ENSINAR E APRENDER FILOSOFIA HOJE: UMA ABORDAGEM CENTRADA NO CONCEITO DE CURRÍCULO Ana Maria Fonseca* A autora reflete sobre o importante papel que a Filosofia desempenha nos currículos de ensino médio e superior, enfatizando o aspecto formativo da disciplina e toda a sua potencialidade para desenvolver estes aspectos. Mas, o foco da discussão consiste no descompasso entre o que a disciplina propõe e oportuniza e o modo como ela se organiza didaticamente num marco de condições que permita efetivamente a aprendizagem. Assim sendo, constitui em objetivo deste estudo apontar que o problema do ensino da Filosofia no contexto atual não é de cunho epistemológico, mas sim de ordem didático-pedagógica. Palavras-chave: filosofia, ensino, currículo. Este estudo tem como ponto de partida a tomada de posição de que é possível filosofar e ensinar Filosofia. Sendo assim, a Filosofia constitui-se em mais um componente curricular, tanto em nível de ensino médio como universitário, tendo ela, nesse sentido, um papel e um objetivo a cumprir. Ao tentar compreendê-la dentro de uma concepção de currículo, pergunta-se: Qual o papel e o lugar da Filosofia no currículo do atual contexto educativo? Para começar responder a esta questão, entende-se “currículo”, de acordo com Gimeno (1991), como um sistema em que diferentes dimensões, inter-relacionadas, no mais das vezes tensionadas, erguem-se em um marco de condições que precisam desvelar; ao passo que, de outro modo, a compreensão e a potencial intervenção sobre o ensino resultaria inviável por apresentar-se descontextualizada e ingênua. Fala-se do currículo, portanto, como uma estrutura de condições que determina a prática educativa. Em consonância com as idéias de Gimeno e Perez Gomes (1998) quatro fontes alimentam o currículo. São elas: sociológica, epistemológica, psicológica e pedagógica. * Doutora em Filosofia e Ciências da Educação. Professora adjunta do Departamento de educação e Ciências do Comportamento da Fundação Universidade Federal do Rio Grande – Rio Grande/RS – Av. Itália, Km 8Campus Carreiros – E-mail: [email protected] O ensino da Filosofia no contexto atual: uma aproximação com a fonte sociológica do currículo Prevê a Lei no 9.394/96, que trata das Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, em seu Art. 1o: “A educação deverá abranger os processos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. Frente a isso, a sociedade espera da escola uma formação não meramente instrutiva, mas a continuação da tarefa formativa começada na família e prevista, também, para todas as fases de ensino subseqüentes. Qual seria, então, o papel da Filosofia na educação escolarizada, como processo de socialização? Em época de globalização, observa-se que o pensamento sistemático, a reflexão analítica ou a mera justificativa do que se afirma, têm, sobretudo na escola, algo de desvalorizado e arcaico. O espaço do pensamento foi substituído por um espaço comum da mídia, produtor de usuários dóceis e espectadores passivos. A Filosofia não é sedutora em nossos tempos. Pelo contrário, parece um estorvo pouco prático. Não nos garante a felicidade ou a solução rápida dos nossos problemas; e coloca, por outro lado, novas questões, talvez mais complexas e profundas do que as comumente postas. Que sentido há, hoje em dia, em complicar a vida, mergulhando no fundamento das coisas, quando tudo é oferecido de forma direta e espetacular? O impacto imediato da imagem torna obsoleta e aborrecida a intervenção mediadora da reflexão. E o pior, tudo o que não tem lucro imediato termina sendo uma irremediável perda de tempo. Adaptada aos tempos atuais, de práticas e produtos light, presencia-se a expansão progressiva de uma forma de pensamento também light, extremamente alijada das pretensões críticas ou fundacionais da velha razão moderna (humana, universal e objetiva). Esse pensar, que também tem a pretensão de substituir a razão ilustrada, costuma esgotar-se por completo em uma prática servil, orientada pela busca da eficiência e por uma melhor adaptação às condições dominantes – ou seja, uma racionalidade meramente instrumental. Tem-se dito que a instituição escolar moderna, de cunho iluminista, propagadora do saber, promotora do pensar autônomo e, portanto, formadora de seres livres, encontra-se em uma encruzilhada: ou desaparece como tal, ou se atualiza. O significado de “atualizar-se” poderia ter sido, talvez, um interessante tema de debate e discussão pública, mas a economia e o mercado parecem já ter atribuído à escola uma tarefa e um lugar, aos quais, mais ou menos traumaticamente, ela vai se adaptando. A aula de Filosofia transformou-se, então, em um espaço complexo, para o qual confluem inquietações diferentes. Mas deve a Filosofia resignar-se diante desse panorama aparentemente desolador? A escola passará a ser um âmbito em que a Filosofia não mais tem lugar? Significaria reconhecer a derrota do pensamento, a impossibilidade de poder pensar essa realidade em outro lugar, além daquele já estabelecido pelo capitalismo universal do fim do último século. Testemunha-se que a educação escolarizada trabalha independente do nível de ensino (em melhor satisfazer os “para quê” socialmente reconhecidos), a fim de levar os que passam pelas suas aulas a inserir-se passivamente na sociedade e em suas leis de mercado. Na verdade, para que escolham o que para eles já foi escolhido, para que sejam mais eficazes em suas ações de produzir e consumir, agindo por meio de estratégias que aperfeiçoem ou melhorem as condições de um sistema estendido a quase todos os recantos da vida. Desse modo, assiste-se, a contragosto, ao espetáculo da Filosofia transformada em utilidade, em ferramenta para aceitar a lógica, a retórica, a política ou a estética do que é dado, especialmente quando vira mero exercício técnico, apenas um conjunto de habilidades, tornando-se, assim, útil para entender e ordenar, para justificar e explicar, mas nunca para questionar e subverter. O sentido da Filosofia é encontrado na pergunta “para quê”. Para Cerletti e Cohan (1999, p. 99), “a Filosofia se liga ao social, já que todos os seres humanos vivem em comunidade, e este se torna o único contexto no qual o ser humano pode ser como é”. Esse é o velho sentido da pólis grega: quando o ser humano se estabelece em uma comunidade de sentido e de relações significativas que o constituem como ser social. Dessa forma, a constituição do ser humano em uma comunidade de significado desperta o sentido da Filosofia como questionamento radical da ordem estabelecida. Na pólis, a Filosofia torna-se crítica radical do status quo vigente na política, na ciência, na arte e em todas as formas sociais e culturais dominantes. O conhecimento filosófico: uma aproximação com a fonte epistemológica do currículo Buscar a concepção epistemológica de uma ciência significa concebê-la abstrata e intelectualmente enquanto conhecimento, com identidade própria, oriunda de características gerais que são a ela peculiares e que a definem como tal. Quando se busca uma aproximação com a fonte epistemológica do currículo da Filosofia, encontra-se na própria disciplina esse fundamento, na medida em que o ato de ensinar-aprender Filosofia jamais se dissocia da episteme filosófica. Desde a Antigüidade até os nossos dias, tem-se reconhecido na Filosofia algumas dimensões típicas e extremamente peculiares desse tipo de conhecimento. São elas: - como sabedoria teórica e especulativa, a Filosofia pretende assegurar a unidade e a universalidade do saber; - como sabedoria reflexiva, pretende garantir sua própria interioridade e intimidade; - como linguagem, pretende garantir a prática filosófica e a possibilidade do ensinar/aprender. A Filosofia como saber, reflexão e linguagem A Filosofia como saber é, sem dúvida, a mais antiga dentre as concepções. Conhecer é o movimento primeiro da inteligência, o verdadeiro impulso do filosofar. Com os pré-socráticos aparece pela primeira vez a idéia de ciência total e, com ela, uma tarefa ideal de fins ilimitados, concepção impensável nos dias que correm, depois da constituição das ciências. Em Descartes a Filosofia deixa de ser o coroamento das ciências para, através da Metafísica, ser o seu fundamento, a sua garantia. Mas a unidade da ciência permanece como ideal. No século XVIII as metafísicas racionalistas caem em descrédito e o Positivismo reduz a Filosofia à síntese das ciências. A partir de 1850 os sistemas declinam e buscam-se novos métodos (intuição em Bergson, descrição fenomenológica em Husserl...); prega-se uma volta ao imediato, “às coisas mesmas”. Mas o tema da universalidade, da unidade, da totalidade, permanece, e conclui-se, então, que a Metafísica corresponde a uma necessidade imprescindível do espírito humano e constitui-se no primeiro passo do conhecimento filosófico. Todavia, esse conceito de saber ligado ao pensamento de si mesmo (experiência metafísica) não pode, segundo Santiuste e Velasco (1984), manter-se, na atualidade, como unívoco, pois é preciso saber distinguir entre o saber científico e o filosófico. Por amplas que sejam as teorias científicas, o saber científico é sempre parcial, regional, enquanto o saber filosófico, renunciando a toda a totalização enciclopédica, permanece, em sua intenção, universal. Heidegger tinha razão ao afirmar que o grau de desvelamento do ser não coincide com a soma dos entes. Enquanto o saber científico é objetivo, o saber filosófico é reflexivo. A ciência, atividade construtiva, vai do sujeito ao objeto, de dentro para fora; a Filosofia, a atividade reflexiva, vem do objeto ao sujeito, do mundo ao espírito. A reflexão constitui-se na segunda dimensão do conhecimento filosófico. Ela não se constitui em uma atitude natural, mas tem algo de prazeroso, desinteressado, lúdico. É a consciência da consciência, é um voltar do espírito sobre si mesmo. Pressupõe uma prévia extensão do saber, com aquela interação mental que é a sua conseqüência, o choque dos espíritos, a contradição das opiniões, o nascimento da dúvida, a busca de uma norma para o justo e o verdadeiro. O diálogo exterior convida para o diálogo interior: é um momento essencial do conhecimento filosófico, como se fosse seu segundo nascimento. A ironia socrática, a reminiscência platônica, a confissão agostiniana, o cogito cartesiano, a intuição bergsoniana, a redução husserliana, o rigor orteguiano etc., são formas especializadas de reflexão, de muitos variados estilos e importância. Simplificando, pode-se dizer que a crítica do saber é seguramente um dos principais benefícios da reflexão. Uma dimensão mais moderna da Filosofia diz que o conhecimento filosófico é essencialmente um conhecimento abstrato, isto é, lingüístico. Somente na linguagem – e através dela – se faz Filosofia. Mas, segundo Wittgenstein (Investigações Filosóficas, I, n o 19), imaginar uma linguagem é imaginar uma forma de vida. A linguagem é parte essencial da vida que se vive e, dessa forma, seu sentido e realidade. Aqui se encontra a relação da Filosofia com o seu ensino e aprendizagem. O fato de estar-se com alunos, semanalmente, durante muitos meses do ano, constitui-se indubitavelmente em uma forma de vida: professor e aluno reúnem-se para uma determinada finalidade, que é, pelo visto, adquirir determinados conhecimentos, organizados previamente em um programa. Ora, essa finalidade seleciona uma série de atos; alguns muito válidos e outros improcedentes. Todos esses atos, repetidos dia a dia, causam uma variada gama de conotações emotivas, constituindo-se em reforço negativo ou positivo na conduta da classe. E tudo isso produz hábitos que vão orientando e reorientando toda a atividade e construindo um complexo universo vital, capaz de fazer com que os participantes desse universo limitem-se a selecionar, entre o acervo lingüístico da comunidade global em que vivem, aqueles termos de que necessitam para expressar a forma de vida que vêm realizando. Nas palavras de Orio de Miguel (1995), o meio crítico, isto é, a forma de vida na classe, o que é dito, como é conduzido e como é proposto, é o conteúdo filosófico mais importante, mais sutil e, possivelmente, o mais decisivo no trabalho do professor. O que se acaba de dizer pode valer para qualquer tipo de conhecimento, mas tem uma particular relevância na transmissão do conhecimento filosófico. Na maioria das disciplinas o ato de conhecer e o objeto a ser conhecido são diferentes. Ao contrário, o professor de Filosofia ocupa-se em conhecer e transmitir o mesmo conhecimento, de maneira que haja coincidência entre o ato de conhecer e o objeto a ser conhecido. Conteúdo e método são o mesmo, ou seja, o que está sendo transmitido também está sendo construído no ato mesmo de transmiti-lo. Daí decorre, por esse ato essencialmente lingüístico, um ato essencialmente criativo, único, irrepetível. Nesse sentido, as disciplinas filosóficas, em especial a Filosofia, possuem o privilégio de terem em mãos a criação contínua e dinâmica de uma série de relações pessoais, de tal modo a provocarem situações intelectualmente críticas, lingüisticamente formuladas. Os alunos que cursam Filosofia: uma aproximação com a fonte psicológica do currículo A fonte psicológica do currículo refere-se ao desenvolvimento do processo de aprendizagem dos alunos, quer dizer, ao que é possível ser aprendido por eles, e como fazê-lo. Para otimizar esse processo é preciso situar o educando em um paradigma cognitivo capaz de realizar a mediação do efeito do ensino sobre a sua aprendizagem. Dessa forma, é preciso conhecer alguns traços que caracterizam os jovens que freqüentam as aulas de Filosofia, quer no ensino médio, quer na universidade, para poder compreender que tipos de processos cognitivos são capazes de desenvolver, favorecendo, assim, uma maior adequação entre o planejamento pedagógico do professor e a aprendizagem efetivamente realizada. Ao tratar da questão do paradigma cognitivo em que se situam esses jovens alunos de Filosofia, Trillo (1995), seguindo Elliot (1990), vê a necessidade de diferenciar o processamento da informação em relação à significação ou compreensão da mesma. Por isso, é preciso “separar os processos cognitivos básicos (observar, reunir dados, comparar e relacionar, resumir, ordenar, classificar etc.), em sua acepção mais reducionista de mero processo de codificação, dos processos metacognitivos (predizer, interpretar, verificar, comprovar os procedimentos empregados, valorizar tarefas propostas etc.) que, desde o suposto de sua significação para o aluno, permitem a ele avaliar, planificar e regular sua própria aprendizagem, mediante a autovalorização das suas próprias competências e a autodireção na consecução das mesmas.” (Trillo, 1995, p. 79) As idéias de Trillo (1995) posicionam-se a favor de que os alunos, independente da defasagem (deficiências múltiplas em seu aprendizado) sofrida nas séries anteriores, encontram-se aptos a envolverem-se em uma aprendizagem que provoque muito além da repetição de informações, até porque “processar a informação não fornece a garantia de que o sujeito a signifique.” (Trillo, 1989a). Mais que empreender meramente processos cognitivos básicos, os jovens são capazes, podem e devem trabalhar com processos metacognitivos, que vão ao encontro de uma aprendizagem autônoma. Não obstante, isso só se torna possível se os professores tiverem claros os tipos de atividades e de tarefas a serem propostas para atingir determinados fins. Nesse sentido, a Filosofia mostra-se como um campo fértil para o desenvolvimento da metacognição. Esses jovens alunos encontram-se na chamada “idade metafísica”. Examinar idéias sobre a natureza do homem, a religião, os sistemas sociais e os princípios éticos, a política, a vida, a morte, a alma é algo que se mostra interessante e mesmo que, muitas vezes, sem a necessária profundidade, possuem interesse em discutir. Por isso, algumas temáticas apresentam-se mais significativas, embora não em grande número, para que eles questionem a utilidade da disciplina para a sua vida futura e o seu trabalho. Sabe-se que o jovem possui um aguçado senso crítico. Ele vai formando a sua personalidade em contraste com outros modelos sociais, emocionais, afetivos e de conduta individual e coletiva, sem deixar de criticar principalmente o já instituído. Faz-se importante, nesse estádio da vida, a convivência em grupo, onde ele pode confrontar sua identidade com a de outras pessoas. Nessa direção, os primeiros escritos de Lewin (1947-48) já demonstram o valor e a utilidade da comunicação interpessoal nos contextos de grupos para a aprendizagem e para as modificações de conduta e incorporação de novos valores. Um outro fator que não se pode deixar de considerar é a curiosidade intelectual da juventude. Isso gera uma atitude favorável, na medida em que predispõe o aluno para a aquisição e a vivência dos conteúdos, o que é extremamente positivo sob a ótica da transmissão do conhecimento, possibilitando não só o desenvolvimento da capacidade intelectual, mas também a descoberta do significado e a relação entre as idéias. Frente a tudo isso, o enfoque dado pela Filosofia deve ser muito cuidadoso e permanentemente revisado, para que se aproveite, por um lado, o excepcional caráter formativo da disciplina e, por outro, o potencial dos jovens, em sua maioria predispostos a inúmeros questionamentos de cunho antropológico, cuja norma direciona para a consecução do equilíbrio próprio da personalidade adulta, bem orientada para o mundo em que vive e livremente aberta às relações humanas e à dupla aceitação de si mesmos e do outro. Ensinar e aprender Filosofia: uma aproximação com a fonte pedagógica do currículo A fonte pedagógica, recolhendo as contribuições existentes na teoria e na prática docente, é a que proporciona os elementos indispensáveis à elaboração do currículo em suas fases de organização e em seu posterior desenvolvimento. Trata-se, aqui, de como o professor organiza efetivamente a sua prática pedagógica. Neste momento, convém lembrar que o currículo constitui-se no ambiente especializado em aprendizagem, deliberadamente ordenado, com o objetivo de dirigir os interesses e as capacidades dos alunos para a eficiente participação na vida da comunidade e da nação. Ele diz respeito ao auxílio dado aos alunos para o enriquecimento de suas próprias vidas, contribuindo para o aperfeiçoamento da sociedade através da aquisição de informações, habilidades e atitudes. Na maioria das escolas e universidades trabalha-se com o currículo centrado nos professores, isto é, tendo eles a responsabilidade de organizar a prática pedagógica da forma que melhor lhes aprouver e que, no seu entendimento, conflua para os interesses e expectativas dos alunos. Constituem-se em componentes curriculares: os objetivos de ensino, as metodologias, os conteúdos, os recursos didáticos, a avaliação, o professor e os alunos. A análise de cada um desses componentes curriculares seria assunto para um capítulo de livro ou mesmo para uma dissertação. Na impossibilidade de, por ora, examinar cada um deles, conclui-se compartilhando do pensamento de Machado (2001). Segundo a autora, duas são as idéias norteadoras da fonte pedagógica do currículo. Ei-las: 1a) O professor constitui-se, sem dúvida, no mais importante agente curricular, na medida em que organiza, executa e avalia o planejamento de ensino. No caso específico da Filosofia, precisa o professor nortear sua atividade didático-pedagógica por alguns princípios específicos da sua disciplina, a saber: - a familiaridade com os procedimentos de análise filosófica empregados no processo de ensino-aprendizagem; - o domínio da linguagem, bem como o domínio da argumentação, nas suas mais variadas formas, que se estendem desde a demonstração estrita até os procedimentos puramente persuasivos, sempre atentando-se aos riscos e limitações que seu uso lhe impõe; - a capacidade de iluminação de fatos e dados, indispensável para dar penetração e amplitude ao pensamento; - a sensibilidade afinada com a situação vital do aluno, que permite ao professor utilizar reflexivamente a experiência do jovem, motivando-o adequadamente, tomando sua existência como ponto de partida para o ensino da matéria Filosofia. 2a) Na prática pedagógica atual, o planejamento de ensino constitui-se em uma ação pedagógica essencial; isto é, na prática diária do professor, não deve haver lugar para improvisações. Por conseguinte, o planejamento não pode mostrar-se fragmentário e desarticulado do todo social, mas precisa ser repensado para concretizar uma ação pedagógica crítica e transformadora, que possibilite ao professor ter maior segurança acerca daquilo que ocorre na sala de aula e na escola. Nesse sentido, a intervenção docente necessita traduzir-se em uma ação pedagógica direcionada de modo a integrar o professor dialeticamente ao concreto do educando, buscando transformar essa realidade. Isso não significa dizer que a intervenção docente tenha de basear-se em manuais diretivos. Deve ela alicerçar-se sobretudo em uma exigência interna, que se impõe por si própria, isto é, reflexiva, crítica e transformadora. Conclusão Objetivou-se, dentre outras coisas, ao longo de anos de estudo e de docência voltada para o ensino da Filosofia, tentar compreender e elucidar o marco de condições que determina a prática do ensino da Filosofia, bem como identificar e propor alguns modelos alternativos. Tem-se claro que, mediante o ensino da Filosofia, como disciplina relevante nos currículos do ensino médio e superior, o estudante vai engajar-se na compreensão da realidade, através do estudo da significação de seus códigos; vai entender as condições efetivas que determinam a construção do ser histórico; vai penetrar criticamente no mundo do conhecimento e em toda a sua estrutura axiológica; e, por fim, vai dotar-se de um instrumental ético imprescindível para o estabelecimento das possibilidades e dos limites do ser humano. Dessa forma, ensinar e aprender Filosofia ultrapassa uma atividade meramente instrutiva, visto que recupera plenamente todo o seu sentido formativo, algo que está claramente previsto na nova Lei de Diretrizes e Bases que regula o ensino brasileiro. Contudo, ao mesmo tempo em que a disciplina congrega todas as potencialidades de um saber formativo, os professores apresentam inúmeras dificuldades em organizar a sua prática pedagógica em consonância com toda essa riqueza, donde se conclui que o problema do ensinar-aprender Filosofia é muito mais didático-pedagógico do que epistemológico. A deficiente formação didática dos professores constitui-se em um problema endêmico para o ensino da Filosofia e representa um verdadeiro desafio para todos aqueles que exercem a docência dessa disciplina. Esse quadro estrutural mostra um presente incerto e um futuro indefinido para atingir a otimização do processo ensino-aprendizagem da Filosofia, além de contribuir para a falta de identidade da disciplina, problema que se arrasta desde tempos coloniais. O futuro reserva um muito por fazer no âmbito da didática filosófica, priorizando a possibilidade de um ensino sustentado e fundamentado nas quatro fontes clássicas do currículo: a epistemológica, a psicológica, a sociológica e, especialmente, a pedagógica. Somente na dialética entre a denúncia do que se vive e a construção do que se quer viver é possível garantir o status do ensino da Filosofia como disciplina de pleno direito no currículo do ensino médio e superior brasileiro. Bibliografia CERLETTI, Alejandro; KOHAN, Walter. A Filosofia no ensino médio: caminhos para pensar o seu sentido. Trad. de Norma Guimarães Azeredo. Brasília: Editora da Universidade, 1999. ELLIOT, J. La investigación-acción em educación. Madri: Morata, 1990. GIMENO, José; PEREZ GOMEZ, I. Compreender e transformar o ensino. 4 ed. Trad. de Ernani da Fonseca Rosa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. GIMENO, José. El curriculum: uma reflexión sobre a prática. 3 ed. Madri: Morata, 1991. MACHADO, Ana Maria F. 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