucei Morfologia Protozoários flagelados extracelulares com 15-30 m No ciclo de vida apresentam as formas tripomastigota e a epimastigota Epidemiologia Esta espécie divide-se em duas variedades que se distribuem pela área geográfica de acordo com o hospedeiro intermediário Glossina spp.e a patologia Trypanosoma brucei gambiense um parasita especificamente humano endémico da África central e ocidental transmite-se por picada do insecto hematófago Glossina palpalis Mosca de tsé-tsé, espécie dos rios Trypanosoma brucei rhodesiense nos animais selvagens. focos dispersos na África oriental. transmite-se por picada do insecto hematófago Glossina morsitans, espécie das savanas Aida Duarte FFUL 12 Infecções cardiovasculares Ciclo evolutivo No hospedeiro invertebrado as formas tripomastigotas multiplicam-se por divisão binária no intestino da mosca (7), originando a forma epimastigota (8) migram para a porção anterior do tubo digestivo (9) até chegarem às glândulas salivares, aí multiplicam-se e desenvolvem as formas tripomastigotas (1) No hospedeiro vertebrado A mosca ao picar injecta juntamente com a saliva as formas tripomastigotas (1), que se multiplicam no ponto de inoculação (2A) disseminação por via linfática-sanguínea, e penetram nos tecidos (invadem o sistema nervoso central). No fígado aparecem como formas gigantes (3) sofrem várias modificações morfológicas (2A, 4 e 5). Algumas formas tripomastigotas desenvolvem estruturas mais pequenas (2B) não infecciosas (6). Aida Duarte FFUL 13 Infecções cardiovasculares Filárias Nemátodos vivíparos com dimorfismo sexual. Necessitam como hospedeiro intermediário de um artrópode. Os vermes adultos ou macrofilárias parasitam o sistema circulatório, linfático, músculos e cavidades serosas. As larvas ou microfilárias encontram-se no sangue ou na pele. Filárias cutâneas Loa-Loa Onchocerca volvulus Dracunculus medinensis Dipetalonema streptocerca Filárias linfáticas Wuchereria bancrofti Brugia malayi Filárias peritoniais Dipetalonema perstans Mansonella ozzardi Morfologia O ovo embrionado possui uma membrana ovular externa fina que se estende e constitui a bainha da microfilária. Cada microfilária além da bainha e da cutícula apresenta numerosas células subcutilares (musculatura e hipoderme no adulto), células somáticas (tubo digestivo e outros orgãos) e núcleos ou células germinativas (aparelho genital). A ausência ou presença de bainha e a disposição das células ou núcleos permitem diferenciar as microfilárias facilitando o diagnóstico diferencial das espécies de filárias. Aida Duarte FFUL 14 Infecções cardiovasculares Ciclo evolutivo As microfilárias encontram-se no sangue e necessitam de um artrópode como hospedeiro intermediário. Nas filárias linfáticas os hospedeiros intermediários são mosquitos com a trompa longa e pontiaguda que sugam directamente o sangue dos capilares sub-cutâneos Culicidae vectores da Wuchereria Nas filárias cutâneas os hospedeiros intermediários são insectos de trompa curta e de peças bucais largas dilaceram a derme e provocam a formação de pequenos "lagos" de sangue ou de linfa Chrysops (Tabanídeos) vectores da Loa loa Simulium (Simulídeos) vectores da Onchocerca Nos hospedeiros intermediários As microfilárias perfuram a parede do estômago e passam para a cavidade geral (7), nos músculos torácicos transformam-se em larvas infectantes. Estas (1) chegam às peças bucais e serão depositadas na pele de um novo hospedeiro. No hospedeiro definitivo As larvas (2) penetram na pele lesada (não são inoculadas pelos insectos), através da corrente sanguínea ou do sistema linfático (4) chegam aos vasos sanguíneos ou aos gânglios linfáticos sofrem uma muda e transformam-se nas formas adultas (3). As fêmeas desenvolvem os ovos e as larvas (5) que se desenvolvem como microfilárias (6) na corrente sanguínea. Aida Duarte FFUL 15 Infecções cardiovasculares Filárias linfáticas Wuchereria bancrofti Parasita especificamente humano As formas adultas medem 4 cm (macho) e 10cm (fêmea) e vivem no sistema linfático As microfilárias circulam permanentemente na linfa e com periodicidade nocturna no sangue. Vectores Culex, Anopheles, Aedes Distribuição geográfica vasta, na América, África e Ásia. Responsável pela obstrução dos gânglios linfáticos impedindo a circulação linfática dando origem a edemas, que podem num estado avançado provocar um aumento exagerado dos membros inferiores, superiores ou do escroto, vulgarmente denominado elefantíase Aida Duarte FFUL 16 Infecções cardiovasculares Filárias cutâneas Onchocerca volvulus Filária africana especificamente humano As formas adultas macho 3 cm e a fêmea 50 cm As microfilárias circulam nos vasos linfáticos superficiais não apresentam periodicidade e podem ser encontradas no tecido conjuntivo Vector Simulium que se encontra ao longo dos cursos de água correntes quer em zonas de floresta quer de savana, o que limita a localização desta filária Loa loa Filária africana As formas adultas com 2 cm (macho) e 7 cm (fêmea) de comprimento As microfilárias circulam no sangue periférico de dia - periodicidade diurna Vector Chrysops predominante da África equatorial As formas adultas ou macrofilárias vivem no tecido subcutâneo, nomeadamente no globo ocular Aida Duarte FFUL 17 Infecções cardiovasculares Larva Migrans Visceral Toxocara canis Parasita do intestino delgado do cão e gato Morfologia e ciclo evolutivo semelhante Ascaris lumbricoides O homem infecta-se ao ingerir ovos embrionados com larvas do 2º estádio que eclodem no intestino delgado Invadem a mucosa, entram na circulação venosa e vão para o fígado Pelos vasos linfáticos são levados ao coração e pulmões. As larvas são retidas por reacção inflamatória, provocando uma lesão típica do tipo granuloma alérgico. Epidemiologia Em Portugal 1 caso em 1976 e em 1984 3,07% eram portadores de Larva migrans visceral. Trichinella spiralis Nemátodo parasita do homem e de vários animais ( porco, rato, cão, gato). Um único hospedeiro alberga sucessivamente os vermes adultos no intestino e as larvas nos músculos. Ciclo evolutivo Após a cópula o macho morre Os ovos eclodem no útero e a fêmea vivipares eliminam as larvas As larvas por via linfática ou sanguínea atingem a circulação e espalham-se por todo o organismo, no entanto só atingem a maturidade nos músculos estriados esqueléticos O organismo reage formando um quisto fibroso que envolve a larva O homem contamina-se ao ingerir a carne de porco mal cozida. As larvas desenquistam por acção dos sucos gástricos e dão em 48 horas os vermes adultos no intestino do novo hospedeiro. Transmissão Ingestão de carne mal cozida. A repartição geográfica da trichinose é em função dos hábitos alimentares Alemanha, América do Norte onde a charcutaria é muito apreciada, Índia, China, Indonésia e também na África Aida Duarte FFUL 18 Infecções cardiovasculares